Tag: Frank Langella

  • Crítica | Os 7 de Chicago

    Crítica | Os 7 de Chicago

    O sistema se alimenta, acima de tudo se protege, e não seria contra sete cidadãos banais e determinados a expor o genocídio de uma população, por um país que atirou tantos dos seus homens para morrer na guerra do Vietnã, que isso poderia ser diferente. O sistema é infalível, e ele precisa passar essa ilusão para as formigas que acordam, o alimentam com seu esforço, dormem e repetem o clico até morrer. Tudo em nome do Deus Sistema. Os 7 de Chicago é uma alegoria a essa sentença indireta para com o cidadão submetido, e como ela foi combatida pela ousadia dos “malucos que querem mudar o mundo”. A utopia almejada é real, ainda que justificável: quando os americanos estavam sendo literalmente jogados no fogo daquelas florestas tropicais, de 1955 a 75, alguém tinha que fazer alguma coisa – além de fumar, e assistir a guerra pela TV.

    Peitar o Estado, seus cães de guarda, e antes de serem presos, ser julgados por isso. Mas aqui a arma é a palavra, e isso combina demais com Aaron Sorkin, um dos mais celebrados escritores de Hollywood. Devoto da retórica e do seu poder de sedução, Sorkin é um entusiasta cuja expertise mora no jogo silábico, no bate-boca – discutir com ele deve ser fantástico, até o Tarantino perderia. O cara saber escrever uma conversa melhor que Kevin Feige produzindo Vingadores, mas agora o “salto de fé” é outro: a direção. Aos esquematizar uma Liga da Justiça de 7 integrantes peitando um juiz a favor da sobrevivência de um povo cada vez mais recrutado para morrer, e do direito de escolher do cidadão em participar do massacre internacional, ou não, Sorkin conduz o espetáculo sem a ajuda de um David Fincher para traduzir sua metralhadora de palavras, em imagens vivas.

    Isso funciona, mas a direção morna do roteirista não eleva o seu texto, muito inexperiente para construir uma verdadeira tensão, mesmo que lhe dê ritmo, realismo e consistência com uma boa encenação coletiva, e uma razoável montagem. Seja como for, enquanto filme de tribunal, Os 7 de Chicago usa e abusa de fantásticas referências jurídicas do passado para atualizar e atrair as novas gerações, ao charme do subgênero de promotores, réus e advogados. Difícil imaginar outra pessoa melhor que o Sorkin para escrever essa história original, mas dá saudades de um Fincher na direção, mesmo que o roteirista de A Rede Social brinque bem de Otto Preminger (Anatomia de um Crime), e Sidney Lumet (12 Homens e Uma Sentença), dois dos seus principais ídolos da era de ouro de Hollywood. A renovação não funciona por completo, mas o filme fica entre os melhores da Netflix, numa seara de aventuras débeis.

    Senão pela tímida construção cênica, total falta de visão estética (é incompreensível como o filme foi indicado a Melhor Fotografia no Oscar 2021), o filme vale pelas boas atuações, em especial a de Sacha Baron Cohen, um poço de carisma como o protestante que não tem nada a perder, e a de Joseph Gordon Levitt, na pele de um jovem promotor escolhido a dedo para fazer o Estado ganhar a causa – custe o que custar. Ele se protege, o império, mas a Liga dos 7 atrai a sociedade civil para representá-la, também, além dos repórteres e suas câmeras, famintos ao farejar o impacto do processo judicial. Uma pena que Sorkin não dialogue sobre a importância da mídia e da liberdade de expressão, numa situação dessas, e mesmo que o diretor não consiga nos instigar como poderia em torno do caso, eis um evento histórico que precisava ser bem contado, e de fato é. Porque nunca é demais se lembrar da importância da democracia, e dos “loucos” que a fazem resistir, de tempos em tempos.

  • Crítica | Capitão Fantástico

    Crítica | Capitão Fantástico

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    Capitão Fantástico foi uma das grandes surpresas de 2016 após estrear no Festival de Sundance, ganhar o prêmio Certo Olhar em Cannes e na escolha do público no Festival de Roma.

    Ben educa sozinho seus seis filhos nas florestas do noroeste dos Estados Unidos, até que sua esposa bipolar morre em um hospital psiquiátrico e eles têm de enfrentar a civilização indo até o seu funeral.

    O roteiro do próprio Matt Ross – que também dirige o filme – se fundamenta em um preceito básico: o preço da liberdade. Educar os filhos por conta própria, o tão criticado homeschooling, tem se tornado cada vez mais comum nos EUA e em outros países da Europa, porém o roteiro subverte essa lógica ao apresentar a educação caseira baseada em uma difícil sobrevivência na selva, literatura clássica, cultura geral e política por um viés de esquerda.

    Outra subversão é a jornada de autoconhecimento que a família passa. Apesar de eles se acharem intocados pela sociedade capitalista fascista de consumo, é lá que eles encontram o conforto que tanto precisam, a sua família. Este é o ponto alto do roteiro, o choque da família com quem eles encontram no caminho, principalmente seus parentes, é o que deixa o filme cômico e mais interessante, e que servem à premissa da obra.

    Por último, outra discussão que a história levanta é a discussão política de toda a esquerda através da educação que Ben dá aos filhos, onde um é anarquista, outra é taoista, e, claro os marxistas. Neste ponto, o filme é pragmático ao mostrar que a educação caseira de Ben não passava de uma ilusão, e a ironia é a tentativa de proteger os filhos do convívio em sociedade ou quem sabe de perdê-los para outras ideologias.

    O elenco é outro ponto alto do filme. Viggo Mortensen é o grande nome e segura bem as pontas como um pai frustrado que tenta manter a família unida. As crianças estão todas bem, cada um a sua maneira; destaque ainda para a pequena e sempre ótima participação de Frank Langella.

    A direção de Matt Ross é consistente e o seu domínio da narrativa é visível, principalmente no começo da obra e até a sua metade. Ela cai um pouco de qualidade no terceiro ato ao focar no drama familiar e perder um pouco da discussão política, porém fez o dever de casa ao não esquecer da dramaturgia.

    A fotografia de Stéphane Fontane é naturalista e se destaca nas cenas da floresta, assim como e a edição pontual e bem cadenciada de Joseph Krings. Capitão Fantástico deve agradar quem busca uma história original e diferente que traz questionamentos relevantes para a discussão política na sociedade.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Grace de Mônaco

    Crítica | Grace de Mônaco

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    Produções românticas e uma vertente dos contos maravilhosos transformaram reis, rainhas e príncipes em soberanos que vivem uma vida perfeita e cheia de pompa. Até hoje, este conceito persiste pela tradição de contos de fadas e histórias infantis, que visam um final feliz para encerrar sua trama. Grace de Mônaco desmitifica a vida de princesa “feliz para sempre”,  trazendo à tona a história de Grace Kelly.

    Kelly foi uma das belas atrizes que fizeram parte da obra de Alfred Hitchcock. Estrelou diversas grandes produções do mestre do suspense, mas foi por Amar e Sofrer que recebeu um Oscar de Melhor Atriz, dois anos antes de casar-se com o príncipe de Mônaco e receber diversos títulos de honrarias desta cidade-estado soberana. A intenção da biografia é desconstruir parte da percepção de que, por se tornar princesa, Kelly alcançou um sonho ideal e perfeito. Entre os difíceis dilemas que teve de enfrentar, a outrora atriz se destacou como uma mulher forte e independente, tendo uma noção diferente daquela vista pelo principado local.

    Escalada para o papel da estonteante atriz, Nicole Kidman tenta recuperar seus tempos áureos de boa atriz, já que, desde a década de 2000, com Os Outros, Moulin Rouge e As Horas, não tem obtido o mesmo sucesso e nem realizado grandes interpretações. Trata-se de um papel que requer um talento apurado, o qual a atriz possui, tanto para interpretação como para a composição mímica de uma pessoa real.

    O roteiro de Arash Amel (que tem no currículo somente outra obra, Erased, com Aaron Eckhart) segue o estilo padrão de biografias cinematográficas. O filme inicia-se com uma cena poética e uma citação da própria Grace sobre a vida de princesa e contos de fadas, abrindo sua história. Ao se mudar para Mônaco, a princesa ainda sentia-se como uma atriz de Hollywood. Hitchcock na época realizava Os Pássaros e convida a atriz para seu próximo trabalho, Marnie – Confissões de uma Ladra. O diretor é o único personagem cinematográfico a aparecer em uma breve visita ao palácio, apenas para convencer Kelly a voltar às telas para uma saída triunfal.

    Dentro do principado, com poderes adquiridos no casamento, uma possível ida da princesa a Hollywood é considerada uma afronta. Principalmente porque, na época, Mônaco sofria ataques da França que quase transformaram em guerra uma disputa de interesse relativa a impostos.

    Kelly observa este mundo como alguém que assiste a uma peça, sem saber que ela faz parte deste processo. Ao reconhecer seu status, a princesa ganha força e começa a usar seu poder para melhorar o principado com a representação de um derradeiro papel final, ajudando a promover o governo do marido. Interpretado pelo sempre bom, mas quase esquecido, Tim Roth, o Príncipe de Mônaco é um homem que carrega grandes problemas nas costas e vê na esposa uma aliada capaz de ajudá-lo. Ambos unem suas forças e, cada um em suas frontes, ajudam a reerguer Mônaco e solucionar o impasse com a França, país exportador de muitos produtos para a cidade-estado. Surge uma Grace Kelly ciente de suas obrigações e uma humanista que usa seus atributos de beleza, inteligência e sagacidade a favor deste momento difícil.

    A trama transforma o conflito como centro da narrativa para compreender quem foi Grace Kelly. Uma mulher por muito tempo dividida entre dois mundos até assumir a coroa de princesa definitivamente. Não é à toa que a história da atriz tornou-se um exemplo de conto de fadas. Nascida na Filadélfia, talvez Grace nunca imaginasse que um dia se tornaria princesa. Porém, esta imagem figurativa, provavelmente difundida em tabloides na época, é modificada nesta produção, que, mesmo focando uma interessante figura real, passou despercebida por parte do público. Olivier Dahan constrói uma princesa bem equilibrada entre a força que deve ter e a fragilidade interna cheia de incertezas. Porém, a condução somente correta da trama traça um panorama superficial demais sobre Kelly, fazendo com que o filme não tenha força suficiente para se tornar uma grande obra, mesmo com uma rica história como inspiração.

  • Crítica | A Grande Escolha

    Crítica | A Grande Escolha

    Que o Super Bowl é um espetáculo, todo mundo sabe. A grande final do futebol americano é um evento de proporções gigantescas, que move uma enorme quantidade de dinheiro, para os Estados Unidos e mexe com as emoções dos ianques. O que poucas pessoas fora de lá sabem é que antes do início do campeonato existe um evento chamado “Draft Day”, no qual os 32 times que compõem a NFL escolhem novos jogadores egressos do futebol universitário. É nesse ambiente que se desenvolve A Grande Escolha. Em vez de fazer mais um drama esportivo focando uma equipe disputando um campeonato, os roteiristas Scott Rothman e Rajiv Joseph e o diretor Ivan Reitman preferiram ambientar o filme na disputa que ocorre nos bastidores do esporte.

    A trama do filme retrata a jornada do gerente-geral do Cleveland Browns, vivido por Kevin Costner, em sua jornada de negociações durante o “Draft Day”. Além de ter que administrar a parte esportiva do time, o personagem ainda que lidar com vários aspectos de sua vida pessoal, com a relação delicada dele com o novo técnico do time e também com a expectativa de toda uma cidade que sonha em ver seu time de coração de volta à elite.

    Tudo isso pode parecer monótono e formulaico, mas o diretor Ivan Reitman consegue transformar o filme em um grande show sobre os bastidores do esporte. A direção ágil do diretor, que faz um excelente uso de telas divididas, não deixa a peteca cair em nenhum momento. Momentos melancólicos e cômicos são filmados com perícia e não sucumbem ao sentimentalismo gratuito. Existe ainda uma fuga do didatismo que costuma ocorrer nesse tipo de filme. Tudo é exibido de forma que mesmo os espectadores que não são familiarizados com o esporte possam entender. Os diálogos do filme também são muito bons, principalmente nos momentos de negociação.

    Kevin Costner tem uma ótima performance no filme, e seu rosto de homem comum transmite bastante credibilidade ao papel. Seu Sonny Weaver Jr. é um personagem muito inteligente e que tem uma lábia fora do comum. O ator se equilibra bem nos momentos mais tensos e também nos melancólicos, além de fazer uma ótima dobradinha com Ellen Burstyn, que interpreta sua mãe. Jennifer Garner, responsável por interpretar o interesse romântico de Costner, se sai muito bem e foge do estereótipo de mocinha deslocada em um mundo totalmente masculino. Sua personagem transita muito bem no ambiente sem parecer forçada. Denis Leary e Frank Langella, respectivamente o técnico e o dono do time, estão competentes como sempre. Cabe ressaltar também que os amantes do esporte vão se deliciar com as participações especiais de grandes ídolos (Sim! Terry Crews já foi jogador de futebol americano e aqui está fazendo um papel sério!).

    Dinâmico e bem conduzido, A Grande Escolha é um filme que remete aos bons momentos cinematográficos de Ivan Reitman e Kevin Costner, além de mostrar para as pessoas que os bastidores de um esporte podem ser tão tensos e interessantes como uma final de campeonato.

  • Crítica | Muppets 2: Procurados e Amados

    Crítica | Muppets 2: Procurados e Amados

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    Quando um filme hollywoodiano faz sucesso, é natural que ele se torne uma franquia, com repetições do que deu certo no primeiro episódio, com mais exagero, convites a celebridades e roteiros sofríveis de repertório pobre e sem ineditismo. A introdução musical de Muppets 2, de James Bobin – o mesmo diretor do filme de 2011 -, brinca com essa questão, usando o artifício como recurso metalinguístico. Na verdade, isso é um pretexto para, como diriam os textos de Monty Python, ir para algo totalmente diferente. Os fantoches que estão de volta à ativa resolvem, aconselhados por Dominic Badguy (Ricky Gervais), partir em turnê mundial para aproveitar a fama recém-adquirida, mesmo sob os protestos de Walter, único remanescente dos protagonistas criados em 2011.

    Logo de início, percebe-se que as intenções de Badguy não são boazinhas e que algo ruim se aproxima da trupe de animais e criaturas de feltro cantantes. Aos poucos, Dominic assume o papel de liderança que sempre foi de Caco, O Sapo (ou Kermit para os americanos). Sua confiança é abalada, e a voz de comando vai decaindo com o tempo. Até o seu bom senso é avariado, assim como a autoestima do personagem. Em Berlim ele cai em uma cilada, onde é confundido com um bandido chamado Constantine, que toma o seu lugar sem levantar maiores suspeitas – a não ser em Animal e Walter – e que demonstra ter uma egocentrismo desnecessário, fazendo sempre questão de demonstrar estar acima de Dominic, a quem chama de Número 2.

    O espetáculo feito no teatro de Berlim serve de fachada para acobertar o roubo das peças de arte de um dos museus. A partir daí, a Interpol e a Cia se envolvem nas investigações lideradas por Jean Pierre Napoleon (Ty Burrell), pelo lado europeu, e por Sam, a Águia, ocasionalmente medindo forças e tamanhos distintos, unicamente para achincalhar a xenofobia dos estadunidenses e reforçar as diferenças de lidar com crimes entre ambas as culturas. A competição é sempre estimulada no roteiro de Nicholas Stoller e Bobin.

    A trama acaba se dividindo em núcleos, mas eles não se rivalizam em importância, uma vez que continuam interessantes por toda a extensão da fita, especialmente quando servem de reflexão ao mostrar mundos ideais, como quando as duas partes do Sapo têm de fingir ser quem não são. Constantine se torna o par ideal para Miss Pig, respondendo positivamente, pela primeira vez, à possibilidade de casamento – ainda que não a engane totalmente -, enquanto Caco tem de se se virar em uma prisão na Sibéria, onde tem contato com Nadya (Tina Fey), que, aos poucos, faz o Sapo ter sua confiança de volta para realizar um número musical – as partes cantadas continuam impressionantes do ponto de vista técnico.

    Walter finalmente descobre o ardil dos malfeitores e comunica o problema a Fozie, o Urso, mas é tarde, pois logo é descoberto por Dominic e Constantine e jogado no frio da Sibéria para morrer à míngua. Antes do grande roubo, o falso Sapo decide pedir Miss Piggy em casamento, em pleno show, para ter o álibi perfeito. É brilhante o modo como os ladrões conseguem elogios da crítica, usando anedoticamente a prática de suborno a profissionais de comunicação para conseguir páginas positivas. O humor é uma boa maneira de fazer críticas, mas sem ser necessariamente ácido.

    O último ato guarda surpresas tremendas, com elementos de filmes de assalto, de superespião e, claro, muito romance. Mesmo uma questão conflitante, como o casamento arruinado entre o Sapo e sua amada, é tratada como um momento edificante dentro da jornada de Caco pela sua restauração enquanto figura artística. Alguns twists são ensaiados próximos ao final, mas nenhum deles se conclui.

    Se a mensagem do filme anterior, estrelado por Jason Segel, era de ressurreição de mitos, este de 2014 fala basicamente do quão valorosa é a união entre os iguais e o quão indispensável é uma amizade verdadeira. Comparando os dois roteiros, este é bem menos incisivo e crítico do que o primeiro, o que reafirma as sentenças ditas logo no início. Apesar de possuir um pouco mais de alma do que as continuações caça-níquéis comuns, Muppets 2 – Procurados e Amados sofre muito sem o carisma de Segel. Sua falta é muitíssimo sentida e faz deste um espécime ordinário na filmografia dos famosos e infames fantoches.