Tag: Kerry Godliman

  • Review | After Life – 1ª Temporada

    Review | After Life – 1ª Temporada

    As primeiras cenas de After Life mostram a alegre Lisa (Kerry Godliman) gravando um vídeo epitáfio, instruindo seu marido em como proceder após sua partida. Logo aparece Tony, de Ricky Gervais – tal qual em Derek dirige e estrela a série –, como um sujeito bastante diferente de seu par, depressivo e com uma vontade constante de pôr fim à sua vida. A única função em que ele se sente útil é na alimentação de sua cachorra, e até nisso ele falha. Seu trabalho em um jornal local é enfadonho e trivial.

    Tony é quase imune a risos e humor, além de ser desprendido moral e socialmente por sentir que sua hora de partir está próxima, ou seu desejo de que a morte finalmente chegue é maior que a vontade de manter um bem estar social. Ele passa então a humilhar e satirizar tudo que vive e respira, até seu emprego é lhe dado por pena, pelo irmão de sua finada amada e ele é capaz de mostrar toda sorte de ingratidão nisto. O mais curioso é que mesmo sendo brutal com suas palavras e atos, a maioria das pessoas são pacientes e complacentes com ele, como seu patrão, Matt (Tom Basden); seu amigo de redação, Lenny (Tony Way); seu desafeto no jornal, Kath (Diane Morgan); ou ainda, a nova redatora, Sandy (Mandeep Dhillon). Conviver com ele cotidianamente é um grande desafio de paciência e empatia, tanto que seu terapeuta, pago para ouvi-lo, é entediado e impaciente, além de um péssimo ouvinte e conselheiro, sendo basicamente o resumo da vida social de Tony um reflexo de seu comportamento com terceiros, e curiosamente, o único a tratá-lo de maneira igualitária.

    Tony não é cruel só com os que acompanham, mas também com o que o destino o reserva como pautas de trabalho  afinal, um sujeito receber 5 vezes o mesmo cartão de natal, ou um garoto adolescente que toca flauta com as narinas não contam como furos jornalísticos. Os capítulos terminam com uma musica instrumental parecida com as que tinham no The Office britânico, e o formato dos capítulos não segue uma risca ou métrica muito precisa.

    Entre momentos em que se sente sozinho e com vontade se suicidar (onde é outra vez interrompido pela fome de sua cadela), e passagens pelo asilo em que deixou seu pai doente (magistralmente interpretado por David Bradley), ele conversa de maneira franca e despretensiosa com a enfermeira que Ashley Jensen faz, e é nesse momento que ele tem uma reflexão inteligente e lógica sobre a consciência dos ditos doentes mentais ainda existirem ou não, com ela afirmando que dizer que os idosos não  tem mais controle sobre suas faculdades mentais é apenas uma desculpa que quem os envolve usa para não assumir a imprevisibilidade da vida e a impotência diante de doenças que não têm cura, e isso toca profundamente Tony, se encaixando no diagnostico que ele dá para si mesmo.

    O processo de sentir pena de si mesmo ocupa demais o tempo do protagonista, e o roteiro não tem pudor em explorar isso, em mostrar como ele prossegue espirituoso e ácido mesmo sem saber se conseguirá se manter vivo. Entre tentativas de se dopar, ele chega a conclusão de que é alguém odioso e passa a se afeiçoar por pessoas excluídas socialmente.

    O desfecho de After Life é otimista, com o protagonista olhando seus dias com mais cor, apesar de ainda carregar todas as dores da perda que teve antes da temporada acabar, e sua nova postura e conduta não se dá por um amadurecimento solitário, e sim por abrir seus horizontes para novos conhecimentos e novas formas de relacionamento social. Pode parecer que o tom de auto-ajuda seja pesado e tóxico, mas não é exagerado no roteiro que Gervais propõe, pelo contrário, mostra um homem em franca evolução, na tentativa de superar o trauma que vivenciou e seguir em frente.

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  • Review | Derek – 2ª Temporada

    Review | Derek – 2ª Temporada

    derek-2a-temporadaApós o sucesso da primeira temporada, o seriado de Ricky Gervais foi renovado, claro, sob enorme pressão, decorrente dos bons momentos do ano anterior. A seara inicia-se com uma piada coletiva absurdamente engraçada para logo depois focar mais uma vez o drama das condições precárias que incorrem manter o Broad Hill de pé. O pai de Derek, Anthony Byrne (Tony Rohr) vai, enfim, morar na casa de repouso, o que permite ao roteiro explorar a interação tardia entre pai e filho, que, apesar do tempo, ainda contém muito de teor infantil em decorrência do estado mental do protagonista. Encarar o modo como os dois lidam um com o outro guarda sensações interessante e muito pessoais.

    Anthony logo faz sucesso com as internas, tornando-se uma espécie de galã, arrastando seus braços quentes para algumas das senhoras – tal situação é uma desculpa para discutir a questão sobre onde vêm os bebês, e o sexo, unicamente para enquadrar Hannah (Kerry Godliman) e seu par, Tom (Brett Goldstein), numa constrangedora conversa a respeito de suas intimidades e fertilidade. Ainda que o constrangimento esteja muito presente na fórmula da série, o tom emocional ainda prevalece, especialmente nas palavras de carinho e admiração de Derek a Hannah, enaltecendo seu trabalho e esforço em tentar fazer a vida de todos a sua volta algo feliz e menos sofrido do que o destino resolveu impingir.

    Hannah e Tom decidem que querem ter uma criança, o que envolve todos os que orbitam o asilo, fazendo com que Derek imprima a tabela do ciclo menstrual de seu par, e claro, avisando à mulher quando ela estiver ovulando. Há uma evolução no comportamento de alguns personagens, como Kev (David Earl) que até se arranja saindo de sua zona de conforto – a imundície – para tentar uma vaga em um emprego fixo. Mas seu trato com o sexo feminino prossegue intacto, de uma sutileza rinocerôntica. A sua parte na entrevista é cômica, mas tem um cunho muito emocional, o que explica um pouco da depressiva vida que leva.

    Alguns momentos de puro constrangimento sexual são mostrados, como quando uma das residentes pede a Vicky (Holli Dempsey), a voluntária que cuida da beleza dos internos, para depilá-la, uma vez que a senhora tem um encontro marcado. Os que trabalham no lar de idosos ganham cada vez mais espaço, na maior parte do tempo mostrados em serviços que “refrescam” as suas almas ou vistos discursando sobre a admiração deles por Hannah.

    Este segundo ano é preconizado pela sensação derivada da perda. Primeiro, Derek é obrigado a conviver com a perda de seu amigo Dougie (Karl Pilkington), que se demite graças à precariedade dos serviços, abrindo assim uma vaga para funcionário remunerado; depois, a perda do bebê de Hannah, que sofre um aborto com pouquíssimo tempo de gestação; e a morte do cachorro Ivor, o preferido de Derek, numa das cenas mais chorosas do seriado, onde até os dotes dramatúrgicos de Gervais são testados. Cada um desses eventos deixa uma marca indelével na alma de Derek, ainda que ele não saiba lidar muito bem com isto.

    O tratamento do protagonista com seu pai passa por turbulências, como o combate ao alcoolismo de Anthony, vício este que é compartilhado também com Kevin. A série de assuntos espinhosos prossegue, porém, claro, com uma abordagem pouco séria, mas tão emotiva quanto a demonstração dos dramas dos idosos. A proximidade do fim do relacionamento entre Hannah e Tom segue a mesma linha de seriedade de problema de Anthony.

    Há um novo personagem, Geoff (Colin Hoult) que substitui Doug na função de zelador. Em boa parte do seriado ele é o catalisador do conflito. Sem saber muito bem como agir, bate de frente com todos os personagens, é desagradável, e o principal motivo para a saída do seu antecessor do cargo. Ele esconde uma necessidade de aprovação enorme e age de modo degradante para esconder o problema. Sua vontade de magoar a todos atinge inclusive Derek, que prontamente o ignora, mesmo quando o primeiro ameaça a chance do protagonista ter seu primeiro encontro em 50 anos de existência. O contraste entre o egoísmo de um e o desprendimento de outro serve para tornar óbvio que há dois tipos de comportamento, com um abismo de distinção entre um e outro.

    O encontro de Derek com seu par ocorre bem, muito melhor que as expectativas de todos à sua volta. A preocupação do personagem em realizar o feito e deixar seu pai doente em Broad Hill reitera a ideia de que ele sempre considera o bem estar alheio preferível ao seu, primeiro aceitando seu pai de volta a sua vida, depois ficando ao seu lado até o momento derradeiro. A visão que ele tem da morte do pai é tão emocional que chega a ser poética. Como nas palavras de Hannah, o trabalho privilegioso dos que acompanham os velhinhos é o inverso do de uma parteira, visto que as figuras acompanham a despedida dessas pessoas do mundo, mas sem o medo costumeiro que as pessoas têm ao lidar com a morte. Há algo especial envolvendo os personagens, uma aura de suspensão da realidade, algo necessário para o tratamento dos simpáticos residentes de Broad Hill.

  • Review | Derek – 1ª Temporada

    Review | Derek – 1ª Temporada

    derek-1a-temporadaDerek Noakes é o dono de uma alma caridosa: trabalha em um asilo de idosos, prestando toda a sua atenção a senhoras e senhores que, em sua maioria, já não têm a quem recorrer. O grande diferencial do personagem em relação aos filantropos comuns é que ele é mentalmente afetado, o que gera uma porção de situações cômicas e agridoces. O seriado contém um formato de mockumentary, recurso já utilizado por Ricky Gervais em The Office, mas a intenção deste é diferenciada, semelhante à dicotômica, e talvez surpreendente, vida privada do produtor e protagonista da série, que a despeito de piadas polêmicas, colabora enormemente com causas sociais.

    O conteúdo do seriado é muito ligado ao emocional. O asilo Broad Hill está passando por uma grave crise financeira e está à beira de fechar as portas em razão da falta de fundos. Entre as dificuldades relacionadas à fiscalização e o desejo dos executivos em cortar gastos – que já são irrisórios – há a já conhecida comédia de erros de Gervais, em que o constrangimento predomina sobre qualquer sinal de bom senso. Logo, Derek e Kev (David Earl), seu amigo sem-teto que o auxilia esporadicamente, tentam tacanhamente angariar possíveis assinaturas para salvar Broad Hill. Entre uma ofensa do mendigo e pedidos não envergonhados de Derek em utilizar os banheiros dos residentes, não logram êxito na tentativa de arrumar ajudantes, mas conseguem levar cães e gatos ao asilo, intentando alegrar os idosos.

    Logo no piloto é mostrada uma gama de discussões interessantes. Em relação à participação do diferente em ações de cunho social, são elencadas questões emotivas, econômicas e administrativas de um modo hierárquico muito raro, mas muito justo. O discurso de Hannah (da excelente Kerry Godliman), primeiramente sobre o alarmante número de anciãos que falecem após a saída destes de casa, mostra que a urgência do seu trabalho e o de sua equipe é enorme; e, em segundo plano, demonstra que, apesar de todas as dificuldades, o serviço de guerrilha prossegue sereno e constante, ainda que as condições sejam cada vez mais precárias.

    A maior parte das piadas do trio de amigos, Derek, Kev e Doug (Karl Pilkington), é de cunho escatológico, ainda que elas não sejam, em sua maioria, explicitamente visuais. Outra fonte de jocosidade é a condição mental e intelectual dos três, destacando-se a ingenuidade de Derek, a falta de tato de Doug e a desfaçatez de Kev. Ainda assim, o humor não ofusca as situações de maior seriedade em que a ganância prepondera em detrimento do bem estar alheio, quando, por exemplo, filhos visitam seus pais apenas em troca de heranças valiosas. A variação de comportamento entre os homens fica ainda mais evidente com a percepção que Derek possui, tanto em relação ao que significa o seu trabalho quanto a dor da perda de pessoas queridas. Sua capacidade de compadecimento pelo sofrimento alheio é maior do que o sentimento de muitos dos familiares dos anciãos, em alguns momentos, inclusive, ajudando os senhores a dar asas à imaginação, ainda juvenil.

    O season finale guarda uma questão demais pessoal ao personagem título: o retorno da figura paterna após décadas de abandono. As lembranças doem no homem, que ainda tem a memória apegada à infância. Mas o que mais incomoda é pensar no quanto aquilo afetou sua mãe – isso reitera o principal elogio à conduta de Derek, que é a compaixão pelas outras pessoas em detrimento até do seu próprio bem. A capacidade de variar cenas dignas de choro e gargalhadas por meio do nonsense e da inadequação dos personagens é enorme, fazendo do programa algo arrebatador e equilibrado.

    As confissões contidas na entrevista mostram que a rotina dos personagens principais é ordinária em suma, mas contém características singulares. Kev declara que ninguém gostaria de viver em seu lugar; já Doug é o dono das melhores tiradas e gatilho moral do asilo, o responsável por varrer para fora as presenças inconvenientes. As mensagens desse episódio são reflexivas, elevando o sentido da vida a algo maior que o preconizado por dogmas religiosos. A questão de atitude versus discurso. A reflexão proposta na série prioriza as relações humanas.

    Além da estabilidade da direção, o roteiro de Gervais garante uma enorme pontualidade ao seriado e um comedido cunho emocional ao mostrar questões fundamentais à vida sob uma ótica singular. A sinceridade e docilidade são passadas de forma muito natural pelos personagens, mesmo por atores estreantes, como Karl Pilkington. A naturalidade de Derek a torna um objeto precioso em meio à comédia atual por trabalhar dramas reais de pessoas reais, usando algo inexorável, como o envelhecimento, para dialogar com o público, ao mesmo tempo em que mostra os espécimes que falam exatamente o que pensam.