Tag: Ricky Gervais

  • Review | After Life – 1ª Temporada

    Review | After Life – 1ª Temporada

    As primeiras cenas de After Life mostram a alegre Lisa (Kerry Godliman) gravando um vídeo epitáfio, instruindo seu marido em como proceder após sua partida. Logo aparece Tony, de Ricky Gervais – tal qual em Derek dirige e estrela a série –, como um sujeito bastante diferente de seu par, depressivo e com uma vontade constante de pôr fim à sua vida. A única função em que ele se sente útil é na alimentação de sua cachorra, e até nisso ele falha. Seu trabalho em um jornal local é enfadonho e trivial.

    Tony é quase imune a risos e humor, além de ser desprendido moral e socialmente por sentir que sua hora de partir está próxima, ou seu desejo de que a morte finalmente chegue é maior que a vontade de manter um bem estar social. Ele passa então a humilhar e satirizar tudo que vive e respira, até seu emprego é lhe dado por pena, pelo irmão de sua finada amada e ele é capaz de mostrar toda sorte de ingratidão nisto. O mais curioso é que mesmo sendo brutal com suas palavras e atos, a maioria das pessoas são pacientes e complacentes com ele, como seu patrão, Matt (Tom Basden); seu amigo de redação, Lenny (Tony Way); seu desafeto no jornal, Kath (Diane Morgan); ou ainda, a nova redatora, Sandy (Mandeep Dhillon). Conviver com ele cotidianamente é um grande desafio de paciência e empatia, tanto que seu terapeuta, pago para ouvi-lo, é entediado e impaciente, além de um péssimo ouvinte e conselheiro, sendo basicamente o resumo da vida social de Tony um reflexo de seu comportamento com terceiros, e curiosamente, o único a tratá-lo de maneira igualitária.

    Tony não é cruel só com os que acompanham, mas também com o que o destino o reserva como pautas de trabalho  afinal, um sujeito receber 5 vezes o mesmo cartão de natal, ou um garoto adolescente que toca flauta com as narinas não contam como furos jornalísticos. Os capítulos terminam com uma musica instrumental parecida com as que tinham no The Office britânico, e o formato dos capítulos não segue uma risca ou métrica muito precisa.

    Entre momentos em que se sente sozinho e com vontade se suicidar (onde é outra vez interrompido pela fome de sua cadela), e passagens pelo asilo em que deixou seu pai doente (magistralmente interpretado por David Bradley), ele conversa de maneira franca e despretensiosa com a enfermeira que Ashley Jensen faz, e é nesse momento que ele tem uma reflexão inteligente e lógica sobre a consciência dos ditos doentes mentais ainda existirem ou não, com ela afirmando que dizer que os idosos não  tem mais controle sobre suas faculdades mentais é apenas uma desculpa que quem os envolve usa para não assumir a imprevisibilidade da vida e a impotência diante de doenças que não têm cura, e isso toca profundamente Tony, se encaixando no diagnostico que ele dá para si mesmo.

    O processo de sentir pena de si mesmo ocupa demais o tempo do protagonista, e o roteiro não tem pudor em explorar isso, em mostrar como ele prossegue espirituoso e ácido mesmo sem saber se conseguirá se manter vivo. Entre tentativas de se dopar, ele chega a conclusão de que é alguém odioso e passa a se afeiçoar por pessoas excluídas socialmente.

    O desfecho de After Life é otimista, com o protagonista olhando seus dias com mais cor, apesar de ainda carregar todas as dores da perda que teve antes da temporada acabar, e sua nova postura e conduta não se dá por um amadurecimento solitário, e sim por abrir seus horizontes para novos conhecimentos e novas formas de relacionamento social. Pode parecer que o tom de auto-ajuda seja pesado e tóxico, mas não é exagerado no roteiro que Gervais propõe, pelo contrário, mostra um homem em franca evolução, na tentativa de superar o trauma que vivenciou e seguir em frente.

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  • Crítica | David Brent: A Vida na Estrada

    Crítica | David Brent: A Vida na Estrada

    Após o sucesso de The Office, onde Ricky Gervais e Stephen Merchant trabalharam na direção e roteiro, David Brent retorna, dessa vez para cumprir um antigo sonho seu, se tornar um astro de rock. David Brent: A Vida na Estrada mostra o personagem título trabalhando como representante de venda de odorizadores de banheiro. Evidentemente que toda falta de noção e inconveniência do personagem é resgatada, mas o prisma analisado é ligeiramente diferente do programa original, semelhante demais ao visto nos especiais de natal exibidos em 2003.

    Brent prossegue sendo um pária em seu local de trabalho. Seja no novo escritório – onde não tem o cargo de chefia como era no seriado – ou no estúdio onde grava suas demos musicais, Brent é tratado como um intruso, um sujeito que ninguém deseja estar perto. Apesar de engraçado, isso é também triste, se assemelhando bastante ao tom existente nos especiais de natal de The Office.

    Brent consegue excursionar com sua banda contratada, e os músicos claramente o acham digno de pena e provocador de um profundo incômodo por sua simples presença. Ao contrário do ocorrido no programa da BBC aqui não há qualquer constrangimento dos personagens em se mostrarem enfadados com a postura e com a proximidade de Brent, e são poucos os que enxergam algo de positivo em sua pessoa, sendo o maior deles Dom (Doc Brown), o cantor de rap que acompanha sua banda.

    Não há participações dos antigos personagens da vida de Brent, fato que o faz ser o centro das atenções humorísticas. Curiosamente há uma ausência de comédia via diálogo, restando a Gervais a maioria absoluta das piadas e situações cômicas, vaidade essa que faz o longa perder um pouco de força. A carência jamais assumida por si é motivo de piada para os outros e é nesse aspecto que mora a maior riqueza de David Brent: A Vida na Estrada, que tem si uma boa mistura de comédia com reflexão sobre os dias de uma pessoa frequentemente excluída.

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  • Review | The Office (UK)

    Review | The Office (UK)

    A primeira cena do seriado britânico The Office – que fez o começo da fama da Ricky Gervais, um marco da parceria do comediante com Stephen Merchant – já trata de estabelecer o quão constrangedora é a postura de David Brent (Gervais), o gerente da Wernham Hogg Paper Company, um sujeito inconveniente e sem qualquer tato social para tratar seus funcionários.

    Todo o cerne da série é apresentar um ambiente de trabalho universal, pessoas comuns e sem grandes aspirações como normalmente não ocorre no audiovisual. Ainda no piloto, os personagens principais são apresentados, David Brent, já mencionado; Dawn Tinsley (Lucy Davis) secretária e recepcionista; Gareth Keenan (Mackenzie Crook), discípulo de David em impertinência; e por fim, o vendedor Tim Canterbury (Martin Freeman). Estes dois últimos fazem questão de aprontar peças um com o outro o tempo todo, desenvolvendo uma rivalidade que seria levada à frente no remake americano. Além destes há também a chefe de departamento, Jennifer Taylor-Clarke (Stirling Gallacher), que faz questão de pôr o gerente em seu lugar a todo momento.

    O formato mockumentary não era tão comum em 2001, assim como a ideia de documentar de maneira falsa a rotina de trabalhadores comuns, mas também faz um comentário sarcástico sobre a hipocrisia comum ao cidadão médio, como quando o documentarista deixa David explicar o motivo de haver pouca variação étnica em sua empresa, mostrando assim um lado bastante racista por parte do responsável pela empresa, que vive confundindo todos os não brancos unicamente por não serem caucasianos.

    A imbecilidade e falta de noção do gerente é tamanha que este faz pegadinhas com possíveis demissões de seus funcionários. A ausência de claquete faz aumentar a sensação de desconforto, demorando para ambientar o público não acostumado com a temática de comédia inglesa.

    O primeiro ano desenvolve um pouco da intimidade dos personagens, primeiro com a questão envolvendo o relacionamento em declínio de Dawn e Lee (Joel Beckett), consequentemente tratando também do flerte proibido entre a moça e Tim. A pessoa mais próxima do normal dentro desse ambiente de trabalho é o próprio Tim. Além disso, o vendedor não vê muitas perspectivas de crescimento na empresa, e seu sonho antigo de cursar psicologia é adiado graças a uma pequena promoção que recebe, ainda que o motivo real para continuar ali seja outro que não o lado financeiro.

    A segunda temporada se aprofunda nos detalhes técnicos do trabalho, mostrando a fusão de uma filial com outra. Também se observa a total falta de sociabilidade de Gareth, que age como um misógino orgulhoso. Além disso, se demonstra uma nova “rivalidade” nascendo, ainda que isto se deva basicamente a uma típica cobrança trabalhista, vindo de Neil Godwin (Patrick Baladi), o novo superior de Brent, que vem da uma outra unidade da empresa para unificar as filiais.

    O nível de constrangimento e vergonha alheia aumenta absurdamente no final desse segundo ano, uma vez que Brent é enquadrado, tanto em seu falso sucesso como gestor, quanto na condição de trabalhador comum. Sua demissão era um evento já esperado, visto a completa falta de tato e noção, além da condição adversa pela qual passa, intensificada pela documentação em vídeo de sua rotina.

    A história que se passa quase três anos após os eventos iniciais mostra Brent em decadência, reclamando da exposição que sofreu no tempo posterior a sua demissão, e como se tornou motivo de piada por onde passava. Incrivelmente, os especiais servem mais a causar uma reflexão do que fazer graça. Os momentos finais, mesmo que proferidos por David – que claramente mistura as palavras maduras com momentos de pouca inspiração – soam inteligentes e precisas, quase poetizando o total dos 14 episódios gravados e exibidos, prevendo uma faceta que Gervais exploraria mais em Derek e nos filmes que dirigiu com Merchant posteriormente.

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  • Crítica | Special Correspondents

    Crítica | Special Correspondents

    Special Correspondents

    Ricky Gervais tem se notabilizado nos últimos anos por desconstruir temas caros e espinhosos. Foi assim com Derek – 1ª Temporada, em parceria com a Netflix, mostrando um protagonista prejudicado mentalmente, que pratica caridade com homens de idade avançada, e foi assim em Life’s Too Short, que tinha no ator anão Warwick Davis seu objeto de análise, além de The Office, que notabilizava pelo seu humor incômodo. Special Correspondents chega à televisão em parceira com a Netflix discutindo a manipulação midiática através de um história aparentemente leve.

    Este é o terceiro longa-metragem dirigido pelo humorista, e começa com a abordagem passivo agressiva do radio-jornalista Frank Boneville (Eric Bana), um canastrão famoso por suas matérias e por seu estilo despojado e encantador, como uma versão jornalista de James Bond. Ao seu lado há a dupla de tímidos e desajustados, a assistente Claire Makepeace (Kelly MacDonald) e o técnico de som Ian Finch (Gervais), que tem em sua insegurança o principal paradoxo e diferença em relação ao chefe de reportagem. A vida pessoal de Ian passa a ser miserável graças à evolução do quadro de crise com sua esposa Eleanor (Vera Farmiga), que já parece farta dele, passando a flertar com outros homens.

    O estado de miséria existencial toma conta do ideário dos dois homens, o que facilita a aceitação de um trabalho no exterior, tendo que ambos visitar o Equador para cobrir um conflito bélico. Do alto da ignorância dos dois colaboradores, surge um acidente com os documentos e pagamentos da tal viagem, e os dois têm de ficar em solo americano. Depois de discutirem, decidem forjar as informações a respeito do conflito, mentindo descaradamente, com a ajuda de dois funcionários de um café de origem latina, que passam a fazer parte da trama farsesca, emprestando seus sotaques para ludibriar os chefes e os ouvintes, se valendo da xenofobia e generalização comum ao comportamento dos estadunidenses para alcançar o êxito em sua tentativa de manterem desconhecida a realidade dos fatos.

    O teor das mentiras passa a aumentar em virtude da rivalidade entre Frank e outro âncora, e chegam ao cúmulo de inventar um sequestro do apresentador e do técnico de som. A partir daí, começa uma série de eventos que visam explorar a desgraça dos homens e capitalizar em cima disso, invertendo toda a moral de O Primeiro Mentiroso, primeiro filme dirigido por Gervais, incluindo na mentira uma arrecadação de fundos organizada por Eleanor, que se torna uma espécie de namoradinha da América às avessas.

    O humor de Special Correspondents mora em detalhes muito sutis do texto, que se fossem apresentados em esquetes curtas funcionariam à perfeição, mas que não conseguem sustentar um filme inteiro, fator que piora graças à pouca inspiração empregada na fina camada de ironia que o argumento tenta alcançar.

    Gervais consegue evoluir gradativamente como diretor, apresentando planos interessantes, como já havia se notado em Caindo no Mundo. Mesmo com uma mensagem carregada de pieguice, é notável um certo ineditismo na abordagem do drama, primeiro com o rompimento da condição de capacho de Ian, passando pela inversão de protagonismo entre ele e o personagem de Bana, fato este que não salva o resultado final de um humor morno, que funciona bem para a televisão mas peca muito no cinema.

  • Crítica | Uma Noite no Museu 3: O Segredo da Tumba

    Crítica | Uma Noite no Museu 3: O Segredo da Tumba

    Uma Noite no Museu 3 - O Segredo da Tumba

    Poucas trilogias mantêm a qualidade e sucesso nas três partes de suas histórias. Mesmo grandes produções, como O Poderoso Chefão e De Volta Para o Futuro, apresentaram oscilações. Normalmente, ao nos referirmos a trilogias, o último ato sempre é o mais difícil de ser bem executado. À exceção, talvez, de O Retorno do Rei, na trilogia O Senhor dos Anéis, o melhor dos três e grande desfecho da saga. Realizar três histórias diferentes com a mesma qualidade é um processo difícil, ainda mais quando as três produções são desenvolvidas de maneira separada, sem nenhum plano inicial de conduzir continuações, mas que, devido ao sucesso de público, ganham mais uma história nas telas.

    Nestes casos, observamos um padrão entre cada parte de uma trilogia. Normalmente, o segundo filme reconta a história do primeiro de maneira levemente diferenciada e maior, muitas vezes cometendo excessos para entregar algo a mais ao público. Por consequência, se a continuação recebeu críticas negativas, sua terceira parte tenta equilibrar-se nos acertos anteriores, evitar erros e tornar competente o desfecho.

    Esta proposição pode ser vista na trilogia Uma Noite no Museu, a franquia mais familiar do comediante Ben Stiller. Após o primeiro filme, que trabalhava com simplicidade uma história lúdica e mágica, sua sequência apresentou excesso de novos personagens e cenários que desequilibraram a narrativa, resultando em um filme inferior. Eis que Uma Noite no Museu 3: O Segredo da Tumba evita o excesso de novas personagens, mantendo os conhecidos e cativantes integrantes do Museu em uma nova aventura que decidirá o destino de cada um deles.

    Shawn Levy assume novamente a direção nesta produção que enfoca o trabalho do vigia noturno Larry Dayle em um museu de história natural. Um local onde, durante a noite, as personagens históricas ganham vida graças à magia da Pedra de Ahkmenrah. Devido a uma corrosão que surge na peça, Larry viaja até Londres para pedir ajuda ao Faraó Merenkahre, o criador do artefato.

    A produção começa com um pequeno prólogo em uma escavação do Egito, quando um garoto acidentalmente encontra a tumba onde está a pedra. Durante muito tempo, este mesmo garoto seria o guardião noturno do museu, um dos antigos vigias que retorna à história quando Larry procura-o para pedir informações sobre o artefato. Enquanto lida com este problema do museu, Dayle tem problemas com o filho, decidido em não seguir nenhuma carreira acadêmica. Um conflito paternal explorado além da aventura.

    Como na história anterior, as personagens necessitam explorar um novo museu e se deparam com novos objetos que ganham vida devido à Pedra de Ahkmenrah. Ao contrário do excesso de personalidades de Uma Noite no Museu 2, somente um novo personagem acompanha a jornada dos heróis: o famoso cavaleiro Lancelot. A adesão da figura nobre à trama promove humor e ajuda a intensificar as cenas de aventura e ação. O museu britânico é limitado a poucas áreas, o que se evita o surgimento de outros personagens, mas ainda apresentando novos monumentos em cenas pontuais, principalmente porque há salas específicas para diversos países e regiões. Sem deixar de lado o acervo grandioso do museu, a história destaca a litografia Relativity, de M. C. Escher, e ainda inova uma cena de batalha encenada dentro do quadro com suas diversas visões de perspectiva e tridimensionalidade (um dos pôsteres de divulgação utilizou o quadro em cena).

    A trama dosa a aventura e o lado familiar, afinal trata-se de um filme feito para um público amplo, de crianças a adultos. As cenas de humor são simples, com um tipo de riso que é provocado sem agressividade. Um estilo de produção que não busca nenhuma invenção, mas segue uma cartilha própria, consagrada nas histórias anteriores e com personagens queridos do público.

    A produção marcou a despedida de Robin Williams, sendo esse o último filme estrelado pelo comediante. Alguns críticos apontaram que sua morte modificou levemente a estrutura desta obra, que adquire um tom mais maduro e sensível em seu ato final. As últimas falas do Presidente Teddy Roosevelt dialogam sobre o fim e o início de novos caminhos, a sensação de desconhecimento sobre o futuro que seria benéfica devido às suas muitas possibilidades. Uma realidade que gera outra carga a essas palavras. O público anula momentaneamente a diferença entre personagem e ator para, com emoção, se despedir do próprio Williams na figura do presidente. O adeus a um ator que sai de cena da mesma maneira que entrou nos palcos: em um papel cômico, demonstrando que conduziu sua vida até o fim na esperança de trazer o riso aos outros.

    Neste misto de comédia, história familiar e leve drama dentro e fora das telas, Uma Noite no Museu 3 realiza um desfecho com qualidade a uma história simples, sem muitas pretensões, mas que cativou o público principalmente pelo jogo cênico de personagens históricas, dialogando entre si, e o humor acessível de Ben Stiller.

  • Crítica | Muppets 2: Procurados e Amados

    Crítica | Muppets 2: Procurados e Amados

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    Quando um filme hollywoodiano faz sucesso, é natural que ele se torne uma franquia, com repetições do que deu certo no primeiro episódio, com mais exagero, convites a celebridades e roteiros sofríveis de repertório pobre e sem ineditismo. A introdução musical de Muppets 2, de James Bobin – o mesmo diretor do filme de 2011 -, brinca com essa questão, usando o artifício como recurso metalinguístico. Na verdade, isso é um pretexto para, como diriam os textos de Monty Python, ir para algo totalmente diferente. Os fantoches que estão de volta à ativa resolvem, aconselhados por Dominic Badguy (Ricky Gervais), partir em turnê mundial para aproveitar a fama recém-adquirida, mesmo sob os protestos de Walter, único remanescente dos protagonistas criados em 2011.

    Logo de início, percebe-se que as intenções de Badguy não são boazinhas e que algo ruim se aproxima da trupe de animais e criaturas de feltro cantantes. Aos poucos, Dominic assume o papel de liderança que sempre foi de Caco, O Sapo (ou Kermit para os americanos). Sua confiança é abalada, e a voz de comando vai decaindo com o tempo. Até o seu bom senso é avariado, assim como a autoestima do personagem. Em Berlim ele cai em uma cilada, onde é confundido com um bandido chamado Constantine, que toma o seu lugar sem levantar maiores suspeitas – a não ser em Animal e Walter – e que demonstra ter uma egocentrismo desnecessário, fazendo sempre questão de demonstrar estar acima de Dominic, a quem chama de Número 2.

    O espetáculo feito no teatro de Berlim serve de fachada para acobertar o roubo das peças de arte de um dos museus. A partir daí, a Interpol e a Cia se envolvem nas investigações lideradas por Jean Pierre Napoleon (Ty Burrell), pelo lado europeu, e por Sam, a Águia, ocasionalmente medindo forças e tamanhos distintos, unicamente para achincalhar a xenofobia dos estadunidenses e reforçar as diferenças de lidar com crimes entre ambas as culturas. A competição é sempre estimulada no roteiro de Nicholas Stoller e Bobin.

    A trama acaba se dividindo em núcleos, mas eles não se rivalizam em importância, uma vez que continuam interessantes por toda a extensão da fita, especialmente quando servem de reflexão ao mostrar mundos ideais, como quando as duas partes do Sapo têm de fingir ser quem não são. Constantine se torna o par ideal para Miss Pig, respondendo positivamente, pela primeira vez, à possibilidade de casamento – ainda que não a engane totalmente -, enquanto Caco tem de se se virar em uma prisão na Sibéria, onde tem contato com Nadya (Tina Fey), que, aos poucos, faz o Sapo ter sua confiança de volta para realizar um número musical – as partes cantadas continuam impressionantes do ponto de vista técnico.

    Walter finalmente descobre o ardil dos malfeitores e comunica o problema a Fozie, o Urso, mas é tarde, pois logo é descoberto por Dominic e Constantine e jogado no frio da Sibéria para morrer à míngua. Antes do grande roubo, o falso Sapo decide pedir Miss Piggy em casamento, em pleno show, para ter o álibi perfeito. É brilhante o modo como os ladrões conseguem elogios da crítica, usando anedoticamente a prática de suborno a profissionais de comunicação para conseguir páginas positivas. O humor é uma boa maneira de fazer críticas, mas sem ser necessariamente ácido.

    O último ato guarda surpresas tremendas, com elementos de filmes de assalto, de superespião e, claro, muito romance. Mesmo uma questão conflitante, como o casamento arruinado entre o Sapo e sua amada, é tratada como um momento edificante dentro da jornada de Caco pela sua restauração enquanto figura artística. Alguns twists são ensaiados próximos ao final, mas nenhum deles se conclui.

    Se a mensagem do filme anterior, estrelado por Jason Segel, era de ressurreição de mitos, este de 2014 fala basicamente do quão valorosa é a união entre os iguais e o quão indispensável é uma amizade verdadeira. Comparando os dois roteiros, este é bem menos incisivo e crítico do que o primeiro, o que reafirma as sentenças ditas logo no início. Apesar de possuir um pouco mais de alma do que as continuações caça-níquéis comuns, Muppets 2 – Procurados e Amados sofre muito sem o carisma de Segel. Sua falta é muitíssimo sentida e faz deste um espécime ordinário na filmografia dos famosos e infames fantoches.

  • Review | Derek – 2ª Temporada

    Review | Derek – 2ª Temporada

    derek-2a-temporadaApós o sucesso da primeira temporada, o seriado de Ricky Gervais foi renovado, claro, sob enorme pressão, decorrente dos bons momentos do ano anterior. A seara inicia-se com uma piada coletiva absurdamente engraçada para logo depois focar mais uma vez o drama das condições precárias que incorrem manter o Broad Hill de pé. O pai de Derek, Anthony Byrne (Tony Rohr) vai, enfim, morar na casa de repouso, o que permite ao roteiro explorar a interação tardia entre pai e filho, que, apesar do tempo, ainda contém muito de teor infantil em decorrência do estado mental do protagonista. Encarar o modo como os dois lidam um com o outro guarda sensações interessante e muito pessoais.

    Anthony logo faz sucesso com as internas, tornando-se uma espécie de galã, arrastando seus braços quentes para algumas das senhoras – tal situação é uma desculpa para discutir a questão sobre onde vêm os bebês, e o sexo, unicamente para enquadrar Hannah (Kerry Godliman) e seu par, Tom (Brett Goldstein), numa constrangedora conversa a respeito de suas intimidades e fertilidade. Ainda que o constrangimento esteja muito presente na fórmula da série, o tom emocional ainda prevalece, especialmente nas palavras de carinho e admiração de Derek a Hannah, enaltecendo seu trabalho e esforço em tentar fazer a vida de todos a sua volta algo feliz e menos sofrido do que o destino resolveu impingir.

    Hannah e Tom decidem que querem ter uma criança, o que envolve todos os que orbitam o asilo, fazendo com que Derek imprima a tabela do ciclo menstrual de seu par, e claro, avisando à mulher quando ela estiver ovulando. Há uma evolução no comportamento de alguns personagens, como Kev (David Earl) que até se arranja saindo de sua zona de conforto – a imundície – para tentar uma vaga em um emprego fixo. Mas seu trato com o sexo feminino prossegue intacto, de uma sutileza rinocerôntica. A sua parte na entrevista é cômica, mas tem um cunho muito emocional, o que explica um pouco da depressiva vida que leva.

    Alguns momentos de puro constrangimento sexual são mostrados, como quando uma das residentes pede a Vicky (Holli Dempsey), a voluntária que cuida da beleza dos internos, para depilá-la, uma vez que a senhora tem um encontro marcado. Os que trabalham no lar de idosos ganham cada vez mais espaço, na maior parte do tempo mostrados em serviços que “refrescam” as suas almas ou vistos discursando sobre a admiração deles por Hannah.

    Este segundo ano é preconizado pela sensação derivada da perda. Primeiro, Derek é obrigado a conviver com a perda de seu amigo Dougie (Karl Pilkington), que se demite graças à precariedade dos serviços, abrindo assim uma vaga para funcionário remunerado; depois, a perda do bebê de Hannah, que sofre um aborto com pouquíssimo tempo de gestação; e a morte do cachorro Ivor, o preferido de Derek, numa das cenas mais chorosas do seriado, onde até os dotes dramatúrgicos de Gervais são testados. Cada um desses eventos deixa uma marca indelével na alma de Derek, ainda que ele não saiba lidar muito bem com isto.

    O tratamento do protagonista com seu pai passa por turbulências, como o combate ao alcoolismo de Anthony, vício este que é compartilhado também com Kevin. A série de assuntos espinhosos prossegue, porém, claro, com uma abordagem pouco séria, mas tão emotiva quanto a demonstração dos dramas dos idosos. A proximidade do fim do relacionamento entre Hannah e Tom segue a mesma linha de seriedade de problema de Anthony.

    Há um novo personagem, Geoff (Colin Hoult) que substitui Doug na função de zelador. Em boa parte do seriado ele é o catalisador do conflito. Sem saber muito bem como agir, bate de frente com todos os personagens, é desagradável, e o principal motivo para a saída do seu antecessor do cargo. Ele esconde uma necessidade de aprovação enorme e age de modo degradante para esconder o problema. Sua vontade de magoar a todos atinge inclusive Derek, que prontamente o ignora, mesmo quando o primeiro ameaça a chance do protagonista ter seu primeiro encontro em 50 anos de existência. O contraste entre o egoísmo de um e o desprendimento de outro serve para tornar óbvio que há dois tipos de comportamento, com um abismo de distinção entre um e outro.

    O encontro de Derek com seu par ocorre bem, muito melhor que as expectativas de todos à sua volta. A preocupação do personagem em realizar o feito e deixar seu pai doente em Broad Hill reitera a ideia de que ele sempre considera o bem estar alheio preferível ao seu, primeiro aceitando seu pai de volta a sua vida, depois ficando ao seu lado até o momento derradeiro. A visão que ele tem da morte do pai é tão emocional que chega a ser poética. Como nas palavras de Hannah, o trabalho privilegioso dos que acompanham os velhinhos é o inverso do de uma parteira, visto que as figuras acompanham a despedida dessas pessoas do mundo, mas sem o medo costumeiro que as pessoas têm ao lidar com a morte. Há algo especial envolvendo os personagens, uma aura de suspensão da realidade, algo necessário para o tratamento dos simpáticos residentes de Broad Hill.

  • Review | Derek – 1ª Temporada

    Review | Derek – 1ª Temporada

    derek-1a-temporadaDerek Noakes é o dono de uma alma caridosa: trabalha em um asilo de idosos, prestando toda a sua atenção a senhoras e senhores que, em sua maioria, já não têm a quem recorrer. O grande diferencial do personagem em relação aos filantropos comuns é que ele é mentalmente afetado, o que gera uma porção de situações cômicas e agridoces. O seriado contém um formato de mockumentary, recurso já utilizado por Ricky Gervais em The Office, mas a intenção deste é diferenciada, semelhante à dicotômica, e talvez surpreendente, vida privada do produtor e protagonista da série, que a despeito de piadas polêmicas, colabora enormemente com causas sociais.

    O conteúdo do seriado é muito ligado ao emocional. O asilo Broad Hill está passando por uma grave crise financeira e está à beira de fechar as portas em razão da falta de fundos. Entre as dificuldades relacionadas à fiscalização e o desejo dos executivos em cortar gastos – que já são irrisórios – há a já conhecida comédia de erros de Gervais, em que o constrangimento predomina sobre qualquer sinal de bom senso. Logo, Derek e Kev (David Earl), seu amigo sem-teto que o auxilia esporadicamente, tentam tacanhamente angariar possíveis assinaturas para salvar Broad Hill. Entre uma ofensa do mendigo e pedidos não envergonhados de Derek em utilizar os banheiros dos residentes, não logram êxito na tentativa de arrumar ajudantes, mas conseguem levar cães e gatos ao asilo, intentando alegrar os idosos.

    Logo no piloto é mostrada uma gama de discussões interessantes. Em relação à participação do diferente em ações de cunho social, são elencadas questões emotivas, econômicas e administrativas de um modo hierárquico muito raro, mas muito justo. O discurso de Hannah (da excelente Kerry Godliman), primeiramente sobre o alarmante número de anciãos que falecem após a saída destes de casa, mostra que a urgência do seu trabalho e o de sua equipe é enorme; e, em segundo plano, demonstra que, apesar de todas as dificuldades, o serviço de guerrilha prossegue sereno e constante, ainda que as condições sejam cada vez mais precárias.

    A maior parte das piadas do trio de amigos, Derek, Kev e Doug (Karl Pilkington), é de cunho escatológico, ainda que elas não sejam, em sua maioria, explicitamente visuais. Outra fonte de jocosidade é a condição mental e intelectual dos três, destacando-se a ingenuidade de Derek, a falta de tato de Doug e a desfaçatez de Kev. Ainda assim, o humor não ofusca as situações de maior seriedade em que a ganância prepondera em detrimento do bem estar alheio, quando, por exemplo, filhos visitam seus pais apenas em troca de heranças valiosas. A variação de comportamento entre os homens fica ainda mais evidente com a percepção que Derek possui, tanto em relação ao que significa o seu trabalho quanto a dor da perda de pessoas queridas. Sua capacidade de compadecimento pelo sofrimento alheio é maior do que o sentimento de muitos dos familiares dos anciãos, em alguns momentos, inclusive, ajudando os senhores a dar asas à imaginação, ainda juvenil.

    O season finale guarda uma questão demais pessoal ao personagem título: o retorno da figura paterna após décadas de abandono. As lembranças doem no homem, que ainda tem a memória apegada à infância. Mas o que mais incomoda é pensar no quanto aquilo afetou sua mãe – isso reitera o principal elogio à conduta de Derek, que é a compaixão pelas outras pessoas em detrimento até do seu próprio bem. A capacidade de variar cenas dignas de choro e gargalhadas por meio do nonsense e da inadequação dos personagens é enorme, fazendo do programa algo arrebatador e equilibrado.

    As confissões contidas na entrevista mostram que a rotina dos personagens principais é ordinária em suma, mas contém características singulares. Kev declara que ninguém gostaria de viver em seu lugar; já Doug é o dono das melhores tiradas e gatilho moral do asilo, o responsável por varrer para fora as presenças inconvenientes. As mensagens desse episódio são reflexivas, elevando o sentido da vida a algo maior que o preconizado por dogmas religiosos. A questão de atitude versus discurso. A reflexão proposta na série prioriza as relações humanas.

    Além da estabilidade da direção, o roteiro de Gervais garante uma enorme pontualidade ao seriado e um comedido cunho emocional ao mostrar questões fundamentais à vida sob uma ótica singular. A sinceridade e docilidade são passadas de forma muito natural pelos personagens, mesmo por atores estreantes, como Karl Pilkington. A naturalidade de Derek a torna um objeto precioso em meio à comédia atual por trabalhar dramas reais de pessoas reais, usando algo inexorável, como o envelhecimento, para dialogar com o público, ao mesmo tempo em que mostra os espécimes que falam exatamente o que pensam.