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  • Crítica | Antes de Dormir

    Crítica | Antes de Dormir

    O primeiro corte de cena em Antes de Dormir remete à vermelhidão dos olhos de sua personagem principal, Christine Lucas, vivida por Nicole Kidman, uma mulher de meia-idade que sofre um mal raro, causado por um golpe acidental na cabeça. Sua memória é muito curta, dura apenas os momentos em que está acordada de dia, o que a faz duvidar de sua condição de esposa.

    Seu par, Ben Lucas – Colin Firth – é um marido devotado, que tenta a todo custo reconstruir o que deveria restar da combalida psiquê de Christine, ajudando-a a anotar fatos importantes de sua vida em um diário, reunindo em escrito o que deveria ser importante para sua vida. Nesse ínterim, Christine, que acabou de saber de sua condição, recebe o telefonema do Doutor Nash (Mark Strong), que tenta ajudá-la a se reabilitar, montando com ela um banco de memórias através de vídeos, mas sem o conhecimento do seu marido, que já num primeiro momento parece ser uma ameaça ou certa possibilidade de reter alguma lembrança.

    Rowan Joffe tem em sua filmografia uma variedade de filmes de temática ansiosa, desde o thriller de ação Extermínio 2, ao filme de espionagem O Homem Misterioso. Tal experiência tem a função de produzir os momentos de tensão máxima, elementos chave para atiçar no espectador a curiosidade para os dramas exibidos em tela. O que salta aos olhos é a vertente da ambiguidade, presente em praticamente todas as conclusões que são tiradas a partir da investigação minuciosa de uma personagem que não consegue lembrar o que fez na noite anterior.

    A repulsa ao sexo presente no comportamento de Christine é um dos indícios de que sua mente combalida realiza na tentativa de consertar seu defeito primordial, um modo de tentar não repetir as derrotas para seus agressores. A opressão faz reprimir mais que suas lembranças, mas também sua feminilidade e instinto materno, nunca inteiramente satisfeito, até o final.

    O embate físico a que a protagonista se submete é acompanhado da mais importante de suas gravações, fruto da libertação que a realidade lhe traz, ao poder abraçar a verdade que deveria regê-la de uma vez por todas. O dia seguinte ao combate começa em um hospital, onde os seus desejos finalmente têm um fim ideal, aparando as arestas que se puseram ante a existência da mulher e mãe que Nicole Kidman vive. O final, resolvido de modo agradável, destoa um bocado do resto da fita, fechando a curva descendente e óbvia do que poderia ter sido uma história bem mais transgressora. Mas seu fim não é uma decepção completa exatamente por entregar um fim de jornada justo para uma personagem que labutou o tempo inteiro.

  • Crítica | Antes de Dormir

    Crítica | Antes de Dormir

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    A memória faz parte da composição de nossa identidade. É sua função organizar e registrar os acontecimentos vividos e, mesmo que de maneira transformadora, produzir uma linha narrativa de nossa própria história. A ausência da lembrança, seja crônica ou como um sintoma passageiro, é um tema recorrente em produções cinematográficas, tanto como enfoque central, visto em Amnésia, de Christopher Nolan, quanto usado como elemento para encorpar um roteiro, casos de Como se Fosse a Primeira Vez e Como Não Esquecer Essa Garota, romances cujos personagens possuem um curto espaço de lembrança memorial, gerando um viés bem-humorado.

    Adaptado da obra de S. J. Watson, relançado pela Editora Record devido ao lançamento do filme, Antes de Dormir reúne novamente Colin Firth e Nicole Kidman como casal, repetindo a parceria do drama Uma Longa Viagem. Kidman é Christine Lucas, uma mulher que sofreu um acidente traumático e que, todos os dias, acorda sem nenhuma lembrança de seu passado. Cada despertar de sua vida é uma reconstrução de seus próprios passos. Com a ajuda de um médico psiquiatra que recentemente acompanha seu caso, a personagem tenta restaurar pontos de sua vida. À medida que avança, surge a desconfiança natural do meio que a cerca.

    Se a confiança é uma construção mútua e naturalmente lenta, a condição da personagem depende da segurança que sente ao lado do marido, quem a atualiza diariamente sobre o casamento duradouro. Trata-se de uma fé cega diante de um homem aparentemente desconhecido, que não teria motivos para mentir para sua amada. À procura de exercícios que melhorem o quadro da paciente, o Dr. Nash (Mark Strong) aconselha Christine a fazer um diário filmado, mantendo-o escondido do marido, para lembrar-se do dia anterior. Este será o elemento de intriga que apresenta histórias que a personagem desconhece.

    Trata-se de uma produção em que tudo não é o que parece. Cada dia é como o primeiro de conquista e confiança, e a trama vai desafiando cada personagem e trazendo ao público a dúvida sobre a índole dessa pessoa. Durante a exibição, o público se representa pela personagem de Kidman tentando desafiar as intrigas e desfiar o fio da verdade, se é que há somente uma. A parcialidade narrativa promove uma maior intensidade do suspense. Como o público reconhece a base da história e se atrai por ela devido à curiosidade gerada, cada momento é visto com a expectativa de uma reviravolta. O quebra-cabeça mental será revelado até o final da trama e, mesmo que siga a cartilha de suspenses atuais, a dúvida é suficiente para que o enredo se sustente sem desembocar em exageros narrativos.

    Novamente permanece a impressão de que Nicole Kidman está tentando superar uma fase ruim de sua carreira. Porém, seu parceiro parece mais consciente de sua interpretação, e exterioriza melhor tanto o olhar cândido de um marido amoroso, como a fúria de um possível inimigo. A atriz reduz sua caracterização às naturais caras de pânico e medo que, em comparação com outros personagens de suspense/terror feitos por ela, como Grace, de Os Outros, permanece aquém em gestuais com leve exagero.

    O filme, que entrega ao público o suspense esperado, é uma destas produções tradicionais que se valem do talento de seus atores centrais. No entanto, no decorrer do ano, com diversos lançamentos semelhantes, pode não se destacar entre os melhores do gênero.