Tag: Mark Rylance

  • Crítica | Os 7 de Chicago

    Crítica | Os 7 de Chicago

    O sistema se alimenta, acima de tudo se protege, e não seria contra sete cidadãos banais e determinados a expor o genocídio de uma população, por um país que atirou tantos dos seus homens para morrer na guerra do Vietnã, que isso poderia ser diferente. O sistema é infalível, e ele precisa passar essa ilusão para as formigas que acordam, o alimentam com seu esforço, dormem e repetem o clico até morrer. Tudo em nome do Deus Sistema. Os 7 de Chicago é uma alegoria a essa sentença indireta para com o cidadão submetido, e como ela foi combatida pela ousadia dos “malucos que querem mudar o mundo”. A utopia almejada é real, ainda que justificável: quando os americanos estavam sendo literalmente jogados no fogo daquelas florestas tropicais, de 1955 a 75, alguém tinha que fazer alguma coisa – além de fumar, e assistir a guerra pela TV.

    Peitar o Estado, seus cães de guarda, e antes de serem presos, ser julgados por isso. Mas aqui a arma é a palavra, e isso combina demais com Aaron Sorkin, um dos mais celebrados escritores de Hollywood. Devoto da retórica e do seu poder de sedução, Sorkin é um entusiasta cuja expertise mora no jogo silábico, no bate-boca – discutir com ele deve ser fantástico, até o Tarantino perderia. O cara saber escrever uma conversa melhor que Kevin Feige produzindo Vingadores, mas agora o “salto de fé” é outro: a direção. Aos esquematizar uma Liga da Justiça de 7 integrantes peitando um juiz a favor da sobrevivência de um povo cada vez mais recrutado para morrer, e do direito de escolher do cidadão em participar do massacre internacional, ou não, Sorkin conduz o espetáculo sem a ajuda de um David Fincher para traduzir sua metralhadora de palavras, em imagens vivas.

    Isso funciona, mas a direção morna do roteirista não eleva o seu texto, muito inexperiente para construir uma verdadeira tensão, mesmo que lhe dê ritmo, realismo e consistência com uma boa encenação coletiva, e uma razoável montagem. Seja como for, enquanto filme de tribunal, Os 7 de Chicago usa e abusa de fantásticas referências jurídicas do passado para atualizar e atrair as novas gerações, ao charme do subgênero de promotores, réus e advogados. Difícil imaginar outra pessoa melhor que o Sorkin para escrever essa história original, mas dá saudades de um Fincher na direção, mesmo que o roteirista de A Rede Social brinque bem de Otto Preminger (Anatomia de um Crime), e Sidney Lumet (12 Homens e Uma Sentença), dois dos seus principais ídolos da era de ouro de Hollywood. A renovação não funciona por completo, mas o filme fica entre os melhores da Netflix, numa seara de aventuras débeis.

    Senão pela tímida construção cênica, total falta de visão estética (é incompreensível como o filme foi indicado a Melhor Fotografia no Oscar 2021), o filme vale pelas boas atuações, em especial a de Sacha Baron Cohen, um poço de carisma como o protestante que não tem nada a perder, e a de Joseph Gordon Levitt, na pele de um jovem promotor escolhido a dedo para fazer o Estado ganhar a causa – custe o que custar. Ele se protege, o império, mas a Liga dos 7 atrai a sociedade civil para representá-la, também, além dos repórteres e suas câmeras, famintos ao farejar o impacto do processo judicial. Uma pena que Sorkin não dialogue sobre a importância da mídia e da liberdade de expressão, numa situação dessas, e mesmo que o diretor não consiga nos instigar como poderia em torno do caso, eis um evento histórico que precisava ser bem contado, e de fato é. Porque nunca é demais se lembrar da importância da democracia, e dos “loucos” que a fazem resistir, de tempos em tempos.

  • Crítica | Jogador Nº1

    Crítica | Jogador Nº1

    Steven Spielberg é um diretor antigo e premiado cuja carreira ainda está ativa. Por ter uma filmografia prolífica, coleciona filmes que variam muito de qualidade, dificilmente conseguindo lançar num curto período de tempo dois filmes bons. Após o thriller histórico The Post –  A Guerra Secreta, em que as atuações de Tom Hanks e Meryl Streep chamaram a atenção, a adaptação de Jogador Número Um, best-seller de Ernest Cline, chega as telas dois meses após a estreia brasileira do anterior. Uma produção cuja temática futurista ambienta uma história em que o mundo é desolado e as pessoas usam um jogo chamado Oasis para escapar de suas rotinas terríveis.

    O filme é narrado em primeira pessoa por seu protagonista, Wade, um garoto órfão, de origem humilde e que gasta muito de seu tempo e esforço dentro do jogo, através de seu avatar, Parzival. Ele é o resumo do que o homem comum faz, uma vez que sua rotina passa por utilizar do jogo para escapar de suas angustias e tristezas. Eis que se depara com a persona do criador de Oasis, James Halliday, vivido pelo oscarizado Mark Rylance, que basicamente deixou dentro dos detalhes do game uma série de chaves e pistas, que se fossem encontradas por alguém, dariam poder a essa pessoa sobre a empresa que mantinha Oasis no ar. Essa busca não era exclusiva de Wade, e sim de todos, inclusive de grandes corporações, que montavam seus clãs em busca de um item chamado Easter Egg, que seria a chave para a dominação do jogo e das ações da empresa.

    Spielberg acerta demais nos quesitos que são suas especialidades, tanto no escapismo travestido como ficção cientifica, quanto na vertente de um filme para o público juvenil. O longa é repleto de referencias (como o livro) mas é divertido e eletrizante, além de ter personagens bem carismáticos. A personalidade das pessoas reais não são suplantadas pelas mil e uma menções a cultura pop. Pelo contrário, pois estes acrescentam muito a historia e trazem carisma, com um fan service bem empregado. Para quem não entende todo o tom reverencial, ainda há um produto extremamente bem construído no quesito aventura, nesse ponto, se assemelhando muito ao recente Jumanji – Bem Vindo a Selva, ainda que esse seja mais graúdo.

    A produção consegue driblar até a caracterização sem personalidade de Tye Sheridan. O que falta de carisma nele, sobra nos personagens periféricos ou em seus avatares no jogo. Como há muito uso de efeitos digitais – aliás, primorosos, tal qual os antigos Jurassic Park e O Mundo Perdido: Jurassic Park do próprio Spielberg – se vê pouca a participação dos atores de cara limpa. Nesse quesito, Mark Rylance mais uma vez brilha em uma atuação bem diferente daquela vista em Ponte de Espiões – provando sua versatilidade – uma vez que seu personagem é um mentor, um homem a ser seguido, mostrado em várias fases de sua vida. Fator que também produz elogios a direção de arte que consegue, junto ao CGI, remonta-lo em fase mais jovem e também mais idoso, sempre muito bem represento.

    O filme é grandioso. As batalhas fazem lembrar demais o visto em Senhor dos Anéis : O Retorno do Rei, ainda que aqui haja muito mais apelo visual. A fluidez nas lutas travadas entre centenas de personagens de universos completamente diferentes é fascinante. Do ponto de vista da historia, pode até soa piegas em alguns momentos, mas a mensagem principal é passada de forma simples e objetiva, evidenciando a valorização de idéias revolucionarias em detrimento da mercantilização da vida em geral. Apesar de não ser tão incisivo em sua crítica – e de fazer propaganda obvia a tantas franquias – Spielberg consegue conduzir bem um filme eletrizante, extremamente divertido e que faz parecer tem bem menos que seus quase 150 minutos de duração.

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Crítica | Dunkirk

    Crítica | Dunkirk

    O cinema se compõe a partir da junção de imagem e som, e uma das máximas dessa arte é a velha alcunha de que é melhor mostrar do que falar. A filmografia de Christopher Nolan é conhecida especialmente por suas atmosferas grandiosas; seus cenários grandiloquentes; seu caráter autoral; e em alguns filmes, pelos diálogos expositivos. Após críticas negativas ao seu último trabalho Interestelar – especialmente no que diz respeito as explicações excedentes – Dunkirk prometia ser diferente, mesmo porque esse seria um filme que fugiria muito do texto e dependeria mais da imagem.

    A resposta para indagação do público se seria esse realmente um produto com poucos diálogos é cumprida à risca. O roteiro conta como foi a retirada estratégica dos britânicos, da fracassada empreitada conhecida como A Batalha de Dunquerque. Até por ser uma história muito cara ao povo inglês, Nolan tinha uma preocupação em universalizar os dramas ali passados, para que o espectador pudesse sentir o que sentiram os alistados que estavam ao lado dos aliados na Segunda Guerra Mundial. A opção do diretor foi de apelar para o sensorial, abusando do trabalho de som, que serve de atalho para quase todos os temores, medos e sensações daqueles que sofrem com a guerra.

    Hans Zimmer já é um colaborador contumaz de Nolan, e nesse trabalho seus esforços se provam ainda mais valorosos. Mesmo quando o texto corre o risco de soar piegas, é a música de Zimmer que ajuda a tirar o produto final dessa pecha. Ainda assim, por mais que em alguns momentos haja um certo exagero patriótico, o longa não soa ofensivo as plateias não-inglesas, ao contrário, já que o argumento dribla o ufanismo exacerbado, indo na contramão do cinema de guerra norte-americano.

    Há alguns problemas com as identificações dos personagens, uma vez que a maior parte do elenco é composta por atores jovens e desconhecidos. Apesar das enormes semelhanças físicas entre esses, tal situação faz valer ainda mais a sensação de empatia, já que a maior parte dos rostos famosos – Mark Rylance, Cillian Murphy, Keneth Branagh e Tom Hardy – não estão exatamente no front, portanto, qualquer um ali pode morrer. Os sons estrondosos das bombas e os estragos feitos em meio aos que compõe as barricadas são de uma precisão sonora e visual impressionante, algumas vezes compondo cenas belíssimas, semelhantes à telas de aquarela, em outras retratando o puro horror do conflito, sem necessitar mostrar qualquer tipo de dilaceração ou gore, como havia ocorrido por exemplo com o recente Até o Ultimo Homem, soando tão ou mais grave que esse mesmo sem utilizar os mesmos recursos.

    Dunkirk é um filme de guerra, mas não há enfoque sobre o conflito. Mesmo os soldados que tem armas em punho estão lá para sofrer. Nesse ponto, ele é o perfeito filme do meio, servindo a si à perfeição de filme anti-guerra. Certamente eram exageradas (e pretensiosas) as comparações de Interestelar a 2001: Uma Odisseia no Espaço, mas certamente o caráter deste se assemelha muito a outra obra kubrickiana menos valorizada do que deveria, que é Glória Feita de Sangue, embora métrica, atmosfera e trabalho técnico sejam inteiramente diferentes, ambos falam de fracassos militares e de desperdícios de vida, no meio de um conflito bélico. A mensagem é passada de forma certeira, sem precisar lançar mão de artifícios expositivos, soando até poético em alguns momentos.

    https://www.youtube.com/watch?v=b7v_6hIa5Ok

    Ouça nosso podcast sobre Christopher Nolan. Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Crítica | O Bom Gigante Amigo

    Crítica | O Bom Gigante Amigo

    bfgposterO Bom Gigante Amigo estreou em 2016 com certa expectativa, já que era o retorno de Steven Spielberg às histórias infantis desde As Aventuras de Tintim, em 2011. Após ser sequestrada de um orfanato por um gigante, uma menina cria uma amizade com ele e ambos tem de enfrentar os outros gigantes comedores de crianças.

    O roteiro de Melissa Mathison se baseia no livro de Roald Dahl e tem um início promissor. A abertura do filme já entrega a sua premissa ao mostrar a personagem de Sofie repreendendo bêbados na rua ao fazerem algazarra e atrapalharem o sono das crianças no orfanato: o preconceito da sociedade com quem é deslocado do seu meio. Essa premissa é reforçada ao longo de todo o filme na sua relação com o gigante que a rapta do orfanato, o seu próprio preconceito com ele se prova equivocado ao ver que ele é amigável e gentil, diferente dos outros gigantes que comem humanos.

    No entanto, a adaptação de Mathison acaba falhando com o universo que vinha sendo apresentado ao inserir a ajuda da Rainha da Inglaterra em uma comédia, se transformando em um outro filme, além da solução final se mostrar rápida demais. Por mais que tenha muito do material original, o filme acaba destoando do que vinha sendo apresentado até então. Seria muito mais interessante se Sofie e o BFG conseguissem a solução para o problema na própria Terra de Gigantes ou até mesmo no orfanato.

    A direção de Spielberg continua satisfatória e mantém todas as suas características básicas como o domínio da narrativa visual e a eterna premissa que envolve o preconceito na luta contra o desconhecido. Outro mérito foi encontrar a atriz mirim, além da direção de atores com o CGI dos gigantes. No entanto, Spielberg falhou como diretor ao não pedir para Melissa Mathison mudanças no roteiro e ao editor para melhorar o ritmo.

    A menina Ruby Barnhill é o grande destaque do elenco, todo o seu potencial conseguiu ser explorado pela direção, Mark Rylance não decepciona como o BFG e o restante dos outros gigantes ficaram bem caracterizados em suas personalidades.

    A fotografia de Janusz Kaminski, que trabalhou com Spielberg nos seus principais filmes, se destaca nas sequências do orfanato e quando Sofie ajuda BFG na captura dos sonhos. A edição de Michael Kahn, que também trabalhou com o diretor nas suas obras mais famosas, consegue deixar o filme com um bom ritmo até o terceiro ato onde entra a Rainha da Inglaterra, fazendo com que destoe completamente do bom material apresentando até o momento.

    O Bom Gigante Amigo deve agradar aos fãs do livro ou do autor, ou ainda quem busca uma história infantil razoável.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Ponte dos Espiões

    Crítica | Ponte dos Espiões

    Ponte de Espiões 6

    Tencionando retornar ao misto de boa história dramática, esmero técnico eficaz e carisma de personagem e narrativa, Steven Spielberg traz à luz seu filme mais significativo e eclético dos últimos tempos. Ponte de Espiões é baseado em uma história ocorrida no auge da Guerra Fria, e mostra o drama de Jim Donovan, conduzido por um cineasta apaixonado pelo tema pecados de guerra e inspirado em expor as contradições do “quase” conflito.

    Donovan é vivido pelo antigo parceiro de Spielberg, Tom Hanks, que também estava ávido por qualquer papel que exigisse dele um trabalho maior de corpo e sentimentos. O advogado é quase paladínico, preso a uma moral justiceira que compreende nuances que não são facilmente admissíveis em uma época tão paranoica e cinza. Antes de sua apresentação, o diretor conduz sequências silenciosas que emulam o operar dos agentes de espionagem de ambos os lados, soviético e capitalista.

    Mark Rylance faz um Rudolf Abel que não se permite em momento algum sair da personagem ambígua que lhe é proposta, ocasionando uma performance magistral, à prova de qualquer aforismo sentimental que pudesse atrapalhá-lo em seu trabalho, sem deixar de lado um comportamento espirituoso e muito carismático. O trabalho de cores, em que predominam o cinza e o grafite, salienta a dubiedade do caráter geral do mundo.

    A junção de destinos, com Donovan assumindo o caso de Abel, é recebida com reprimenda por parte da opinião pública, com uma rejeição dos próximos – incluindo familiares – e olhares recriminadores dos populares na rua. Esses fatores ajudam Jim a perceber o acerto em prosseguir em direção aos seus conceitos do que é certo e errado, contrariando o lugar comum pseudo correto.

    A segunda metade do filme se passa em território europeu, em uma missão que o jurista recebe para tentar ajudar seu cliente que foi condenado, ocasionando uma tentativa de troca do prisioneiro por outros dois presos de guerra estadunidenses. A falta de comunicação, igual ao conto bíblico sobre a Torre de Babel, tenciona mais uma vez salientar a temerosa linha de equilíbrio que era posta entre as duas forças dominantes do mundo, fazendo inclusive da Alemanha uma vítima dessa incômoda dicotomia.

    Exceto por alguns pecados – como mostrar a ideologia socialista de forma muito mais selvagem do que a capitalista, com um recurso bastante didático em retratar as diferenças, como comparativos tendenciosos -, Ponte de Espiões, em vista do que poderia ter sido, não é tão panfletário quanto filmes recentes, a exemplo de Crimes Ocultos, e alcançou nuances que normalmente não se encontram nas fitas recentes sobre a época.

    Spielberg tem um belo retorno a histórias que abusam de tramas paralelas e que não perdem força ao serem exibidas lado a lado, mostrando que as más relações também acontecem por parte dos alemães que vivem do lado ocidental do muro, salientando que o destino é trágico durante a guerra, seja qual for o lado. A demonstração máxima de amizade, feita pelo roteiro de Matt Charman, Ethan e Joel Coen, acompanha uma relação que vai muito além do simplista interesse egocêntrico, pautando na justiça de aspectos legais primários uma lição de civilidade acima de ideologias e dogmas baratos, o que resulta em uma história real e parcial em um drama universal.