Tag: Annette Bening

  • Crítica | Beleza Americana

    Crítica | Beleza Americana

    O filme de Sam Mendes, lançado em 1999, abre com um vídeo caseiro. Nele, dois personagens conversam, com um deles focado pela câmera. Um conteúdo dedicado às agruras dos adolescentes dos anos noventa e com a inconformidade do sujeito ordinário. Logo entra a narração de Kevin Spacey, seu personagem Lester Burnham fala a respeito de sua vida monótona e tediosa, poetizando sobre seus últimos momentos.

    Beleza Americana é um filme de linguagem direta. Não é difícil entender seus dramas. Os personagens são realistas apesar de exagerados. Além disso, são ricos em sentimento e psicologicamente complexos, principalmente a família Burnham, que além de Spacey, é representada por Annette Bening e Thora Birch. Lester, Carolyn e Jane vivem no subúrbio e são bastante frustrados com a vida que levam.

    Os Burnham formam o trio perfeito, como uma trindade simbólica do americano médio. Unidos aos coadjuvantes, ainda tem uma infinidade de estereótipos em cena: o militar inseguro sexualmente e enrustido, o casal gay super simpático, o garoto esquisito e bonito que se vale das aparências para lucrar e seguir sua vidinha medíocre, a falsa menina fogosa, etc.

    Todos cooperam para essa mini fábula moderna e cínica sobre a vida do americano comum. O fio condutor dessa trama é Lester, um sujeito fraco de mente, que se deixa levar por qualquer vento e circunstância, alguém volúvel que está cansado de se enxergar um perdedor. Sua atitude disruptora mira quebrar essa bolha de monotonia, e sua jornada passa a ser a do homem simples que tenta sair da letargia e da rotina de jantares enfadonhos e programas sociais em que a falsidade impera. Apesar de ser bastante tolo, parece estar acima dos outros personagens. Ao contrário de sua esposa, Carolyn, ele percebe sua miséria existencial e aparentemente aceita-a.

    O roteiro de Alan Ball sobrevoa o estado letárgico geral, tanto na condição catatônica de Barbara (Allison Janney), como na hipocrisia de seu marido (auto engano como representação da letargia) até chegar no sujeito ordinário cansado de ser servil. A geração baby boomer, segundo a fábula, está fadada a ser estática, enquanto a geração posterior busca ser diferente a todo custo. Mendes conduz bem um mundo de aparências em uma vizinhança pequena, fazendo esse micro universo ser crível principalmente por conta de sua direção de atores.

    Ao passo que o roteiro fala a respeito de observar a vida passivamente, também se discute manipulação entre parentes. O embate de pais e filhos é todo pautado nisso. O embate entre Wes Bentley e Chris Cooper consiste no controle que o garoto tem junto ao pai. O rapaz faz o adulto acreditar que domina seus sentimentos e seu  temor, deliberadamente finge acreditar na disciplina pregada pela figura de autoridade. A brincadeira com a expectativa de terceiros é quase um hobby dos homens, independente da idade ou da postura de cada um dos personagens. Todos eles sofrem desse mal, e o comentário de Ball e Mendes é de que a sociedade americana é torta e essencialmente falsa, viciada nesse tipo de manipulação.

    Perto do final, a casa dos Burnham se torna o centro gravitacional de toda a problemática dos suburbanos, um ímã magnético figurativo que atrai a tragédia. Os personagens se aproximam de Lester e lhe exigem afeto, mesmo os que não têm qualquer laço afetivo. Simples ou medíocre, o personagem central travessa a barreira de ser comum logo após perceber que seu objeto de desejo, a ninfeta que ele tanto desejou, é apenas uma adolescente virginal que projetava mentiras. Sua reação comedida o faz perceber o quanto era bobo e comum a busca pelo objetivo inalcançável, até mesmo isso é um fetiche comum.

    Quando hesita em cena, também expia um pecado que não cometeu. Mesmo se não rompesse a perfeição do chefe de família ideal, ele ainda pareceria um sujeito impuro dentro da fábula cristã. Quando alcança essa compreensão, porém, seu fim é rápido, praticamente indolor. Ressaltado pelas flores vermelhas que povoaram suas fantasias. A riqueza de Beleza Americana mora nesse argumento poético e metalinguístico. O homem apenas deseja o que não lhe cabe, romantizando a vida de maneira tola.

  • Crítica | Capitã Marvel

    Crítica | Capitã Marvel

    Cercado de muitas expectativas, Capitã Marvel finalmente chega aos cinemas, dirigido pela dupla Anna Boden e Ryan Fleck, mais de dez anos depois do marco inicial do universo compartilhado da Marvel, com o Homem de Ferro de John Favreau, e o resultado é um filme divertido e despretensioso, mas que tem um desenvolvimento inicial um pouco desnecessário.

    Carol Danvers (Brie Larson) nos quadrinhos sempre foi uma personagem controversa, teve fases entre os codinomes de Miss Marvel, Binária e Warbird em que tratou de temas pesados como alcoolismo e abuso sexual, e de certa forma, o ponto de início da personagem no filme conversa com isso, estabelecendo no roteiro que a heroína teve um passado que não se recorda, e por algum motivo, não há esforço ou curiosidade para se explorar esse ponto. É como se ela estivesse se distanciando dessa época, simplesmente pelo fato de ali habitar traumas tão grandes que fazem a moça esquecer quem era.

    A composição visual desta parte soa estranha e artificial, bastante genérica, curiosamente há um efeito oposto ao visto em Homem de Aço, com Krypton sendo a melhor configuração visual do filme de Zack Snyder para logo depois cair sobre um texto sofrível. Em Capitã Marvel ocorre o exato oposto disso. Neste ponto há uma boa relação do personagem de Jude Law com a protagonista, variando entre a figura do mentor, preocupado com sua talentosa aprendiz, e o sujeito castrador, que impede sua aluna de voar, apelando sempre para o clichê da humanidade, de que ela é muito emocional, afirmando que isso atrapalha sua função de protetora da cultura Kree. A grande questão é o que ocorre depois, onde as curvas dramáticas de certa forma invertem um pouco o sentido desse relacionamento, e caem sobre clichês batidos. Essa pecha de desqualificar a pessoa por conta das suas emoções é um clichê muito utilizado para desqualificar as mulheres e a maior riqueza do roteiro é a desconstrução desta questão, resultando inclusive nesse ser o diferencial da personagem enquanto guardiã da justiça.

    O retorno à Terra é sem dúvida nenhuma um dos melhores momentos do longa. Tudo que envolve a chegada da heroína ao planeta é carregada de paranoia extrema, que começa pelo conflito entre Krees e Skrulls. Essa dicotomia traz ecos da Guerra Fria, e é acertada demais à época em que o filme de passa, nos anos noventa, com a humanidade que já viveu a Guerra Fria e que se permite não ser mais tão maniqueísta e preocupada quanto os dois povos em conflito. De inteligente também existe o comentário sobre o quão vazias podem ser as razões para a guerra, além da desconstrução da demonização de ambos os lados, pois durante as mais de duas horas de filme os dois povos alienígenas são mostrados como cruéis e honrados quase na mesma medida.

    O Nick Fury de Samuel L. Jackson se torna um coprotagonista, a quantidade de tempo e de importância que tem no filme talvez seja maior do que toda a soma de suas participações nos outros capítulos do MCU. A reconstrução visual de sua juventude é muito bem feita, a maquiagem o deixa mais jovem e ele claramente está em boa forma. Não faz lembrar o seu personagem Zeus em Duro de Matar: A Vingança, mas ainda assim ele aparenta ter entre 30 e 40 anos. Boa parte das piadas e momentos engraçados do longa passam por ele, e a relação entre ele e a personagem-título flui muito bem entre o receio mútuo dos dois e a parceria franca e crédula. A dinâmica de filmes policiais com parceiros diferentes funciona bem demais, fazendo o fracasso de Homem de Ferro 3 soar ainda maior por ter tentado isto com os filmes da Marvel e simplesmente não ter conseguido.

    As piadas com a tecnologia descartável da década de 90 são muito boas, e apesar de não ter um vilão muito inspirado tal qual a maioria absoluta dos filmes da Marvel, as relações de Capitã Marvel são muito críveis, seja as de Larson com Annette Benning, que faz uma mentora que se baseia em um personagem clássico dos quadrinhos, mas com diferenças importantes, ou com Talos, o personagem de Ben Mendelsohn, que faz um sujeito desconfiado, sorrateiro mas que é capaz de travar uma amizade que varia entre a rivalidade e a cooperação amistosa com Fury — aliás poucas vezes se viu uma versão tão acertada e diferenciada dos Skrulls quanto aqui.

    Há uma outra relação interessante, embora não tenha muito tempo de tela, entre Danvers e sua amiga e antiga copilota Maria Rambeau, interpretada por Lashana Lynch, que além de carregar o sobrenome da personagem Monica Rambeau (a primeira Capitã Marvel), ainda dá ares de antigo par romântico de Danvers, ainda que isso não seja dito com todas as letras, de qualquer forma é louvável que tenha se levantado essa possibilidade, ainda mais se tratando de um filme feito para o público nerd, que tem sido um reduto de conservadores nos últimos anos.

    Apesar de alguns problemas com a história muito formulaica, a obra de Boden e Fleck tem mais acertos do que equívocos, sobretudo no que não é dito e no que é implícito. Se Larson não é tão brilhante, ao menos seus coadjuvantes são, em especial Jackson e Mendelsohn, que pavimentam bem o caminho para que a personagem heroica consiga atingir seu apogeu, a despeito até do fraco desempenho de Law no ingrato papel que lhe cabe. Ao menos nesse filme não existe a mesma problemática de tantos outros filmes de origem, embora seja um pouco necessário ter assistido Capitão América: O Primeiro Vingador e Guardiões das Galáxias para relembrar alguns personagens e situações. As cenas pós-créditos pouco acrescentam e ao menos neste filme não se justifica o fato de Fury não ter chamado através do pager uma mulher tão forte e poderosa em Vingadores, Vingadores: Era de Ultron ou em Capitão America: O Soldado Invernal, e as possibilidades para o futuro da Marvel nos cinemas seguem como antes do lançamento do filme, intactas, abrindo a possibilidade para talvez terem histórias mais fechadas em si, como esta, onde o escapismo e a falta de pretensão cronológica possam reinar de modo livre e sem pudor de ser somente isso.

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  • Crítica | Marte Ataca!

    Crítica | Marte Ataca!

    “Uma rampa está descendo… como uma língua gigante!”

    Homenagem é o sobrenome de Marte Ataca!, uma das mais icônicas produções de Tim Burton, nos saudosos anos 90. Ainda colhendo os louros pelos sucessos de bilheteria que foram os dois primeiros Batman, e logo após Ed Wood, um dos seus melhores projetos, quiçá o seu melhor, Burton já tinha a confiança da Warner Bros. para comandar uma milionária invasão alienígena a Terra, e assim o fez. Dispondo de um grande elenco que incluía Jack Nicholson, Glenn Close e outras inúmeras estrelas reagindo a iminência de um primeiro contato extra terrestre, e das mais amalucadas formas de reação, o diretor de Os Fantasmas se Divertem e outros inúmeros filmes cuja estranheza e excentricidade ganharam o amor popular fez o tributo pop definitivo ao clássico trash Plano 9 do Espaço Sideral.

    Se em plena década de 50, espaçonaves eram literalmente pratos pendurados em barbantes, e filmados com orçamento risível por um louco apaixonado por Cinema chamado Ed Wood, esses mesmos veículos alienígenas em formato oval descem das nuvens, em Marte Ataca!, sendo efeitos especiais propositalmente horríveis, remetendo-os com essa intenção de escracho as inesquecíveis e bizarras obras do ídolo de Burton, massacradas na época por suas péssimas qualidades. Aqui, a bizarrice é generalizada muito antes de vermos os alienígenas, sendo nós muito mais estranhos em nossos costumes que eles, esquisitos muitos mais na sua aparência do que nos atos hostis muito parecidos aos da nossa espécie.

    Temos aqui a icônica cena dos homenzinhos verdes, um clichê orgulhoso do que é, assim como os velhos filmes testamento de Wood, o famoso pior cineasta de todos os tempos, entrando enfileirados na Suprema Corte norte-americana antes de incinerar a todos, sem motivo aparente. Em cenas como essa, ou na própria apresentação dos marcianos violentos aos “dóceis” militares americanos, ainda no começo do filme, Burton promove aqui usar a mesma selvageria que os EUA usam no trato com outras nações nas guerras que se envolvem, sendo não à toa os donos do mundo, seja por conta do poderio militar, ou através do poder midiático que produzem para fortalecer o american way of life. Essa intolerância aqui, mesmo vista pela ótica do ridículo e do humor, nunca esgota sua cumplicidade com a realidade política dos fatos que só agravaram-se com a presidência de Donald Trump.

    É interessante como o filme não tem pressa alguma de mostrar as suas criaturas de outro planeta, e o caos que elas fazem acontecer. Enquanto toda essa bizarrice de duas cabeças apaixonadas voando sem corpo passa, pouco a pouco, a ser o fator principal de uma trama baseada em como a loucura e a paranoia regem os EUA, e Las Vegas e Washington começarem a ser atacadas em divertidas e exageradas sequências de ação, fazendo pouco dessas cenas que Hollywood refaz todo ano em um sem número de filmes ruins, a crítica à política americana e ao modo de vida do Tio Sam é nítida, metaforizada aqui por um presidente incompetente, cidadãos abestados e uma cultura de espetáculo que explode pelo ar e ninguém liga porque tudo é descartável, assim como os cenários falsos e brilhantes que cercam pessoas falsas, de roupas brilhantes. De ingênuo, e ridículo, o ótimo Marte Ataca! tem apenas a sua casca, sendo uma ode apaixonada as raízes de um cineasta que nunca escondeu suas influências.

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  • Crítica | Mulheres do Século XX

    Crítica | Mulheres do Século XX

    O século XX pode ser visto como um dos, talvez o mais denso da história da humanidade. Das grandes guerras e depressão até os direitos civis de negros e mulheres; o direito de ir e vir, o direito de ser. A mudança do entendimento do nosso mundo de vidas em pequenas comunidades, com palpáveis significados, para a solidão de uma percepção para além do que nos cerca, para além das cercas de nossos bairros. É nesse século que o homem pisa na lua, mas não consegue entender seus vizinhos; que as grandes guerras não mais ousarão ser quentes, mas frias e eternas; que o divórcio “sem motivo” nos EUA é liberado, com o estado pioneiro sendo a Califórnia em 1969. É nesse século de eterna crise que viveu Dorothea, desde seu nascimento na crise de 29, passando pela crise dos mísseis e terminando na crise dos 2000, mas sua memória vive até hoje no que Jimmy Carter chamou de crise de confiança.

    Mulheres do Século XX é um filme dirigido e escrito por Mike Mills. É baseado na juventude do diretor, mas especialmente em sua mãe. Dorothea (Annette Bening), uma adulta de 50 e poucos anos da Califórnia, se vê obrigada a buscar outras influências para o filho, Jamie (Lucas Jade Zumann), nesse momento de mudança de paradigmas, 1979, e é nas mulheres jovens que habitam sua grande casa em eterna reforma que encontra a solução. Abbie (Greta Gerwig), uma ex-estudante de artes de Nova York que se recupera de câncer, e Julie (Elle Fanning) uma jovem que se declara autodestrutiva e se aproxima muito de Jamie. Além desses personagens, há também William (Billy Crudup), o único homem adulto da casa, que trabalha no eterno conserto do local.

    O choque entre gerações se faz de forma bem distinta em relação a tantos outros filmes do tipo. Por ser baseado na mãe e juventude do próprio diretor, há uma presente intimidade e utilização de um denso conjunto de relatos e eventos em nível micro para clarear o que se entende do nível macro de uma época. Essa abordagem beneficia especialmente as personagens, que apresentam um profundo desenvolvimento pessoal. É uma forte base para o que o filme se propõe a tratar, especialmente em relação a gênero, exemplificando com diversos eventos e facetas de vivências que as personagens passam, em assuntos que vão desde maternidade e solidão até sexualidade. E em meio a essas mulheres de personalidades intensas, há um jovem se formando em homem.

    “Mas não é preciso um homem para formar um homem?
    “Não, eu acho que vocês vão funcionar pra ele”.

    A direção e roteiro biográfico de Mills permite que as atrizes encontrem nessas complexidades a humanidade simples e latente, essa característica tão forte que permeia todo o filme. Especialmente Annette Bening, que atua sem melodrama como uma mulher vezes melancólica e vezes extrovertida, alguém viva, e que toma como objetivo a salvação de seu filho de um mundo que se sente descrente, ou como foi traduzido por Jimmy Carter: Podemos ver essa crise na crescente dúvida sobre o significado de nossas vidas e na perda de unidade de propósito para nossa nação.

    A apresentação do filme compartilha da energia de seus personagens, com sua direção de arte de cores fortes, mas especialmente sua montagem. Vários momentos se tornam acelerados e com efeitos a lá Koyaanisqatsi, com narrações que trazem uma clara manifestação de memória e reflexão. Dessa forma o filme consegue transmitir toda essa vivência sem se tornar arrastado ou acelerado; simplesmente um fluxo de consciência como alguém que conta sobre uma distante infância a seus filhos.

    Mills criou uma obra de amor em memória de sua mãe, assim como a seus valores, e que se posiciona como um entendimento das dificuldades que ela passou e queria evitar que ele passasse. É um filme sobre a aceitação do tempo: o que pode ser profundo e cheio de significado agora, logo se tornará vazio, assim como as vidas que agora são, deixarão de ser. O que Carter chamou de crise de confiança é atualizada hoje como a de autoestima. A segurança dos muros de nossas casas, a distância entre nossas camas e o chão; nada é suficiente para nos proteger do inimigo mais desconhecido: nós mesmos. Você não gosta disso, e nem eu. O que podemos fazer? Primeiro de tudo, devemos encarar a verdade, e então podemos mudar.

    Texto de autoria de Leonardo Amaral.

  • Crítica | Não Olhe Para Trás

    Crítica | Não Olhe Para Trás

    Não Olhe Para Trás 1

    Estreando na cadeira de direção, após um longo currículo como roteirista, Dan Folgerton realiza seu filme como uma peça de redenção, baseada em uma figura supostamente real que remeteria aos longevos musicistas sexagenários que tiveram seu auge nos anos sessenta e setenta. Danny Collins – ou Não Olhe Para Trás (principal música do astro de rock biografado) – inicia-se com um jovem Eric Michael Roy para mostrar o personagem-título ainda cru, comentando sua influência enquanto compositor através de John Lennon. Ainda assim, uma figura estranha, uma vez que todos os discos espalhados pelo filme usam as imagens do acervo fotográfico de Al Pacino.

    As próximas cenas mostram a entrada de Collins em uma palco, toscamente abrindo uma porta que o leva diretamente ao centro – cena esta que seria pervertida no futuro –, exibindo um homem preguiçoso e acomodado pela eterna questão de ser rico, famoso e de ter o mundo aos seus pés. O uso abusivo de drogas ajuda a montar um arquétipo de bad boy geriátrico, repleto de whiskey e cocaína, enquadrando o idoso interpretado por Pacino como um homem cujos luxos e desilusões o dominam.

    O quadro de tranquilidade muda quando seu único amigo remanescente, e empresário, Frank Grubman (de um subaproveitado Christopher Plummer), lhe entrega um presente, uma carta que John Lennon lhe escreveu em 1971 sobre a entrevista que ele deu a revista Chime In, presa com o então editor, para que pudesse barganhá-la por muito dinheiro. O entrevistador faleceu, e a mensagem foi parar nas mãos de um colecionador, até ser comprada pelo manager, que tinha em mãos algo semelhante a uma garrafa perdida ao mar.

    A postura visual de Danny muda, quando, em sua cama, se permite ser ele mesmo, de óculos espessos e grande armação, que pretensamente o fariam ler melhor a carta, livre de qualquer aparência pré-fabricada do ser extremamente sexual que precisava pintar no passado, e que na vida idosa já não fazia quase efeito nenhum. O texto da carta envolvia a superação de qualquer condição monetária ante o ofício artístico da composição. Envergonhado, em frente a um outdoor com a sua imagem anunciando o volume três de uma coleção de Greatest Hits, o sujeito decide abandonar as drogas e rumar a Nova Jersey para escrever novas canções e uma nova história.

    Em um hotel modesto, Danny se interessa visualmente pela gerente Mary Sinclair (Annete Benning), que não chega perto das beldades com quem costuma transar, interesse este certamente ligado ao fato de perceber estar envelhecendo. A realidade, em uma análise frívola, revela somente uma crise de meia-idade. A busca por elementos diferentes faz com que encontre pessoas que deveriam ser de sua rotina, mas nunca foram.

    O cantor visita então seu filho perdido, encontrando sua nora Samantha (Jennifer Garner), grávida de seis meses, além da brava e linda Hope (Giselle Eisenberg), sua neta que sofre do transtorno de déficit de atenção. Ao encontrar Tom (Bobby Cannavale), ele é rejeitado, tendo enfim a retribuição por décadas de ignorância.

    Não Olhe Para Trás relaciona-se a Mesmo Se Nada Der Certo, mas em versão madura, tendo muitos dos elementos do roteiro de Última Viagem a Vegas. No entanto, falta o carisma dos filmes citados, e claro, o ponto alto do escritor em Amor a Toda Prova. Depois de compor apenas um pedaço de uma futura música, Danny decide ajudar sua neta a despeito do desprezo de Tom, começando uma miniaventura nessa jornada de reconstrução.

    O caso se agrava com a descoberta de que seu filho tem uma doença, o que acumula ainda mais a barra de clichês, um traço comum entre as gerações – que inclui também o roteiro –: a petulância. Em um dos poucos movimentos inesperados, Danny decide montar um modesta apresentação final, que até começa promissora na entrada do músico por uma porta de saída. Porém, logo a aura é quebrada com o retorno do showman e sua música tema, exibindo os ecos de uma carreira viciada que se importa com o público caquético que o acompanha, mas não o suficiente para o cantor sair de sua zona de conforto.

    Apesar do belo elenco de apoio, há poucas luzes da ribalta, mesmo para o redescoberto Al Pacino. A mensagem final é de que a natureza humana não muda, mas os préstimos de atenção e carinho podem ser presentes, mesmo na rotina de um velho homem, algo já foi visto em praticamente toda a filmografia do roteirista/diretor, mas sem a mesma inspiração das obras anteriores.

  • Crítica | Uma Nova Chance Para Amar

    Crítica | Uma Nova Chance Para Amar

    Romances com personagens maduros são um tanto raros no mercado comercial. Dentre os poucos lançados anualmente, filmes sobre a maturidade, ou a velhice, são retratados com um exagero realista e com personagens desolados, quase fatalistas, vivendo a infelicidade até o fim de suas vidas. O cinema abre espaço para dramas existenciais, mas nunca reconhece a possibilidade de existência do amor em outras épocas, além da juvenil.

    Estrelado por Annette Bening, Ed Harris e Robin Williams (em um de seus últimos papéis em cena), Uma Nova Chance Para Amar apresenta Nikki, uma mulher devastada pela perda do marido, falecido em uma praia mexicana durante uma viagem amorosa. As cenas iniciais do longa demonstram com habilidade o passar do tempo da vida da personagem e de como a memória do cônjuge ainda se faz presente em seu imaginário, nos objetos em comum do casal e em situações cotidianas. Uma lembrança que lhe causa choque ao reconhecer, em uma galeria de arte, um pintor idêntico ao marido.

    A leveza agridoce do início do roteiro, composto com qualidade nas citadas cenas cotidianas, se intensifica em um melodrama que procura atingir o emocional do público. A princípio, a trama analisa a delicadeza do ser humano perante a perda de entes queridos, ainda mais em um acidente inesperado. A personagem central demonstra fragilidade interna e parece procurar neste homem, semelhante à sua alma gêmea, um retorno ao passado; fazer deste novo amor uma representação do marido.

    O roteiro direciona sua narrativa com maior intensidade para o romance que irá acontecer e à análise da necessidade de um mínimo de preparo psicológico para o conhecimento, a compreensão e a aceitação de outro ser humano. Embora a questão do duplo seja apresentada em breves diálogos, justificando que não há nenhuma pessoa genuinamente única, a trama focaliza a confusão interna da personagem nesta projeção semelhante de dois personagens.

    Ed Harris sustenta ambos os papéis, sendo capaz de entregar nuances diferentes para cada um deles: mais alegre para o marido falecido, mais irônico e contido para o pintor. A princípio, a semelhança causa estranheza também no espectador, e, sem estarmos cientes do enredo, é possível pressupormos a fragilidade da saúde de Nikki. Seria o público um cúmplice de um desvio psicológico ou quem corrobora com a semelhança de ambos? Novamente, o longa não parece interessado em analisar a negação do luto, mas foca diretamente o conflito entre homem e mulher em uma relação amorosa. Este enfoque dramático amplia-se conforme conhecemos a história oculta do passado de Nikki. Uma proposta arriscada por depender da recepção emotiva do público e da aceitação de que o enredo possui um conceito minimamente realista.

    Por outro lado, o enfoque romântico gera bonitas cenas de amor maduro e, distante de um fatalismo exagerado, compõe com naturalidade um quadro de personagens equilibrados mesmo em situações limite. Robin Williams, em uma de suas últimas performances, interpreta um viúvo que também sofreu a perda da esposa. Um laço que o une a Nikki como um triste clube que relembra a brevidade da vida. O bom elenco de veteranos produz a credibilidade deste roteiro sentimental e melodramático que atinge o espectador pelas interpretações, demonstrando que mesmo a maturidade física requer também apoio sensível para poder amar.

  • Crítica | Ruby Sparks: A Namorada Perfeita

    Crítica | Ruby Sparks: A Namorada Perfeita

    Ruby Sparks

    A comédia romântica não é um gênero conhecido pela imprevisibilidade ou pelas inovações: o roteiro segue uma espécie de fórmula e é preciso fazer um filme simpático e divertido, mas todos os espectadores sabem que um casal se conhece, se desentende e fica junto no final. Sendo assim, o sucesso desses filmes se baseia no carisma e na química dos protagonistas, e também na parcela de “comédia” que torna agradável todo o caminho até um final já esperado.

    Ruby Sparks acerta exatamente em fazer um filme que trabalha muito bem a maior parte dos clichês do gênero, mas ainda assim inova o suficiente para se destacar do mar de filmes bonitinhos existentes.

    O roteiro escrito por Zoe Kazan (que também é a protagonista-título e neta do lendário diretor Elia Kazan) se foca em Calvin, um escritor prodígio que, dez anos depois do sucesso de seu romance de estreia, está em crise e com bloqueio criativo. Calvin não tem mais amigos e não interage com ninguém exceto seu irmão e psicanalista, até que um dia a protagonista do romance que ele afinal começou a escrever se materializa em sua cozinha e afirma ser sua namorada.

    Aqui está a maior originalidade do filme: Ruby Sparks não acaba quando os protagonistas finalmente ficam juntos. Ele começa aí, e sua trama não é composta das desventuras enfrentadas até que um descubra o amor do outro, mas justamente das dificuldades em se manter um relacionamento depois que o primeiro momento já passou. Ruby surgiu na mente de Calvin, logo, ela é a namorada perfeita, sua garota dos sonhos; mas, conforme ela vai vivendo no mundo real, sua personalidade ganha nuances. O que a torna encantadora também a faz inconstante, e a maior questão de Calvin vai ser aprender a lidar com algo que escapa completamente ao seu controle, mas que ele também não quer viver sem.

    Kazan acerta na construção de seus personagens: ambos são multi-dimensionais, parecidos com pessoas de verdade e parecem fazer sentido juntos. Mas, mais do que isso, Ruby é uma espécie de crítica ao estereótipo da menina problemática-mas-espontânea-e-adorável que vem proliferando nos últimos tempos. Sim, ela é adorável e também irritante, divertidamente espontânea, mas capaz de acabar de lingerie na piscina de uma festa cheia de gente importante. A visão da roteirista sobre essa legião de meninas “desajustadamente perfeitas” parece  estar expressa em uma fala do irmão de Calvin: “Mulheres esquisitas e bagunçadas, cujos problemas apenas as tornam mais adoráveis, não são reais.” E é justamente esse abismo entre a ideia na cabeça de Calvin e a menina de verdade à sua frente o assunto do filme.

    Ruby Sparks não açucara excessivamente seu tema: em alguns momentos a relação de Ruby e Calvin beira o doentio, e o final do filme traz uma cena bastante violenta. Ainda assim, o clima geral é alegre, romântico e otimista. Kazan e os diretores Jonathan Dayton e Valerie Faris (responsáveis por Pequena Miss Sunshine) conseguem resgatar um gênero que definhava visivelmente e inserir inteligência e reflexões válidas, sem perder o charme das comédias românticas tradicionais. Não é uma obra-prima do cinema, mas é um filme inteligente, divertido e a melhor comédia romântica em muito tempo.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.