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  • Resenha | Batman: Duas-Caras Ataca Duas Vezes!

    Resenha | Batman: Duas-Caras Ataca Duas Vezes!

    Um herói (seja lá o que for isso, em 2021) não é nada sem seus vilões, o incômodo que o faz se mexer. Incômodo este que, na ética do Batman, não merece ser morto, apenas preso, excluído da sociedade. Em Duas-Caras Ataca Duas Vezes!, isso fica claro desde o início, com o Cavaleiro das Trevas tendo diversas oportunidades de cortar o mal pela raiz, mas ele não é o juiz da Terra, ou o Duas-Caras, para decidir quem merece viver ou morrer. Consumido por esse complexo assassino, Harvey Dent faz do mundo o seu próprio “cara ou coroa”, deixando sua moeda falar por si. Imoral e capaz de tudo por dinheiro (muito dinheiro), o louco deformado é um dos mais clássicos antagonistas do Batman, uma de suas principais pedras no sapato, e que em 1995, conquistou um conto de duas histórias paralelas, simbolizando sua total bipolaridade num par de estórias que se completam.

    Seja para roubar obras de arte de luxo, seja para sequestrar os bebês gêmeos de sua ex-esposa, o Duas-Caras não tem escrúpulos, nem medo do Batman. E não apenas porque sabe que o herói não mata, mas porque subestima o seu intelecto, sendo este o seu erro fatal e recorrente. Em duas HQ’s publicadas no Brasil pela editora Abril, vemos mais uma vez os “planos infalíveis” do ex-promotor público, transformado em monstro do crime, indo por água abaixo devido a sua ganância. Por isso mesmo, o roteirista Mike W. Barr e os ilustradores Joe Staton e Daerick Gross criam uma aventura juvenil repleta de ação e suspense para explorar as contradições desse vilão cujo maior inimigo, é ele mesmo.

    Afinal, qual a maior humilhação para esses arquétipos do mal, do que prender o herói numa armadilha espalhafatosa, e ele se soltar? Um ser inútil, e que vive para evitar os seus fracassos, falhando inclusive nisso também. Duas Caras Ataca Duas Vezes!, publicado no Brasil uma única vez pela Editora Abril no distante ano de 1995, deixa claro que, em Gotham City, o cara não passa de um aquecimento para Batman e Robin enfrentarem os seus verdadeiros desafios. Assim, as duas histórias despertam no leitor um sentimento de urgência, mas sobretudo dó sobre o vilão, incapaz de controlar seus instintos de roubo e morte, mas que no final, ainda guarda dentro de si uns farelos da humanidade e do amor que sobrou nele, embaixo de sua pele meio branca, meio corroída. Nota-se que esta edição dupla também foi uma das inspirações básicas para o personagem, em Batman: O Cavaleiro das Trevas, filme de 2008, inserindo nele uma densidade e uma obsessão doentia por julgamentos, aqui. Vale a pena conferir.

  • Crítica | As Sufragistas

    Crítica | As Sufragistas

    As Sufragistas - Poster

    Na história das civilizações, os domínios de poder sempre foram associados aos homens, fazendo da mulher um habitante de um universo paralelo, ambos unidos apenas na composição da sociedade. Diante destes papéis, a luta feminina por uma voz igualitária eclodiu em diversos momentos conforme o desejo da época: a procura de salários igualitários, presença na sociedade pelo voto e outros temas atuais comprovando a necessidade constante desta discussão.

    Dirigido por Sarah Gravon, As Sufragistas é lançado em momento oportuno aproveitando discussões em voga sobre o feminismo contemporâneo, para apresentar um movimento feminino no início do século XX, na Inglaterra, quando um grupo lutou pelos direitos de voto no Reino Unido. Focado na trabalhadora Maud Watts (Carey Mulligan), a trama apresenta o cotidiano da classe operária britânica e a pressão diária enfrentada pelas mulheres, tratadas socialmente como inferiores e cuja remuneração também era menor do que os homens no mesmo posto de trabalho. Mesmo sem formação política, diante de um cotidiano de violência, a moça assume uma postura ativa para combater tais desigualdades e passa a colaborar com o movimento sufragista, marcado por protestos a favor da mulher.

    A roteirista Abi Morgan (Shame, A Dama de Ferro) opta por uma personagem central para representar o contexto da época, tentando fugir de outros filmes históricos que apresentam grandes personagens e falham em sua execução. Porém, a trama não entrega uma personagem forte para representar este importante tema. Mesmo que se compreenda que Watts é uma mulher reprimida e se entenda suas motivações em, a princípio, não querer se envolver com o movimento, as demais personagens que surgem em cena parecem mais ricas dramaticamente, como a líder do movimento Emmeline Pankhurst, na época conhecida suficiente para aparecer pouco em público, evitando a polícia que tentava prendê-la. Ainda que esteja presente no pôster de divulgação, a personagem de Meryl Streep aparece pouco e tem somente uma cena como principal e nem mesmo forte suficiente para causar comoção. Uma participação que parece um chamariz de público – ainda mais considerando suas recentes declarações sobre feminismo e direitos iguais – e que nos deixa a impressão de que se a trama fosse focada nesta personagem histórica haveria maior intensidade narrativa.

    Com uma composição semelhante ao filme Pride, lançado ano passado, sobre os levantes trabalhistas da era Thatcher em simultâneo com a luta por direitos iguais do homossexual, a narrativa se destaca mais por abordar uma época importante do que como um bom filme a respeito. A dramatização de fatos históricos é primordial para o debate mas necessita também de apelo dramático para que se conecte com seu público além da vertente informativa. As Sufragistas funciona como obra que destaca um movimento importante da história mas não se sustenta ao representar este momento. À procura de um didatismo histórico, a trama perde fôlego e força quando deveria comover e ser um símbolo significativo de um período específico.

  • Crítica | Antes de Dormir

    Crítica | Antes de Dormir

    O primeiro corte de cena em Antes de Dormir remete à vermelhidão dos olhos de sua personagem principal, Christine Lucas, vivida por Nicole Kidman, uma mulher de meia-idade que sofre um mal raro, causado por um golpe acidental na cabeça. Sua memória é muito curta, dura apenas os momentos em que está acordada de dia, o que a faz duvidar de sua condição de esposa.

    Seu par, Ben Lucas – Colin Firth – é um marido devotado, que tenta a todo custo reconstruir o que deveria restar da combalida psiquê de Christine, ajudando-a a anotar fatos importantes de sua vida em um diário, reunindo em escrito o que deveria ser importante para sua vida. Nesse ínterim, Christine, que acabou de saber de sua condição, recebe o telefonema do Doutor Nash (Mark Strong), que tenta ajudá-la a se reabilitar, montando com ela um banco de memórias através de vídeos, mas sem o conhecimento do seu marido, que já num primeiro momento parece ser uma ameaça ou certa possibilidade de reter alguma lembrança.

    Rowan Joffe tem em sua filmografia uma variedade de filmes de temática ansiosa, desde o thriller de ação Extermínio 2, ao filme de espionagem O Homem Misterioso. Tal experiência tem a função de produzir os momentos de tensão máxima, elementos chave para atiçar no espectador a curiosidade para os dramas exibidos em tela. O que salta aos olhos é a vertente da ambiguidade, presente em praticamente todas as conclusões que são tiradas a partir da investigação minuciosa de uma personagem que não consegue lembrar o que fez na noite anterior.

    A repulsa ao sexo presente no comportamento de Christine é um dos indícios de que sua mente combalida realiza na tentativa de consertar seu defeito primordial, um modo de tentar não repetir as derrotas para seus agressores. A opressão faz reprimir mais que suas lembranças, mas também sua feminilidade e instinto materno, nunca inteiramente satisfeito, até o final.

    O embate físico a que a protagonista se submete é acompanhado da mais importante de suas gravações, fruto da libertação que a realidade lhe traz, ao poder abraçar a verdade que deveria regê-la de uma vez por todas. O dia seguinte ao combate começa em um hospital, onde os seus desejos finalmente têm um fim ideal, aparando as arestas que se puseram ante a existência da mulher e mãe que Nicole Kidman vive. O final, resolvido de modo agradável, destoa um bocado do resto da fita, fechando a curva descendente e óbvia do que poderia ter sido uma história bem mais transgressora. Mas seu fim não é uma decepção completa exatamente por entregar um fim de jornada justo para uma personagem que labutou o tempo inteiro.

  • Crítica | Antes de Dormir

    Crítica | Antes de Dormir

    Antes-de-Dormir-poster-brasileiro

    A memória faz parte da composição de nossa identidade. É sua função organizar e registrar os acontecimentos vividos e, mesmo que de maneira transformadora, produzir uma linha narrativa de nossa própria história. A ausência da lembrança, seja crônica ou como um sintoma passageiro, é um tema recorrente em produções cinematográficas, tanto como enfoque central, visto em Amnésia, de Christopher Nolan, quanto usado como elemento para encorpar um roteiro, casos de Como se Fosse a Primeira Vez e Como Não Esquecer Essa Garota, romances cujos personagens possuem um curto espaço de lembrança memorial, gerando um viés bem-humorado.

    Adaptado da obra de S. J. Watson, relançado pela Editora Record devido ao lançamento do filme, Antes de Dormir reúne novamente Colin Firth e Nicole Kidman como casal, repetindo a parceria do drama Uma Longa Viagem. Kidman é Christine Lucas, uma mulher que sofreu um acidente traumático e que, todos os dias, acorda sem nenhuma lembrança de seu passado. Cada despertar de sua vida é uma reconstrução de seus próprios passos. Com a ajuda de um médico psiquiatra que recentemente acompanha seu caso, a personagem tenta restaurar pontos de sua vida. À medida que avança, surge a desconfiança natural do meio que a cerca.

    Se a confiança é uma construção mútua e naturalmente lenta, a condição da personagem depende da segurança que sente ao lado do marido, quem a atualiza diariamente sobre o casamento duradouro. Trata-se de uma fé cega diante de um homem aparentemente desconhecido, que não teria motivos para mentir para sua amada. À procura de exercícios que melhorem o quadro da paciente, o Dr. Nash (Mark Strong) aconselha Christine a fazer um diário filmado, mantendo-o escondido do marido, para lembrar-se do dia anterior. Este será o elemento de intriga que apresenta histórias que a personagem desconhece.

    Trata-se de uma produção em que tudo não é o que parece. Cada dia é como o primeiro de conquista e confiança, e a trama vai desafiando cada personagem e trazendo ao público a dúvida sobre a índole dessa pessoa. Durante a exibição, o público se representa pela personagem de Kidman tentando desafiar as intrigas e desfiar o fio da verdade, se é que há somente uma. A parcialidade narrativa promove uma maior intensidade do suspense. Como o público reconhece a base da história e se atrai por ela devido à curiosidade gerada, cada momento é visto com a expectativa de uma reviravolta. O quebra-cabeça mental será revelado até o final da trama e, mesmo que siga a cartilha de suspenses atuais, a dúvida é suficiente para que o enredo se sustente sem desembocar em exageros narrativos.

    Novamente permanece a impressão de que Nicole Kidman está tentando superar uma fase ruim de sua carreira. Porém, seu parceiro parece mais consciente de sua interpretação, e exterioriza melhor tanto o olhar cândido de um marido amoroso, como a fúria de um possível inimigo. A atriz reduz sua caracterização às naturais caras de pânico e medo que, em comparação com outros personagens de suspense/terror feitos por ela, como Grace, de Os Outros, permanece aquém em gestuais com leve exagero.

    O filme, que entrega ao público o suspense esperado, é uma destas produções tradicionais que se valem do talento de seus atores centrais. No entanto, no decorrer do ano, com diversos lançamentos semelhantes, pode não se destacar entre os melhores do gênero.