Tag: tommy lee jones

  • Crítica | O Cliente

    Crítica | O Cliente

    Joel Schumacher, dentre os diretores de cinema, talvez tenha sido o que melhor entendeu a literatura de John Grisham – o que não é pouca coisa, já que diretores de alto calibre já haviam feito filmes baseados em seus livros, como Alan J. Pakula, Francis Ford Coppola, Robert Altman e Sidney Pollack. O Cliente começa seguindo os passos de Mark Sway (Brad Renfiro), de 11 anos, e seu irmão caçula, crianças que vivem seus dias entre brincadeiras, com um certo flerte com a delinquência juvenil, como foi em Os Garotos Perdidos.

    Esses aspectos logo se revelam um despiste, uma variação do MacGuffin que Alfred Hitchcock tanto utilizava, já que toda a inteiração entre os meninos resulta no testemunho de um suicídio que os meninos acompanham. Eles testemunham uma movimentação estranha de Jerome ‘Romey’ Clifford (Walter Olkewicz), um advogado que se entorpece com barbitúricos para dar um fim à sua vida, não sem antes contar segredos sobre a morte de um político e o envolvimento de um mafioso. Já no início a tensão é jogada num nível bastante alto, estabelecendo uma situação de perigo urgente.

    Schumacher resolve bem sua obra, estabelecendo o caráter de thriller com uma trilha sonora incidental conduzida por Howard Shore, e com temáticas interessantes o suficiente para atrair a atenção do público nos primeiros 15 minutos, algo bastante típico da literatura de Grisham, como o próprio O Cliente. Ao mesmo tempo que apresenta figuras caricatas, como a do gangster Barry ‘the Blade’ Muldano (Anthony LaPaglia), toda a estrutura de vida dos Sway é mostrada de forma pragmática, como pessoas sem dinheiro, e portanto, sem muito direito à defesa ou cuidados médicos adequados.

    Dentro do elenco, destaque para Will Patton, Mary-Louise Parker, William H. Macy, além da advogada e quase protagonista Reggie Love (Susan Sarandon), e o promotor e celebridade, Roy Foltrigg (Tommy Lee Jones). A história se desenrola de forma fluida e com uma bela construção de suspense e perigo constante de maneira gradual. Schumacher sabe exatamente quando intervir com sua câmera, dosando bem suas intervenções e a simples vazão aos escritos originais, aliás, aqui também se percebe uma atuação bastante assertiva de Jones, que faz um personagem tridimensional, bem o inverso do que seria o seu Harvey ‘Duas Caras’ Dent em Batman Eternamente. O dueto com Susan Sarandon funciona muitíssimo bem, desde sua abordagem machista inicial até o desenvolvimento da trama e a apresentação de novas camadas no texto e interpretação.

    O filme acerta o tom na parte emocional envolvendo o elenco infantil. Outro fator bem encaixado é a tentativa falaciosa de deslegitimar as vítimas por parte da promotoria, com a tentativa de tirar a guarda do rapaz por conta do passado de dependente químico da mãe, além de abrir possibilidade para leituras mais profundas, uma vez que a catatonia do garoto Rick (David Speck) pode representar a letargia da sociedade diante de cenas de violência tão fortes como as que ocorrem no dia a dia das zonas urbanas pelo mundo.

    O último terço não é tão potente quanto o começo, o modo os fatos se desenrolam soam fantasiosos demais, e a fidelidade que o diretor tem ao retratar o texto base tem seu preço. Ainda assim, O Cliente causa furor, seja pelas atuações de Sarandon, Lee Jones e Renfiro ou pelo alto grau de tensão com que é conduzido.

  • Crítica | MIB: Homens de Preto

    Crítica | MIB: Homens de Preto

    O longa de Barry Sonnenfeld começa tímido em sua exploração psicodélica, com imagens de insetos voando pelas estradas americanas, batendo no para-brisas de um carro que carrega imigrantes ilegais. O roteiro engraçadinho de Ed Solomon resumiria em seus minutos iniciais os motes do filme, a questão da vida curta e sofrida dos insetos, a tentativa de entrar ilegalmente em um lugar desejável, e a interferência governamental nisso, tudo ao som da característica trilha de Danny Elfman.

    Produzido por Steven  Spielberg – em uma época em que suas produções tinham mais a ver com sua filmografia como diretor – MIB: Homens de Preto tem sequência com uma ação de Kay, personagem de Tommy Lee Jones neuralizando seu antigo parceiro, além  de um grupo de pessoas. Paralelos a isso, James, o policial do NYPD de Will Smith se mostra atlético, correndo atrás de um alienígena (cefalopóide), à paisana.

    Smith vinha de uma popularidade monstruosa, sua série Um Maluco no Pedaço ainda era largamente reprisada, além de sua participação em Independence Day, outro filme de temática alienígena. Seu personagem seria um candidato perfeito para a vaga da Homens de Preto, embora fosse bem diferente do K dos quadrinhos, e embora também tivesse um perfil diferente de J, seu mentor.

    O filme tem uma historia simples, mas brilha muito ao introduzir seus elementos. O personagem Edgar, vivido por Vincent D’Onofrio é  muito engraçado, sobretudo quando é tomado pela figura insetóide. Ele tem personalidade e conversa muito bem com o montante de figurantes que assassina. Os outros coadjuvantes também são divertidos, Linda Fiorentino faz a legista Laurel Weaver e passa muito mais ao público do que apenas o conceito de colírio aos olhos masculinos, assim como Rip Torn funciona bem como o chefe bufão que Zed é, aliás a escolha por mostrar Zed foi muito acertada, em detrimento do mistério de quem ele é nas HQs de Lowell Cunningham, e isso só funciona bem graças ao fato de Torn cair como uma luva aqui, exalando leveza e carisma.

    Toda a questão do recrutamento de J é muito bem orquestrada, e ela não demora muito a ocorrer. O ritmo do filme tem muitas semelhanças com outra adaptação de quadrinhos dos anos 90, o Maskara, consegue ser direto e sem enrolações, ao contrário dos filmes recentes de Marvel e DC. Pelo vidro dupla face, Kay observa seu pupilo, que é engraçado, espirituoso, inadequado e que arrasta a mesa de centro, interrompendo o silêncio. É por ser diferente que ele é selecionado, é preciso sangue novo e diferenciado.

    Sonnenfeld capta bem o clima da cidade cosmopolita, com muitas imagens panorâmicas de Nova York, é curioso como ele é bem local mesmo em uma historia que abre possibilidades  de muitos universos conviverem ali. O panorama político também é bem inteligente, ter de lidar com incidentes envolvendo membros da nobreza, ou com partos de refugiados é uma boa alternativa, mesmo que tenha um cunho humorístico nessa abordagem. Os bonecos mecatrônicos são excelentes, sobretudo o do bebê lula, assim como as excreções que solta. Há muita textura nas figuras aliens.

    Smith faz muito uso de humor físico, reclama da comida e bebida que recebe, finge rir de piadas mal encaixadas, zoa o físico de outros personagens. Isso faz com que a sua comicidade soe um bocado infantil, o que não é exatamente um equívoco, já que o MIB tenta ser um objeto universal. A melhor das piadas bobas que ele profere certamente são as novas memórias personalizadas que ele passa a dar para os neuralizados. Contra o seu personagem, reza também uma piada sobre tamanho peniano, vista na bronca que J tem com o fato de sua arma ser minúscula, mesmo tem um tiro estrondoso e um coice, a graça obviamente

    É simbólico como entre todos os vilões extra terrestres para os Homens de Preto enfrentar foi escolhido uma barata gigante, que representa um animal pequeno, nojento que causa muito asco nos humanos, um ser rastejante, que na Terra vive em lugares imundos, no lixo, e que reflete essa condição sendo um ser com complexo de inferioridade severo, além do que, mesmo sendo mutilado, ele ainda não está fora de combate, como a maioria dos insetos terráqueos são.

    Legal que, na despedida emocional entre os parceiros, Jay e Kay conseguem dar uma pausa, tomar um banho, para não ocorrer a ultima conversa entre eles sujos dos restos mortais de seu opositor (nem mesmo a personagem de Linda Fiorentino está limpa), e tal “erro” é obviamente bem aceito, uma vez que registra uma sequência bem emotiva, que mesmo apelando um pouco para pieguice, funciona como uma bela despedida, que obviamente seria contrariada pelas continuações, que não funcionam tão bem quanto este, mesmo com o retorno do diretor. Mib – Homens de Preto varia bem entre os gêneros comédia e aventura, transitando bem e brincando com os clichês da ufologia e paranoia com muita leveza e sem levar a humanidade tão a sério.

    Facebook – Página e Grupo | TwitterInstagram | Spotify.
  • Crítica | Ad Astra: Rumo às Estrelas

    Crítica | Ad Astra: Rumo às Estrelas

    Recentemente começou ocorrer uma espécie de culto ao redor da figura do diretor James Gray, cineasta cuja filmografia ainda curta – lançou ao todo seis longas – inclui filmes de qualidade duvidosa e outras obras bastante elogiosas. A expectativa em relação ao seu novo produto, Ad Astra: Rumo às Estrelas era muito grande, não só por conta do diretor, mas por ser protagonizado por Brad Pitt, que vive o astronauta famoso Roy McBride, e também por se tratar de uma ficção científica intimista, que já foi prontamente comparada com 2001: Uma Odisséia no Espaço de Stanley Kubrick, assim como foram os recentes Interestelar, A Chegada e Gravidade, filmes esses bem diferentes entre si e desse também.

    A abordagem que Gray e Ethan Gross conta com uma historia pessoal. O trabalho de Roy envolve engenharia espacial e já no começo há uma contemplação a solidão e ao estado de espírito de egocentrismo em contraponto a ideia de legado. O pai do protagonista foi um herói da exploração espacial, e isso encontrou eco nele, e o ajudou a escolher seu ofício. O espaço vazio ajuda o personagem a refletir, e já na gênese do filme há elucubrações e um abraço a melancolia e ao egocentrismo. Roy vive a sombra do seu pai, Clifford, mas vive também sem saber qual é sua real identidade.

    A preocupação do personagem de Pitt envolve a necessidade por opiniões de terceiros além de uma grande carência, um desejo de aprovação sui generis, provavelmente graças a ausência do seu pai. Ele é inseguro, isolado e se vê  tendo um golpe de sorte quando ocorre uma catástrofe em que sobrevive. A cena em que isso ocorre é bem bonita, remete a um ângulo idêntico a vista de uma escada de piscina observada pela parte de baixo, lembrando assim um dos receios típicos das  crianças. O drama do personagem vai sempre na direção de um homem que não teve as bases de uma família presente.

    McBride parece anestesiado o tempo inteiro, mesmo quando ouve sobre seu pai, Clifford, ele parece não acreditar nas palavras que são ditas. O Projeto Lima, que buscaria vida extra-terrestre e que foi encabeçado pelo seu parente parece ter sido realmente um evento ousado, e que – novamente aparentemente – está  interferindo nos interesses da Companhia Spacecom, a empregadora dos dois astronautas. É incrível como conceitos complexos, como a exploração capitalista do espaço e o planeta estar em colapso são apresentadas de modo lento e tão natural quanto são aqui, não há estranhamento mesmo que estas idéias sejam tão distantes da realidade tangente.

    Tommy Lee Jones vive um Clifford que varia entre o arquétipo de mentor e herói muito facilmente, e mais a frente do filme, ele veste outras máscaras diferentes das que normalmente apresenta nas obras pelas quais ficou famoso. Fora ele e Pitt, as atuações não são muito dignas de nota, o que prevalece é o cenário diferenciado e a situação de descoberta dos medos e traumas da família McBride. Apesar de não verbalizar sequer nas avaliações psicológicas, Roy teme repetir os dissabores de seu pai, e seu ciclo de vida e trabalho realmente encontra ecos demais com os da geração anterior.

    A narração do personagem central  é intrusiva as vezes, mas ajuda a provocar no espectador uma situação de incomodo, já que suas falas são para os registros médicos, e o próprio engenheiro se incomoda com toda essa burocracia. Há signos de pura estranheza no desenrolar da viagem espacial da nave Cepheus, como apelo a selvageria primata, um não estranhamento das pessoas quando as vidas são ceifadas. O consumismo que fez o homem ascender  ao espaço aparentemente anestesiou a humanidade como um todo, não permitindo que eles sintam as emoções básicas, desse modo, Roy talvez não seja tão estranho, ele só transparece mais seus incômodos.

    O lento desenrolar das sub-tramas revela um espelho de egoísmo e uma paranoia enorme, abrindo a possibilidade de que a paranoia seja o norte de quem tem poder. Há referencias claras a Apocalipse Now de Francis Ford Coppolla, em especial por mostrar personagens que deveriam ser fortes, como frágeis, desesperados e acovardados. O estágio mental deteriorado graças a solidão forçada põe em cheque até os momentos finais, variando entre um desfecho melancólico depressivo real ou apenas uma fantasia de alguém que tem receio em ter fracassado. Os paralelos com mitos bíblicos que sofreram com maldições hereditárias compõe um quadro bem poético para Ad Astra, especialmente quando relaciona o destino do homem das estrelas com a figura de Cristo e a do herói falido, que não quer levar a cruz adiante.

    Facebook – Página e Grupo | TwitterInstagram | Spotify.

  • Crítica | Assassino a Preço Fixo 2: A Ressurreição

    Crítica | Assassino a Preço Fixo 2: A Ressurreição

    mv5bmjywodexnzuwmv5bml5banbnxkftztgwntgwnjuyote-_v1_uy1200_cr9006301200_al_

    Jason Statham precisa de um novo agente. O ator tem feito uma série de escolhas equivocadas e tem atuado em alguns filmes bem abaixo da crítica, salvo as exceções de Velozes e Furiosos 7 (e agora o oitavo) e a estrelada cinessérie Os Mercenários. Há que se ressaltar também, o processo de Stevenseagalnização que ele vem sofrendo. Seus papéis são exatamente os mesmos, chegando ao cúmulo de os personagens terem backgrounds praticamente iguais. Entretanto, o Statham chegou ao pior momento de sua carreira com esse Assassino a Preço Fixo 2: A Ressurreição, fraquíssimo filme que pode facilmente ser considerado como o pior da carreira do outrora esperança dos filmes de brucutu.

    Nesse equivocado filme que é a sequência de um remake (!) de um filme cult estrelado por Charles Bronson, Jason Statham retorna ao papel de Arthur Bishop, que após os eventos do primeiro filme se aposentou, mudou de identidade e foi morar no Rio de Janeiro. Após ser abordado por uma mulher que deseja requisitar seus antigos préstimos, Bishop foge, muda novamente de identidade e vai morar em uma ilha paradisíaca da Tailândia. Porém, ao salvar uma bela donzela em perigo interpretada por Jessica Alba, Arthur acaba tragado novamente para seu antigo estilo, pois logo depois a moça acaba sequestrada por um antigo conhecido que deseja que ele cometa três assassinatos da maneira como o consagrou no submundo: fazendo parecer um acidente. A partir daí, Bishop parte ao redor do mundo para cumprir as missões e salvar sua amada.

    Parece uma trama intrincada, né? Só parece. O roteiro idealizado por Phillip Shelby e Tony Mosher é pedestre e não tem a menor coerência. Se ao menos soubesse utilizar os clichês dos filmes de ação, alguma coisa poderia ser elogiada no argumento. Entretanto, os clichês se amontoam no caminho e fazem o filme ruir com poucos minutos de projeção. Os personagens são mal construídos e suas motivações, quando possuem, são sofríveis. Pra piorar, a natureza episódica do roteiro não ajuda em nada, fazendo-o parecer bem mais forçado do que já é. A direção do diretor Dennis Gansel (de A Onda) é frouxa e genérica. Somada com a fraca direção de fotografia de Daniel Gottschalk, o diretor filma sequências péssimas de luta, com um aspecto semi-amador. Nota-se em vários momentos que os dublês fazem até pose pra esperar os golpes de Jason Statham. Gansel só consegue uma sequência minimamente interessante, que é a do assassinato/acidente na piscina do arranha-céu. Porém, não há uma atmosfera de suspense para a execução do intrincado plano do protagonista, o que diminui seu impacto. Uma sequência merece um destaque negativo especial: a abertura no Rio de Janeiro. A tentativa frustrada de emular os filmes de 007 já deixa clara a bomba que vem a seguir.  Só que nem como comédia involuntária o filme serve.

    Jason Statham está especialmente sofrível nesse filme. O ator parece desanimado em cena, como se estivesse ciente da roubada em que entrou, já que além do filme ruim, seu personagem é uma espécie de MacGyver sem charme (e careca) que usa armas. Seu trabalho aqui é digno de nota zero. Jessica Alba, que já é limitadíssima, também não ajuda nada e aqui desfila toda sua falta de talento. Agora, eu ainda estou tentando entender por que demônios Tommy Lee Jones resolveu fazer esse filme. Seu personagem é péssimo e mesmo em piloto automático o ator consegue imprimir um pouquinho de charme a ele. Pena que ele tem pouco de tempo de tela. Sam Hazeldine, que interpreta o vilão é tão sem graça que só consegue despertar indiferença. Michelle Yeoh, estrela de O Tigre e O Dragão, não faz nada digno de menção.

    Enfim, Assassino a Preço Fixo 2: A Ressurreição é tão bom quanto as cenas de Statham falando português no início do filme (ironia mode on). Vamos torcer que a partir daqui, o brucutu inglês passe a escolher melhor os seus papéis e volte a fazer os filmes divertidos de outrora.

    https://www.youtube.com/watch?v=0L1_vNIRwUo

  • Crítica | Jason Bourne

    Crítica | Jason Bourne

    Jason Bourne - poster

    Jason Bourne é o quarto filme da franquia de super espionagem desenvolvida a partir do romance de Robert Ludlum – quinto, se contar o atropelo equivocado de O Legado Bourne de Toni Gilroy, sequência sem o astro da franquia. Este novo longa metragem era repleto de expectativas, uma vez que marcava o retorno de Matt Damon ao papel título junto ao diretor Paul Greengrass e por mais que não tenha uma trama tão envolvente quanto os dois últimos episódios, ainda tem muito a dizer tanto em trama quanto em direção.

    O paradeiro dos personagens antigos é desconhecido no começo. O pouco que se mostra é Bourne vivendo longe do sistema, à margem do mundo civilizado. Esse é primeiro filme sem o argumento de Gilroy, cabendo ao diretor e a Christopher Rouse (de parcerias com Greengrass em Vôo United 93, Zona Verde e Capitão Phillips) desenvolverem essa nova trama, além de atualizá-la, uma vez que não havia mais material canônico de Robert Ludlum para se basear.

    A história se passa dez anos após os eventos de Ultimato Bourne e possui pouca novidade em relação a trama. O que movimenta a nova aventura do espião de passado misterioso é sua aparição pública após tanto tempo anônimo. Fato que incomoda os mandatários da CIA, especialmente Robert Dewey (Tommy Lee Jones), que tinha um contato íntimo com o pai de David Webb – nome civil de Jason – e a ambiciosa Heather Lee (Alicia Vikander), que ganha espaço com o decorrer da trama de uma forma um pouco forçada.

    As ideias defendidas pelo roteiro fazem a qualidade geral do filme decair um bocado, especialmente nas questões chave da exploração do passado do herói. Já se havia estabelecido uma aceitação do próprio ethos do assassino frio e o motivo de seu auto exílio funcionava com perfeição. O ponto positivo de todo esse imbróglio é a constatação que o destino, ao menos no que tange o personagem, é inexorável, mostrando que a violência é algo íntimo e inevitável dentro de sua existência.

    Se  o texto não consegue corresponder a qualidade ímpar dos filmes anteriores, o modo de captura de imagem de Greengrass segue bastante afiado e inspirado. As cenas de ação são absurdamente bem construídas e mesmo quando exageram na suspensão de descrença, especialmente nas questões pessoais e perseguições envolvendo o personagem de Vincent Cassell, funcionam muito bem, principalmente em um momento de tirar o fôlego próximo ao final.

    Jason Bourne consegue reunir a maioria dos bons elementos da franquia, evocando a paranoia dos Estados Unidos pós Guerra ao Terror de maneira atual e bastante franca, a despeito até de seus próprios defeitos devido a um roteiro não tão intrincado como das produções anteriores.

  • Crítica | Mente Criminosa

    Crítica | Mente Criminosa

    Mente Criminosa - poster

    Se existe algo corriqueiro no cinema de ação é o exagero. Explosões, planos de dominação mundial, perseguições, entre outras distrações que, combinadas, nos enchem os olhos e, algumas vezes, até nos fazem perdoar as imperfeições e deficiências de alguns longas. É exatamente este o problema de Mente Criminosa, do diretor israelense Ariel Vromen. Aqui, o exagero é elevado à enésima potência, causando um desconforto quase que imediato ao espectador em sua primeira metade de exibição.

    Bill Pope, interpretado por um apagado Ryan Reynolds, é um agente da CIA que foi assassinado ao tentar desmantelar um plano de destruição que, segundo a trama sugere, teria consequências globais – temos aqui o primeiro clichê. Na tentativa de dar prosseguimento ao trabalho de Bill, a CIA convoca um cientista vivido por Tommy Lee Jones para realizar um transplante da mente e de suas emoções para um prisioneiro de sanidade mental comprometida (Kevin Costner). Forma-se assim uma história que ganha tons surreais com as oscilações de personalidade de Jericho, personagem de Costner, que se divide entre a vingança àqueles que lhe impuseram esta nova condição e a predestinação em ser o herói, herança deixada por Bill.

    Se a deficiência do roteiro está clara, a direção do filme não fica atrás. Vromen tinha um time e tanto de atores à sua disposição e não conseguiu extrair deles atuações capazes de salvar o longa. Gal Gadot, que aqui interpreta a esposa do policial assassinado Bill, é um dos poucos acertos do elenco. Aliás, a moça que foi uma das poucas unanimidades positivas em Batman Vs Superman – A Origem da Justiça mostrou neste filme que não precisa de um escudo para ser notada. Gary Oldman, que completa o elenco, empresta um pouco de sua credibilidade ao filme. Em suas aparições, surge até mesmo a sensação de estarmos assistindo a outra fita, tamanha a desproporção das atuações.

    Com roteiro irregular, direção confusa e atuações destoantes, Mente Criminosa não consegue ser sério quando precisa. Justamente por isso acaba por se tornar uma experiência cansativa e suas quase duas horas de exibição são sentidas pesadamente. Faltam elementos que gerem empatia com os personagens e facilitem a digestão do texto. Não é nem de longe um dos piores exemplares do gênero, mas certamente não será lembrado com carinho nas carreiras dos envolvidos no projeto.

    Texto de autoria Marlon Eduardo Faria.

  • Crítica | Cowboys do Espaço

    Crítica | Cowboys do Espaço

    cowboys do espaço - posterbr

    Um filme dirigido por Clint Eastwood e com o nome de Cowboys do Espaço poderia ser facilmente confundido com um bang bang espacial. Afinal, o ator/diretor é um dos maiores ícones do gênero de faroeste. Porém, temos aqui uma aventura espacial bem pé no chão, com fortes bases nas relações interpessoais do excepcional elenco principal.

    Na trama, Clint interpreta Frank Corvin, um veterano piloto de testes que estaria na primeira missão tripulada ao espaço, mas foi descartado junto com a sua equipe faltando pouco para a missão acontecer. Devido a um problema com um satélite, Corvin é chamado de volta pela NASA para resolver a situação, uma vez que é o único com o conhecimento necessário para a tarefa. Aproveitando-se da situação, Corvin exige que a equipe Dédalus – composta por seus três antigos companheiros interpretados por Tommy Lee Jones, James Garner e Donald Sutherland – seja reunida para que possam finalmente cumprir a missão de ir ao espaço, tal e qual deveriam ter ido no ano de 1958.

    Clint demonstra a habitual competência na direção, conduzindo bem o roteiro idealizado por Ken Kaufman e Howard Klausner. Inicialmente simples, a trama vai se desdobrando aos poucos de forma bastante natural à medida que o filme vai acontecendo, com algumas boas surpresas sendo apresentadas. O filme não se arrisca muito, segue uma estrutura bem tradicional, mas isso não pode ser considerado um defeito. Talvez essa estrutura tradicional, sem grandes inventividades, faça com que o filme seja tão divertido como é. Os diálogos são um caso à parte, uma vez que são bastante naturais, o que passa bastante credibilidade sobre a longa relação entre os personagens na tela. Porém, quando um personagem apresenta um grave problema durante o filme, a trama acaba recorrendo a uma solução final que, embora seja bem adequada e dotada de uma certa poesia – gerando uma maravilhosa imagem final para a película -, é notadamente um clichê, tornando tudo isso bastante previsível.

    O elenco é espetacular. O quarteto de protagonistas composto por Clint Eastwood, Tommy Lee Jones, James Garner e Donald Sutherland entrega atuações inspiradíssimas e realmente denotando que os personagens são conhecidos de longa data. Os diálogos são bem orgânicos e as interações muito naturais. Sutherland rouba algumas cenas com o seu personagem mulherengo que ainda se sente o galã de outrora. O elenco de apoio também é excelente, com William Devane (o diretor de vôo) e James Cromwell (o diretor de projetos escroque responsável pela ruína da missão Dédalus original se destacando como sempre, e Marcia Gay Harden, a médica que se torna interesse amoroso de Tommy Lee Jones, que, como sempre, está muito bem em cena.

    Com boas doses de humor, ótimos diálogos, um roteiro interessante e um elenco excepcional, Cowboys do Espaço se mostra como um dos bons exemplares da carreira de Clint Eastwood como diretor.

  • Crítica | Dívida de Honra

    Crítica | Dívida de Honra

    Divida de Honra 1

    O revisionismo é um artifício comum no cenário cinematográfico, uma vez que os temas tendem a se esgotar dentro dos formatos e categorias de gênero. Dívida de Honra é acima de tudo uma reinvenção, tanto da carreira de seu diretor Tommy Lee Jones, com poucas realizações, apesar de ser um veterano com quase 50 anos de sétima arte, quanto na escolha e construção do ethos de seus protagonistas.

    Marie Bee Cuddy (Hilary Swank) é uma mulher resignada, cuja existência é pautada essencialmente emsua origem do Nebraska, fazendo dela uma pária em meio a um conservador e recrudescente Texas, que se torna ainda mais conservador e assustador para uma mulher sem marido. A pequena comunidade, composta por menos de uma dezena de chefes de família, se preocupa com sua subsistência, ante a escassez de bens básicos, inclusive alimentos, que rareavam graças à intensa seca, agravada pela permanência de três damas com problemas que as impedem de viver plenamente. Cuddy se oferece para uma jornada em busca de mantimentos em outras paragens, já que os poucos homens que restam na aldeia recusam o chamado aventuresco.

    Jones é o autêntico filho de sua terra: seu cinema quase sempre abarca o estado em que nasceu, como foi com Três Enterros e Os Bons e Velhos Companheiros, e com o remake ainda em pré-produção The Cowboys. Ainda assim, Dívida de Honra promete reavivar a chama de Era Uma Vez no Oeste – com uma Claudia Cardinale que se vale mais da força bruta do que de seu corpo voluptuoso –, além de apresentar um forte código ético, capaz de produzir mudanças em seres decadentes, como é o caso de George Briggs, um maltrapilho condenado à morte e à própria sorte, quase enforcado em árvores de galhos secos, no meio do nada.

    O personagem de Tommy Lee Jones é um anti-herói, mesclado ao arquétipo de herói falido. Sua honra é tão baixa que a submissão a um desígnio com poucas chances de dar certo não é sequer discutida. A repaginação de persona chega a ter uma comicidade, com a reversão da figura de homem forte, pondo toda a sua história como ator em pauta. Logo, Cuddy enxerga na fuga das três mulheres a melhor possibilidade para elas e para a aldeia, decidindo então cruzar o país entre os gemidos de suas comadres e o crescente temor de tornar-se semelhante a elas.

    A jornada segue invertendo as figuras de temor, substituindo a figura de fragilidade e inimizade dos índios nativos americanos, transformando-os em figuras ameaçadoras, diante da carência de chumbo, para revidar possíveis ataques. Mas o fôlego do filme se perde após a primeira hora de exibição, apesar do bom começo. A metade final reforça a carência e destempero da personagem principal, que em hora alguma se prova forte ou minimamente interessante, o que obviamente dificulta qualquer sentimento empático, facilitando a mudança de foco que ocorre na parte final da película.

    O forçado enlace entre a dupla de personagens centrais ocorre de modo tão engessado e robótico quanto a interação lasciva entre eles. A despeito da bela fotografia, direção de arte e de algumas boas cenas, especialmente as que retratam a desforra do homem forçadamente desonrado, quase não há momentos em que o espectador sinta-se compelido a importar-se com a história, mesmo contando as reviravoltas do roteiro que, em suma, revelam a necessidade de Jones de tornar-se protagonista da história que conta.

    O agridoce epílogo repete a vã tentativa de salvar Dívida de Honra da banalidade, mostrando o personagem sem passado, cuja única certeza é o fato de ter cometido um crime, tentando festejar e achar algum alento à sua miserável existência, que só teve algum momento de honradez ao final de sua jornada. O esforço não salvaguarda nada, nem faz a qualidade da fita subir. A dificuldade de Tommy Lee Jones em imprimir um ritmo interessante ao seu filme agrava o conceito em relação a sua direção, fazendo com que se pareça inapto no ofício, já que nem o interesse por parte dos fãs de western ele parece ter conquistado.

  • Filmografia Comentada: Os Irmãos Coen – Parte 2

    Filmografia Comentada: Os Irmãos Coen – Parte 2

    De Gosto de Sangue a Inside Llewyn Davis, uma análise geral e não-datada sobre as diretrizes da obra de Joel e Ethan Coen. Da parceria primordial com Sam Raimi a dois lugares cativos nas expectativas de crítica e público, feito mais que raro, senão raríssimo. Suas obras são trabalhadas com mãos de pelica juntamente a todas as possibilidades do cinema, em seu estado humilde, para apostar em temas ricos, intentando criar algo inédito, como que com o ímpeto de um fracassado que aposta tudo na única chance de sua vida.

    A moral e a força dessas obras vêm em forma de lenta infiltração atrás da parede da sala, apesar da rápida duração, geralmente, das mesmas. Em um punhado de entrevistas dedicadas a dissecar o que está por trás dos estímulos da filmografia vigente, os cineastas não cedem a surtos didáticos sobre seu caminho no cinema, carregado de marcos em dobro.

    O Homem que Não Estava Lá(2001)

    O expressionismo alemão que não se mostra herdeiro das consequências do passado, mas de uma irrevogável essência dúbia e ambígua da composição do mundo surreal desses realizadores, corajosos por experimentar de tudo, um pouco; formados na fórmula de como se sustentar na corda bamba da criatividade. As sombras do interior de um homem expostas nas calçadas no contra plongée de um enquadramento, na possibilidade do filme ser mudo, sem carência de pantomima, na caricatura de uma história contida, prestes a explodir a qualquer segundo como um dínamo desconfiado. Até onde pode se estender a luz nas sombras do mero ser, quiçá os domínios da técnica numa produção com coração e possibilidade de submersão, além do visual. O Homem Que Não Estava Lá é um convite para o espectador ter a responsabilidade de sentir a história separadamente ao belíssimo arranjo e aquisição do fotógrafo Roger Deakins, o oposto do que as produções bilionárias de Hollywood tentam evocar. É como se os irmãos, através de cada frame e close facial do ator Billy Bob Thornton, levassem o público pelas mãos por um campo já arado, esperando uma semeadura de consciência para algo poder ser colhido dali. É claro que o potencial poético do filme não é de todo renegado, mas desde que a estrutura dialoga em primeira e terceira pessoa, o que é unilateral nos filmes de Joel e Ethan não tem vez.

    O Amor Custa Caro (2003)

    Crises existenciais sempre foram inerentes aos Coen, e aqui, em plena era da infinitamente atrasada igualdade entre os sexos, eles homogeneízam em uma inusitada paleta de cores quentes o que há de bom e ruim no interior humano, na fronteira entre o distinguível e as miragens da neblina moral, no caso, existencial. A ênfase às contradições, revogáveis vistas do lado de fora, da natureza do homem e da mulher são colocadas no microscópio conhecido por Cinema, imagens e sons novamente sob o prisma da interpretação variável. A começar por ser boêmio e não menos que simbólico, há alguns “novamentes” aqui, seja a repetida parceria com Thornton e Clooney ou o raro esforço por não serem tão óbvios no tratamento de um contexto pré-montado, há mais no sorriso de George Clooney e no vermelho de Catherine Zeta-Jones do que sonha nossa vã filosofia. Como nós aceitamos ser guiados por dois seres desprezíveis é cortesia nossa, só nossa, nascida do simples ímpeto de se envolver com uma boa história, humilde sem demais alegorias no fluxo de ideias velhas bem retocadas, num cenário de roupagens e vocabulários requentados; poucos podem ser culpados por tentar a nobre arte da revitalização clássica.

    Matadores de Velhinha (2004)

    O humor universal é o que há de mais caro no gênero. Tudo se assemelha em âmbito cultural e de repente a satisfação se esvai em prol da sede pelo original. Quase não há espaço para a inovação nessa questão, a menos que essa seja obtida por legítimos punhos de aço; um empurrãozinho da sorte, aliás, não faz mal a ninguém. Só nos resta ser o gato à margem da ponte, na cena derradeira de Matadores de Velhinha, filme que se recusa a ir ou a voltar no espaço-tempo: Vaga nesta filmografia como um espectro do que ficou na vontade, e do que os Coen poderiam ter sido na pior instância. O maior risco intelectual dos Coen se concretizou em escorregão, convertido aqui em plena irresponsabilidade no material final: É lugar comum, é a espreguiçada que se dá ao acordar no domingo de manhã. Equívoco que todo cineasta merece e faz bem de cometer para se mostrar hábil o bastante de espantar o pó e seguir de cabeça erguida adiante.

    Onde os Fracos Não Têm Vez (2007)

    E seguiram. Quando um(a) artista, no sentido amplo do termo, chega no auge do exercício almejado com unhas e dentes, ele(a) retorna talvez injustamente ao ponto de partida, pois sente que foi naquele ponto onde sua autenticidade falou mais alto, gritou e berrou ao mundo. Onde os Fracos Não Têm Vez é uma constatação rara que não tem espaço para nada mais do que a maturidade absoluta no ofício do realizador, este que arrisca toda a reputação até aqui conquistada para fazer o que é preciso dentro e fora da conjetura que se equilibra para não arredar o pé, com ou sem esforço. Tipo de peça que toda filmografia deve ter, é o currículo dos Coen falando lado a lado com a história árida e que casa mais que perfeitamente com os fundamentos dos irmãos, na hora certa e com o material certo. Estimulante a qualquer profissional da área, nota-se que, através dos paradoxos psicológicos e do desenvolvimento harmonioso do mosaico de sensações a ser desembrulhado, conforme a projeção se encarrega do próprio desfecho, a adaptação de McCarthy é a mais notável evolução moral desta dupla de mentes. Sua maior proeza extraestrutural é ser denso enquanto flexível, aberto a todo o tipo de interpretação a quem acompanha o cão (Tommy Lee Jones) perseguir o gato (Javier Bardem), que persegue o rato (Josh Brolin) e rata (Kelly Macdonald). De câmera intimista num mundo desesperado por lógica, intenções se desenham em terreno abstrato diante dos olhos; um manifesto imprevisível e amargo contra a violência e a favor do que pode ser ridículo nela. Os irmãos aqui assumem a figura de dois palhaços tristes que sempre nos fizeram rir com signos derivados de tiros a queima roupa e sangue sobre carne, se posicionando desta vez na lateral oposta do mesmo, sem máscaras ou maquiagem, acerca de uma modernidade ainda deficiente de humanidade. Se eles não conseguiram ser pretensiosos aqui na abordagem, por mais ativa que seja, eles certamente não mais poderão ser, pois sem o habitual humor negro, qualquer um morreria sufocado assistindo Onde os Fracos Não Têm Vez.

    Queime Depois de Ler (2008)

    Do veterano roteirista Marshall Brickman: “A mensagem do filme não pode estar no diálogo”, e para quem não tem ideia de onde mais poderia estar, os filmes desses instáveis irmãos chegam a ser uma boa resposta. Infelizmente, sendo uma resposta reflexiva para alguns, fato é que Queime Depois de Ler, dotado de um elenco estelar, faz parte do que já pode ser analisado como a segunda fase dos Coen: A fase que eles não precisam mais provar nada a ninguém, quando o motor do carro para de ranger após subir a colina e chegar ao topo do planalto. É possível descansar nessa hora, esticar as pernas e deixar rolar tudo o que o desejo assim apontar. Instáveis, porém incansáveis, o céu não é o limite para quem anda com a cabeça nas nuvens, e à medida que a câmera desce na abertura do décimo quarto filme da dupla rumo ao foco no teto de uma instalação governamental em Washington, Estados Unidos, é como se o tempo tivesse parado e aquelas comédias, dos tempos de Arizona Nunca Mais, nunca tivessem saído do lugar para alçar voos mais altos. Premissa claramente iniciada do zero, um filme interessante de corroer as bases, morder os princípios ao longo da projeção, por lá estar contido um punhado de estruturas submersas, à tona aos poucos: Um strip-tease ofertado pelas toneladas de relações humanas trágicas apresentadas, terrivelmente familiares para muitos de nós, e em constante impacto quase cármico. Um círculo social de diálogos subversivos vindos de condições, apenas e, sobretudo, masoquistas por excelência. A obra é o picolé de limão mais ácido no dia de verão mais quente, conquistando quem vive a vida real e acha graça nos imprevistos irresistíveis e contínuos. Como Cartola já cantou: “Rir, pra não chorar”. É a vida.

    Um Homem Sério (2009)

    Uma rara metalinguagem não-admitida. Por mais abstratas que sejam suas cognições, Um Homem Sério é um antifilme onde os Coen brincam de ser Deus e se fazem ilegíveis, portanto. O excesso de subjetividade é totalmente proposital, e entre fenômenos naturais improváveis e a lógica matemática que também não chega a lugar nenhum, os irmãos assumem a ironia de o cineasta ser capaz de criar seus mundos, mantê-los e destruí-los quando e como bem quiser, seja através de um divórcio ou de um furacão geológico. Indo além do masoquismo e sendo tão imparcial quanto as constelações nos são, Um Homem Sério não parte mais do pressuposto artístico de investigar os mistérios da vida, mas passa a aceitá-los sem a pretensão de entendê-los, como sugere um personagem em devido momento quando a força do que vem a ser dispensável pontua qualquer julgamento, cético ou não, agnóstico ou não, quanto a confusão que é provável de se formar da abrangência da produção em relação ao tudo e ao nada. Os rostos interrogatórios de todas as figuras no filme promovem signos indecifráveis, embora para com a dupla de cineastas, sempre serenos e donos das verdades que não aceitam compartilhar, no caso, os rabinos desta história que olha para si mesmo e rejeita um final, pois é um retrato do ciclo da vida que só termina quando a montagem exibe os créditos finais e tudo fica escuro, na técnica do fade out. Filosófico sem levantar bandeiras, e bem sucedido enquanto amplo em torno de embalagens melancólicas, como projetos cinematográficos no início foram idealizados a ser, aqui os Coen riem baixinho da vida com as mãos na frente da boca, após gargalharem do caos existencial em Queime Depois de Ler. Logo, a filmografia desses irmãos tem humor negro próprio, caso seja procurado um sentido para cada filme existir.

    Bravura Indômita (2010)

    Silenciar as impressões dos Coen quanto a um gênero não funciona com eles. É tentador imaginar os irmãos na premissa de um terror a seus moldes, assim como era um western visto a temperatura e o fluxo de calor que suas produções são submetidas, de vez em quando, na direção que o gênero imortalizado por LeoneFord e Hawks era inevitável, em uma visão senão mais próxima de Sam Peckinpah, é verdade, se esse fosse adepto de Proust. Se de estereótipos se faz o gênero, os irmãos se aproveitam disso e mostram a jornada da vida através de quem vai, e só não ignora o cenário devido à beleza das pradarias e do céu do meio-oeste dos Estados Unidos captados pela câmera de Roger Deakins, mais uma vez na sua melhor parceria com a dupla criadora. Metáfora sobre a coragem do “fazer humano” reflexiva e caricatural em suas causas, e seus efeitos. O rosto deformado de Jeff Bridges, a bravura cega da jovem figura de Hailee Steinfeld e, principalmente, a ineficiência do personagem de Matt Damon apontam para o fim de um jeito seco, sem conclusões, aqui substituídas pela, artisticamente falando, analogia moral de se realizar a arte que reúne as outras, o cinema, da concepção notória do movimento com ou sem final feliz, tanto faz, na ubiquidade do invólucro narrativo aqui presente até a última cena. Toda a beleza fotografada indica qual beleza? Uma beleza que não se pode ver, apenas ouvida, quiçá pela força dos diálogos, os olhares que dizem tanto? Daí a principal indagação, de dentro pra fora, no frescor da nobre odisseia para prender um bandido. De uma mera vaidade surge a obra mais sábia e onisciente de seu poder de persuadir o espectador desde Onde os Fracos Não Têm Vez, a partir do momento que retira a bravura do título da humildade com que tudo nos é configurado, sem pressa na familiar esquematização cênica dos irmãos que quase nos permite ver seus filmes com nossas avós ao lado, numa dramatização econômica e cirurgicamente precisa, não mais que satisfatória; uma máquina que chega com o manual necessário, porém, obviamente, escrito em uma língua que só as emoções sabem falar. No dia mais escuro, quando os Coen se tornarem objetivos em suas razões então deturpadas, nada mais poderá fazer sentido.

    Inside Llewyn Davis: A Balada de um Homem Comum (2013)

    O folk de Joan BaezDave Van Rock e Bob Dylan é o ritmo que melhor casa com o ritmo dos Coen, se tornando irresistível de representar; o frenesi de discos como The Folkways Years e Highway 61 Revisited exemplificam perfeitamente a semelhança ideológica nas intenções conjuradas em mensagens sociais (e atemporais, como as do folk), oriundas da desconexão com o que e quem essas mensagens pretendem tocar. O músico Llewyn Davis de decadente e ascendente social não tem nada, é apenas um nômade feito com pernas incansáveis, junto a seus sapatos surrados, violão e cabelos despenteados, a materialização do espírito musical em pauta, de uma geração e de um artista. No primeiro musical convencional dirigido em dobro pelos Coen, a predominância do tempo presente é mais uma vez redigida com gosto, uma espécie de limpeza de alma, do poder que a música empresta ao cinema quando esse se habilita em aperfeiçoar melodia com o audiovisual sem perder fatores de fidelidade. Retratar o som em nome da expressão não verbal que A Balada de um Homem Comum termina por ser é tarefa árdua, que aqui parece ser das mais simples, tímida, mas masoquista até a medula. O foco dos diretores continua sendo a potencialidade do que é retratado, num processo de destilação vertiginosa no conteúdo da história, um descobrimento leve do que pode vir a ser – sempre no tempo presente já mencionado – e um polimento do interesse bruto do público. Os Coen aqui assumem que suas zonas de conforto são amplas e seus domínios, largos, e há ainda muito a que se agarrar e discursar em prol daquela visão 360° que eles têm sobre seu terreno, e nos querem fazer ter também.

  • Filmografia Comentada: Os Irmãos Coen – Parte 1

    Filmografia Comentada: Os Irmãos Coen – Parte 1

    De Gosto de Sangue a Inside Llewyn Davis, uma análise geral e não-datada sobre as diretrizes da obra de Joel e Ethan Coen. Da parceria primordial com Sam Raimi a dois lugares cativos nas expectativas de crítica e público, feito mais que raro, senão raríssimo. Suas obras são trabalhadas com mãos de pelica juntamente a todas as possibilidades do cinema, em seu estado humilde, para apostar em temas ricos, intentando criar algo inédito, como que com o ímpeto de um fracassado que aposta tudo na única chance de sua vida.

    A moral e a força dessas obras vêm em forma de lenta infiltração atrás da parede da sala, apesar da rápida duração, geralmente, das mesmas. Em um punhado de entrevistas dedicadas a dissecar o que está por trás dos estímulos da filmografia vigente, os cineastas não cedem a surtos didáticos sobre seu caminho no cinema, carregado de marcos em dobro.

    Gosto de Sangue (1985)

    É o gatilho elencado por toda a cinefilia acumulada antes do primeiro projeto de quem é aspirante a artista e não sabe o que é ser um, mas sabe que é. Gosto de Sangue é uma barca de sushi de boa parte do que já foi produzido no gênero policial, seja das influências das fantásticas décadas de 60 e 70, ainda que oriundas do gênero noir, aqui tudo revisitado, à tona mais uma vez, sem preconceitos ou pudores através de uma visão particular de cinema, em notório, ainda sentindo a necessidade de evolução gradual. No primeiro lance é costumeiro somar a inexperiência do(s) realizador(s) diante daquele gostinho de quero mais, afinal nem todos se chamam Orson Welles ou John Houston (ambos, curiosamente, iniciaram seus passos ao rol das lendas no mesmo ano, 1941). Contudo, em Gosto de Sangue, os irmãos compram a briga dos mais exigentes e tentam assumir calmamente uma maturidade a ser comprovada, jogando com elementos que viriam determinar o “ao longo” da carreira; humor dramático, um constante drama irônico com o humor trágico dos laços humanos (o trágico aqui é literal), e uma violência doméstica indomesticável, satírica e inesperada, cada vez mais requintada daqui em diante. A quem tem olhos de lince, a história apoiada nos conflitos expostos da persona de Frances McDormand já apontava polos distintos enquanto únicos no cenário audiovisual do meio dos anos 80, povoados de inúmeros nortes, é verdade… Todo filme é uma odisseia indiscutível a quem o faz, que seja Ulysses então a melhor analogia a qualquer filme prematuro e experimental.

    Arizona Nunca Mais (1987)

    Sergio Leone imortalizou o homem desconectado da sociedade que vive, sem passado e futuro definidos, lutando para sobreviver no presente. Nicolas Cage se consagrou como a personificação pública do ator desastroso no potencial duvidoso dos filmes que resolve atuar. Antes de protagonizar o cult Coração Selvagem, de David Lynch, Cage, o “melhor pior ator” do mundo, embarcou no mundo das loucuras racionais de Arizona Nunca Mais, a última obra não esquematizada dos Coen, pois corre irresponsável sem críticas sociais, políticas ou artísticas, adiantando o tempo e dando indícios dos quebra cabeças geniais que viriam a seguir, agora com a parceria (nunca reconhecida) de John Goodman. Cheio de momentos impagáveis, Cage faz quiçá outra personificação típica dos irmãos: O desajustado que talha as próprias rugas através dos problemas que não consegue evitar rumo a lugar nenhum, ou melhor: A glória ou a tragédia, sem meios termos. Ponto decisivo na jornada dos cineastas, provando a quem se deixar convencer que sabem ser pop sem vender suas almas no mercado proibido a doutrinas autorais, o que acabou sendo uma verdade, mesmo que, na época, a constatação pareceu ter vindo cedo demais. Aqui, os Coen descobriram que podem ser masoquistas na nutrição de suas crias, e adoraram a satisfação disso!

    Ajuste Final (1990)

    Caso os Coen já tivessem a experiência obtida aqui desde os tempos de Gosto de Sangue, Ajuste Final seria o estopim dos irmãos. Possivelmente, a obra mais pretensiosa dos irmãos, vinda de uma nítida confiança tanto da indústria por eles, quanto deles para eles mesmos. Homenagem explícita a grandes clássicos do gênero que pertence e extravasa com elegância, alternando estilos e funções diferentes de filmagem para uma única proposta com base no cinema de identidade, reflexivo enquanto reflexo do que já foi feito no mural da história da arte. É em Ajuste Final, legítimo “filme de gângster”, em todos os sentidos, que os Coen se mostram de súbito exímios diretores de atores, característica que seria amplamente divulgada pela publicidade oriunda da qualidade de seus trabalhos, não puro marketing. Pop, mas pessoal demais para passar na Tela Quente. Vale uma ressalva: A pretensão aqui se torna positiva através da ambição na escala do projeto, ainda inacessível nos tempos de Gosto. Numa história tipicamente noir, em plena década de 90, o cenário diegético continua avesso a tendências e didatismos falando muito sem dizer especificidades, cebolas em formas de filmes esperando pacientemente o descascar. Além de contar com participações dos amigos Sam Raimi e Steve Buscemi, para quem pergunta o porquê dos Coen terem virado cult, este e o próximo exemplar são as melhores respostas. Eles mereceram.

    Barton Fink: Delírios de Hollywood (1991)

    Há quem diga que em Ajuste Final eles começaram a se levar a sério demais, mas na verdade seu domínio artístico que foi. Viver a vida dependente da promoção artística não é fácil, seja nos subúrbios urbanos ou no cume da montanha de Hollywood. O clímax de Barton Fink sintetiza, por meio de ação, tragédia e conclusão aberta o que é a vida do escritor, do artista que tenta ser um. Os Coen riem da própria desgraça, em um momento que eles podem ser dar a esse luxo sem serem chamados de abusados. O dom de escolher protagonistas indispensáveis segue forte, a soma rica da qualidade dos detalhes simples, a precisão em condensar pequenas ideologias em prática grandiosa sem se apoiar no quilate de superprodução, e o fantástico bom-senso impulsionado pela criatividade pulsante sempre foram exemplares nesta espécie de metalinguagem satírica, no viés da obra do grande Molière. “Eu sou um artista, eu crio mundos na minha cabeça!”, grita a persona introvertida de John Turturro em certo momento, e leva um soco da vida caindo de cara no chão. Quem nunca passou por isso, de qualquer jeito? Todavia, não é só na identificação em âmbito público que Barton Fink se consagra, senão no desnecessário segmento que faz com que Joel e Ethan não precisem se importar em se reinventar, pois têm nas mãos, para todos os estilos, todos os temperos que existem a ser misturados. Eles realmente não precisam se preocupar. Cinema é culinária.

    Na Roda da Fortuna (1994)

    A linha de raciocínio da dupla cineasta continua a mesma: Um personagem que pensa pertencer ao mundo onde permanece por vontade própria, numa metalinguagem sobre o modus operandi da indústria do entretenimento. Em uma entrevista de 2013, os irmãos deixaram claro que não assistem a seus próprios filmes após o cansativo trabalho requerido de pós-produção. Antes disso, o mesmo entrevistador aponta o quão sadio é rever suas produções, dar uma segunda olhada do ponto de vista de quem ainda precisa garimpar os pontos de quem já possui uma visão 360º de tudo. Na Roda da Fortuna inaugura esta prática na filmografia deles, pois é o típico camaleão que se camufla em uma mera diversão ainda que muito bem construída (com estereótipos inofensivos) a quem não está voltado, por exemplo, às vértices que apontam a uma análise capitalista no mercado da publicidade predatória americana – global, hoje em dia. Considerando que seria fácil demais empunhar escudos críticos em um terreno como este, os Coen definitivamente se especializam aqui no que se tornaram mestres nos próximos trabalhos: Polvilhar interrogações onde só poderiam haver pontos finais, ou pior, somente exclamações! Uma aventura descontraída no mundo dos efeitos especiais, o filme segue sendo o de mais fácil acesso dos irmãos, agradável a gregos e troianos em sua proposta de fácil adaptação pública e midiática (é extremamente fácil de imaginar uma montagem teatral à história). Ao mesmo tempo, Na Roda da Fortuna contém a oferta de enxergamos mais do que realmente existe em uma obra – na ótica de Guy Debord, os Coen seriam anarquistas. Graças a Deus.

    Fargo: Uma Comédia de Erros (1996)

    Como sinônimo de atestado de qualidade, no decorrer do balado prêmio Oscar houveram três comédias as quais realmente mereceriam a premiação máxima: Jejum de Amor (1940), de Howard Hawks, Annie Hall (1977), de Woody Allen, e Fargo. Fato é que o gênero ganhou novos fôlegos, relativamente, após a estreia e dissipação das influências dessas três obras vitais para uma revitalização da satiricidade na sétima-arte, até o presente momento, é claro. Ao realizar um produto cínico e lenitivo a todos os males do mundo, os Coen, dupla naturalmente voyeur, que assiste sem se envolver, sabiam que tinham muito a falar, e conscientes do poder da narrativa entre imagens deixaram a história discursar por si mesma, em total exatidão nas segundas, terceiras e quartas intenções implícitas nos matizes de sangue, gelo e implicações sociais, como de praxe. Talvez o melhor verbete para ilustrar Fargo e suas tramas paralelas seja esse, “exatidão”, pois quem o assiste pela primeiríssima vez não se dá conta disso. É como se Jerry Seinfeld parasse de ser um bom menino e tomasse as rédeas do jogo nesta que pode ser considerada peça-chave, ou pelo menos eficiente, no processo de desconstrução criativa que consiste na definição crítica de um filme. Uma dica: A neblina que abre o sexto filme dos Coen esconde exatamente o que é sentido até o final, mas muito mais do que toda a magnitude que já foi mostrada.

    O Grande Lebowski (1998)

    Um estudo duplo de personagens que só poderia ser tramado pela mente duplicada dos cineastas, aqui encarnando as figuras icônicas de Jeff Bridges e Goodman num tour de force do cinema independente americano com nítidos ares predominantes de um monopólio libertador, sob o manto da criatividade, resvalando no ato vulgar da libertinagem, por pouco. Tudo cresce ao redor da colcha de retalhos desenvolvida, como se a pretensão germinasse em solo fértil a tanto e fosse tão bem cultivada quanto poderia ser. Os Coen continuam rindo de seus propósitos, e chamam todos para rir junto desta vez. O Grande Lebowski é um manifesto que acontecerá mais vezes na história do cinema, e cada um será oriundo da representação de uma geração que envelhece, finalmente, e quer ver suas representações temporais retratadas na arte do enquadramento. Isso, sem esquecer-se do gosto agridoce da ironia que vem da reprodução de certos elementos atemporais, como o Jesus Quintana de John Turturro, de longe a criação mais nonsense dos realizadores. De descobrimento, crítica e análise o filme não tem nada, além do masoquismo inseparável do DNA dos Coen: É um puro acerto de contas com o espírito de uma época, sem um pingo de ego na mistura, “but well, it’s just like, my opinion, man”.

    E Aí, Meu Irmão, Cadê Você (2000)

    A filosofia sensorial sóbria dos irmãos, cultivada desde os idos da Universidade de Cinema de NY, perturba com êxito o marinheiro de primeira viagem em águas serenas de tubarões invisíveis, mas há o que falar quem essas águas ainda faz afundar e revisitar, logo após sobreviver do último mergulho. Logo, E Aí, Meu Irmão, Cadê Você? segue como um tiro pela culatra, em forma mais de ensaio que um verdadeiro filme dos Coen, nos moldes tradicionais da filmografia vigente. Ao adaptar o intrincado e vasto poema de Homero, fica a impressão de tentativa válida, contudo jamais páreo para os outros trabalhos da dupla. Os irmãos compreenderam que o que tinham em mãos era uma metáfora com suas criações, e simplificaram em suas decisões o material original na forma de uma belíssima fotografia que salta aos olhos, e nas expressões faciais conflituosas, basicamente, do trio de condutores deste “road-movie” frio, incomunicável nas suas ondas de sintonia que se chocam simultaneamente. Uma obra que tem vergonha de ser tudo o que poderia ser, de emoções abafadas por uma espécie de legitimidade que não chega a lugar nenhum em belos compostos cênicos, como fragmentos de uma contradição. O aperfeiçoamento prático da sabedoria pessoal dos contadores da história, todavia, são tão legíveis quanto o instinto humano de sobrevivência e de autodestruição, aqui retratados pela visão particular dos Coen, nem tanto, pela primeira vez. Na falta de experiências realmente construtivas no pacote encabeçado por Clooney, Turturro e Tim Blake Nelson, fica na memória uma cena memorável da Ku Klux Klan, e a certeza de que os irmãos Coen entram de vez na sua fase adulta deste ponto em diante.

  • Crítica | Batman Eternamente

    Crítica | Batman Eternamente

    O sucesso de Batman e Batman – O Retorno, dirigidos por Tim Burton, não impediu o descontentamento por parte da Warner, incomodada com o resultado da bilheteria da segunda produção, aquém do esperado pelo estúdio. A fotografia escura e tradicional do diretor, além da violência em cena, foi motivo que inspirou uma nova leitura do Morcego nos cinemas, com Burton delegado à função de produtor, e Joel Schumacher, escolhido para assumir a cadeira de direção.

    Para compreender o sucesso de Batman Eternamente, devemos observar a época de seu lançamento. Em 1995, o Morcego era o único herói nas telas em um período em que não havia uma demanda cinematográfica favorável aos quadrinhos. A popularidade de Batman foi suficiente para atrair o público, mas é difícil levar a produção a sério e não imaginá-la como um diálogo explícito com a série sessentista.

    Desde a primeira cena, é notável a transformação do ambiente. As cenas são iluminadas, e há uma comicidade que anteriormente existia somente em comentários pontuais. Na cena de apresentação do herói, não há traço de verossimilhança quando, em resposta a Alfred e ao jantar, Batman informa ao mordomo que comerá em algum drive thru. Como se a personagem risse de sua própria concepção.

    Devido ao rumo diferente desta produção, Michael Keaton declinou o convite para retornar como o personagem, e coube a Val Kilmer vestir o manto, em uma interpretação que nada acrescenta ao personagem. Se Keaton apresentava um Batman/Wayne correto e um pouco inócuo, Kilmer funciona como um chamariz para o público feminino.

    O vilão Coringa, apresentado no primeiro filme e, nesta cronologia, responsável por matar os pais de Batman, não é citado. Uma nova origem é apresentada e sem confirmá-lo como assassino. Uma prova de que não só as origens dos quadrinhos são frágeis como também, conforme o desejo dos roteiristas, passam por modificações ou atualizações. Desta vez, dois novos vilões são introduzidos na trama: Duas-Caras e Charada, porém somente acompanhamos a trajetória de origem de um deles. Interpretado por Tommy Lee Jones, o promotor Harvey Dent está transformado em Duas Caras, mas sem nenhuma explicação além da inferência de que a mudança aconteceu há aproximadamente dois anos. Quem se transforma em cena é Edward Nigma, um empregado das empresas Wayne que, após uma experiência mal sucedida e rejeitada por Bruce Wayne, transmuta-se no exagerado Charada. Além dos vilões, um novo interesse amoroso surge para Wayne no papel da psiquiatra Chase Meridian (Nicole Kidman), obcecada pela figura do Cavaleiro das Trevas. O excesso no elenco piora quando entra em cena Dick Grayson, o órfão que se torna Robin, o sidekick do Morcego.

    Se já não bastasse a quantidade exagerada de personagens em cena e um roteiro que não os desenvolve ao menos de maneira satisfatória, comentários dizem que Jones e Carey não conheciam a essência de suas personagem e não procuraram leituras a respeito. Comentam que Jones foi orientado pelo diretor a seguir o estilo de Carey e seu Charada, um motivo coerente para explicar tanta afetação em dois vilões. Duas Caras parece acompanhar literalmente o estilo histriônico de Charada, e, além de mostrar uma descaracterização da figura de vilão, a dupla não parece em nenhum momento ameaçadora.

    O plano estabelecido para destruir a cidade é um recurso digno de produções antigas vindas de uma visão de mundo maniqueísta. Um sistema inserido na televisão que extrai os pensamentos da população de Gotham City. Outro aspecto em que é impossível não se recordar das estratégias de roteiro Soc! Tum! Pof! do seriado com Adam West.

    Se considerarmos o pastiche cômico e essa referência clássica, a produção pode ter certo valor como uma visão alternativa do Morcego, mas não como obra cuja intensão era se tornar sequência cinematográfica do bom ponto de partida estabelecido por Burton.

    Dentro das situações propostas, nada parece bem desenvolvido. Duas-Caras e Charada são exagerados, e a presença de Robin não chega a ser um definitivo estrago final, até porque os personagens contracenam apenas nas cenas finais. No entanto, parece um argumento precipitado. Assim como nas demais interpretações, Chris O´Donell também está exagerado e nos entrega algumas cenas que passam do limite de qualquer constrangimento ou riso.

    A direção de Schumacher é espantosamente errada. Gotham transformou-se em um cenário falso, misturado com luzes exageradas, como uma festa rave eterna. Não há frame que não contenha ao menos duas cores aberrantes em cena. Se a concepção era fazer uma Gotham diferente, acertaram em cheio, mas com exagero grotesco. Talvez a concepção da cidade fosse propositadamente abusiva nos elementos sensoriais, como um grande município. Mas nada justifica um local que não pareça em nada com uma metrópole real.

    Vista hoje, parece impossível compreender como a obra conseguiu se destacar e fazer sucesso na época, com bilheteria de 336 milhões. Triste é saber que este ainda não seria o momento mais baixo do Morcego. A seguir, veríamos uma Batgirl, mais uniformes com mamilos em relevo e um Batcard para qualquer momento de necessidade.

  • Crítica | Onde os Fracos Não Têm Vez

    Crítica | Onde os Fracos Não Têm Vez

    No-Country-for-Old-Men

    Onde os Fracos Não Têm Vez, ganhador de 4 Oscars e já cultuado filme dos irmãos Coen, ganhou tantas críticas e interpretações que soa difícil analisa-lo depois de tantos anos de seu lançamento. Mas sua qualidade é tão grande que, igual ocorre com todo grande filme, ele será sempre revisitado, pois enquanto a sociedade muda, e com ela as percepções das pessoas sobre ela e si próprios, novas camadas sobre ele vão sendo descobertas.

    O filme é uma adaptação do livro de Cormac McCarthy, e se passa no ambiente já conhecido e preferido dos Coen, o sul dos EUA e suas características, que compõem um personagem a parte. Em 1980, com o crescimento do tráfico de drogas na fronteira com o México e também o crescimento da violência urbana e da degradação social e moral que o mundo começou a ver com maior frequência, Llewelyn Moss (Josh Brolin) encontra uma mala com dois milhões de dólares em meio a cadáveres de traficantes. Enquanto isso, Anton Chigurh (Javier Bardem) é colocado em seu encalço para tentar recuperar o dinheiro, deixando uma trilha de corpos e destruição pelo caminho. Seguindo essa trilha está o xerife quase aposentado Ed Tom Bell (Tommy Lee Jones), que cada vez mais fica surpreso e desiludido com a brutal realidade desse mundo novo, até então praticamente desconhecido para ele.

    O sotaque sulista, característica marcante do cinema dos Coen, soa como música aos ouvidos, onde cada palavra é pronunciada de forma elegante, e as frases montadas com uma certa erudição e um toque leve de comédia garantem uma diversão a parte e um deleite ao espectador atento. Porém, ao contrário das outras produções como E aí meu irmão, cadê você?, dessa vez a música não ganha o destaque principal, e é substituída por sons diegéticos que contribuem para o suspense das cenas de perseguição entre os personagens.

    O trio de personagens principais forma uma síntese da sociedade. Moss representa o selvagem do oeste clássico lutando pela sobrevivência. Chigurh representa a pura maldade e a psicopatia quase inexplicável que vemos ser cada vez mais comum, enquanto Ed Tom é o homem bom, civilizado, que luta para se manter equilibrado em meio ao turbilhão de eventos que está fora de seu controle, e que só resta a ele assistir a tudo impassível.

    A composição de Bardem em seu personagem merece um destaque a parte, pois desde o início somos apresentados a ele de forma crua e direta, sem origem e sem explicação, pois ele não necessita disso. Sua expressão corporal, rosto imóvel e olhar frio conseguem gelar qualquer ser humano ao menor contato, e a cena onde ele, algemado, mata um policial, com um close em seu rosto transfigurado pelo seu ódio impessoal, já diz tudo o que precisamos saber sobre sua violência. Porém, como é lembrado várias vezes durante o filme, Chigurh também parece operar sob um código próprio, distorcido de acordo com sua distorcida visão da sociedade. Quando ele é incomodado por uma simples pergunta de um dono de posto de gasolina a ponto de jogar uma moeda para decidir a sua vida, conseguimos acompanhar a crescente tensão da cena ao mesmo tempo que incomodamente conseguimos entender parte do funcionamento doentio de sua lógica.

    Enquanto avança o jogo de gato e rato entre Moss e Chigurh, fica cada vez mais claro que o primeiro não terá muitas chances contra o segundo. Tampouco conseguimos ter esperanças que Ed Tom conseguirá pegar algum dos dois. Dessa forma, o filme em seu ato final abdica de contar a história de perseguição e passa a refletir sobre o papel de cada um desses homens dentro da sociedade contra seus males, e mesmo a origem desses males. Ed Tom conversa com seu antigo parceiro, que sabiamente diz que nada daquilo é pessoal. Achar que o mundo está pior para nos punir por algo é pura vaidade. A complexidade das relações sociais que leva a isso vai além da cor de cabelo ou piercings, como outro personagem afirma, da forma que todos estamos habituados a ouvir.

    O espetáculo visual proporcionado pelos Coen garante um realismo e uma solidez aos ambientes dos personagens. A sisudez de ambos nos incomoda, ao mesmo tempo em que nos deixa com os olhos grudados na tela, querendo saber mais sobre aquele mundo, cujas portas sabemos que deveriam permanecer fechadas. Onde os Fracos Não Têm Vez mergulha no profundo abismo que a humanidade possui, e retorna de lá com essa mensagem incômoda e complexa de entender. Cabe a nós tirarmos conclusões sobre esse abismo e o seu reflexo em cada um de nós, ao mesmo tempo em que nos digladiamos para manter a nossa humanidade frente a tamanha escuridão.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | A Família

    Crítica | A Família

    the-family-malavita-poster

    Com um argumento interessante sobre uma ótica poucas vezes utilizada no filão Mafia Movies, Malavita traduz para a tela a rotina de uma família em que o patriarca Giovanni Manzoni – Robert De Niro – delatou seus paesanos, e está no presente momento realocada no programa de proteção a testemunha, migrando de cidade em cidade na França. A premissa chama atenção, mas o tom sério passa longe deste filme.

    Luc Besson parece rememorar seus bons tempos de Quinto Elemento e apresenta uma comédia que parodia os inúmeros clichês de filmes de máfia, assim como o filme citado fazia piadas com ficção científica. É caricato e traz uma violência graficamente inverossímil e até engraçada em alguns pontos.

    Os personagens são absurdamente agressivos, não só o pai, que era do crime organizado, mas também os dois filhos, Belle, interpretada por uma fetichista, Dianna Agron, e Warren feito por John D’Leo – o que leva a crer que a sanguinolência está no sangue, e é claro, por parte também de sua esposa Maggie – Michelle Pfeiffer, que possui uma personalidade sociopata tão agressiva e irascível quanto a do marido. O foco do filme é nessa relação familiar, que é mal construída.

    O que também não ajuda a ambientar o espectador é a quantidade de incongruências. Giovanni é obviamente perseguido por seus antigos companheiros denunciados, e por isso troca de identidade, no entanto seus filhos e esposa permanecem com seus primeiros nomes intactos. Os Mafia Guys com metralhadoras não acertam as crianças, mas uma menina com pistolas consegue repeli-los e matar alguns, amedrontando os calejados bandidos – a inversão de papéis é uma piada clara, mas muito forçada. Usar a própria propriedade como cemitério para desafetos “apagados” também não é nada aconselhável. O modo como Don Lucchese descobre o paradeiro do traidor também é de uma conveniência absurda, mas é até tolerável em comparação com os outros problemas de roteiro.

    Os momentos que retratam o período em que Giovanni estava com a sua “antiga família” são coloridíssimos – época áurea e de felicidade. Robert De Niro volta a fazer um pastiche da sua própria figura, o que é até interessante em dado momento. A relação entre sua vontade de escrever suas memórias é uma alegoria a ânsia por ser notado de novo e não passar o fim de sua vida no anonimato – o paralelo traçado com Os Bons Companheiros é de uma metalinguagem genialmente executada e escancara até para o espectador desatento que a motivação de Giovanni é fugir de ser mais um sujeito ordinário, em muito lembrando o protagonista de Goodfellas, Henry Hill, que não suportava a ideia de não ser alguém importante e que compartilha o mesmo destino de Gio, como protegido do governo federal sem muitos luxos.

    Besson faz uma película de pura referência ao gênero, mas num formato caricatural, fazendo piadas com os elementos clichês comuns ao filão. A conclusão é deveras moralista, enfatizando a máxima de que o crime não compensa e que nunca é tarde para a redenção, uma pena, pois com um elenco que reúne De Niro, Vincent Pastore e Tommy Lee Jones, seria comum esperar algo mais maduro e não tão genérico.

  • Crítica | Lincoln

    Crítica | Lincoln

    lincoln

    Spielberg foi por muito tempo um marco do cinema hollywoodiano: seus sucessos comerciais, como Tubarão e Indiana Jones, entraram para a história e, em A Lista de Schindler e O Resgate do Soldado Ryan, ele parecia ser o grande herdeiro do cinema clássico americano. No entanto, já há alguns anos o diretor vem perdendo a relevância, e cada novo filme seu parece apenas mais do mesmo: formulaico e um tanto monótono.

    Lincoln, embora melhor do que Cavalo de Guerra, não é muito diferente. O filme não é uma biografia do ex-presidente, mas se foca nos esforços deste para aprovar a 13ª emenda à constituição americana, que aboliria a escravidão em todo país e assim poria fim à Guerra de Secessão. Dessa forma, quase toda a ação é composta pelo jogo político: senadores convencendo uns aos outros, subornando, ameaçando. E a tensão fica por conta da aprovação ou não da emenda.

    A escolha do tema é acertada: a abolição da escravidão é algo que desperta a simpatia do espectador, algo pelo qual é possível torcer. Mas o filme não tem tensão: o espectador, mesmo que desconheça a história americana, adivinha de início o final e todos os artifícios de Spielberg para disfarçar o desfecho soam como clichês ineficientes.

    Por outro lado, o jogo político em si não deixa de ser interessante, principalmente quando se considera que o partido de Lincoln, a favor da abolição, era o partido Republicano. Outro ponto forte do filme é o próprio personagem central: para os americanos, Lincoln é uma figura gigantesca, quase mítica; para nós ele não possui o mesmo aspecto, mas Daniel Day-Lewis consegue infundir humanidade e dimensão no presidente. Não é que a atuação de Lewis seja excepcional: ele é sempre um excelente ator, mas não faz aqui nada além do esperado. Ainda assim, seu carisma carrega o filme e faz com que o espectador se apegue ao personagem.

    Talvez o maior problema aqui seja que Spielberg leva seu filme a sério demais: a fotografia é escura, contrastada e dramática, e os tons do cenário e do figurino, todos cinzentos. Spielberg quer enfatizar a todo momento o drama da Guerra de Secessão, os horrores que estavam sendo combatidos por seu personagem e ainda se manter fiel à história de uma forma quase didática. Nesse esforço ele perde o que seu filme poderia ter de melhor: a ironia fina, o caráter forte e a excentricidade do próprio Abraham Lincoln. É um filme potencialmente interessante, mas que se torna monótono por excesso de reverência.

    Além disso, no final, o filme se arrasta por uns 30 minutos desnecessários. Lincoln não se propõe a ser uma biografia, mas um recorte de um momento específico na vida do presidente; ainda assim, se alonga até seu assassinato, que, desconexo da história, faz com que Spielberg perca um ótimo final e com que seu filme perca boa parte da força.

    No fim, Lincoln não é um filme ruim, nem chega a ser excessivamente chato: tem momentos interessantes e alguns pontos fortes. Mas é facilmente esquecível, um filme preso em esquemas e fórmulas prontas.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Homens de Preto 3

    Crítica | Homens de Preto 3

    Após um hiato de 10 anos a série Homens de Preto retorna aos cinemas, agora com uma trama envolvendo viagens no tempo. O tema apesar de já estar batido até que foi bem utilizado nesse filme, mas gostaria de levantar somente um aspecto que eu acho essencial nesse tipo de filme.

    Quando falamos de filmes como MIB a única coisa que prezo é o fator diversão, se de fato aquele dinheiro que gastei no ingresso valeu a pena, se o filme realmente me divertiu. Assim como o primeiro filme saí do cinema satisfeito, me apresentaram um roteiro simples e sem muitas complicações. O agente J. (WIll Smith) perde seu parceiro K. (Tommy Lee Jones) após um prisioneiro chamado “Boris, o animal”  (que perdeu seu braço após um confronto com k, gerando assim aquele sentimento gostoso de vingança) fugir de uma prisão de máxima segurança na Lua. Boris consegue voltar no tempo e mata K, a morte muda toda continuidade no tempo-espaço fazendo com que só J. se lembre do seu parceiro como ele era. Após isso J. tem que voltar no tempo para salvar a vida de K. (agora interpretado por Josh Brolin) e também o destino da terra que está sendo ameaçada por uma invasão de alienígenas da mesma raça de Boris.

    A premissa deixa na cara que o filme não veio pra revolucionar nada ou qualquer coisa do tipo, é simplesmente um filme para você ver e relaxar. O roteiro se desenvolve com J, tentando se relacionar melhor com seu parceiro, que no seu presente era totalmente rude e sem nenhuma expressão emocional. Acaba que o K. do passado é um cara muito extrovertido e até mesmo brincalhão, solidificando assim a relação entre os dois.

    O roteiro não explora muito os outros personagens, e nem precisa. Você tem aquele plot principal que vai se desenrolando até chegar em seu desfecho, é uma história totalmente linear. Mas como disse ela não precisa de grandes reviravoltas (apesar de ter uma bem legal no final) desde que prenda sua atenção do início ao fim.

    No primeiro MIB eu achei muito maneiro a ideia inicial de que existia uma agência que mediava conflitos extraterrestres e regulava a entrada de qualquer ser aqui na terra. Inclusive um dos grandes baratos do filme é a aparição de celebridades meio “anormais” na tela de comunicação de alienígenas infiltrados na terra, que nesse filme tem uma participação hilária, mas tem que prestar muita atenção pra notar.

    Enfim, como disse antes, é um filme divertido. Com todo esse clichê de viagem no tempo o filme mesmo assim consegue se sustentar. E no final temos a explicação do porquê de K. ser tão rude na timeline inicial, e algumas coisas que não falarei porque seriam claramente um belo de um spoiler.

    Texto de autoria de Raphael Wisnesky.