Tag: christoph waltz

  • VortCast 102 | James Bond – 007: A Era Daniel Craig

    VortCast 102 | James Bond – 007: A Era Daniel Craig

    Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira | @flaviopvieira) e Mario Abbade (@marioabbade)  se reúnem para comentar sobre o encerramento da era Daniel Craig como James Bond nos cinemas. Quais foram os pontos altos e baixos, as polêmicas e o futuro da franquia.

    Duração: 74 min.
    Edição:
     Flávio Vieira
    Trilha Sonora: Flávio Vieira
    Arte do Banner:
     Bruno Gaspar

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    Comentados na Edição

    No Time To Die — Goodbye, Mr. Bond

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  • Crítica | 007: Sem Tempo para Morrer

    Crítica | 007: Sem Tempo para Morrer

    Após um grande início adaptando uma obra de Ian Fleming com Cassino Royale; uma sequência sem roteiro devido às greves de roteiristas em Quantum of Solace; uma queda e ascensão dividida entre tradição e o moderno de Operação Skyfall e a retomada da estrutura clássica em 007 Contra Spectre, o longevo personagem James Bond, personificado pela quinta e última vez por Daniel Craig, tem sua missão derradeira em 007: Sem Tempo Para Morrer.

    Finalizando a passagem do britânico pelo personagem, a produção do vigésimo quinto filme de James Bond foi carregada com uma maior expectativa do que suas predecessoras. O último filme com Craig, marco numérico sempre destacado pela mídia, foi marcado por entraves internos e externos à sua produção.

    A princípio, Danny Boyle foi escalado como diretor, mas se justificando com o batido “divergências criativas” abandonou a produção e, em seu lugar, Cary Joji Fukunaga assumiu a cadeira, tornando-se o primeiro americano a dirigir uma produção Bond. Com a mudança, o início das filmagens foi reagendado para abril de 2019 e a estreia programada para abril de 2020. Naturalmente, a necessidade do distanciamento social deixou o lançamento em espera até setembro desse ano quando grande parte do mundo possui uma estrutura mínima para, munidos de vacinas e máscaras, estar no conforto do cinema sem correr risco de vida. O risco, aliás, fica por conta do próprio personagem central.

    O início da nova trama se situa após os acontecimentos de Spectre e resume os elementos que definiram o novo Bond. Aposentado em um lugar idílico, ao lado de Madeleine Swann (Léa Seydoux), dá vazão aos laços sentimentais até o inevitável momento em que o passado retorna, explosivo. A grande cena de ação inicial é intensa, extremamente física, bem equilibrada entre a coreografia e um realismo possível, mantendo vigente a estética fundamentada por A Identidade Bourne e reverenciada pela versão de Craig. A cena intensa demonstra algo que o público da primeira temporada de True Detective já sabe: Fukunaga constrói cenas de ação com habilidade. A cena inicial injeta adrenalina antes da canção que abre o longa, No Time To Die de Billie Eilish.

    Após os créditos de abertura, a trama salta cinco anos no futuro. Como desenhado desde a produção anterior, é a tradição que rege essa aventura final. Se no enredo anterior se descobre que as intrigas foram orquestradas pelo SPECTRE, aqui outro elemento tão poderoso quanto surge em cena, contrabalanceando as forças, mas com objetivos semelhantes: a vingança e a destruição mundial, características comuns da maioria dos vilões megalomaníacos da franquia.

    Se em composições anteriores Bond pareceu um homem sem amarras, o personagem da geração 2000, composto de forma seriada em cinco produções, é formado com maior coesão cronológica e emocional. As perdas são lembradas com sentimento e dor e trazem a evidente constatação de que é necessário desapegar do passado para seguir, embora o passado profissional e as missões anteriores nunca fiquem, de fato, no passado. Entre o equilíbrio pessoal e emocional, e a frieza das missões cumpridas se destaque um personagem central que além da camada de espionagem, dos carros luxuosos, do esnobismo britânico e do diálogo feito de punhos, uma mensagem boba e simples de que os brutos também amam, sim.

    Em entrevista a GQ em 2020, o ator afirmou que elevou o nível do personagem para outros. Sem dúvida, o sucesso da franquia se deve a sua capacidade de manter suas estruturas básicas, mas, na medida do possível, se adaptar a novos formatos narrativos. Sob esse aspecto, talvez a era Craig tenha sido a modificação mais inventiva de Bond. Trouxe não apenas novas camadas trágicas aos personagens como também a possibilidade de quebrar a forma física do agente, pois, lembrem-se, o ator foi criticado no início por seu físico e por ser loiro demais. Foram modificações como essas que permitiram que Lashana Lynch surgisse em cena como a primeira 007.

    Sem Tempo Para Morrer é um falso título porque em um filme cuja missão é ser um desfecho a uma versão de Bond, tudo é uma celebração final. Em tudo há certo tom de morte e despedida como amigos que se desencontram, arqui-inimigos que se vão e, querendo ou não, não há nada de novo nessa narrativa. Mas, sim, uma conclusão natural de uma história iniciada em 2005 e que encerra seus enredos e o legado de Craig no papel.

    O ator e sua modéstia têm razão. O marco deixado em sua passagem será um desafio à execução do próximo Bond. Mas também abriu espaço para que novas facetas sejam exploradas, sem medo de reinvenções e sem o excesso de amarras da tradição. Como um personagem com maior aptidão para se reinventar, os produtores Michael G. Wilson e Barbara Broccoli devem ter algumas cartas na manga para o futuro dessa nova Bond.

  • Crítica | Alita: Anjo de Combate

    Crítica | Alita: Anjo de Combate

    Pelos meados dos anos noventa, James Cameron pensou em adaptar A obra Gunnm ou Gun-Mu, de Yukito Kishiro, uma historia sobre uma adolescente encarnada em uma inteligência artificial capaz de matar qualquer pessoa. O tempo passou e entre as duas maiores bilheterias do cinema, Titanic e Avatar e Cameron passou um bom tempo sem dirigir produtos para o cinema, e graças a sua dedicação as continuações de Avatar, a adaptação de Alita: Anjo de Batalha recaiu sobre outro diretor, Robert Rodriguez, que é um cineasta de produtos mais autorais mas que também sabe fazer filmes que rendem bem. Cercado de expectativas, ele possui alto e baixos, mas não erra tanto quanto outras versões americanas de mangás.

    A historia da adolescente guerreira começa com a introdução de Ido, um doutor interpretado por Christoph Waltz que tem por costume consertar ciborgues. O cenário aqui é muito bem explorado, se explica bem como funcionam o sistema de castas dessa sociedade, com a elite vivendo no alto, em uma cidade flutuante, e a ralé vivendo em baixo. Os restos da ciborgue/androide são encontrados no lixão, como restos de Zalem, a tal moradia dos ricos, mas obviamente que ela é mais do que isso.

    A primeira hora do filme consegue dar vazão a toda a mitologia que Kishiro pensou, e embora hajam problemas sérios com as motivações dos personagens periféricos a protagonista, em especial Ido, que faz o mentor clichê que não tem qualquer firmeza como figura paterna (além de ter uma assistente que sempre está presente mas quase não profere palavras), de Hugo (Keen Johnson) que é o interesse romântico da personagem-título cuja vontade de ascender socialmente o faz um personagem confuso moralmente (além de oportunista), a interpretação de Rosa Salazar como Alita é bastante crível e verossímil, e conseguir atuar embaixo de muita maquiagem já é difícil, sendo uma boneca digital então é mais difícil ainda, e tanto visualmente quanto em espírito, Salazar consegue imprimir uma menina carismática, intrigante e que gera muito interesse no espectador não só sobre seu passado, mas também como ocorrerá o seu futuro.

    Há um pequeno problema de ritmo no filme, a segunda metade se dedica demais a construção do possível romance entre Alita e Hugo, e não há qualquer química entre os dois, talvez pela dificuldade de Johnson em lidar com um par digital, além disso, se dá muita vazão a alguns vilões bobos, como os personagens de Mahershala Ali (Vector) e Jennifer Connoly (Chiren), essa ultima, ao menos no final, consegue se redimir de certa forma.

    No entanto, toda a configuração tirada do mangá como a questão dos caçadores de recompensas que lidam com os ciborgues marginais e o esporte Motorball são exemplificadas de modo muito rico, e é nessa parte que se percebem semelhanças visuais com Jogador Nº1 de Steven Spielberg, filme recente que tem coincidências temáticas. De resto, há também referencias a Blade Runner e a continuação mais recente Blade Runner 2049, e a dúvida que pairava sobre Rodriguez conseguir lidar com computação gráfica de orçamento alto foram completamente sanadas, e o resultado é lindíssimo visualmente, muito por mérito da fotografia de Bill Pope, de Mogli: O Menino Lobo e Homem-Aranha.

    As cenas de ação são muito bem coreografadas, e por mais que perca tempo demais com os personagens periféricos e em draminhas fúteis, a construção da personagem de Alita é muito bem feita, ao menos no que tange a personagem não há muitas liberdades poéticas ou suavização de qualquer drama seu. Há uma possibilidade de  continuação em um dos confrontos finais, fator que preocupa, pois além do filme ser caro, em torno de 200 milhões, os vilões são péssimos, em especial o visual de Nova, feito por Edward Norton que está irreconhecível no papel. Mesmo não tendo uma execução tão divertida quanto no mangá, Alita: Anjo de Combate acerta mais do que erra, e talvez seja a adaptação Hollywood mais fiel  ao material original e que consegue imprimir melhor o caráter da arte japonesa, embora obviamente não seja tão complexa em temática e reflexão.

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  • Crítica | Bastardos Inglórios

    Crítica | Bastardos Inglórios

    Você já viu filmes de guerra, mas nunca viu a Guerra (Segunda Guerra Mundial) segundo os olhos de Quentin Tarantino. Essa frase estava presente nas propagandas de Bastardos Inglorios, filme do diretor de Cães de Aluguel e Pulp Fiction, lançado em 2009, após o insucesso de Grindhouse, participações no seriados CSI, e obviamente, as duas partes de Kill Bill. Como sempre, o realizador usa de sua sutileza ultra-violenta que já vinha empregando em inúmeros outros trabalhos, e de referencias ao grande cinema de Hollywood, como John Ford e companhia, para mostrar um pastiche do que era o confronto dos aliados contra o Eixo, através de um pequeno grupo de exterminadores de nazistas.

    Os primeiros momentos da história mostram uma burocrática conversa inquisidora, que mistura o tédio de um diálogo em inglês entre o coronel Hans Landa, de Christoph Waltz, e o fazendeiro Lapadite (Denis Menóchet), e a tensão de uma família judia, escondida embaixo do assoalho, ao ter um encontro ainda que indireto com o chamado Caçador de Judeus, um predador que se considera um falcão atrás dos ratos (ou como um rato que pensa como esses outros ratos…), mas que aos poucos se demonstra mais parecido com uma cobra venenosa e sorrateira, capaz de pegar suas presas, mas também enganadora, como a serpente do Éden, que ludibriou Eva e Adão para que traíssem o criador. O paralelo que o oficial nazista faz na verdade leva em conta um rato, mas toda sua descrição tem mais a ver com o caráter traiçoeiro de réptil, além é claro dele apresentar características camaleônicas de disfarce de seus ideais.

    Os dois comportamentos obviamente tem algo em comum. Landa manda metralhar a sangue frio as crianças judias que estão escondidas, da mesma forma que os Bastards – escritos errados na grafia original, como Basterds – espancam um soldado do Fuhrer com um taco de baseball, que é empunhado por Donwtiz (Eli Roth), o Urso Judeu, um soldado folclórico e com uma alcunha única, feita para diferencia-lo dos homens comuns. Tal rivalidade pode ser encarado – de maneira errônea – como duas faces da mesma moeda, dois lados ideológicos postos em contraponto como se tivessem o mesmo grau de desprendimento da civilidade. Isso não poderia ser mais errado e contrário a realidade, já que são violências que não se equivalem, uma vez que um desses grupos representa o povo oprimido, mas que busca revidar essa violência contra os próprios opressores.

    As razões que os fazem agir assim são extremas, porque claramente não se combate uma força extremada com pacifismos ou tolerância. É de fato uma briga ideológica, onde quem não mostrar força simplesmente perece. De certa forma em seu roteiro, Tarantino utiliza os atos soviéticos do exército de Josef Stalin para exemplificar qual era o modo ideal de aniquilar os inimigos preconceituosos e intolerantes. É quase como se a boina de Aldo The Apache Raine fosse um tenente soviete em meio aos americanos bonzinhos, colocando pólvora em suas cabeças, tornando estes figuras capazes de se defenderem sem depender de apoios táticos ou manobras militares, escondendo isso através do sotaque forçado e falso que Brad Pitt emprega ao longo de todo o filme.

    Há uma clara referência do roteiro a resistência antifascista até na escolha da trilha musical. A música de Ennio Morricone remixada não tem as mesmas características líricas de Bella Ciao, mas segue como canção que também serve como hino contra o extremismo fascista, apesar da freqüência musical ser em sentido bem diferente ao seu ritmo, e curiosamente The Surrender – ou La Resa – pára assim que Donowitz desfere o primeiro golpe de bastão na cabeça do oficial nazista e isso não é à toa, quando a violência pragmática ocorre, a música inspiradora pacifista já não tem mais espaço.

    Na hora que Aldo marca um soldado alemão com o ferimento que se tornaria a cicatriz da suástica na testa – hábito este que sempre acompanharia os mensageiros – o diretor simplesmente abre mão das sutilezas que vinha alimentando, mostrando pleno domínio de sua arte, dando-se ao luxo de provocar seu público com elementos tão diferentes e em tão pouco tempo, conseguindo a proeza de mesmo com essas condições, fazer tudo soar harmônico.

    Emanuelle Mimieux, a dona de um cinema francês é abordada por um sujeito chato, um soldado alemão, vivido por Daniel Bruhll, que parece interessado por sua beleza, e que a cerca de maneira infeliz e inconveniente, ao ponto de faze-la se encontrar com Joseph Goebbels (Sylvester Groth), de maneira coercitiva, mas aos olhos dele, nada havia de errado. O filme nas suas entrelinhas se torna quase didático, ao mostrar o modo de operar de organizações fascistas, a violência e truculência é normalizada.

    É irônico como recai exatamente a Sossanna, com outra identidade, a oportunidade de estar em seu cinema todo o crème de la crème das forças alemãs num espaço fechado e festivo a eles, tudo muito perfeito, até a chegada do terror da moça, Landa. Mélanie Laurent consegue reunir em uma pequena expressão, de levantar lentamente seu pescoço até o seu detrator como uma expressão sutil de seu medo, receio e instinto de sobrevivência que a faz tentar soar fria, mesmo que esse equilíbrio seja tão difícil, ainda mais diante de toda a dubiedade de caráter do personagem de Waltz.

    Os cinquenta e três minutos de filme permitem não só explorar a agressividade típica da guerra, mas também diversos de seus frontes. A introdução do major Dieter Hellstrom (August Diehl) é quase tão cruel quanto a demonstração de Landa, embora ele não seja tão dúbio, mas somente um soldado que não se furta em causar agouro aos seus opositores. Toda a sequência no porão, envolvendo o ainda desconhecido Michael Fassbender em um papel curto porém importante torna-se engraçada, apesar da quantidade exorbitantes de mortes ocorridas. O riso é uma válvula de escape diante do nonsense e da caricatura que Tarantino traça, ainda que leve às tramas de traição e espionagem a um nível sério, o desfecho desses destinos é tratada como uma piada.

    A história proposta é capitular, mas ganha ares teatrais, com uma última parte parecida com os atos de teatro onde absolutamente todos os acontecimentos são resolvidos de maneira dramática, tragicômica e exagerada. Laurent veste vermelho, como uma dama da morte se maquia de forma propositalmente militar, riscando as bochechas com linhas semelhantes as de camuflagem. Toda a sequência no cinema soa tão atrativa que é quase doce, e a versão do cineasta para o fim de Hitler não poderia ser mais fantasioso e irônico.

    Apesar de quebrar paradigmas, Bastardos Inglórios não deixa seu personagem mais rico sair impune, as marcas que Landa tem em sua pele fazem parte da retribuição de Aldo e dos outros bastardos a todo mal impingido não só a eles mas a todo povo judeu. Sua nova casa e seu acordo ainda valeriam, mas sua aparência estaria marcada para todo o sempre, e toda e qualquer pessoa saberia quem foi e o que ele cometeu. A ideia de Tarantino era de estabelecer uma ode contra o comportamento nazifascista, com elementos  de discussão bastante adultos, sem deixar de soar divertido em última análise.

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  • Crítica | Pequena Grande Vida

    Crítica | Pequena Grande Vida

    Após uma sequência de filmes praticamente irrepreensíveis, como Eleição, As Confissões de Schmidt e Sideways, o diretor Alexander Payne passou por uma sequência de altos e baixos. Para muitos, Descendentes havia sido seu pior filme até então, mas o fato de Nebraska ter tido o reconhecimento que teve acabou de certa forma mascarando o insucesso anterior. Quatro anos se passaram e finalmente chega as telas seu novo projeto, Pequena Grande Vida.

    Num mundo onde a superpopulação é a maior preocupação, cientistas descobrem que a solução é encolher as pessoas a um tamanho centimentral, a fim de consumir menos recursos. O herói da jornada é o profissional da saúde Paul Safranek (Matt Damon). Ele é casado com Audrey (Kristen Wiig) e após conversar com alguns amigos e com a família, decide então se submeter ao processo irreversível de diminuição. No entanto, sua companheira desiste do processo após ele ter sido reduzido e ele se vê sozinho em um mundo que parece ser habitado unicamente por conservadores brancos que buscam tornar suas pequenas poupanças em verdadeiras fortunas.

    Toda a propaganda para que as pessoas venham a aderir a ideia é envolta em uma fala repleta de engodo, parece ter ali uma ironia que será seguida de um enorme problema. Ao menos na vida de Paul, não é isso que acontece. As agruras que lhe ocorrem são apenas pessoais, e ele segue toda a duração do filme como um sujeito bonachão e extremamente alienado, mesmo quando tem contato com outras culturas e necessidades. O ponto de virada em sua trajetória é quando ele encontra o seu vizinho sérvio Dusan Mirkovic, um europeu trambiqueiro interpretado por Christoph Waltz. É através dele que Paul conhece Ngoc Lan Tran (Hong Chau), uma ativista vietnamita que foi diminuída a força por seu governo, e que nesse novo mundo, se tornou uma faxineira de pessoas ricas, que tem por hábito levar remédios vencidos e sobras de comida para as pessoas de seu gueto.

    A viagem até um ambiente pequenino não tão controlado quanto é o subúrbio onde Paul mora deveria chocar o público, mas não o faz, no entanto, causa espécie no personagem principal, já que ele percebe uma camada social que ele não fazia ideia de que existia. Ainda assim, sua ideia de ajuda passa por alguns momentos estranhos que o fazem enxergar os que sofrem essas mazelas como pobre coitados, mesmo que suas vidas tenham alegrias e tristezas comuns as de qualquer outro homem. A ideia de homem comum não passa na cabeça dele, afinal ele enxerga aquilo como uma sub-vida.

    É curioso como o sub-texto inconsciente do roteiro de Payne e Jim Taylor fala mais do que as camadas superficiais de sua história. Todo o discurso pseudo-ecológico em tom de livro barato de auto-ajuda não deixa de soar piegas em momento nenhum. As interferências de direção de Payne são bonitas visualmente mas são mal engendradas textualmente. A personagem de Tran que num primeiro momento parecia ser inspiradora soa bastante boba, não só pela barreira da língua, mas também por ter tido toda sua luta idiotizada. A poetização do ridículo passa um bocado do ponto, tencionando tanto se tornar jocoso que quase todas as viradas de roteiro soam previsíveis e pretensiosas, Pequena Grande Vida pouco acrescenta nas discussões que propõe, com quase nenhuma boa performance do grande elenco que possui.

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  • Crítica | A Lenda de Tarzan

    Crítica | A Lenda de Tarzan

    A Lenda de Tarzan

    Se à primeira vista contar uma nova versão de uma história, tão amplamente difundida quanto a de Tarzan, possa parecer desperdício de tempo e dinheiro, bastam os quinze primeiros minutos do novo filme dirigido por David Yates (Harry Potter e as Relíquias da Morte) para entender que este novo produto não se trata de um reboot – tão pouco de um remake – mas de um novo episódio da história do personagem.

    A Lenda de Tarzan narra um retorno do herói às terras do Congo, onde foi criado por uma civilização de primatas e, posteriormente, cresceu em uma tribo humana local. O longa inicia com uma bela construção e apresentação do antagonista, vivido por Christoph Waltz. O ator interpreta um mercenário que cria um plano para levar o herói de volta ao Congo com o objetivo de trocá-lo por pedras preciosas. É interessante notar aqui o momento em que o roteiro aproxima o protagonista da figura animal. A ideia de uma espécie rara ser trocada por ouro ou pedras preciosas é bastante comum, sobretudo no continente africano. A escolha por essa saída como motivação para a vilania, apesar de óbvia, acaba se encaixando muito bem neste universo específico.

    Chama atenção o carinho com que o personagem de Waltz foi tratado: a cena introdutória nos revela muito sobre este homem. Seu jeito de andar, de falar, a maneira hábil com que transforma um rosário em uma arma letal, tudo está presente com um requinte que raramente é aplicado aos antagonistas.

    Alexander Skarsgärd, que levantou muitas suspeitas ao ser escalado para o papel principal, entrega um trabalho honesto, mas nada além disso. É fato que a estrutura física imponente do ator facilita um pouco o seu trabalho, mas não é justo menosprezar a empreitada inglória de dar vida para um personagem tantas vezes retratado anteriormente.

    É preciso mencionar o belo trabalho desempenhado por Dijimon Hounsou (Diamante de Sangue e Gladiador) como chefe de uma civilização congolesa que “encomenda” a emboscada para capturar o herói. O ator há anos vem mostrando um excelente desempenho em papéis pequenos, e não é diferente aqui. É curioso como nesses momentos Hollywood sempre recorre a este “lugar seguro”, mas falta reconhecê-lo oferecendo um papel em que possa ser mais que um mero coadjuvante.

    Tecnicamente falando, o longa-metragem sofre dos mesmos problemas apresentados por obras anteriores do diretor. David Yates tem uma predileção irritante por imagens excessivamente escuras. Vimos isso nos últimos filmes da saga Harry Potter. A questão é que A Lenda de Tarzan possui imagens tão escuras que chegam a ser granuladas. Junte isso à tecnologia 3D e o resultado é uma experiência visual desastrosa.

    A trilha sonora do filme não chega a ser ruim, mas também não empolga. As músicas, apesar de boas individualmente, não constroem uma identidade. Existem alguns erros grotescos de continuidade que não comprometem o andamento da trama, mas que sangram os olhos dos espectadores mais atentos. O tempo de tela, apesar de longo, não incomoda. Como o roteiro trabalha em uma crescente, a experiência acaba sendo agradável.

    Os principais pontos positivos são as atuações de Samuel L. Jackson e Margot Robbie. O primeiro cumpre com maestria a função de alívio cômico. É impressionante como L. Jackson consegue gerar empatia em qualquer papel que caia em seu colo. Já Robbie é de longe a melhor em cena. A atriz, de fato, está muito além de ser só um belo rosto. São dela as melhores sequências e as melhores falas. Ponto para o roteiro que fugiu do óbvio ‘donzela em apuros’ e entregou uma heroína badass, como vem acontecendo nos últimos anos em Hollywood.

    O maior problema do filme é o fato de ele reforçar algo que há muito precisa ser quebrado na sociedade. Temos a África como cenário, tribos africanas como personagens, mas o dia é salvo por um herói branco. É claro que Tarzan segue a premissa original do personagem criado em 1912 por Edgar Rice Burroughs, mas é impossível não reparar que em pleno 2016 temos mais uma obra que reforça esse arquétipo da supremacia branca.

    À parte isso, o longa-metragem não merece um lugar de destaque e dificilmente será lembrado com muito carinho num futuro próximo, mas está longe de ser um produto ruim, não merecendo a péssima bilheteria de entrada que fez nos EUA.

    Texto de autoria Marlon Eduardo Faria.

  • Crítica | 007 Contra Spectre

    Crítica | 007 Contra Spectre

    007 Contra Spectre - poster

    Quatro anos após a queda de James Bond e uma audaciosa renovação da personagem, em sincronia com sua época e o estilo de ação formatado nestes anos, o agente britânico retorna às telas para sua 24 ª aventura, demonstrando força desta longeva franquia do cinema. O sucesso de 007 – Operação Skyfall garantiu a Sam Mendes a cadeira da direção, dando continuidade à sua narrativa.

    Como nas demais produções estreladas por Daniel Craig, a obra de Ian Fleming, criador da personagem, se mantém próxima desta nova história, trazendo à tona uma organização criminosa presente em diversos romances do autor. A intenção de promover um recomeço desde Cassino Royale e retornar à base fundamental da obra é coerente. James Bond foi reintroduzido ao público em um formato diferente do habitual.  O cerne da personagem estava presente mas havia uma interpretação mais realista tanto na história como nas cenas de ação, fugindo de outras interpretações anteriores. Um movimento que atingiu o ápice na produção passada com a destruição do universo conhecido.

    007 Contra Spectre é o próximo passo natural que abre um novo momento, realocando a série na tradição de seus filmes após um caminho nunca antes percorrido. A sustentação realista permanece demonstrando que o MI6, e seu projeto de agentes autorizados para matar, pode ser um conceito obsoleto. Sem dúvida, a desconstrução é o cerne deste novo momento, tanto desta franquia quanto de seu parente mais pop, Ethan Hunt, que desde Missão Impossível – Protocolo Fantasma também refletia sobre a importância de atividades de espionagem realizadas em segredo diante de um mundo contemporâneo, conectado e supostamente mais transparente. Ambos são personagens fiéis a uma ordem diferente da atual, que se torna, simultaneamente, obsoleta mas ainda necessária para se manter a ordem.

    A aventura é mais linear e tradicional no quesito espionagem, aproximando-o dos filmes anteriores. É um realocamento das aventuras Bond: ainda na vertente atual, mas inserindo novamente o universo exagerado e charmoso do espião que nunca falha. O senso da realidade dá um passo atrás avisando ao público que estamos diante de uma personagem cujo marco são as cenas impossíveis, o carisma sedutor e um enfoque no qual prevalece a ação.

    Quando o vilão de Christoph Waltz entra em cena, vemos uma composição contrária daquele concebida em Skyfall. O vilão de Javier Bardem era um homem dissonante em uma história realista; nesta Waltz parece um homem real em uma trama com indícios da tradição de Bond. Em pouco tempo em cena junto com o protagonista, sua loucura é expressa pela contenção do ator, motivo pelo qual se projeta o medo. Se novamente compararmos as obras de Craig, a cena de tortura em Cassino Royale e a desta produção têm a mesma base. Porém, enquanto a primeira era brutal e simples, a segunda é elaborada, megalomaníaca, coerente com os grandes vilões que, em maior ou menos grau, desejam dominar o mundo.

    Ao inserir o grupo terrorista SPECTRE, o filme entrelaça suas tramas anteriores, resgatando o necessário para demonstrar que a dinastia de Craig tem uma única e grande história narrada em pontos altos para chegar a este momento. Após a ruptura de Skyfall, os rumos da personagem seriam diferentes se os roteiristas continuassem com queda e crise, talvez descaracterizando James Bond. SPECTRE faz a curva que retorna à pista da tradição da franquia com um vilão megalomaníaco, cênico ao extremo, demonstrando que, realismos à parte, estamos vendo uma obra de ficção.

    Na direção, Sam Mendes compartilha deste preceito e brilha criando cenas que fogem da realidade mas que são um deleite visual, com cenas à meia-luz que intensificam a personagem; contrastes teatrais que trazem poesia à sua história, além de ainda se apoiar em um senso realista nas cenas de ação, pontuais e bem equilibradas.

    Novamente, observamos um novo ponto de transição de James Bond, um movimento de retorno em que a tradição é resgatada com os conceitos deste novo recomeço, um equilíbrio entre a brutalidade da ação com vilões bizarros e planos elaborados, um caminho que aponta para uma última produção com Craig mais próxima deste conceito, mantendo, novamente, em vertentes variadas, o destaque deste grande personagem da ficção.

  • Crítica | Grandes Olhos

    Crítica | Grandes Olhos

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    Em plena audiência, diante do juiz e sob o olhar atento dos jurados, uma mulher vai deslizando seu pincel pela tela, imprimindo no espaço em branco traços de melancolia que transbordam dos grandes olhos de um rosto de criança!

    Parece cena de um filme, e o é, na verdade! Mas é também uma cena que retrata a realidade da vida de uma mulher dos anos 50, e marca o emergir de sua liberdade. No entanto, tanto quanto um discurso feminista ou uma evidência de como o papel da mulher, fora dos afazeres domésticos, nada mais era do que uma apagada sombra do marido, Grandes Olhos é quase uma metalinguagem. É uma criação visual (paleta de cores que sussurram e que gritam), orquestrada com sensibilidade, onde o diretor expõe a dualidade de Margaret (silêncio e voz), a qual, por sua vez, se mostra através das expressões dela mesma e do que nos falam os grandes olhos das suas obras.

    Em sua segunda cinebiografia (a primeira foi Ed Wood, de 1994), Tim Burton conta a história da artista plástica Margaret Keane, cujos quadros, com nuances peculiarmente perturbadores, representavam o conjunto de obras mais rentáveis comercialmente das décadas de 1950 e 1960. Ainda que ela e sua filha pudessem usufruir do conforto proporcionado pela venda dos quadros, e das cópias impressas que os popularizaram, era Walter Keane, seu marido, quem recebia os holofotes da fama pelo sucesso das obras, já que induzira sua mulher a assinar com o sobrenome comum aos dois.

    Trancada em seu estúdio, escondida do mundo e mesmo da filha, era no movimento do pincel e no preencher da tela, que Margaret (Amy Adams) desabafava sua frustração e melancolia. A sociedade estabelecia as regras! Artistas do sexo feminino eram colocados à margem, ou sequer percebidos! E Walter (Christoph Waltz), que não mostrava qualquer talento para a pintura, o tinha de sobra para convencer a esposa a curvar-se diante das normas. Mas não para sempre! A angústia que se contorcia em sua alma, ao perceber que lhe eram roubadas suas sensações mais íntimas, refletidas na pintura, resolve rasgar as amarras da submissão, e enfrentar um tribunal para legitimar a autoria das obras.

    Christoph Waltz tem em seu histórico dois brilhantes desempenhos, os quais, sob a direção de Quentin Tarantino, lhe renderam dois troféus no Oscar (e outras premiações) como Melhor Ator Coadjuvante. Quem não se lembra do incrível personagem Landa, em Bastardos Inglórios, e do Dr. King Schultz em Django Livre? Mas permita-me confessar que, ainda que alguns tenham ovacionado a atuação de Waltz em Grandes Olhos, destacando a cena do tribunal, eu o vejo uma tanto caricato, e é inegável que perde a cena para Adams.

    Amy Adams incorporou, com intensidade, uma mulher dos anos 50, cuja alma de artista lhe dá a capacidade de tecer traduções sobre os códigos da vida, mas que se vê transitando entre a coragem em romper padrões sociais e a coragem (sim, eu escrevi “coragem”) em se curvar a eles.

    Não é por acaso que esta atuação lhe rendeu o Globo de Ouro de Melhor Atriz de Filme Musical ou Comédia. No ano anterior, havia ganho também por Trapaça, filme pelo qual também recebeu uma indicação ao Oscar, após outras nomeações ao prêmio da Academia como Melhor Atriz Coadjuvante em Retratos da Vida, Dúvida, O Lutador e O Mestre.

    Talvez, numa primeira impressão, você não reconheça a assinatura de Burton em razão do realismo do filme, em contraste com o tema fantasioso do envolvente Edward Mãos de Tesoura, Batman: O Retorno e Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas, entre outros. Mas perceba como Tim deixa as suas digitais! Se não por outros aspectos, pincelados aqui e ali, elas estão visualmente traçadas nas olheiras escuras das crianças, pintadas por Margaret, numa incrível identificação com a mesma característica constante em tantos outros personagens do diretor, como o tímido Edward, o barbeiro Benjamin Baker, o corajoso Jack Sparrow… Seria isto apenas uma coincidência? E coincidências existem, principalmente em um universo onde cada detalhe, sob a lente da câmera, é minuciosamente escolhido?

    Texto de autoria de Cristina Ribeiro.

  • Crítica | Grandes Olhos

    Crítica | Grandes Olhos

    Grandes-Olhos

    Grandes Olhos, novo filme de Tim Burton, é uma autobiografia velada do diretor e ao mesmo tempo o filme com a assinatura menos marcante de Burton. O cineasta, outrora tão profícuo, é frequentemente visto como alguém que se tornou refém de si mesmo e da marca que ele mesmo criou. Desde as participações de Johnny Deep e Helena Bonham Carter em seus filmes, até o uso que faz da estética padrão, tudo é apontado como mais do mesmo, como uma caricatura de si. Sendo assim, a obra nasce com duas grandes oportunidades: discutir o lugar da arte e do artista, e agarrar com unhas e dentes sua assinatura de diretor. Infelizmente, desperdiça ambas cena por cena.

    O filme baseia-se na vida da pintora Margaret Keane (Amy Adams – aqui, subaproveitada) e seu marido, o falso pintor Walter Keane (Chistopher Waltz – magnético como sempre), e na vida daqueles que redefiniram o mercado da arte durante a década de 1950 ao licenciarem seus produtos para estampar todo tipo de coisa. Negados em galerias de arte, e como artistas pela crítica, argumentam em certo momento que a arte não precisa ser elaborada ou sequer ser chamada de arte. Só precisa impactar.

    Um dos pontos mais marcantes de uma obra de sucesso não são suas qualidades, mas sim seu apelo popular. A reação da academia e da crítica profissional então é rapidamente rejeitar aquela obra como arte, aplicando então o rótulo de obra comercial. Não é incomum que esta seja a crítica máxima a uma obra quando esta suscita alguma emoção mais passional. A grande dificuldade de entender o lugar da arte atualmente é que “contemporânea” é um termo esgarçado, pois é capaz de aceitar tudo. Neste ponto, mesmo o pior artista irá tornar-se um grande artista caso explique suas motivações artísticas com argumentos convincentes. Esta situação não é ruim ou degradadora da “verdadeira arte”, mas deixa as coisas mais confusas para aquele que buscar encaixar tudo em gavetas.

    É inevitável neste ponto pensarmos em artistas como Romero Britto e outros que são abominados por chamarem-se artistas, mas estampam mais produtos licenciados do que galerias. Claro que há como defender Britto como artista, mas ele não parece se importar muito com isso, e se mostra feliz nas caixas de lenço de papel. Burton, aqui, assume a mesma postura, já que a forma que encontrou para defender a arte de Margaret não é através de argumentos, mas sim pela exploração de sua meiguice e a contraposição desse seu predicado com a maledicência de seu marido, tão atraente e maldoso quanto o mercado artístico. Sem conseguir comunicar algo de relevante, a película vende a artista sob o mesmo pretexto de suas obras, que é sua fofura, o que acaba por tornar a narrativa um exercício de futilidade. Não à toa, embora a simpatia com a personagem formulada por Adams seja imediata, o que atrai realmente no filme é seu marido. Como grande vendedor que é, vende sua persona falsificada para todos, com eficiência e elegância. E talvez este seja mais um dos pontos fracos do filme, pois escanteia sua Margaret fazendo dela uma mera espectadora de sua própria vida.

    Nos poucos momentos em que foi possível tratar o assunto de forma producente, Burton se desloca do projeto e insere cenas constrangedoramente inverossímeis que acabam por destoar de todo o resto do projeto, como quando um crítico de arte interpretado por Terrence Stamp se digladia com Keane em um jantar, chegando a assumir habilidades sobre-humanas. Outro desperdício foi a tentativa de relacionar suas figuras de grandes olhos com o estado mental de Margaret − que só vale por ser um dos poucos momentos em que vemos características de Burton no filme −, que por não conduzir a narrativa, ou exigir demasiada boa vontade do espectador em buscar o conteúdo semiótico das cenas onde isso ocorre, novamente soa gratuito e fútil, exatamente como tenta negar ser.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | Quero Matar Meu Chefe 2

    Crítica | Quero Matar Meu Chefe 2

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    Após os acontecimentos de Quero Matar Meu Chefe, o trio protagonista torna-se famoso ao participar de um programa de entretenimento matinal para falar sobre a sensação de ser seu próprio chefe, invertendo o paradigma do episódio original. A direção de Sean Anders diferencia-se demais da do anterior, Seth Gordon, por ter uma linguagem bem mais popular, a começar pelo fracasso de inserir uma tentativa de empreendedorismo de Nick, Dale e Kurt (Jason Bateman, Charlie Day e Jason Sudeikis respectivamente), transformando os três no centro da patetice da fita.

    O novo algoz do grupo é o magnata Bert Hanson (Christoph Waltz), um alto investidor que tem a chave para o sucesso dos protagonistas, podendo alavancar o produto que eles inventaram para, enfim, tirá-los do fardo de ter de trabalhar com patrões. A recusa inicial de seu filho, o jovial Rex Hanson (Chris Pine) é devido ao investimento considerado de alto risco. Logo, a persona de Bert se mostra tão controversa quanto a de seus antigos patrões, emulando a personalidade imbecil e incluindo um golpe financeiro.

    Após uma reunião sem qualquer apelo à realidade, os personagens decidem se vingar de Hanson, pensando em assassinato – artifício impossível para eles, inaptos – ou um sequestro do filho do milionário. Para prosseguir no plano, eles decidem pedir conselho ao único assassino que conhecem, Dave Harken (Kevin Spacey), o qual está preso e faz questão de humilhá-los, tratando-os como os idiotas, o que realmente são, ao agirem de modo tão infantil na parte 2. O comportamento do grupo era o mesmo de pessoas normais, que agem imbecilmente perante as situações nas quais não estão acostumados, como americanos medianos com o objetivo de assassinar pessoas próximas. O que antes era reação normal torna-se um comportamento padrão, o que é claramente desagradável e demasiado óbvio.

    A edição do filme, com narração e destaques dos defeitos dos personagens, é abandonada, fato utilizado principalmente para diferenciar o trabalho de Anders ao de Gordon. Com isso, um dos pontos mais charmosos do primeiro filme se perde, com o formato voltado para uma comédia de erros pura e simples, uma fórmula que lembra muito a de Se Beber, Não Case! Parte II, obra que explora personagens conhecidos do público em situações ainda mais controversas do que as vistas anteriormente.

    Apesar da tentativa de explorar outra vertente, não há nada de inovador na produção, pelo contrário. Quase todas as situações são repetidas, desde o já comum comportamento de Jason Bateman, que faz de Nick ainda mais parecido com o inseguro protagonista de Arrested Development, Michael Bluth, até os absurdos mostrados em tela. Mesmos as reviravoltas, que visam perverter os arquétipos de vilões e mocinhos, soam bastante forçadas. Sequer a pseudo-mudança de gênero para um filme de assalto, debochando de filmes recentes, como Truque de Mestre, salva o roteiro da mediocridade em que estacionou.

    O último dos plot twists até chega a surpreender, uma vez que os elementos antes mostrados não faziam desta reviravolta algo plenamente previsível. Alguns dos dramas vividos no final de Quero Matar Meu Chefe são reativados, com direito à repetição de papéis de Jamie Foxx como Motherfucker Jones, e Jennifer Aniston como a ninfomaníaca Julia Harris. Apesar deste ser o momento mais engraçado e nonsense do filme, não chega ao ápice de justificar os excessos dos quase 110 minutos de exibição, que, retirada a quantidade exorbitante de excedentes, mal completaria uma hora de exibição.

    Quero Matar Meu Chefe 2 é bastante inferior ao seu antecessor, como já de esperar, mas falha demais ao tentar fugir de um estereótipo para se prender em um ainda mais vexatório e repetitivo, em que até a química dos três interpretes é decrescida apenas para fortalecer o estabelecimento de uma franquia, isentando o produto final de qualquer substância e conteúdo relevante.

  • Crítica | Muppets 2: Procurados e Amados

    Crítica | Muppets 2: Procurados e Amados

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    Quando um filme hollywoodiano faz sucesso, é natural que ele se torne uma franquia, com repetições do que deu certo no primeiro episódio, com mais exagero, convites a celebridades e roteiros sofríveis de repertório pobre e sem ineditismo. A introdução musical de Muppets 2, de James Bobin – o mesmo diretor do filme de 2011 -, brinca com essa questão, usando o artifício como recurso metalinguístico. Na verdade, isso é um pretexto para, como diriam os textos de Monty Python, ir para algo totalmente diferente. Os fantoches que estão de volta à ativa resolvem, aconselhados por Dominic Badguy (Ricky Gervais), partir em turnê mundial para aproveitar a fama recém-adquirida, mesmo sob os protestos de Walter, único remanescente dos protagonistas criados em 2011.

    Logo de início, percebe-se que as intenções de Badguy não são boazinhas e que algo ruim se aproxima da trupe de animais e criaturas de feltro cantantes. Aos poucos, Dominic assume o papel de liderança que sempre foi de Caco, O Sapo (ou Kermit para os americanos). Sua confiança é abalada, e a voz de comando vai decaindo com o tempo. Até o seu bom senso é avariado, assim como a autoestima do personagem. Em Berlim ele cai em uma cilada, onde é confundido com um bandido chamado Constantine, que toma o seu lugar sem levantar maiores suspeitas – a não ser em Animal e Walter – e que demonstra ter uma egocentrismo desnecessário, fazendo sempre questão de demonstrar estar acima de Dominic, a quem chama de Número 2.

    O espetáculo feito no teatro de Berlim serve de fachada para acobertar o roubo das peças de arte de um dos museus. A partir daí, a Interpol e a Cia se envolvem nas investigações lideradas por Jean Pierre Napoleon (Ty Burrell), pelo lado europeu, e por Sam, a Águia, ocasionalmente medindo forças e tamanhos distintos, unicamente para achincalhar a xenofobia dos estadunidenses e reforçar as diferenças de lidar com crimes entre ambas as culturas. A competição é sempre estimulada no roteiro de Nicholas Stoller e Bobin.

    A trama acaba se dividindo em núcleos, mas eles não se rivalizam em importância, uma vez que continuam interessantes por toda a extensão da fita, especialmente quando servem de reflexão ao mostrar mundos ideais, como quando as duas partes do Sapo têm de fingir ser quem não são. Constantine se torna o par ideal para Miss Pig, respondendo positivamente, pela primeira vez, à possibilidade de casamento – ainda que não a engane totalmente -, enquanto Caco tem de se se virar em uma prisão na Sibéria, onde tem contato com Nadya (Tina Fey), que, aos poucos, faz o Sapo ter sua confiança de volta para realizar um número musical – as partes cantadas continuam impressionantes do ponto de vista técnico.

    Walter finalmente descobre o ardil dos malfeitores e comunica o problema a Fozie, o Urso, mas é tarde, pois logo é descoberto por Dominic e Constantine e jogado no frio da Sibéria para morrer à míngua. Antes do grande roubo, o falso Sapo decide pedir Miss Piggy em casamento, em pleno show, para ter o álibi perfeito. É brilhante o modo como os ladrões conseguem elogios da crítica, usando anedoticamente a prática de suborno a profissionais de comunicação para conseguir páginas positivas. O humor é uma boa maneira de fazer críticas, mas sem ser necessariamente ácido.

    O último ato guarda surpresas tremendas, com elementos de filmes de assalto, de superespião e, claro, muito romance. Mesmo uma questão conflitante, como o casamento arruinado entre o Sapo e sua amada, é tratada como um momento edificante dentro da jornada de Caco pela sua restauração enquanto figura artística. Alguns twists são ensaiados próximos ao final, mas nenhum deles se conclui.

    Se a mensagem do filme anterior, estrelado por Jason Segel, era de ressurreição de mitos, este de 2014 fala basicamente do quão valorosa é a união entre os iguais e o quão indispensável é uma amizade verdadeira. Comparando os dois roteiros, este é bem menos incisivo e crítico do que o primeiro, o que reafirma as sentenças ditas logo no início. Apesar de possuir um pouco mais de alma do que as continuações caça-níquéis comuns, Muppets 2 – Procurados e Amados sofre muito sem o carisma de Segel. Sua falta é muitíssimo sentida e faz deste um espécime ordinário na filmografia dos famosos e infames fantoches.

  • Crítica | Teorema Zero

    Crítica | Teorema Zero

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    Para quem não está acostumado a filmografia de Terry Gilliam, talvez estranhe um pouco este Zero Theorem. A veia humorística nonsense e a estética peculiar e típica dos produtos do realizador talvez ajudem a confundir ainda mais o público. A história se passa em um mundo corporativo onde “homens câmera” fornecem imagens para uma criatura controladora que usa a alcunha de Managemente, interpretado por um mirabolante e pomposo Matt Damon.

    A direção de arte é de um trabalho primoroso e é bem típica se comparada a filmografia do realizador. O ambiente futurístico é, em alguns momentos, sujo e decaído, para exemplificar o estado social onde a solidão é uma prerrogativa valorizada e uma prática comum, e em outras é hiper-colorido e barulhento, grafando o consumismo desenfreado como parte do modus operandi daquele “universo”.

    A história segue Qehon Leth – Christoph Waltz – um hábil analista de entidades – sua profissão não tem um par ordenado com o universo comum – que vive numa atmosfera extremamente corporativista onde se vive para trabalhar. Se sente incomodado, mas não pelo exercício de seu ofício, mas sim pelo entorno de pessoas, prefere a solidão de seu lar e tenciona trabalhar em casa a fim de evitar o incômodo da companhia humana. Qehon é um sujeito decadente fisicamente e está a espera de algo que poderá mudar a sua vida – e eventualmente muda – enquanto recebe a incumbência de resolver uma equação que nem os maiores gênios da empresa conseguiram achar uma solução.

    A fotografia fica a cargo de Nicola Pecorini, – já havia trabalhado em Contraponto, O Mundo Imaginário do Doutor Parnassus etc – o que garante um registro visual caracteristicamente típico de Gilliam. Segundo o realizador esta seria a sua terceira abordagem a universos distópicos satirizados, assim como em Brazil e Doze Macacos. Qehon teme viver, não permite provar nada em sua dieta que possua sabor, vive sua vida de forma absolutamente robótica e sem muita razão de existir. Está tão acostumado a sua rotina claustrofóbica que não percebe sequer quando acontecem coisas extraordinárias no seu cotidiano. Suas consultas com uma psiquiatra – Dra. Shrink Rom, interpretada por Tilda Swinton – só agravam a sua situação, o faz correr atrás de algo inatingível enquanto ignora o que pode lhe fazer feliz – a presença da belíssima Bainsley, estrelada pela estonteante Mélanie Thierry – até que seja tarde demais reaver o que ele ignora.

    A razão de “ser” ou “existir” e o sentido da vida parece só importar para o mercado empresarial, que faz uso dessas máximas para vender seus produtos. Os espécimes jovens, representados no filme por Bob (Radu Andrei Micu) têm uma relação esquisita com suas próprias crenças, podendo acreditar no conceito de alma, mas desacreditar em qualquer outra coisa – tal comportamento ilógico é flagrado atualmente também. No último ato como ser vivente, Qehon entende como faria sentido a sua própria existência, e se entrega ao nada e ao vazio, só então podendo provar da paz que tanto buscava.

  • Crítica | Deus da Carnificina

    Crítica | Deus da Carnificina

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    Dois casais, Penelope e Michael Longstreet (Jodie Foster e John C. Reilly) e Nancy e Alan Cowan (Kate Winslet e Christoph Waltz) encontram-se no apartamento dos Longstreet para conversar a respeito de uma briga em que os respectivos filhos se envolveram. E o encontro, comprovando o princípio entrópico, avança e degenera rumo ao caos, transformando-se na carnificina do título.

    A exemplo de Who’s Afraid of Virginia Woolf?, o filme é adaptado de uma peça de teatro em que dois casais estão confinados num único ambiente – casa ou apartamento. Contudo, diferente deste, em que os recém-casados Nick e Honey (George Segal e Sandy Dennis) presenciam a lavação de roupa suja do casal “mais veterano”, Martha e George (Elizabeth Taylor e Richard Burton), em Deus da carnificina os casais parecem ter mais ou menos o mesmo tempo de vida em comum e as batalhas verbais ocorrem entre todos. Mesmo assim, é difícil não traçar um paralelo, já que em ambos os casais usam o conhecimento advindo da intimidade para que suas palavras causem o maior dano possível. A ironia, o sarcasmo, a acidez de algumas falas revelam que cada um conhece o ponto fraco do outro e mira ali propositalmente. Contudo, o diferencial do filme de Roman Polanski é que as discussões vão além do relacionamento entre os casais – por exemplo, o capitalismo despudorado de Alan versus o idealismo esquerdista de Penelope.

    O fato de ser uma adaptação de uma peça poderia se tornar um complicômetro. Porém, o diretor soube usar a técnica cinematográfica a seu favor, fazendo algo que no teatro não seria possível e, assim, direcionando o olhar do espectador a seu bel-prazer. Os atores surgem em planos e contraplanos, aos pares, trio, quarteto, acompanhando, como num passo de dança, a intensidade dos diálogos. E, assim como Sidney Lumet em 12 Homens e uma Sentença (também baseado numa peça), Polanski usa a câmera para controlar o ponto de vista do público e intensificar sua reação ao que acontece em cena. É interessante notar que o confinamento dos casais nesse ambiente deve-se totalmente ao acaso – o café oferecido na hora de ir embora, o sinal do celular que falha a caminho do elevador, entre outros pequenos eventos que fazem o casal Cowan sempre voltar ao interior do apartamento.

    E, já que o desfecho não é inesperado (sabe-se desde o trailer para onde se encaminha a trama), o interessante é acompanhar como isso acontece. Ver a evolução dos personagens. A civilidade e as convenções sociais sendo deixadas de lado. A polidez dando lugar à sinceridade extrema. As máscaras caindo à medida que os ataques verbais se sucedem. Situações triviais deflagrando reações desmedidas e aparentemente irracionais. A conversa, que se inicia de forma trivial, evolui de tal forma que deixa o ambiente tenso. Comentários normalmente inofensivos tornam-se o estopim para uma saraivada de reclamações e observações sarcásticas. E as protagonistas das discussões vão se alternando – casal versus casal ou um contra um em todas as combinações possíveis.

    A tensão que se instaura desde o início gera até uma reação física em Nancy. É estranho lembrar-se de um filme e referenciar-se a ele por causa de uma cena de vômito. Mas a cena foi tão bem feita e encenada, tão verossímil – tem-se a impressão de sentir aquele odor acre característico – que fica difícil não citá-la. Principalmente por que é a partir daí que a situação degringola. Se o espectador fica ao mesmo tempo surpreso e chocado com a cena, o mesmo ocorre com os personagens. O vômito parece servir de gatilho para os bons modos serem abandonados enquanto todos se sentem no direito de, a partir desse momento, expressar livremente seus pensamentos.

    Kate Winslet está perfeita nesta cena. Mas não apenas nesta: destaque também para o declínio do seu grau de sobriedade após alguns goles de um ótimo scotch. Aliás, todo o elenco está acima da média. Mesmo não tendo mais nada a provar, há tempos não se via Jodie Foster tão bem num papel. Numa obra em que a trama é calcada em personagens e diálogos, a excelência das atuações é algo essencial e que garante a fluidez da narrativa. O espectador consegue acompanhar, em closes e planos-detalhe, os gestos, maneirismos, micro-expressões de cada um dos atores, nuances dos personagens que seriam impossíveis de observar num teatro.

    Não é o melhor filme de Polanski. Mas mesmo um filme menor do diretor consegue conceder ao espectador uma experiência cinematográfica gratificante, mesmo que incômoda. Afinal, enxergar-se nas atitudes dos personagens não é nada agradável.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Django Livre

    Crítica | Django Livre

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    Não é todo dia que vemos um filme de Quentin Tarantino no cinema. Nas duas últimas décadas, o estadunidense de 50 anos lançou apenas 8 filmes, e mandou bem em todos!

    O número de títulos assinados por Quentin é tão impressionante quanto seu aproveitamento: O filme mais fraco (minha opinião: Jackie Brown) não pode ser chamado de ruim, o casting de seus filmes sempre é incrivelmente estrelado e Hollywood sempre vê seus futuros projetos com bons olhos. Foi assim desde Cães de Aluguel, seu primeiro filme e que teve atores muito famosos se acotovelando para ocupar os poucos papéis disponíveis. Diretor novato, Tarantino conseguiu o que ninguém acreditava ser possível para um estreante: Ter o projeto aceito por um dos maiores nomes da época em Hollywood, o renomado Harvey Keitel. Além de Keitel, o primeiro filme de Quentin Tarantino, contava também com Steve Buscemi, Michael Madsen, Tim Roth e ele próprio, dentre outros.

    Assim como seus filmes, Tarantino possui várias marcas registradas que transbordam nas películas e fazem dele um diretor autoral com o nome gravado à ferro na história do cinema. Exímio diretor de câmera, abusa dos chamados long shots com cenas de até 10 minutos sem cortes. Seus roteiros, geralmente originais, trazem personagens de personalidade forte e a grande maioria das tramas tem uma dualidade muito evidente: Os personagens nunca são completamente vilões ou mocinhos. O grande trunfo dos filmes “tarantinescos” sempre foram os personagens e seus diálogos, muitas vezes surreais, sobre assuntos cotidianos.

    Os filmes dirigidos e roteirizados por Quentin tem, também, uma veia sanguinolenta e extremamente violenta que sempre se apresenta por grandes tiroteios, linguagem obscena e violência explicitada com litros e mais litros de sangue que transformam os cenários em retratos de chacinas fantasiosas, totalmente inverossímeis e exageradas. Todo filme dele é aguardado do anúncio à estreia com expectativas muito elevadas por parte da comunidade cinéfila, e Django Livre não foi exceção.

    O filme conta a história de Django (D-J-A-N-G-O, o “D” é mudo…), um escravo que é resgatado por um caçador de recompensas enquanto era transportado de sua fazenda de origem para um outro local. O caçador de recompensas, um alemão abolicionista conhecido como Doutor King Schultz, propõe a Django que o ajude a capturar (e matar) os três donos da fazenda em que ele trabalhava e em troca oferece sua liberdade e algum dinheiro para recomeçar sua vida. A principio relutante em aceitar a proposta, o escravo parte com o caçador em uma viagem em busca dos alvos.

    Depois de achar e matar os três irmãos e mais crédulo do discurso anti-escravagista do nobre Doutor Schultz, Django recebe a ajuda do caçador para reaver sua esposa, vendida para um fazendeiro de identidade até então desconhecida. Enquanto viajam lado-a-lado caçando procurados por todo o sul dos Estados Unidos, os dois se tornam amigos em busca do objetivo maior de Django: reunir-se novamente com sua esposa Broomhilda.

    O filme, vendido para mim como um thriller de ação e vingança se mostrou outra coisa durante a primeira uma hora. Esperei ver litros de sangue, tiroteios frenéticos e muitos personagens se interligando ao maior estilo Quentin Tarantino mesmo, mas essa primeira parte do filme não tem nada disso. Decepcionado? Nem um pouco!

    Esta primeira (e maior) parte do filme foca inteiramente na interação de Django (Jamie Foxx) e Schultz (Christoph Waltz). Tem diálogos impressionantemente bem feitos, ótimos momentos de humor e ação na medida certa para desenvolver os dois personagens. Durante esta primeira metade, Django e Schultz caçam dezenas de procurados enquanto o escravo aprende a técnica necessária para colocar seu plano em movimento. Quando finalmente descobrem o paradeiro de Broomhilda (Kerry Washington), as rédeas do filme passam para as mãos do protagonista-título da trama. Até este ponto de virada, Waltz leva o filme com a mesma maestria e atuação  que deu vida a Hans Landa (vivido por Waltz em Bastardos Inglórios, também de Tarantino). Impressionou-me bastante a forma como ele trabalha magistralmente bem junto de Quentin Tarantino, e o filme é levado por ele com uma atuação de gala que lhe rendeu, merecidamente, a indicação ao Oscar de melhor ator coadjuvante. Seu personagem alterna extremamente bem momentos de serenidade e bondade com sequências de implacável violência e inteligência na caça aos bandidos procurados.

    E por falar em atuações de gala, Samuel L. Jackson está tão solto e frenético em “Django Livre” quanto estava em Pulp Fiction (pra mim, o melhor filme de sua carreira). Aqui, ele vive o afetado Stephen, um escravo que trabalha há muito tempo para o personagem de Leonardo Dicaprio administrando sua fazenda e cuidando da casa. O inglês pronunciado com um incômodo sotaque texano e sua falta de educação nos diálogos rendem boas risadas nos últimos 40 minutos de filme. Sua atuação tira parte do brilho do personagem de Leonardo Dicaprio, que vive Calvin Candie, um dono de terras que negocia escravos negros para as lutas de “mandingos” e é o atual dono da esposa de Django. Interpreta bem, nos poucos momentos em que o roteiro o deixa em evidência, mas não faz nada extraordinário.

    Jaimie Foxx me surpreendeu bastante com sua atuação. Na verdade, era o único que eu não sabia o que esperar mas manda bem demais durante todo o filme. Django é um personagem complexo e ele pareceu entender bem qual era seu propósito no roteiro, sendo modesto quando necessário, violento e forte quando o roteiro assim o pede e, como já falei, tomando as rédeas do filme depois que o personagem de Waltz vai embora.

    E é só depois que o nobre Dr. Schultz se ausenta que o filme toma ares mais tarantinescos de verdade. Passa, apartir dalí, a se tornar um filme sobre vingança, com ritmo acelerado e, como não poderia faltar, baldes e mais baldes de sangue derramado na tela. A velocidade da câmera, as viradas no plot e a aparição modesta de Quentin na tela mudam completamente a pegada do filme e compõe, agora sim, o thriller frenético de ação e vingança que haviam me vendido. Não sei precisar qual das duas partes eu gosto mais, mas este é certamente um adendo favorável ao meu resumo da obra: Comprei um ingresso de cinema e acabei vendo dois excelentes filmes!

    A trilha sonora é simplesmente uma das mais fantásticas que eu já ouvi e ajuda demais a ditar o andamento das cenas. Misturando estilos, Tarantino traz para o filme uma série de artistas diferentes que vão desde as trilhas compostas por Ennio Morricone até uma música montada num remix incrivelmente bem feito que une as vozes de, acreditem, James Brown e Tupac Shakur!

    Que outro autor/diretor você conhece com moral suficiente para emplacar um Western ao som de Hip Hop?! E o melhor da trilha é que ela está disponível, gratuitamente, para ser ouvida neste link. Nele você encontra todas as trilhas empregadas e algumas citações tiradas do próprio filme. Abaixo, a música póstuma produzida pelo Rei do Soul e o Mestre do Rap:

    Com orçamento estimado em 100 milhões de dólares e faturamento de quase 350 milhões, “Django Livre” tornou-se o maior e mais bem sucedido filme da ainda curta (mas muito bem sucedida) filmografia de Quentin Tarantino. O filme chegou ao Brasil em 18 de janeiro, mas ainda está em exibição em algumas poucas salas do país. Tarantino, que já anunciou que não pretende ir muito além de 10 filmes em sua carreira, conseguiu um resultado excelente e acima do meu esperado ainda que tivesse grande expectativa para o filme. Como já é de praxe, fez dezenas de referências durante os 160 minutos de filme. Referências facilmente captadas, como o nome do personagem e trilha de abertura (retirada do filme “Django”, de Sergio Corbucci), diversas metáforas ao homem branco e à relação do negro com a liberdade e até uma crítica bem humorada à Ku Kux Klan. Um filme bastante fácil de compreender, divertidíssimo e nada cansativo, que merece ser visto por todos os fãs de cinema, menos o Spike Lee.