Tag: Nicole Kidman

  • Crítica | Reféns

    Crítica | Reféns

    Pondo em perspectiva a carreira de Joel Schumacher, é triste que o ultimo longa metragem conduzido por ele tenha soado tão genérico como a fita de ação e suspense vista em Reféns. A obra conta a história da família Miller, e tem como protagonistas suas musas Nicole Kidman, com quem fez Batman Eternamente mais de 15 anos antes desse, e Nicolas Cage, que fez com ele 8mm. Os dois são Sarah e Kyle, vivem com sua filha Avery (Liana Liberato), em uma casa grande e abastada, e desde o início se percebe que eles são precavidos, e muito preocupados com a segurança familiar e patrimonial.

    O filme vai transcorrendo normalmente, até uma suposta intervenção policial, originada a partir de malfeitores, que colocam os personagens da família na condição óbvia do título nacional. O filme é bem irregular, no começo se estabelece uma situação de normalidade bem crível, mas essa boa atmosfera se mostra frágil quando acontece a invasão do domicilio. Os fatos posteriores a isso variam entre o totalmente inacreditável que reside na tentativa de negociação entre raptores e vítimas, e a tensão pelo que pode ocorrer com a vida dos personagens que aparecem em tela.

    Um dos problemas da obra e do roteiro de Karl Gajdusek é que os personagens não causam simpatia ao público. As situações que poderiam fazer o espectador se afeiçoar por eles não superam a condição de clichês dramáticos, e isso não é incomum nos filmes de Gajdusek, pois em Oblivion e November Man: Um Espião Nunca Morre também se percebe que ele utiliza atores famosos como atalho para o desenvolvimento de seu texto, acreditando que ao colocar pessoas famosas para fazer os papéis que idealizou, conseguiria agradar a família tradicional americana.

    Até há algum senso de urgência nas tentativas de chantagem entre bandidos e família, além de uma longa e intricada trama cheia de reviravoltas, mas quase nada é crível. A suspensão de descrença do espectador se baseia demais no sensacionalismo barato, e isso ajuda a denegrir demais o filme. Nem as atuações que normalmente Schumacher conduz bem, funcionam aqui.

    É lastimável que esse tenha sido o derradeiro filme do diretor, uma obra de suspense que se baseia na filmografia do cineasta para apresentar uma história fraca, que tem como trunfo tão somente isso, a afeição do realizador pelo sub gênero. Simbolicamente é triste que o final de sua última história independente – Joel haveria também de dirigir dois capítulos de House of Cards na primeira temporada – tenha que se valer de aspectos familiares para justificar essa tentativa de voltar a ser relevante, e é uma pena que após ter feito os seus filmes mais rentáveis ele tenha caído tanto no ostracismo, mesmo que posteriormente a isso ele tenha feito obras tão certeiras como O Custo da Coragem e Por Um Fio, e principalmente, é uma pena que o simbolismo dentro de sua última adaptação cinematográfica seja uma tentativa de se apaziguar com as famílias norte-americanas tradicionais como são os Miller, sendo que boa parte dos detratores que tornaram sua filmografia em algo subestimado, tenham vindo desse o mesmo tradicionalismo retratado ao longo de Reféns.

  • Crítica | De Olhos Bem Fechados

    Crítica | De Olhos Bem Fechados

    Como se filma um pesadelo? Pergunte isso a David Lynch, e a resposta será um quarto mal iluminado com um homem vestido de coelho comendo biscoitos, sentado numa cadeira olhando para a parede e quase sem se mexer. Para Steven Spielberg, esse estado de devaneio sombrio que tanto nos perturba (e nos atrai) mora é na realidade das coisas, nos absurdos da vida real. Talvez De Olhos Bem Fechados, o mais belo dos suspenses dos anos 90, habite exatamente a zona cinzenta entre essas duas representações, e vai além, uma vez que explorar uma realidade inexplicável já faz parte dos deveres da sétima-arte. Quantos já não fizeram isso, seja numa verve mais comercial, ou numa inspiração mais cult, como sempre foi com Stanley Kubrick – e aqui não é diferente. Muito já se falou sobre seu último filme, o clássico que ele não chegou a ver a recepção na sua aguardada estreia. E no Oscar 2000, devido as polêmicas dos temas da obra, e a nudez masculina e feminina em várias cenas bastante eróticas, a Academia foi novamente puritana e não indicou em nenhuma categoria a última cria do mestre. Espanto? Mas é claro que não. Dane-se o Oscar, e vamos ao que interessa.

    O sarcasmo aqui com as relações é evidente, e se um dia Kubrick ouviu seus acusadores dizendo que ele era incapaz de ser sentimentalista em seus filmes, ele certamente pegou esse sentimentalismo e nos mostrou seu lado mais cruel, sombrio e interessante, possível, no mais mórbido e luxurioso dos pesadelos. Seguindo os passos do casal Bill e Alice Harford, tem-se aqui um conflito a respeito da fidelidade entre homem e mulher que, aos poucos, consome a paz e a vida social e privada de Bill, cada vez mais perdido a vagar nas ruas coloridas de Nova York até ser engolfado pelas trevas que, se o pouparem, é questão da mais pura sorte – como se o destino avisasse ao gato que sua curiosidade, só desta vez, não será em vão, e muito menos punitiva. A sensação de sermos voyeurs de uma história nunca foi tão aguda assim, ao passo de assistirmos personagens deliciosamente imperfeitos, vilões de si mesmos, numa espécie de purgatório cujas relações são fadadas ao mais completo fracasso. Como reverter esse quadro? Só escapando para, assim, voltar ao mesmo patamar de antes. Um purgatório, propriamente dito, num verdadeiro filme de terror cujo maior susto, e espanto, é conseguirmos nos reconhecer no simbolismo perturbador dessa obra-prima.

    Eis um tratado sobre o escondido, sobe o ocultismo e sem parecer ou soar didático a tanto. Se Ingmar Bergman mostrou o casamento como um abismo, seja na mesa, seja na cama, Kubrick viu a instituição matrimonial como algo surreal, repleto de segredos e absurdos metaforizados numa elite secreta cheia de rituais que envolvem suas senhas, seu sexo, e suas máscaras – exatamente como a maioria dos relacionamentos de verdade parecem ser após um tempinho, aos participantes. Tom Cruise e Nicole Kidman, casados na época, se recusavam a dar entrevistas antes da primeira exibição do filme, uma jogada de marketing para alavancar ainda mais a curiosidade de todos. Muito se falava, em especial, acerca de cenas pornográficas e a forte tensão sexual em torno da desconstrução filmada de um casamento, no início acima de qualquer suspeita, mas que gira em torno daquilo que fomenta os laços que podem unir duas pessoas: sexo, poder, e redenção. Kubrick nunca foi tão fundo nas engrenagens de um relacionamento, sendo que para o cineasta todo romance é hipócrita, cínico por natureza, e há sempre algo não dito por trás de olhares e falas bem intencionadas.

    É preciso fechar os olhos, e bem fechados, ele diz, para enxergar o óbvio, como um profeta é capaz de fazer. Stanley Kubrick conhecia bem a teoria da psicanálise, e se interessava pelos recônditos obscuros e enigmáticos da alma humana tanto quanto amava jogar xadrez, em seus sets de filmagem. Na Nova York dos anos 90, suas ruas bem iluminadas e suas festas e apartamentos de luxo be iluminados escondem, com o brilho, os mistérios do homem que nele habitam, e ao redor dele se escondem, no espectro (ir)real das coisas. Através de cenários normais, a iluminação teatral se faz necessária para tornar tudo artificial, de propósito, evidenciando assim as ilusões que o mundo urbano e falso-moralista dos homens aloja. Para Kubrick, tudo é uma grande perversão revestida de romance. Tudo é uma grande mentira, uma grande farsa visualmente deslumbrante!, gritam as imagens quentes e frias de De Olhos Bem Fechados, acompanhadas de uma trilha-sonora que, as vezes, dá o tom de um tenso ritual secreto, e noutra vez, poderia ser usada no divertido percurso de um circo dos horrores. De Oscar Wilde nos fica a máxima: “Dê ao homem uma máscara, e ele se tornará quem realmente é.” Kubrick pegou essa frase, e fez dela um dos seus melhores filmes. E isso nunca será pouca coisa.

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  • Crítica | Erased Boy: Uma Verdade Anulada

    Crítica | Erased Boy: Uma Verdade Anulada

    Boy Erased: Verdade Anulada é o novo filme de Joel Edgerton, e já causou alguma polêmica no Brasil por ter sua estreia em cinema cancelada perto da data limite. Muito se falou em censura, por ter uma temática LGBT, mas nada se comprovou, e o que se vê já no começo é uma historia emocional, de cunho intimista, que mostra Jared Eamons, em gravações de sua infância, partindo logo para sua fase adolescente, onde é interpretado por Lucas Edges. Seu comportamento aparentemente não é incomum, mas ele guarda um segredo que para os seus, é vergonhoso.

    O personagem mora em uma cidade pequena do Arkansas, e tem de lidar com a família e amigos conservadores – seu pai é pastor batista – e ele é levado por sua mãe, Nancy (Nicole Kidman) há uma clínica hospitalar, que logo se mostra um lugar estranho, um internato onde  os pacientes ficam presos, tem tudo fiscalizado, tem proibições de diários e tem sua privacidade invadida e retirada. Incrivelmente, se fala muito sutilmente sobre qual é a função daquela clínica, as pregações religiosas apelam para falas genéricas que desconstroem a ideia de que ali se persegue um nicho da população e um comportamento sexual.

    O roteiro brinca com sua linha do tempo. Jared é mostrado conversando com seu pai Marshall (Russel Crowe), que aliás, está muito bem), em alguns pontos jogando basquete no colegial, pelo time do Rebels, e até passando por rituais típicos de jovens que estão prestes a ir para a universidade, começando a namorar meninas e até recebendo um carro de seu pai. Entre esses momentos, também são mostrados os internos, como Jon (Xavier Dolan), um jovem que chega sempre atrasado e que tem um comportamento um tanto rebelde, e o palestrante da clínica Victor Skyes, feito pelo próprio diretor do filme, sujeito esse aparentemente mais paciente e compreensivo com os jovens.

    O protagonista é sensível, gosta e artes, de desenhar, tem hobbys comuns como jogar vídeo game, e acaba se envolvendo emocionalmente com outros alunos do tal instituto. Ainda assim, ele frequenta a sua igreja e a de outros, se permitindo assim ouvir a palavra do Divino. Por mais que ele tente mudar seus pensamentos e seus impulsos, ele não consegue, e o filme representa isso muito bem, entre tentativas mais assertivas e outras mais ligadas ao lugar comum, mas o que se percebe é incomodo.

    O fato de não se encaixar nas expectativas de seus pais faz o drama de Jared ser mais universal até do que a fala direta para o nicho de pessoas que tem dificuldade em aceitar sua orientação sexual ou serem aceitas. Isso pode não parecer algo importante, mas é, pois é fácil digerir até para quem tem um preconceito “brando” com pessoas de não hetero-normativas, mostrando a elas o sofrimento que alguém comum tem e como é pesado ter que lidar com o preconceito de terceiros, dos próximos e até o preconceito interno que, apesar de não ser algo natural e originário (em termos freudianos), é adquirido há tanto tempo que parece ser assim, parece ter nascido com cada pessoa.

    Embora em alguns pontos se apele um pouco na carga dramática, o filme é sóbrio, não é afetado, ou demasiadamente panfletário, mesmo que o tema de “cura  gay” pedisse isso. A maior parte do cunho emotivo provém das interpretações, Crowe, Kidman, Edgerton e os atores mais jovens estão muito afiados, e a entrega de Hedges é enorme também. Se percebe o quão aflito e desesperado é o seu Jared, e não é difícil se afeiçoar ou por qualquer um dos que são tratados, e qualquer clichê ou fala de ordem como “não há cura para o que não é doença” não é tão forte quanto a expressão de medo e receio que ele tem ao ver o tratamento de um dos internados que se deixou falhar na repressão sexual, ou nas reprimendas que faz a si por ainda ter sentimentos e pulsões por outros homens.

    Se falta poesia no filme, sobra condenação aos que tentam impor suas verdades, embora o dedo acusatório não seja obvio. O roteiro de Edgerton é delicado até nisso, permitindo que as partes mais comoventes sejam ternas e sem falas, ensurdecendo publico e personagens durante as sessões de tortura, para aplacar a dor e a miséria dos que são julgados e consertados. É um filme forte, com um caráter educativo inclusive para plateias mais novas, como uma versão moderna e mais econômica melodramaticamente falando de Diário de Um Adolescente.

    O filme no final mostra os homens reais que inspiraram os personagens, e é um dos poucos momentos em que ele se permite ser otimista, já que boa parte deles está bem, aceitos por suas famílias, constituindo suas próprias. O final de Erased Boy não é tão sutil e econômico quanto o restante do filme, mas não há nada nele que denigra todo o resto, ou diminua sua força de denúncia, esse funciona perfeitamente como o antônimo de Eu Sou Michael, filme que fala sobre um tema parecido cuja abordagem é estranha e até homofóbica, mas seu mérito maior certamente é o fato dele ser palatável e de fácil compreensão mesmo para a parcela do público mais conservadora, ao menos a que é aberta ao diálogo civilizado.

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  • Crítica | Como Falar Com Garotas em Festas

    Crítica | Como Falar Com Garotas em Festas

    John Cameron Mitchell é um realizador peculiar. Seus filmes de maneira geral se baseiam em batidas emocionais das personagens, e as tramas são mais ou menos impulsionadas de acordo com as emoções pontuadas em cada sequência; se um título mais ou menos polêmico como Shortbus girava em torno de sexo como um catalisador pra inúmeros contextos íntimos facilmente ignorados em função do sexo em si, e o aclamado Reencontrando a Felicidade (cujo título nacional é impossivelmente entreguista) apresentava o luto como algo a ser assimilado ao invés de tratado como algo nocivo, era de se esperar que uma adaptação de um conto de Neil Gaiman (um autor naturalmente generoso com os aspectos emocionais de suas obras) fosse ainda mais sensível e aflorado, de acordo com as explorações típicas de seu diretor/co-roteirista – e Como Falar Com Garotas em Festas, inspirado na história homônima de Gaiman (leia nossa resenha aqui), de fato se apresenta como um veículo perfeito para seus interesses narrativos. Nem tudo funciona o tempo todo, mas o filme traz doçura e diversão suficientes pra compensar a maneira acochambrada com a qual tenta conjugar suas diferentes partes e propostas.

    O longa introduz Enn (Alex Sharp), o protagonista, como um jovem e entusiasmado punk na Londres dos anos 70 que, na companhia de seus amigos Vic e John, inadvertidamente, após um bagunçado show no clube local (comandado por uma peculiar Nicole Kidman, no papel de Boadicea, uma punk da cena OG, em mais uma parceria com Mitchell após ser exaltada por Reencontrando a Felicidade) acaba encontrando um esquisito conluio de jovens e conhecendo Zan (Elle Fanning, arroz-de-festa em filmes habitualmente mais excêntricos do que a média), uma alienígena presente na terra junto de outros ETs por tempo limitado em função de uma “experiência”. Em busca de algo mais autêntico nas horas que restam a ela no planeta (na forma da música e da cultura punk), Zan escapa de seus pares e acompanha Enn em uma incursão pelo incerto cenário da juventude de Croydon (um epicentro artístico londrino), enquanto é perseguida pelos outros membros de sua espécie (participações menores mas não menos estranhas de nomes como Ruth Wilson, Matt Lucas e Edward Petherbridge), que pretendem interromper suas novas “experiências” para garantir a Retirada, o evento de passagem onde os membros mais velhos da raça devoram os mais jovens.

    Talvez as descrições de trama e ambientação soem mais mórbidas do que ambas realmente são, embora a bizarrice de todos estes elementos seja provavelmente maior do que se pode imaginar, mas o ponto é que Mitchell empresta leveza e doçura consideráveis a tudo que se vê ao longo do filme, de penetrações anais e perspectivas evolutivas cósmicas a um embate/confraternização entre punks terráqueos e coloridos alienígenas agregados – e mesmo que algumas coisas não combinem e não façam muito sentido, a ideia primordial de rebelião jovial contra normas e expectativas permanece intacta e, se a atmosfera geral apresenta a filosofia de vida punk como uma abordagem ideal diante da necessidade de se viver coisas mais intensas e originais, até mesmo a baderna da narrativa vem em auxílio do filme. Não há como prevenir o desperdício de subtramas e eventos que pareciam do interesse do filme, e frustra como nada é aprofundado ou examinado com maior atenção, mas é uma troca aceitável conforme Sharp e especialmente Fanning garantem um núcleo afetivo eficiente e conseguem ancorar uma obra que talvez não tenha muita certeza do que almeja configurar.

    Apesar de centralizar a ação em uma cena punk original e, portanto, baseada tanto em música quanto em atitude, Como Falar Com Garotas em Festas prioriza um ritmo ágil para contar sua história, e tanto o roteiro (de autoria de Mitchell e Philippa Goslett) quanto a montagem de Brian A. Kates estruturam o filme menos como uma corrida contra o tempo e mais como um sprint contra as perspectivas sociais-biológicas da época, a bem da verdade não muito diferentes de anos recentes; há apenas uma inserção musical significativa, dominada com ferocidade por Elle Fanning na única chance de Zan para fazer valer as paixões que carrega e divide com Enn em um palco, culminando em algo transcendental para ambos, mas esta acaba sendo suficiente – senão pela ambientação, ao menos pelo desenvolvimento das personagens.

    Traído por um ato final que não se sustenta (nem desperta muito interesse) a partir do que vimos ao longo da projeção, Como Falar Com Garotas em Festas ao menos conta com um desfecho mais cálido do que a melancolia de seus instantes derradeiros indicava. E mesmo que seja irregular e superficial demais pra ser devidamente reconhecido, é um filme simpático e pulsante que ganha apreço por seus predicados mais básicos, e pela facilidade com que transforma estranheza e lugares-comuns em manifestações genuínas de sentimentalismo e bom humor, mesmo diante de possibilidades nada alegres e bastante impessoais. Nada mal para uma rocambolesca trama amorosa entre um punk sem rumo e uma alienígena fatalista.

    Texto de autoria Henrique Rodrigues.

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  • VortCast 59 | Aquaman: O Filme

    VortCast 59 | Aquaman: O Filme

    Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira) e Filipe Pereira (@filipepereiral) batem um papo sobre o novo filme da DC Comics/Warner Bros: Aquaman. Neste podcast, saiba o que esperar do filme do Rei dos Mares, qual a melhor fase do personagem nos quadrinhos e como podemos vencer o monopólio da Disney/Marvel nos cinemas.

    Duração: 46 min.
    Edição: Flávio Vieira
    Trilha Sonora: Flávio Vieira
    Arte do Banner: 
    Bruno Gaspar

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  • Crítica | Aquaman

    Crítica | Aquaman

    O futuro da DC no cinema é uma incógnita, mais por conta dos bastidores do que pela recepção dos filmes. Tal qual foi com Mulher-Maravilha de Patty Jenkins, a versão de Aquaman de James Wan gerou muita expectativa e o resultado como  stand alone é muito bom, principalmente por essa historia ter fôlego independente de Liga da Justiça e Batman vs Superman onde Jason Momoa já havia interpretado Arthur Curry.

    A história começa mostrando a origem do personagem, narrado pelo próprio Aquaman, que descreve como Tom Curry (Temuera Morrison) conhece Atlanna (Nicole Kidman), em uma situação que soa um pouco bizarra pela configuração do encontro, assim como também causa estranheza os efeitos especiais que não conseguem se encarregar da tarefa de rejuvenescimento de Morrison. Após uma separação forçada dos pais, Arthur segue na superfície. Não demora para a ação se desenrolar, e Wan não tem vergonha alguma de se assumir como um filme despretensioso e canastrão, pois sempre que o vigilante é acertado e não cai, toca-se um riff de guitarra ao estilo rock and roll, e nesse ínterim, se introduz a figura vilanesca do Arraia Negra (Yahya Abdul-Mateen II), um personagem que age de maneira raivosa e unidimensional, mas que tem uma boa justificativa para ter ressentimento com o personagem-título.

    As partes abaixo da água fazem lembrar o carnaval de cores de Fúria de Titãs e sua continuação, em especial com as cenas envolvendo a nobreza atlante. Demora a acostumar com o visual, mas depois do estranhamento as reuniões entre o rei Orm (Patrick Wilson), irmão e filho legítimo daquele povo e Nereus, interpretado por Dolph Lundgren que ostenta uma belíssima peruca digital. As batalhas na água são muito bem feitas e a física faz muito sentido. Um dos maiores receios dos fãs era em relação a esses combates se dava na utilização dos efeitos especiais, o que se mostrou totalmente infundada.

    A psicodelia do visual das cidades submarinas é bem explicada pelo mentor Vulko (Willem Dafoe), que ao treinar o futuro herói, diz que a visão dos atlantes é mais aguçada e por isso se nota uma textura de luz diferente da superfície. Da parte do texto, há alguns problemas com a insistência no clichê de homem ressentido que culpa todo um povo pela exclusão de sua mãe, e essa questão mesmo no final não faz muito sentido, em especial com o rumo que as coisas tomam.

    Outra questão um pouco incômoda é em relação a aliança dos vilões, não há preocupação em criar uma dualidade neles, são maniqueístas e mal intencionados ao extremo e isso não combina por exemplo com a vingança eco-terrorista de devolver à terra o lixo produzido pela superfície. Mas tecnicamente o filme é muito bem construído, as referências steampunk no visual da Atlântida quando ainda estava na superfície é absurda, assim como a justificativa para a alta tecnologia, como eram com as amazonas de Themyscera. Ao mostrar o exemplo de Mera e Atlanna há uma boa exposição de como o machismo e o patriarcado funcionam no reino dos homens seja em terra ou em mar. Apesar de não haver tanto aprofundamento dessa questão, a discussão sobre mestiços e imigrantes é muito bem explicitada.

    As cenas de ação poderiam ter ficado mais reservadas ao filme, muito do impacto na parte inicial e no meio é perdido por conta do material de divulgação, mas no final as sequências inéditas são eletrizantes. As criaturas selvagens do Reino do Fosso são visualmente assustadoras, e funcionam quase como um legado de horror de Wan. Toda a mitologia do personagem é muito bem explorada  apesar de não gastar muito tempo explicando.

    A luta final peca um pouco por soar genérica, com muito slow motion entre o Aquaman já todo paramentado e com o Mestre dos Oceanos. Aquaman é divertido como se espera de um filme escapista de herói, que obviamente tem preocupações mercadológicas em vender merchandising mas que ainda arruma tempo para dar vazão a algumas discussões.

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  • Critica | O Peso do Passado

    Critica | O Peso do Passado

    Cercado de expectativas por trazer Nicole Kidman em um papel diferente, em que faz uma mulher turrona e com uma maquiagem extremamente pesada – que aliás, a deixou caricata – O Peso do Passado é o novo filme de Karyn Kusama, e foca na rotina da detetive Erin Bell, da Polícia de Los Angeles, em uma trama violenta, cheia de ressentimentos e que conta com reconciliações com seu passado.

    A história mostra um morto, com uma tatuagem de três pontos, igual a que Erin carrega em seu pescoço. Aos poucos a trama se desdobra, mostrando o tempo em que a personagem de Kidman era jovem – e que se utiliza de outra maquiagem forte para rejuvenesce-la – agindo infiltrada na gangue de Silas (Tobin Kebbell), com outro infiltrado chamado Chris (Sebastian Stan), além de uma conturbada vida familiar, com uma relação bem distante entre ela e sua filha Shelby (Jade Pettyjohn). Erin é uma mulher traumatizada, suas relações são quase todas tóxicas e pautadas pela ausência, por conta da natureza de seu trabalho e pela angústia de pessoa amargurada que carrega. Na busca por descobrir o paradeiro de Silas que, segundo ela, é o responsável pela primeira morte, ela revive os momentos de seu passado, alguns poucos doces e sonhadores, e se defronta com um presente sombrio e escuro. O filme é tão calcado nessa questão da amargura que soa quase parodial, tão distante da realidade que faz chocar o espectador, fazendo o tempo todo ter a sensação de estar lendo um thriller barato presente nos livros que se vendem nas gôndolas dos super mercados dos Estados Unidos.

    O filme é claramente proposto para Kidman brilhar e provar que ainda é capaz de fazer papéis diversificados, e no que toca sua atuação, o filme acerta. Acerta também em criar uma atmosfera pessimista e niilista, tanto que a maior comparação feita a ele, é que a obra foi talhada para passar nas sessões do Super Cine.

    Ao menos nas questões envolvendo a violência explícita O Peso do Passado acerta demais, é sujo, certeiro e agressivo quando precisa e Kusama não tem pudor em mostrar o pior da humanidade, apesar de em alguns pontos, levar à frente um discurso moralista e reacionário. Mesmo em seus exageros há um movimento de orquestra bem concebido e isso por si só já torna esse uma das melhores obras de Kusama.

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  • Crítica | O Sacrifício do Cervo Sagrado

    Crítica | O Sacrifício do Cervo Sagrado

    Adjetivo duplo, então: Morbidamente cínico. O grego Yorgos Lanthimos conjura suas narrativas e perspectiva com uma excentricidade tola, e que se encerra nela mesma. Cineasta do vazio, como tantos que se proliferam numa velocidade impressionante (e que preocupa) no cinema pós-moderno, operando para as pós-verdades da era da web 3.0, a sua alegoria é da nulidade e o seu campo de análise é o vácuo que existe entre as pessoas, entre as coisas, ou mais precisamente aqui, entre o ceticismo que permeia a atualidade global (não acreditamos mais em lendas e nossos folclores giram em torno da tecnologia) e o credo nas nossas relações, rápida e igualmente pautadas em aparelhos que surgiram há pouco mais de duas décadas e redefiniram nosso olhar para o outro. Lanthimos parece ter um interesse fetichista por esse tema de sociedade global cyber impactada, e a cada filme seu, desde o bom Dente Canino até O Sacrifício do Cervo Sagrado, premiado em Cannes e tudo o mais, parece lapidar seu gosto apenas numa pegada diferente, sendo que não há profundidade aparente que o cineasta almeje tocar.

    Para tanto, delineia com delicadeza confundida por alguns espectadores com sensibilidade a história do intruso, no seio familiar. História velha ainda que bela, travestida aqui em território cirúrgico: Médico (Colin Farrell, na segunda parceira com o cineasta depois do controverso A Lagosta) que se orgulha em nunca ter ferido um paciente sequer deixa-se envolver, a si próprio, esposa e filhos com um jovem em pleno desenvolvimento de sua identidade psicopata. A atuação coletiva do filme primeiramente merece palmas, em especial a de Nicole Kidman, excelente quando acha motivação e se permite ser a grande diva de Hollywood que é, e a do jovem assassino em formação, Barry Keoghan, cuja verdadeira potência de seu personagem infelizmente por nós nunca é atestada, tal qual as outras personas afetadas pelo garoto, devido a morbidez vaidosa que a própria história respira e caminha, vacilante rumo a uma tragédia de indiscutíveis probabilidades de acontecer – e quando irrompe, mesmo assim é questionável o impacto que nos proporciona. Lanthimos, em momento algum tenta evitar isso, nos afogando consigo na sua letargia que não atinge, tirando breves átimos, toda a tal da hipnose pretendida.

    Há um quê às vezes subjetivo, e noutros instantes bem explícitos de A Pele que Habito, de Pedro Almodóvar, mas também certa alma de Stanley Kubrick, contudo sem o mesmo pedantismo histriônico de ambas as mentes, o que melhora as coisas de certa forma. Mas, novamente no Cinema de hoje em dia, é a abstração temática e a abordagem cínica proposital que acaba com tudo, e faz lembrar muita gente, incluindo eu mesmo, o quão insuportável ainda é assistir famílias “tragicamente desdobradas de forma morbidamente cínica”. Não é esse mesmo filme que Michael Haneke recicla, todo ano? Uma pena. Fica-nos a impressão, aliás, diante de O Sacrifício do Cervo Sagrado, de que estamos assistindo uma melancolia que serve apenas ao olhar pessimista de um autor para a sociedade que vive, ou melhor ainda, quem sabe estamos aqui a observar um De Olhos Bem Abertos assexuado, sem o Tom Cruise, com a mesma belíssima Nicole Kidman, sem rituais de irmandades secretas, trilha sonora alguma ou o apuro kubrickiano agregando diamantes ao storytelling. Se tirássemos tudo isso do maravilhoso filme de 1999, o último do mestre que ele nem teve a chance sequer de assistir montado, o que teríamos? A resposta, especialmente a Lanthimos, o apóstolo grego sobre o nada, poderia ser bastante cruel.

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  • Crítica | O Estranho Que Nós Amamos

    Crítica | O Estranho Que Nós Amamos

    Adaptação do livro de Thomas Cullinan, O Estranho Que Nós Amamos (The Beguiled) se tornou para muitos o apogeu do cinema autoral de Sofia Coppola. A história se passa durante a Guerra Civil americana, acompanhando a rotina de um internato habitado apenas por mulheres, sendo a responsável por elas a figura de Miss Martha (Nicole Kidman), acompanhada de Edwina (Kirsten Dunst), residindo ali algumas meninas, entre elas, a mais velha Alicia (Elle Fanning), além de outras crianças. Um dia, uma das meninas encontra John McBurney (Colin Farrell), um soldado da União, com a perna ferida.

    A reconstituição da Virginia de 1864 é muito bem realizada. Os cenários e figurinos ajudam a decifrar a atmosfera, mesmo que não fosse dito a temporalidade da trama os costumes e o acervo visual tratariam de informar o espectador. Do ponto de vista técnico, a base desta versão áudio visual renova boa parte dos acertos da versão setentista dirigida por Don Siegel e protagonizada por Clint Eastwood. A grande questão são as motivações da trama e as atuações que cercam.

    O ponto alto da narrativa certamente é a participação de Dunst, que executa o papel mais maduro e repleto de nuances e complexidades. O flerte ocorrido entre ela e a figura do soldado ferido é o que certamente faz mais sentido e é melhor representado. O trabalho de atuação foge do maniqueísmo apresentado por Kidman, como também da redundância de Fanning. É curioso notar que ao longo dos anos, Dunst se tornou a parceira mais recorrente de Sofia, em uma comparação justa com Siegel e Eastwood.

    A questão que mais chama a atenção em O Estranho Que Nós Amamos é o roteiro, que em dados momentos apresenta uma evolução lenta e gradual, como nos filmes de época, e se desenrola de maneira apressada a partir do ponto de ruptura da história original. A postura em especial do militar que está alojado na casa das mulheres muda repentinamente, e tanto a aceitação das mulheres da casa quanto a rejeição por parte delas também varia muito rápido. Isso não seria um problema, dado que tais mudanças ocorrem via trauma, a questão é que a condução dos fatos também ocorre de maneira veloz. Não se tem tempo para digerir as mudanças ocorridas naquele cenário, de modo que as personagens, inclusive as meninas mais novas, seriam extremamente frias, calculistas e munidas de uma força de caráter muito baixa. O impacto dessa possível revelação acaba sendo aplacado por essa condução controversa na construção da tensão.

    O argumento reduz algumas das boas discussões propostas no texto original, e carece de um ritmo mais adequado com os dramas propostos. No início a exploração da interação da figura externa naquele mundo se mostra acertada, seu maior problema decorre da mudança de tom existente na obra. Há também algumas licenças do texto em relação a questões que eram urgentes na literatura, como a escravidão do povo negro, ignorada nesta versão para apresentar a dicotomia entre as sete mulheres e o homem que elas recebem. Apesar de conseguir retirar alguns bons momentos de seus intérpretes, a direção de Copolla peca em outros aspectos, especialmente no desenvolvimento e o equilíbrio emocional da história, fato que faz decepcionar um pouco em relação a expectativa criada em cima de um dos vencedores do Festival de Cannes passado.

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  • Crítica | O Mestre dos Gênios

    Crítica | O Mestre dos Gênios

    Histórias reais sempre se tornam fontes inspiradoras para a sétima arte. Uma biografia normalmente atrai uma parcela extra de público, ao mesmo tempo em que a história, por si só, possui elementos dramáticos, sendo mais fácil compor um roteiro a partir dela. Porém, o excesso de cinebiografias tem resultado cada vez mais em uma fórmula, tanto na estrutura de sua trama como no uso de cenas chave para intensificar a superação de problemas ou outros exemplos específicos.

    Dirigido por Michael Grandage, estreante no cinema mas veterano nos teatros, O Mestre dos Gênios escolhe um interessante personagem como tema, o editor Max Perkings. Fundamental no processo de edição de um livro, o editor era o primeiro leitor de uma obra, aquele que selecionava a narrativa para publicação como também a pessoa que trabalhava diretamente com o autor dando uma melhor forma ao texto. Perkings, sem dúvida, é um dos editores mais famosos, principalmente, por descobrir grandes escritores como Ernest Hemingway e F. Scott Fitzgerald. Evitando a armadilha de enfocar esses dois grandes escritores e eclipsar a história central, a obra escolhe a relação entre o editor e Thomas Wolfe, um prolifico autor da época que morreu jovem demais e, consequentemente, não obteve o mesmo sucesso que seus colegas contemporâneos.

    A trama percorre as personagens desde o primeiro encontro dos dois e o crescimento da amizade aliada ao trabalho constante. Como reflexos de um mesmo tema, tanto editor quanto autor sofrem com o distanciamento familiar, devido ao enfoque excessivo no trabalho, desmistificando razoavelmente a aura de que a composição literária é meramente inspiração e não excessivo trabalho dedicado.

    A história articula um interesse a um personagem que, normalmente, passa despercebido até mesmo no ramo editorial, porém, sem nenhuma profundidade necessária, adequando-se a fórmula da cinebiografia. Em cena, tudo parece espetacular demais, o espaço dramático cede para cenas chave como brigas teatrais de família, a famosa cena de transição com música ao fundo em que os personagens centrais realizam seu trabalho em diversas cenas entrecortadas, para destacar o esforço da profissão. Nada, porém, parece bem encaixado como deveria.

    Como personagem central, Colin Firth demonstra o talento costumeiro e, ciente de que sua beleza de galã britânico esta no passado, dedica-se a papeis maduros em interpretações equilibradas, neste caso, transpassando seu cansaço diário e sua dedicação a edição através de um olhar profundo. Jude Law, por outro lado, faz o típico papel de excêntrico, a semelhança de Thomas Wolfe original, mas sem nenhuma nuance, aproximando-se de um estereótipo exagerado.

    Ainda que a relação entre ambos seja enriquecedora e demonstre parte das engrenagens invisíveis do processo editorial, O Mestre dos Gênios não consegue se destacar além da fórmula básica de uma história que apresenta um bom personagem real mas não consegue ir além da estrutura morna de diversas biografias contemporâneas.

  • Crítica | Lion: Uma Jornada Para Casa

    Crítica | Lion: Uma Jornada Para Casa

    Como todos os anos, há sempre as famosas biopics: os filmes biográficos indicados a categoria de melhor filme. São filmes baseados em personagens e empreitadas reais, seja de alguma personalidade conhecida ou não, mas que carregue potencial melodramático, “inspirador”. Esse ano, temos cerca de 3 filmes que seguem esses moldes. E não, ser um filme biográfico não torna qualquer obra definitivamente ruim, mas em época de premiações é o suficiente para levantar algumas sobrancelhas céticas, que confirmam seus pessimismos com filmes como Lion: Uma Jornada Para Casa.

    Lion é um filme de Garth Davis, roteirizado por Luke Davies a partir do livro de Saroo Brierley, que trata de sua própria história de vida. Saroo (Sunny Pawar, na infância, e Dev Patel, quando adulto) se perde de sua família com 5 anos ao adormecer em um trem desconhecido da Índia. A narrativa trata de sua trajetória e foca em seus pontos cruciais e definidores, seja enquanto foge de raptores ou se acostuma a sua realidade na Austrália, até quando adulto e se vê tomado pela necessidade e vontade de voltar para sua terra natal, sua antiga família.

    O filme se divide em dois momentos: a etapa da infância, que lida com a realidade precária de muitas crianças abandonadas da Índia, como fazem para sobreviver e quais os perigos que tomam forma em adultos mal-intencionados, ou que não se importam. Sunny Pawar age como o esperado de uma criança em sua situação, mas exatamente por sua idade e pouca experiência não é nele que se deposita a maior demanda dramática, mas nos adultos a sua volta; foco especial para os Brierley, sua mãe (Nicole Kidman) e pai (David Wenham) adotivos australianos.

    A fase adulta, entretanto, já aborda uma crise de identidade familiar e nacional que o roteiro é incapaz de desenvolver propriamente. É especialmente nessa segunda metade que o telespectador é subestimado, desde os constantes flashbacks até a fotografia excessivamente explanatória. Patel se apresenta aqui limitado pelos diálogos mecânicos e sentimentos que ele deve sentir por conveniência, assim como outros personagens não desenvolvidos além de justificativas narrativas, como Lucy (Rooney Mara). E não importa o quanto o elenco tenha de potencial e experiência, não há salvação para problemas narrativos, pois ao tratar da história como uma sequência de fatos seguros da automática percepção de importância do público, afinal, são momentos “grandes”, “emocionantes”, o filme se mostra genérico, sem impacto.

    Seja na vida ou no cinema, a importância que damos a algo não se mede por questões factuais, e sim pelo quanto que foi construído até ali. O pior que pode acontecer a filmes biográficos é caírem no abismo de abordagens pragmáticas sem personalidade, com momentos coreografados para choro (com trilha sonora de violinos e piano a postos) e conclusões artificiais de desenrolar desleixado. Todos os aspectos cinematográficos em filmes do tipo se baseiam em um desalmado funcional. Falham em perceber que não é por uma história ser importante ou extraordinária que o filme se eleva. É preciso a alma que ele tão prepotentemente assume ter, é preciso rugir.

    Texto de autoria de Leonardo Amaral.

  • Crítica | Olhos da Justiça

    Crítica | Olhos da Justiça

    Olhos da Justiça - poster

    O Segredo Dos Seus Olhos levou ao cinema a intrigante história escrita por Eduardo Sacheri. O filme, repleto de simbolismos sobre a psique e condição humana, ganhou uma versão hollywoodiana estrelada pela tríade Julia Roberts, Nicole Kidman e Chiwetel Ejiofor.

    Olhos da Justiça se passa nos EUA pós-11 de setembro, em que o agente do FBI Ray Kasten (Ejiofor) é designado para trabalhar numa divisão com a finalidade de desmantelar possíveis células terroristas infiltradas no país. Sua relação de parceria com a investigadora Jessica Cobb (Roberts) permite que ambos exerçam suas funções em sintonia; a amizade entre eles, por sua vez, concede espaço para que Jess possa, inclusive, incentivar Ray a aproximar-se da procuradora recém-chegada Claire Sloane (Kidman).

    No decorrer das investigações do departamento, os agentes descobrem um homicídio ocorrido próximo a uma mesquita, e julgando ter ligação com algum terrorista, eles partem para o local e constatam que a vítima era a filha de Jessica, Carolyn. Na sequência da descoberta do corpo, as atuações de Roberts e Ejiofor evidenciam que os profissionais dessa área, que necessitam da frieza e isenção dos sentimentos para cumprir seu dever, podem perecer diante de tamanho choque; o desespero de Ray e a dor profunda de Jess são sentidos pelo espectador, e a dupla de atores divide a tela em uma das cenas mais impactantes da trama. Tal acontecimento irá separar os amigos por pouco mais de uma década, durante a qual nenhum dos dois esqueceu o fato ou deixou de investigá-lo.

    No período entre 2002 e 2015 em que a narrativa transcorre, somos guiados por flashbacks que vão inserindo dados importantes sobre a investigação paralela de Ray, que acaba abandonando sua carreira na divisão antiterrorista e consequentemente se afasta de Claire, por quem sempre foi interessado mas nunca teve coragem de se declarar, por conta do noivado dela. As observações do agente em relação ao sentimento, aparentemente mútuo, não têm espaço numa narrativa marcada pela ação (comum no cinema norte americano); Ray é movido pela esperança de encontrar o assassino, fazendo com que abstrações sejam postas de lado. Nesse ponto, tanto o personagem de Ejiofor quanto o de Roberts perdem a oportunidade de levarem seus questionamentos um degrau acima, além de frases que remetem às falas presentes no filme de Campanella. A intenção de levar tais questões ao público existe, mas carece da força e das inserções simbólicas muito bem trabalhadas na película argentina.

    A dor de uma mãe, representada pelas feições envelhecidas de Jess, e a sede de justiça por parte de Ray guiam ambos pelo tortuoso caminho em busca do criminoso. No entanto, as pistas recolhidas pelo agente os levam a um ‘beco sem saída’ e o procurado permanece nas sombras, intacto e livre da punição. A caçada termina e Ray tenta lidar com isso, inclusive imaginando como Jess pôde suportar durante esses anos a perda de Carolyn. Em um momento de reflexão Ray relembra de conversas que havia tido com a parceira, e seu instinto investigativo o conduz a uma perturbadora revelação.

    Nas sequências finais descobrimos que o homicídio cometido e o tempo decorrido não fizeram apenas Ray e Jess de prisioneiros; a dura pena cumprida em vida seria mais justa do que uma sentença de morte estipulada pela lei. Ao menos, era isso que Jessica Cobb pensava. Os velhos amigos trocam poucas palavras e gestos decisivos nos últimos minutos da trama, até que Ray finalmente enterra o doloroso passado, dando a chance para que ambos possam seguir suas vidas.

    Compre: Olhos da Justiça

    Texto de autoria de Carolina Esperança.

  • Crítica | Grace de Mônaco

    Crítica | Grace de Mônaco

    Grace de Monaco - poster

    Produções românticas e uma vertente dos contos maravilhosos transformaram reis, rainhas e príncipes em soberanos que vivem uma vida perfeita e cheia de pompa. Até hoje, este conceito persiste pela tradição de contos de fadas e histórias infantis, que visam um final feliz para encerrar sua trama. Grace de Mônaco desmitifica a vida de princesa “feliz para sempre”,  trazendo à tona a história de Grace Kelly.

    Kelly foi uma das belas atrizes que fizeram parte da obra de Alfred Hitchcock. Estrelou diversas grandes produções do mestre do suspense, mas foi por Amar e Sofrer que recebeu um Oscar de Melhor Atriz, dois anos antes de casar-se com o príncipe de Mônaco e receber diversos títulos de honrarias desta cidade-estado soberana. A intenção da biografia é desconstruir parte da percepção de que, por se tornar princesa, Kelly alcançou um sonho ideal e perfeito. Entre os difíceis dilemas que teve de enfrentar, a outrora atriz se destacou como uma mulher forte e independente, tendo uma noção diferente daquela vista pelo principado local.

    Escalada para o papel da estonteante atriz, Nicole Kidman tenta recuperar seus tempos áureos de boa atriz, já que, desde a década de 2000, com Os Outros, Moulin Rouge e As Horas, não tem obtido o mesmo sucesso e nem realizado grandes interpretações. Trata-se de um papel que requer um talento apurado, o qual a atriz possui, tanto para interpretação como para a composição mímica de uma pessoa real.

    O roteiro de Arash Amel (que tem no currículo somente outra obra, Erased, com Aaron Eckhart) segue o estilo padrão de biografias cinematográficas. O filme inicia-se com uma cena poética e uma citação da própria Grace sobre a vida de princesa e contos de fadas, abrindo sua história. Ao se mudar para Mônaco, a princesa ainda sentia-se como uma atriz de Hollywood. Hitchcock na época realizava Os Pássaros e convida a atriz para seu próximo trabalho, Marnie – Confissões de uma Ladra. O diretor é o único personagem cinematográfico a aparecer em uma breve visita ao palácio, apenas para convencer Kelly a voltar às telas para uma saída triunfal.

    Dentro do principado, com poderes adquiridos no casamento, uma possível ida da princesa a Hollywood é considerada uma afronta. Principalmente porque, na época, Mônaco sofria ataques da França que quase transformaram em guerra uma disputa de interesse relativa a impostos.

    Kelly observa este mundo como alguém que assiste a uma peça, sem saber que ela faz parte deste processo. Ao reconhecer seu status, a princesa ganha força e começa a usar seu poder para melhorar o principado com a representação de um derradeiro papel final, ajudando a promover o governo do marido. Interpretado pelo sempre bom, mas quase esquecido, Tim Roth, o Príncipe de Mônaco é um homem que carrega grandes problemas nas costas e vê na esposa uma aliada capaz de ajudá-lo. Ambos unem suas forças e, cada um em suas frontes, ajudam a reerguer Mônaco e solucionar o impasse com a França, país exportador de muitos produtos para a cidade-estado. Surge uma Grace Kelly ciente de suas obrigações e uma humanista que usa seus atributos de beleza, inteligência e sagacidade a favor deste momento difícil.

    A trama transforma o conflito como centro da narrativa para compreender quem foi Grace Kelly. Uma mulher por muito tempo dividida entre dois mundos até assumir a coroa de princesa definitivamente. Não é à toa que a história da atriz tornou-se um exemplo de conto de fadas. Nascida na Filadélfia, talvez Grace nunca imaginasse que um dia se tornaria princesa. Porém, esta imagem figurativa, provavelmente difundida em tabloides na época, é modificada nesta produção, que, mesmo focando uma interessante figura real, passou despercebida por parte do público. Olivier Dahan constrói uma princesa bem equilibrada entre a força que deve ter e a fragilidade interna cheia de incertezas. Porém, a condução somente correta da trama traça um panorama superficial demais sobre Kelly, fazendo com que o filme não tenha força suficiente para se tornar uma grande obra, mesmo com uma rica história como inspiração.

  • Crítica | Antes de Dormir

    Crítica | Antes de Dormir

    O primeiro corte de cena em Antes de Dormir remete à vermelhidão dos olhos de sua personagem principal, Christine Lucas, vivida por Nicole Kidman, uma mulher de meia-idade que sofre um mal raro, causado por um golpe acidental na cabeça. Sua memória é muito curta, dura apenas os momentos em que está acordada de dia, o que a faz duvidar de sua condição de esposa.

    Seu par, Ben Lucas – Colin Firth – é um marido devotado, que tenta a todo custo reconstruir o que deveria restar da combalida psiquê de Christine, ajudando-a a anotar fatos importantes de sua vida em um diário, reunindo em escrito o que deveria ser importante para sua vida. Nesse ínterim, Christine, que acabou de saber de sua condição, recebe o telefonema do Doutor Nash (Mark Strong), que tenta ajudá-la a se reabilitar, montando com ela um banco de memórias através de vídeos, mas sem o conhecimento do seu marido, que já num primeiro momento parece ser uma ameaça ou certa possibilidade de reter alguma lembrança.

    Rowan Joffe tem em sua filmografia uma variedade de filmes de temática ansiosa, desde o thriller de ação Extermínio 2, ao filme de espionagem O Homem Misterioso. Tal experiência tem a função de produzir os momentos de tensão máxima, elementos chave para atiçar no espectador a curiosidade para os dramas exibidos em tela. O que salta aos olhos é a vertente da ambiguidade, presente em praticamente todas as conclusões que são tiradas a partir da investigação minuciosa de uma personagem que não consegue lembrar o que fez na noite anterior.

    A repulsa ao sexo presente no comportamento de Christine é um dos indícios de que sua mente combalida realiza na tentativa de consertar seu defeito primordial, um modo de tentar não repetir as derrotas para seus agressores. A opressão faz reprimir mais que suas lembranças, mas também sua feminilidade e instinto materno, nunca inteiramente satisfeito, até o final.

    O embate físico a que a protagonista se submete é acompanhado da mais importante de suas gravações, fruto da libertação que a realidade lhe traz, ao poder abraçar a verdade que deveria regê-la de uma vez por todas. O dia seguinte ao combate começa em um hospital, onde os seus desejos finalmente têm um fim ideal, aparando as arestas que se puseram ante a existência da mulher e mãe que Nicole Kidman vive. O final, resolvido de modo agradável, destoa um bocado do resto da fita, fechando a curva descendente e óbvia do que poderia ter sido uma história bem mais transgressora. Mas seu fim não é uma decepção completa exatamente por entregar um fim de jornada justo para uma personagem que labutou o tempo inteiro.

  • Crítica | Antes de Dormir

    Crítica | Antes de Dormir

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    A memória faz parte da composição de nossa identidade. É sua função organizar e registrar os acontecimentos vividos e, mesmo que de maneira transformadora, produzir uma linha narrativa de nossa própria história. A ausência da lembrança, seja crônica ou como um sintoma passageiro, é um tema recorrente em produções cinematográficas, tanto como enfoque central, visto em Amnésia, de Christopher Nolan, quanto usado como elemento para encorpar um roteiro, casos de Como se Fosse a Primeira Vez e Como Não Esquecer Essa Garota, romances cujos personagens possuem um curto espaço de lembrança memorial, gerando um viés bem-humorado.

    Adaptado da obra de S. J. Watson, relançado pela Editora Record devido ao lançamento do filme, Antes de Dormir reúne novamente Colin Firth e Nicole Kidman como casal, repetindo a parceria do drama Uma Longa Viagem. Kidman é Christine Lucas, uma mulher que sofreu um acidente traumático e que, todos os dias, acorda sem nenhuma lembrança de seu passado. Cada despertar de sua vida é uma reconstrução de seus próprios passos. Com a ajuda de um médico psiquiatra que recentemente acompanha seu caso, a personagem tenta restaurar pontos de sua vida. À medida que avança, surge a desconfiança natural do meio que a cerca.

    Se a confiança é uma construção mútua e naturalmente lenta, a condição da personagem depende da segurança que sente ao lado do marido, quem a atualiza diariamente sobre o casamento duradouro. Trata-se de uma fé cega diante de um homem aparentemente desconhecido, que não teria motivos para mentir para sua amada. À procura de exercícios que melhorem o quadro da paciente, o Dr. Nash (Mark Strong) aconselha Christine a fazer um diário filmado, mantendo-o escondido do marido, para lembrar-se do dia anterior. Este será o elemento de intriga que apresenta histórias que a personagem desconhece.

    Trata-se de uma produção em que tudo não é o que parece. Cada dia é como o primeiro de conquista e confiança, e a trama vai desafiando cada personagem e trazendo ao público a dúvida sobre a índole dessa pessoa. Durante a exibição, o público se representa pela personagem de Kidman tentando desafiar as intrigas e desfiar o fio da verdade, se é que há somente uma. A parcialidade narrativa promove uma maior intensidade do suspense. Como o público reconhece a base da história e se atrai por ela devido à curiosidade gerada, cada momento é visto com a expectativa de uma reviravolta. O quebra-cabeça mental será revelado até o final da trama e, mesmo que siga a cartilha de suspenses atuais, a dúvida é suficiente para que o enredo se sustente sem desembocar em exageros narrativos.

    Novamente permanece a impressão de que Nicole Kidman está tentando superar uma fase ruim de sua carreira. Porém, seu parceiro parece mais consciente de sua interpretação, e exterioriza melhor tanto o olhar cândido de um marido amoroso, como a fúria de um possível inimigo. A atriz reduz sua caracterização às naturais caras de pânico e medo que, em comparação com outros personagens de suspense/terror feitos por ela, como Grace, de Os Outros, permanece aquém em gestuais com leve exagero.

    O filme, que entrega ao público o suspense esperado, é uma destas produções tradicionais que se valem do talento de seus atores centrais. No entanto, no decorrer do ano, com diversos lançamentos semelhantes, pode não se destacar entre os melhores do gênero.

  • Crítica | Uma Longa Viagem (2013)

    Crítica | Uma Longa Viagem (2013)

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    A Segunda Guerra Mundial é um dos temas mais férteis para produções cinematográficas, ainda que atualmente se lancem poucos filmes sobre o assunto em comparação com décadas passadas. Porém, há sempre espaço para mais uma narrativa sobre este momento histórico, seja como um panorama universal do período, seja através de histórias pessoais de homens que viveram sob domínio da guerra e guardam lembranças de traumas, batalhas e sentimentos.

    Uma Longa Viagem baseia-se na história real do soldado Eric Lomax (Jeremy Irvine/Colin Firth), um oficial britânico preso no fronte em Singapura e enviado a um campo de prisioneiros para trabalhar à força na construção de uma ferrovia. Hábil em eletrônica, constrói um rádio amador para ouvir notícias sobre a guerra e, ao ser descoberto, é detido e se transforma em alvo de tortura e maus tratos.

    A história começa nos dias atuais. No centro de veteranos, Lomax é um senhor conhecido pela fascinação por trens. Conhece itinerários, maquinários, e em uma destas viagens conhece Patti (Nicole Kidman), a mulher que será sua futura esposa. Após o casamento, a relação com a esposa permanece distante, em parte por seu incômodo em revelar a história de seu passado, motivo que lhe deixa apreensivo e com pesadelos diários. A trama entrecorta o presente com sua jornada de guerra.

    O soldado foi utilizado como um exemplo pelos inimigos para se manter a ordem local. Torturado diariamente, privado de alimentação e de um local adequado de sono, o jovem, e suas dores físicas e psicológicas, é acompanhado pelo público, atento em compreender o motivo da fragilidade do personagem quando adulto. Incapaz de superar este trauma, Lomax vê a estabilidade familiar e a convivência com a esposa se tornarem insustentáveis. Tentando evitar uma separação, o veterano realiza uma viagem de volta ao local onde foi preso para encontrar seus torturadores e obter alguma resposta que possa amenizar sua dor.

    A batalha de Lomax é a luta contra o passado e a incompreensão diante de fatos brutais vividos no período de guerra. Sua viagem é frutífera, e o ex-soldado encontra um homem que estava presente nas sessões de tortura, o intérprete de guerra Nagase Takashi. Defronte a seu antigo inimigo no confronto, o homem percebe que o outro também carrega fantasmas e traumas de batalha.

    A guerra vista de uma maneira abstrata e com afastamento histórico retira a percepção de que homens lutaram uns contra os outros e saíram flagelados destas lutas, muitas vezes questionando-se quanto à verdadeira intenção de uma batalha entre nações. A obra demonstra a inutilidade da guerra e faz uma ode ao perdão. Um reconhecimento difícil e catártico entre homens que, um dia, viveram em lados opostos. As cenas do encontro destes ex-soldados são bonitas e emotivas pela coragem em compreender o outro lado e absolvê-lo de erros passados.

    Colin Firth sustenta com qualidade a personagem, principalmente nos momentos emotivos. Nicole Kidman, por outro lado, parece demonstrar intenção de resgatar seu prestígio como atriz, mas sua personagem é fraca e funciona mais como um motivador para a mudança do marido do que como alguém importante na história. O romance dentro da vida de Lomax foi a justificativa maior para que ele, finalmente, compreenda as torturas que sofreu durante a guerra.

    Como a maioria das histórias, principalmente em tempos sombrios como o da Segunda Guerra, a trama apresenta elementos interessantes, demonstrando as facetas cruéis de conflitos bélicos e os traumas carregados durante boa parte da vida. Mas dentro de tantas narrativas retratando este período, a história parece uma repetição, e o drama sensível salva-se mais pela competência dos atores do que por um bom roteiro.

  • Crítica | Batman Eternamente

    Crítica | Batman Eternamente

    O sucesso de Batman e Batman – O Retorno, dirigidos por Tim Burton, não impediu o descontentamento por parte da Warner, incomodada com o resultado da bilheteria da segunda produção, aquém do esperado pelo estúdio. A fotografia escura e tradicional do diretor, além da violência em cena, foi motivo que inspirou uma nova leitura do Morcego nos cinemas, com Burton delegado à função de produtor, e Joel Schumacher, escolhido para assumir a cadeira de direção.

    Para compreender o sucesso de Batman Eternamente, devemos observar a época de seu lançamento. Em 1995, o Morcego era o único herói nas telas em um período em que não havia uma demanda cinematográfica favorável aos quadrinhos. A popularidade de Batman foi suficiente para atrair o público, mas é difícil levar a produção a sério e não imaginá-la como um diálogo explícito com a série sessentista.

    Desde a primeira cena, é notável a transformação do ambiente. As cenas são iluminadas, e há uma comicidade que anteriormente existia somente em comentários pontuais. Na cena de apresentação do herói, não há traço de verossimilhança quando, em resposta a Alfred e ao jantar, Batman informa ao mordomo que comerá em algum drive thru. Como se a personagem risse de sua própria concepção.

    Devido ao rumo diferente desta produção, Michael Keaton declinou o convite para retornar como o personagem, e coube a Val Kilmer vestir o manto, em uma interpretação que nada acrescenta ao personagem. Se Keaton apresentava um Batman/Wayne correto e um pouco inócuo, Kilmer funciona como um chamariz para o público feminino.

    O vilão Coringa, apresentado no primeiro filme e, nesta cronologia, responsável por matar os pais de Batman, não é citado. Uma nova origem é apresentada e sem confirmá-lo como assassino. Uma prova de que não só as origens dos quadrinhos são frágeis como também, conforme o desejo dos roteiristas, passam por modificações ou atualizações. Desta vez, dois novos vilões são introduzidos na trama: Duas-Caras e Charada, porém somente acompanhamos a trajetória de origem de um deles. Interpretado por Tommy Lee Jones, o promotor Harvey Dent está transformado em Duas Caras, mas sem nenhuma explicação além da inferência de que a mudança aconteceu há aproximadamente dois anos. Quem se transforma em cena é Edward Nigma, um empregado das empresas Wayne que, após uma experiência mal sucedida e rejeitada por Bruce Wayne, transmuta-se no exagerado Charada. Além dos vilões, um novo interesse amoroso surge para Wayne no papel da psiquiatra Chase Meridian (Nicole Kidman), obcecada pela figura do Cavaleiro das Trevas. O excesso no elenco piora quando entra em cena Dick Grayson, o órfão que se torna Robin, o sidekick do Morcego.

    Se já não bastasse a quantidade exagerada de personagens em cena e um roteiro que não os desenvolve ao menos de maneira satisfatória, comentários dizem que Jones e Carey não conheciam a essência de suas personagem e não procuraram leituras a respeito. Comentam que Jones foi orientado pelo diretor a seguir o estilo de Carey e seu Charada, um motivo coerente para explicar tanta afetação em dois vilões. Duas Caras parece acompanhar literalmente o estilo histriônico de Charada, e, além de mostrar uma descaracterização da figura de vilão, a dupla não parece em nenhum momento ameaçadora.

    O plano estabelecido para destruir a cidade é um recurso digno de produções antigas vindas de uma visão de mundo maniqueísta. Um sistema inserido na televisão que extrai os pensamentos da população de Gotham City. Outro aspecto em que é impossível não se recordar das estratégias de roteiro Soc! Tum! Pof! do seriado com Adam West.

    Se considerarmos o pastiche cômico e essa referência clássica, a produção pode ter certo valor como uma visão alternativa do Morcego, mas não como obra cuja intensão era se tornar sequência cinematográfica do bom ponto de partida estabelecido por Burton.

    Dentro das situações propostas, nada parece bem desenvolvido. Duas-Caras e Charada são exagerados, e a presença de Robin não chega a ser um definitivo estrago final, até porque os personagens contracenam apenas nas cenas finais. No entanto, parece um argumento precipitado. Assim como nas demais interpretações, Chris O´Donell também está exagerado e nos entrega algumas cenas que passam do limite de qualquer constrangimento ou riso.

    A direção de Schumacher é espantosamente errada. Gotham transformou-se em um cenário falso, misturado com luzes exageradas, como uma festa rave eterna. Não há frame que não contenha ao menos duas cores aberrantes em cena. Se a concepção era fazer uma Gotham diferente, acertaram em cheio, mas com exagero grotesco. Talvez a concepção da cidade fosse propositadamente abusiva nos elementos sensoriais, como um grande município. Mas nada justifica um local que não pareça em nada com uma metrópole real.

    Vista hoje, parece impossível compreender como a obra conseguiu se destacar e fazer sucesso na época, com bilheteria de 336 milhões. Triste é saber que este ainda não seria o momento mais baixo do Morcego. A seguir, veríamos uma Batgirl, mais uniformes com mamilos em relevo e um Batcard para qualquer momento de necessidade.

  • Crítica | Obsessão

    Crítica | Obsessão

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    Um pouco distante da temática que o fez ganhar notoriedade – ligada e muito à questão racial e sempre pelo olhar do negro, citando Preciosa e O Mordomo da Casa BrancaLee Daniels aborda questões de interesse público e privado, sob uma estética bastante semelhante às andanças de Jack Kerouac e aos poemas de Allen Ginsberg. O roteiro de Obsessão é baseado no livro de Pete Dexter, lançado no Brasil como Paperboy – Não Existem Homens Íntegros (compre aqui). É interessante como tanto o subtítulo do romance quanto a tradução do nome do filme expressam bastante o espírito da película, resumindo algumas das questões apresentadas no roteiro do autor e do realizador da obra.

    A imoralidade contrastava com o ambiente rural dos white trash, um lugar tradicional que remete normalmente a momentos de extremo conservadorismo. A escolha do diretor ao contar a história começando com uma filmagem documental é um enorme acerto, pois dá à película um aspecto de veracidade, o que obviamente faz toda a efervescência de insanidade presente na história fazer sentido dentro do universo proposto. A escolha do bom menino Zac Efron para interpretar Jack aumenta ainda mais o escopo de cinismo do filme, assim como a opção pela figura de musa para Nicole Kidman (Charlotte Bless), cinquentenária, decadente, entupida de botox, mas ainda assim, sensualíssima. A dupla formada por Matthew McConaughey (Ward Jansen, irmão mais velho de Jack) e David Oyeleywo (Yardley Acheman) é uma perversão do ideal mostrado em Todos os Homens do Presidente  por Hoffman e Redford obviamente levando em consideração a tensão racial e os conflitos que a interação entre ele e o mundo poderiam ocasionar.

    A câmera, por múltiplas vezes, registra os personagens de uma vista aérea, distante fisicamente deles, no intuito de se fazer notar a diferença entre o pensamento comum e a insana psiquê de cada um dos obcecados personagens. Charlotte é uma tiete de marginais; Jack tem uma séria necessidade sentimental pela senhorita Bless, fantasiando o seu status conjugal de noiva; Ward e Acheman querem chegar ao cerne do personagem investigado  o assassino encarcerado Hillary Van Wetter, interpretado por um desfigurado John Cusack. Dos insanos, ele obviamente é o pior, vide o repertório que o fez ser preso: pelos idos de 28/29 minutos de exibição, ele dá mostras de um pouco de sua insanidade pessoal, pondo em prática seus diálogos sujos que troca com Charlotte através de cartas, e consegue se sujar sem sequer tocar na mulher.

    O script é cortado por disfunções comportamentais protagonizadas por quase todos os personagens principais. O eterno desejo de Jack não se concretiza, apesar de ele desejar desfrutar das curvas de sua musa, sem se mostrar um predador sexual em momento algum. O auge do platonismo na relação, e que mais se aproxima do seu tencionado alvo, é o momento em que ele é obrigado a sofrer com uma chuva dourada dela em plena praia, em uma situação no mínimo inesperada.

    O clã Wetter, ligado a Hillary, é formado por caipiras de aspecto visual degradante, todas figuras esquisitíssimas, maltrapilhas e de aparência asquerosa ou desleixada. Uma das moças, grávida, é mostrada sem camisa ou roupa de baixo, exibindo sua barriga e partes íntimas no pântano. A possibilidade de anomalia mental parece ser algo que abrange as famílias, tanto os Wetter quanto os Jansen.

    As figuras de inspiração de Jack vão caindo diante dele, a começar por seu pai, até o seu irmão, pego em uma situação constrangedora. Quem estende a mão a ele é Charlotte, que está no lugar e momento certos para aliviar as tensões do rapaz. O caçula guarda seus sentimentos e não se entristece com o irmão, graças às suas “preferências”, mas não contém a mágoa por ele ter escondido o segredo de si.

    A fotografia de Roberto Schaefer é um primor e a câmera nervosa de Daniels consegue emular as sensações dúbias das conversas após a revelação de Ward. As relações vão ruindo na medida em que o interesse acaba, ligado, é claro, à solução do caso graças ao artigo publicado. Dali em diante, as situações tornam-se ainda mais loucas e doentias. As cenas de “amor” entre Hillary e Charlotte revezam-se entre o violento coito e flagrantes de animais no pântano. Cusack consegue fazer uma das mais demoníacas figuras do cinema atual sem precisar apelar para clichês, e sua insanidade é justificada e plausível graças a toda sua caracterização.

    Jack era um menino solitário, sem a presença do irmão que sempre trabalhou fora e com a presença da figura opressora da madrasta. Só se afeiçoaria por Anitta (Macy Gray), a doméstica negra que serviu como para-raio de sua solidão e que por muito tempo foi a única pessoa em quem confiou. No seu pensamento irreal, Charlotte era a princesa encantada, a protagonista do conto de fadas, quem ele imaginava ter uma vida perfeita. Saber que ela estava com o asqueroso psicopata o enojava, o que pioraria evidentemente após saber o destino de sua amada. Na fúria elevada pelo ciúme, Jack se mostra um macho viril, mas tal estado ilusório logo cede com a queda do irmão, sua figura de exemplo. O instinto de sobrevivência rivaliza com a aspiração assassina do facínora e este, após perder tudo, finalmente tem sua primeira vitória sobre o inimigo baseada no único comportamento que conhecia: a covardia.

    A película faz apologia ao bizarro e constitui um dos melhores exemplares de filmes que usam o homem como figura monstruosa, tecendo uma possibilidade de futuro nada otimista. O curioso é que o jovem motorista não é tão diferente da nêmese, especialmente no que envolve o nível de isolamento destes do mundo real: enquanto um volta suas atenções para a fria psicopatia sem limites, o outro torna-se um criador de histórias, provavelmente de cunho tão grotesco quanto o que foi narrado em tela.

  • Crítica | Segredos de Sangue

    Crítica | Segredos de Sangue

    stoker

    Do excelente realizador sul – coreano Chan-Wook Park (de Oldboy ) Stoker é um thriller, que mostra uma família que acabou de perder seu patriarca. A história é centrada no clã Stoker e nas relações entre India – filha do morto, encarnada muito bem por Mia Wasikowska-, a mãe – interpretada por Nicole Kidman – e pelo tio recém-chegado de viagem Charlie – Mathew Goode – que parece esconder um passado obscuro, e que basicamente tenciona seduzir as duas mulheres da família.

    O mais interessante em Stoker, é a forma como Park registra os sentimentos dos personagens. Os ângulos de câmera demonstram o isolamento de India logo no começo, dispensando qualquer argumentação textual ou fala. Os planos frios combinam com a arquitetura repleta de objetos brancos, pela casa, que por sua vez contrastam com as vestes negras de luto. Há uma abundância de cortes secos e planos aéreos, as dúvidas e reticências da protagonista são pontuadas com o tremer das filmagens. Nas vezes em que ela observa as pessoas que a desagradam, a imagem vem de baixo para cima, de uma forma inquisitiva. A lente se distancia dela em alguns momentos, principalmente quando está acompanhada de sua mãe, demonstrando seu incomodo com o convívio humano – um dos pequenos indícios do que viria.

    O roteiro sugere uma enorme quantidade de situações incestuosas e desejos sexuais reprimidos, quase sempre ligados a morbidez. Outro fator observado em alguns personagens é a obsessão por simetria, aos poucos o quadro ganha contornos reais e desenha a real intenção do filme.

    O foco nas cenas de violência é geralmente no agressor, e no prazer que ele sente em fazer aquilo, a intenção passa por demonstrar a evolução do desejo carnal em gerar dor, além é claro da erotização da violência.

    Numa das falas de Richard – o falecido pai – diz-se o seguinte: “Às vezes é preciso fazer algo ruim para não fazer algo pior!”. A frase é interpretada por sua filha e pelo espectador, como uma compensação, em que pequenos atos de maldade aplacariam e amenizariam a vontade de fazer algo cruel de verdade. A enorme quantidade de signos e pistas que permeiam o filme fazem maior sentido quando juntas no final.

    A rejeição seria a principal razão para os atos atrozes mostrados no ecrã, mas estes são registrados de forma dócil, quase sem nenhum julgamento moral. A câmera mostra que a visão de India para a maioria dos fatos que acontecem ao seu redor, são vistos de forma propositalmente parcial, ignorando pessoas ou situações e as conseqüências desses atos.

    O filme é reflexivo e toca em muitos assuntos familiares complicados e, na maioria das vezes, ignorados. A mensagem final explana que negar a própria natureza é infrutífero, pois os desejos incubados não permanecerão assim para sempre. O título nacional “Segredos de Sangue” é um spoiler gigantesco, uma lástima, pois os fatos se desenrolam de forma imprevisível e gradual, o esmero e o cuidado de Chan-Wook Park em filmar Stoker é gigantesco, não apela para clichês de filmes do gênero, ao contrário, pois só se descobre o caráter da obra juntando as pistas, e é claro, em seu final escancarado.