Tencionando retornar ao misto de boa história dramática, esmero técnico eficaz e carisma de personagem e narrativa, Steven Spielberg traz à luz seu filme mais significativo e eclético dos últimos tempos. Ponte de Espiões é baseado em uma história ocorrida no auge da Guerra Fria, e mostra o drama de Jim Donovan, conduzido por um cineasta apaixonado pelo tema pecados de guerra e inspirado em expor as contradições do “quase” conflito.
Donovan é vivido pelo antigo parceiro de Spielberg, Tom Hanks, que também estava ávido por qualquer papel que exigisse dele um trabalho maior de corpo e sentimentos. O advogado é quase paladínico, preso a uma moral justiceira que compreende nuances que não são facilmente admissíveis em uma época tão paranoica e cinza. Antes de sua apresentação, o diretor conduz sequências silenciosas que emulam o operar dos agentes de espionagem de ambos os lados, soviético e capitalista.
Mark Rylance faz um Rudolf Abel que não se permite em momento algum sair da personagem ambígua que lhe é proposta, ocasionando uma performance magistral, à prova de qualquer aforismo sentimental que pudesse atrapalhá-lo em seu trabalho, sem deixar de lado um comportamento espirituoso e muito carismático. O trabalho de cores, em que predominam o cinza e o grafite, salienta a dubiedade do caráter geral do mundo.
A junção de destinos, com Donovan assumindo o caso de Abel, é recebida com reprimenda por parte da opinião pública, com uma rejeição dos próximos – incluindo familiares – e olhares recriminadores dos populares na rua. Esses fatores ajudam Jim a perceber o acerto em prosseguir em direção aos seus conceitos do que é certo e errado, contrariando o lugar comum pseudo correto.
A segunda metade do filme se passa em território europeu, em uma missão que o jurista recebe para tentar ajudar seu cliente que foi condenado, ocasionando uma tentativa de troca do prisioneiro por outros dois presos de guerra estadunidenses. A falta de comunicação, igual ao conto bíblico sobre a Torre de Babel, tenciona mais uma vez salientar a temerosa linha de equilíbrio que era posta entre as duas forças dominantes do mundo, fazendo inclusive da Alemanha uma vítima dessa incômoda dicotomia.
Exceto por alguns pecados – como mostrar a ideologia socialista de forma muito mais selvagem do que a capitalista, com um recurso bastante didático em retratar as diferenças, como comparativos tendenciosos -, Ponte de Espiões, em vista do que poderia ter sido, não é tão panfletário quanto filmes recentes, a exemplo de Crimes Ocultos, e alcançou nuances que normalmente não se encontram nas fitas recentes sobre a época.
Spielberg tem um belo retorno a histórias que abusam de tramas paralelas e que não perdem força ao serem exibidas lado a lado, mostrando que as más relações também acontecem por parte dos alemães que vivem do lado ocidental do muro, salientando que o destino é trágico durante a guerra, seja qual for o lado. A demonstração máxima de amizade, feita pelo roteiro de Matt Charman, Ethan e Joel Coen, acompanha uma relação que vai muito além do simplista interesse egocêntrico, pautando na justiça de aspectos legais primários uma lição de civilidade acima de ideologias e dogmas baratos, o que resulta em uma história real e parcial em um drama universal.