Luc Besson ganhou a vida como cineasta e produtor fazendo filmes de ação protagonizado por mulheres. Nikita, O Quinto Elemento e Lucy são produtos de qualidade diferentes entre si, mas que tem essa prerrogativa em comum. Em Anna: O Perigo Tem Nome, a historia se inicia em 1985, em Moscou, capital da então União Soviética, em um jogo de gato e rato envolvendo espiões da Guerra Fria e diplomatas internacionais, em uma representação bem caricata do que era o quase conflito entre forças ocidentais e soviéticas.
O filme não uniria sua historia comum com esse epílogo em um primeiro momento. Não demora a aparecer a jovem Anna Poliatova, uma jovem russa encontrada por um olheiro que a leva para se tornar modelo. A personagem de Sasha Luss muda radicalmente de rotina, e passa por toda sorte de clichês típicos de filmes adolescentes, em uma boa perversão dos estereótipos de filmes de super-espião.
Besson está bem mais contido em seu roteiro, não tenta inventar muito, investe em carisma e aventura para seus personagens, e numa estética de ação que está na moda. Há semelhanças fotográficas com Hobbs e Shaw, em especial pelo predomínio de cenas diurnas, fato que confere ao longa uma aura diferenciada, com uma trama de espionagem sobre o passado de Anna se desenvolvendo aos poucos, com flashbacks que fazem a historia ir e vir de maneira bem fluída.
A historia se perde um pouco em meio as curvas dramáticas da rotina da personagem título, mostrando ela tentando levar uma vida comum enquanto ainda serve a KGB, fracassando obviamente, seja pelos flertes de homens velhos e babões que tem que evitar, ou nas lutas que faz. Luss acerta demais nos combates, tendo sempre uma expressão de profunda confiança ao se aproximar de seus alvos, variando bem entre a típica Femme Fatale e a garota temperamental incapaz de aceitar desaforos. Ela tem personalidade e as transições que faz com dubles é bem fluida, mal dá para notar que a interprete é trocada, além disso, ela consegue reproduzir bem a condição de mulher que detesta seu ofício.
O filme é um pouco longo demais, provavelmente conseguiria trazer todas as camadas da trajetória da heroína com uma duração em torno dos 90 minutos ou menos. Anna é o mais assertivo dos últimos filmes de Besson, e por mais que seja uma pouco gorduroso, ele se equivoca e se atrapalha bem menos que Valerian e a Cidade dos Mil Planetaspor exemplo, exatamente por ser comedido e auto contido em si, e por não tentar extrapolar os limites de narrativa típica dos super espiões, embora tenha um texto contundente para o gênero de ação, alem de ter boas sequencias de lutas e fugas, não acertando tanto quanto Atômica por exemplo mas não deixando a desejar para fitas como A Justiceira ou a série Jessica Jones.
Luc Besson é um operário do cinema e seu trabalho tem muitas vertentes. Ultimamente, seus esforços incluem muitas produções executivas de blockbusters de alcance mediano, além de ser roteirista de algumas novas franquias de ação como Busca Implacável, Carga Explosiva, Táxi, etc. Em seu trabalho anterior, Lucy, Besson se dedicou a revisitar sua própria obra Nikita, de 1990, o que gerou muita discussão no que diz respeito a falta de originalidade do autor. Talvez por isso, o cineasta decidiu filmar Valerian e a Cidade dos Mil Planetas, um clássico do quadrinho francês, escrito por Pierre Christin e desenhado por Jean-Claude Mézières.
Os icônicos personagens centrais são interpretados por dois astros em ascenção: Dane Dehaan e Cara Delevingne.Porém, Dehaan tem feito filmes cujo sucesso é irrisório, apesar de já ter apresentado bons desempenhos anteriormente. Seu Major Valerian não é de todo mal, no entanto algo pesa muito contra si, que é a completa falta de química com seu par, e Delevingne, também uma atriz cuja fase em blockbusters esta em baixa. Laureline apesar de ter tempo em tela não apresenta qualquer momento onde tenha a mínima nuance comportamental, tampouco há possibilidade de explorar a intérprete dramaticamente, sua figura está lá unica e exclusivamente para decoração e para apresentar alguns figurinos que deixam sua pela à mostra.
Ainda que o entorno seja ruim, seria injusto julgar o produto do Besson pelos fracassos de seus protagonistas, no máximo há de se lamentar as péssimas escolhas de elenco, mas a realidade é que não se cria dentro do período de mais de duas horas qualquer empatia com os protagonistas, tão pouco há como torcer por eles, já que em todo momento eles parecem incapazes de correr perigo.
Os efeitos visuais são bonitos em alguns pontos, mais grotescos em tantos outros. Há uma confusão tão grande na concepção desse universo que mesmo ideias desbravadoras, como a da cidade interplanetária comercial soa vazia. O restante do elenco é sub-aproveitado, desde Clive Owen, até Ethan Hawke e Rutger Hauer. A participação de Rihanna é reduzida em tempo, mas sua importância para a trama é bastante relevante, sendo um dos poucos momentos realmente emocionantes quando sua personagem tem seu apogeu, no entanto, sua conclusão resulta em uma cena boba de lamentação de Dehaan.
Se Lucy é comparável a Nikita, Valerian e a Cidade dos Mil Planetas certamente tenta se posicionar na esteira de O Quinto Elemento, ainda que não entregue quase nada da ambição atingida pelo jovem clássico dos anos noventa. Não há qualquer profundidade no drama exposto, tampouco há qualquer conexão dos personagens entre si ou o público. Ao fim da projeção fica a sensação de que esse seria um herdeiro espiritual de Avatar e John Carter, ainda que a comparação com esse primeiro seja tão pejorativa que soe injusta. Se a ideia do diretor era começar através desse uma nova cinessérie de adaptações dos quadrinhos franceses talvez fosse melhor uma auto-análise do realizador, já que ultimamente tem escolhido projetos bastante questionáveis
Franquia responsável por destacar o astro britânico Jason Statham e transformá-lo em um brucutu contemporâneo, o novo Carga Explosiva foi reformulado, após o alto salário, pedido pelo ator, impossibilitar seu retorno. Coube ao Ed Skrein (cujo papel mais relevante foi em Game of Thrones) assumir o papel central. Erroneamente a tradução brasileira de Carga Explosiva: O Legado sugere a interpretação de que há um novo personagem em cena e não o mesmo Frank Martin dos anteriores.
Mantendo o estilo da trilogia, a narrativa segue um padrão linear envolvendo o motorista metódico em algum problema com sua carga. A história neste novo filme é semelhante com a do primeiro, porém se destaca além, dando vazão a outros personagens tanto na ação quanto no círculo familiar de Martin. Interpretando o mesmo personagem anterior, Skrein tenta emular o estilo de Statham, principalmente em sua voz grave e arrastada, soando mais como um imitador do que uma nova versão.
Embora o roteiro das tramas anteriores sempre tenha explorado a personagem como um solitário, o roteiro introduz o pai de Martin, um homem que, como o filho, vem de um misterioso passado militar. O que falta de carisma para o ator é entregue em dobro por Ray Stevenson, bem-humorado e charmoso e sempre mal aproveitado por muitos roteiros (Roma e Justiceiro: Zona de Guerra foram seus últimos destaques como personagem principal, além de uma participação na sétima temporada de Dexter). Em nenhum momento Martin parece ser o mesmo personagem, como se ainda fosse um aprendiz. Ainda que se considere que uma releitura crie uma nova versão, o estilo foi modificado e parece mais emulado do que autêntico.
Por outro lado, a composição estética é a única marca que mantém presença constante na franquia. Embora os arroubos contra gravidade tenham sido diminuídos, as cenas de ação continuam bem coreografadas tanto nas perseguições como em lutas corpo a corpo. Em seu segundo longa-metragem, o diretor Camille Delamarre (13ª Distrito) demonstra qualidade para as cenas de ação, o mesmo estilo pelo qual trabalhou na edição em Busca Implacável 2,Carga Explosiva 3 e Colombiana. Produções que, ao menos, continham boa composição destas cenas.
O filme entretém aqueles que procuram uma trama de ação, mas parece uma versão genérica da trilogia como uma história derivada, distante da personagem significativa para a carreira de Statham. Se sua trilogia já apresentava pontos fracos, sua progressão sem o ator causa pouco impacto. Mas como boa parte do cinema é cíclico, ainda é possível que futuramente o ator retorne à franquia que o consagrou.
Na vertente de filmes de ação franceses recentes, que começavam a fazer sucesso no mercado norte-americano, Carga Explosiva tem uma trama simples e violenta, com seu protagonista Frank Martin em um mundo surreal, cuja profissão de piloto de fuga é extremamente necessária, com serviços dedicados a momentos específicos de saída de assaltos e outros trabalhos criminosos, claro, sob uma égide muito mais irreal do que seria o excelente Drive quase dez anos depois.
O intérprete de Frank, o astro de ação britânico Jason Statham, em ascensão graças aos filmes de Guy Ritchie, ainda não tinha um papel que o reconhecesse como herói protagonista, ou neste caso como anti-herói, já que seu ofício envolve um envolvimento com a vida bandida, repleta de regras e aforismos éticos. A arma que carrega é seu BMW 735 s 1999 preto, o que faz Martin ser facilmente reconhecido entre o corpo policial de Nice, na França, algo agravado por ser um estrangeiro.
As normas para seus trabalhos por vezes manietam Frank, mas não faz dele insensível a questões óbvias da vida, mas faz ele interferir em casos que não devia, o que a priori serve apenas para uma desculpa para que ele exiba seus dotes enquanto assassino; depois, revela que seu ethos é segmentado por uma visão paladínica, como visto na maioria dos protagonistas de Luc Besson.
As cenas de luta envolvendo tiroteios e embates com armas brancas são de um primor exacerbado, muito bem orquestrados pela dupla Louis Leterrier (ainda estreante em longas) e Corey Yuen. A dupla, isolada inclusive da influência do roteiro de Besson e Robert Mark Kamen, reúne duas escolas de cinema de ação bastante distintas, que ao serem mescladas fogem bastante da pasteurização que fazia os action movies estadunidenses entrarem em baixa, longe demais do auge dos clássicos acéfalos vividos por Schwarzengger e Stallone nos anos 1980 e por Van Damme e Seagal em 1990. Ainda que o filme seja muito mais moderno e menos piegas, no entanto carrega uma forte carga de clichês do gênero.
A força da franquia é baseada em seu personagem principal. Frank é “apenas” um transportador de carga, silencioso, sem passado, sem um background estabelecido – ao menos em grande parte do longa. Seu misterioso modus operandi emula o Pistoleiro Sem Nome vivido por Clint Eastwood e criado por Sergio Leone em Por Um Punhado de Dólares. Seu código de conduta é ligado a alguma vertente de bondade, que obviamente é retribuída com bons tratos da parte de sua protegida, Lai (Qi Shu).
O argumento abusa de momentos de extrema pieguice, mas consegue contornar os maus momentos com sequências de ação que fazem relembrar os momentos áureos de Bruce Lee em O Dragão Chinês e de Chuck Norris em quase todos seus filmes, claro, sem uma habilidade de luta tão exímia, mas graficamente muito interessante, apesar da clara falta de um oponente à altura do herói.
Apesar de ter um final cuja sincronia entre a ação e a qualidade do texto praticamente não existir, Carga Explosiva consegue acertar a dose de adrenalina, fazendo se importar com os personagens do lado justo mesmo sem aprofundar em absolutamente aspecto nenhum de suas personalidades e caráter. Todo o ideal defendido na fita seria passado por muitas outras produções de ação, o suficiente para transformar Statham no ator moderno mais requisitado para produtos de ação descerebrada, e que alçou Leterrier a um patamar que certamente não é equivalente a sua qualidade como realizador.
A busca pelo paradeiro da filha sequestrada em terras estrangeiras foi a trama que transformou o consagrado Liam Neeson em astro de ação. Naturalmente, o sucesso deBusca Implacávelgerou uma sequência, inferior e carregada de exageros comuns em sequências que sempre tentam superar a história original. Após o lançamento desta segunda produção, Neeson deu prosseguimento ao seu potencial como ator de ação. Mais um filme sobre o preocupado pai familiar Bryan Mills seria inevitável. E mais: trilogias sempre são aceitas no mercado como uma espécie de obra maior dividida em partes e, dessa vez, Busca Implacável 3 poderia redimir a série da história anterior e apresentar um desfecho, ou mais uma situação limite para as personagens.
Três anos atrás, o astro afirmava que não havia possibilidade de haver uma nova produção. Por fim, aceitou retornar ao papel com a condição de que nenhum sequestro fizesse parte da trama. Como na primeira história, Kim (Maggie Grace) está prestes a fazer aniversário, e o pai procura um presente para a garota. Desde as experiências traumáticas anteriores, Kim mantém uma relação unida com o pai, ainda que ele sempre veja-a como a pequena garotinha que um dia foi. Porém, adulta, morando na companhia de um namorado, a filha não precisa de proteção. A repetição do aniversário serve como um comparativo entre a passagem de tempo de uma história a outra.
A mudança de paradigma é um dos pontos principais desta nova trama. Devidamente acusado pela morte de sua ex-esposa, Lenore (Famke Janssen), cabe ao ex-agente do governo fugir da polícia enquanto tenta provar sua inocência. Os papéis invertem-se e, em vez de caçar as pistas, a personagem deve desorientar seus perseguidores.
A fluidez narrativa da primeira história ganha maior espaçamento temporal. Trata-se do filme mais longo da trilogia, e a trama desenvolve-se sem a urgência das anteriores. Bryan traça seu plano lentamente, primeiro informando a filha e os parceiros de suas intenções para, finalmente, entrar em ação direta com os prováveis responsáveis pelo assassinato de sua esposa. Há mais trama e menos ação, uma mudança que pode incomodar parte do público, mas que é eficiente para equilibrar o enredo e superar o anterior.
Neeson continua à vontade em sua nova composição de personagem, aproveitando seu porte físico. As cenas de ação foram realizadas sem nenhum dublê e mantêm as mesmas características das anteriores, com cenas rápidas prezando a melhor forma de neutralizar os inimigos. Há momentos de ação em uma quantidade suficiente para animar o público, e uma épica cena – que popularmente poderia ser definida como uma clássica cena massavéio – a qual somente filmes de ação poderiam nos proporcionar. É absurda, impactante e divertida.
Mesmo com uma breve carreira na direção, com todos os filmes focados na ação, Oliver Megaton, que também realizou Busca Implacável 2, trabalha com competência estas cenas e entrega uma história que possui bons momentos de tensão e ação. Por tratar-se de uma história sempre atrelada a um ajuste de contas, torna-se evidente que pontas soltas e ameaças de vingança permanecem como futuras possibilidades. Feliz com o trabalho desta segunda continuação, Neeson já declarou que não descarta participar de mais uma sequência, demonstrando o quanto o ator deseja permanecer trilhando esta nova fase de brucutu badass.
Lucyé um filme sobre uma mulher que consegue ativar de 50 a 100% de seu cérebro, para uma plateia que não consegue chegar a 5%. A ofensa com o espírito crítico e cultural do público, por boa parte dos produtores, gera contradição compatível no mundo pop a da cantora Beyoncé, cantando a plenos pulmões que a beleza fere e perverte, mesmo sendo a atual deusa da volúpia. As últimas – e primeiras – linhas resumem o que poderia ser tema de uma monografia sobre as manobras da indústria de cinema deste século; cada vez mais capital, cada vez menos arte. Uma crítica de três ou quatro blocos seria o bastante para expressar em breve estudo, a angústia de estar diante de boas intenções cuja realização é emergencial – nem a visão de Scarlett Johansson salva do umbral – onde todas as propostas junto ao pífio entretenimento do filme vêm a padecer ante o belo manto técnico de sempre, a esconder uma repulsiva cadeia de negações de todos os tipos, e contradições já comentadas.
Em Sob a Pele, aliás, também estrelado pela moça (que ocupa o posto com Zoe Saldana de atriz hit do momento), Scarlett vive com elegância e intensidade dramática impressionantes uma mulher igualmente sem emoções, no passado ou futuro, porém com tentadora profundidade na construção da personagem; tentação oriunda do mistério que sua atuação evoca, misteriosa como uma diva noir, cuja beleza é essencial e respeitada a favor da premissa, analítica ao criticar nosso inevitável mundinho de aparências. Na conduta dessa mesma realidade distorcida em filmes de ação/ficção científica, Luc Besson (O Quinto Elemento) em Lucy faz sentir abstinência de A Origem até ao maior opositor de Christopher Nolan, que por pior que ainda seja a muitos, é eficaz quanto a encontrar bom-senso, trama e narrativa coerentes entre suas teorias e ideias surreais.
Besson se torna especialista em antíteses do próprio projeto, um “pois sim-pois não” que dura uma hora e meia de reviravoltas que, pelo conjunto, beira o insuportável, à luz, ou melhor, à sombra de um roteiro lastimável, sem eira nem beira, uma espécie de jornada individual moderna de um herói, no caso, heroína. Um modelo que Akira Kurosawa imortalizou no japonês Yojimbo, e que encontra na sua cópia americana feminina e ultrajante, em gênero, número e grau, um dos seus piores exponentes a partir do que restou de vergonha e originalidade semi-extintas numa Hollywood que prefere estuprar seus mitos a arriscar novas lendas, visando revitalização e uma melhor reputação, impossíveis neste derradeiro cenário, sendo Lucy outra colher de terra, dessas que são produzidas em escala, contra o que já foi feito e aquilo que poderá florescer.
Contudo é possível listar uma overdose de filmes, mangás e filosofias, de primeiro a quinto escalão, que o filme de Besson se apoia para existir, ao longo da projeção, desde sua sonoplastia baseada nos efeitos sonoros modernos de 007: Skyfall, Salt, A Origem e Sem Limites, sendo que do último furta ritmo e parte da frágil consistência, até quando a protagonista, aparece na tela, sem qualquer tratamento de introdução, feito Toshirô Mifune no clássico samurai de ação. Ela é raptada, presa e se torna fera desgarrada logo em seguida, como em um reflexo de Oldboy. Besson se baseia em Sergio Leone e uma dízima de outras fontes de inspiração, mais abusadas e desmistificadas em seus valores que são relembradas em caráter de homenagem, como Quentin Tarantino, que se consagra hoje como melhor exemplo vivo disso, através de seus desvios de linguagem na forma de Cinema pessoal e peculiar.
Resta a prova que a conta não fecha em filmes como esse. A comida perde o sabor quando requentada mil vezes, exceto, é claro, se o paladar que a degusta nunca a tenha provado antes. Coisa rara, mais que rara, em tempos nos quais Lucy sequer merece duas estrelas em seu céu de diamantes.
Tomando como base uma Detroit de um futuro próximo (em 2018), 13º Distrito usa a mesma base e plot de B-13, versão envelhecida em dez anos das aventuras Le Parkour de David Belle, e dirigida pelo sempre “implacável” Pierre Morel, acompanhado dos escritos de Luc Besson e Bibi Naceri. Esta nova versão, alcunhada de Brick Mansions contém alguns elementos de ação adjacentes, como a estrela do recém-falecido Paul Walker fazendo o ofício inédito de detetive disfarçado, chamado Damien Collier que investiga ações de traficantes de narcóticos.
Talvez o diferencial da direção de Camille Delamarre esteja nos ângulos explorados por ela, para grafar toda a fuga de Lino Dupree (Belle) em sua jornada de escapada. A violência exposta na cidade é valorizada através da edição frenética e repleta de cortes secos, com enormes variações de abordagem, algumas vezes mudando a abordagem quadro a quadro. O modo como Camille registra sua fita tem muito a ver com a escola francesa de filmes de ação, cujas referências vão desde Morel, como também Olivier Megaton e Richard Berry, com quem já havia trabalhado, editando filmes anteriores de ambos.
A paranoia da cidade que se agiganta e comprime o homem com sua violência gratuita é um assunto atual, mas sua abordagem é batida e há muito datada. Ainda assim, consegue atingir muitos públicos, como aqueles que se mostram fiéis ao filão da “ação pela ação“. O problema maior prossegue sendo o empobrecimento do roteiro, com situações tão genéricas se avolumando a frente das câmeras e esboçadas em scripts por gente gabaritada, como é Luc Besson. A expectativa por suas produções torna-se a cada dia menor do ponto de vista da análise qualitativa das suas histórias.
O clichê se agrava ainda mais pela (já citada) escolha de seu protagonista. Imaginar Paul Walker fazendo outra coisa que não um tira com problemas de identidade e motivação é um exercício de futilidade tremendo, tão óbvio que assustaria se não ocorresse assim. Sua figura é tão associada a esse comportamento que a simples aparição dele remete a esse arquétipo. As poucas variações disso dentro do filme incluem uma vingança pessoal que o agente da lei quer executar. Em suma, tais coisas servem de pretexto para inserir algumas cenas de ação, perseguição física e em estradas, repletas de efeitos em slow motion, cuja qualidade é bastante interessante – ao menos.
O corpo policial de Detroit é deveras corrupto, e o modo como isso é abordado é caricato de um modo singularíssimo. Lino consegue prender o narco-traficante Tremaine (o rapper RZA) e levá-lo até uma emboscada, somente para, ao chegar lá, perceber que ele havia comprado os agentes da lei antes. Todo o estratagema é tosco, e só piora com as conexões que este plot faz com a trajetória de Collins. O outro lado da história mostra que Tremaine tem em mãos uma poderosa arma de destruição em massa, que tem um timer de apenas dez dias para ser desativada. Os caminhos de Lino e Collier se cruzam, mas antes que eles possam tornar-se amigos inseparáveis, o fora da lei e o infiltrado se metem numa pequena disputa, cujo motivo da desavença é uma mini-van, mostrando que o sonho do suburbano atinge também os astros do cinema pipoca.
Em pouco tempo, Damien se vê sozinho, sem auxílio por parte de nenhum dos seus, em meio ao temido décimo terceiro distrito, uma enorme favela, separada do resto da cidade por um muro gigante, um lugar tão “barra pesada” que não existe qualquer ação de governo que não seja ligada ao poder paralelo. O lugar é invisível aos olhos do resto dos cidadãos, a não ser dos que mandam Collier atrás da tal arma.
É nesse castelo caótico que a amada donzela em perigo está. Lola (Catalina Denis), ex-namorada de Lino, está sob o poder de Tremaine, como sua refém, que eventualmente pode servir de moeda de troca. É curioso como a trama se movimenta a partir deste ponto, pois o que falta de sutileza na relação entre policiais corruptos e traficantes, sobra por meio da ambiguidade no discurso de Tremaine, que acredita veementemente ser um Robin Hood do gueto, somente dando um pouco de alívio através das substâncias que comercializa, para aqueles que são sumariamente ignorados pela elite branca (sic) e que sofrem com as mazelas sociais e econômicas, das mais básicas até as especiais. Esta, como outras mil histórias, possui dois (ou mais) lados, uma pena que o esquizofrênico roteiro só tenha se dado conta disso após mais uma hora de execução.
As sequências de luta após isso se repetem um pouco. Nem mesmo em seu ponto mais forte o filme consegue imprimir algum ineditismo. É legal notar que qualquer discussão ou conflito, por mais espinhoso que seja, pode ser resolvido na porrada, inclusive a disparidade de renda e o abismo social que existe entre as classes dominantes e os marginalizados.
A ideia de trazer a Revolução Francesa a um patamar mais atual não funcionou em B-13 e é pior neste, apesar das belíssimas intenções. Tudo neste final parece uma piada de mal gosto, com as transformações piegas dos antigos vilões dumau em belos contribuintes da sanidade da cidade. Brick Mansions é difícil demais de engolir, especialmente se o receptor for adulto, e dada a violência dele, este também não seria um produto para crianças. A que público a história se destina prossegue um mistério, talvez a um que não se importe em acompanhar algo que ofenda a sua inteligência no escurinho do cinema.
O filme de Pierre Morel (B-13 – 13° Distrito), com guião de Luc Besson e Robert Mark Kamen (roteirista também das franquias Carga Explosiva e Karatê Kid) começa com uma gravação em Super 8, remetendo a um passado um pouco diferente da realidade contemporânea de Bryan Neills (Liam Neeson). Sua atual situação era a de estar empregado num serviço mecânico e com poucas variantes, é rejeitado pela ex-esposa – o que é ainda mais doloroso se tratando de Famke Janssen. Na primeira oportunidade de ação, Bryan demonstra uma habilidade incomum, não antes avisada, e graças a isso encontra uma alternativa para consertar a ausência que exerceu na vida de sua filha, mas obviamente fracassa.
A super-proteção que Bryan exerce sobre a filha logo é justificada com a viagem a Paris. A menina é raptada e o filme começa de verdade. O aposentado agente é forçado a voltar a ativa, mas ele é frio, calculista e nada enferrujado. Bryan ouve sucessivas vezes a gravação do antagonista desejando-lhe sorte – tudo para absorver a raiva e maximizá-la.
A direção de Morel aliada a produção de Besson dá a obra o típico rótulo de action movie francês, com muito mais violência que os últimos exemplares americanos do gênero. As cenas de perseguição lembram muito a câmera na mão de Paul Greengrass nos filmes de Jason Bourne.
-Estou aposentado, não morto! – Bryan não se sente como um homem velho, apesar do seu “retiro planejado”, quando o chamado à aventura vem, ele está pronto, suas habilidades não são somente o aprimoramento físico, mas também, talentos ligados a atuação, seu cuidado com as testemunhas é notório, restringindo o envolvimento destes a somente o necessário.
A motivação e as habilidades de Bryan são parecidas com as de John Matrix (herói de Comando para Matar), mas muito de seu comportamento lembra o protagonista de Desejo de Matar, Paul Kersey, tanto no intuito de vingança e perseguição de seus inimigos, quanto na improvisação com objetos caseiros.
Há até uma inteligência no roteiro, ainda que o foco não seja a discussão, o subtexto cita o tráfico de mulheres e a consequente prostituição das vítimas, além de envolvimento de ex-agentes corruptos, a abordagem aos temas não é suavizada, mas o que importa realmente é ver Bryan Neills em ação, invertendo o discurso presente em O Poderoso Chefão, considerando tudo pessoal.
Com um argumento interessante sobre uma ótica poucas vezes utilizada no filão Mafia Movies, Malavita traduz para a tela a rotina de uma família em que o patriarca Giovanni Manzoni – Robert De Niro – delatou seus paesanos, e está no presente momento realocada no programa de proteção a testemunha, migrando de cidade em cidade na França. A premissa chama atenção, mas o tom sério passa longe deste filme.
Luc Besson parece rememorar seus bons tempos de Quinto Elemento e apresenta uma comédia que parodia os inúmeros clichês de filmes de máfia, assim como o filme citado fazia piadas com ficção científica. É caricato e traz uma violência graficamente inverossímil e até engraçada em alguns pontos.
Os personagens são absurdamente agressivos, não só o pai, que era do crime organizado, mas também os dois filhos, Belle, interpretada por uma fetichista, Dianna Agron, e Warren feito por John D’Leo – o que leva a crer que a sanguinolência está no sangue, e é claro, por parte também de sua esposa Maggie – Michelle Pfeiffer, que possui uma personalidade sociopata tão agressiva e irascível quanto a do marido. O foco do filme é nessa relação familiar, que é mal construída.
O que também não ajuda a ambientar o espectador é a quantidade de incongruências. Giovanni é obviamente perseguido por seus antigos companheiros denunciados, e por isso troca de identidade, no entanto seus filhos e esposa permanecem com seus primeiros nomes intactos. Os Mafia Guys com metralhadoras não acertam as crianças, mas uma menina com pistolas consegue repeli-los e matar alguns, amedrontando os calejados bandidos – a inversão de papéis é uma piada clara, mas muito forçada. Usar a própria propriedade como cemitério para desafetos “apagados” também não é nada aconselhável. O modo como Don Lucchese descobre o paradeiro do traidor também é de uma conveniência absurda, mas é até tolerável em comparação com os outros problemas de roteiro.
Os momentos que retratam o período em que Giovanni estava com a sua “antiga família” são coloridíssimos – época áurea e de felicidade. Robert De Niro volta a fazer um pastiche da sua própria figura, o que é até interessante em dado momento. A relação entre sua vontade de escrever suas memórias é uma alegoria a ânsia por ser notado de novo e não passar o fim de sua vida no anonimato – o paralelo traçado com Os Bons Companheiros é de uma metalinguagem genialmente executada e escancara até para o espectador desatento que a motivação de Giovanni é fugir de ser mais um sujeito ordinário, em muito lembrando o protagonista de Goodfellas, Henry Hill, que não suportava a ideia de não ser alguém importante e que compartilha o mesmo destino de Gio, como protegido do governo federal sem muitos luxos.
Besson faz uma película de pura referência ao gênero, mas num formato caricatural, fazendo piadas com os elementos clichês comuns ao filão. A conclusão é deveras moralista, enfatizando a máxima de que o crime não compensa e que nunca é tarde para a redenção, uma pena, pois com um elenco que reúne De Niro, Vincent Pastore e Tommy Lee Jones, seria comum esperar algo mais maduro e não tão genérico.
Liam Neeson não é um ator novato. Há mais de 30 anos ele dá vida a personagens em Hollywood e o faz com bastante propriedade, diga-se de passagem. Desde 2000, entretanto, podemos dizer que os holofotes tem se virado muito mais brilhantes para ele. No curriculum, o inglês tem o orgulho de ostentar nomes muito poderosos. Nas telonas, nesses últimos 12 anos, o cara já viveu Qui-Gon Jinn, Ra’s Al Ghul e até o soberano do Olimpo, Zeus.
O papel mais importante de sua carreira recente, entretanto, foi o não tão renomado Bryan Mills, protagonista do filme Busca Implacável (“Taken”, no título original). O fodalhão agente da CIA aposentado foi o personagem central de um filme que chegou bem quietinho aos cinemas mas causou um frisson em sua desesperada busca pela filha, sequestrada por uma rede internacional de prostituição e tráfico humano. Até 2008, ano em que o filme foi lançado, Neeson nunca havia demonstrado tamanha aptidão para representar um astro de um thriller de ação como fez naquele filme. Foi uma grata surpresa.
Protagonista de uma das frases mais empolgantes do cinema deste século, o ator chegou a ilustrar, também, um meme relativamente espalhado através da comunidade 9gagger do planeta (você talvez não saiba o que é o 9gag, mas certamente já viu alguma pérola de lá traduzida na sua timeline do facebook). A célebre citação figura entre uma das minhas preferidas do cinema dos últimos anos (dos últimos anos!):
“I don’t know who you are. I don’t know what you want. If you are looking for ransom, I can tell you I don’t have money. But what I do have are a very particular set of skills; skills I have acquired over a very long career. Skills that make me a nightmare for people like you. If you let my daughter go now, that’ll be the end of it. I will not look for you, I will not pursue you. But if you don’t, I will look for you, I will find you, and I will kill you.”
O filme foi um sucesso tão grande e inesperado ao redor do mundo, que obviamente não passaria sem uma continuação. Em 2012, chegou as salas de cinemas Busca Implacável 2.
Na sequência do thriller de ação de 2008, Bryan Mills precisa enfrentar o pai de um dos homens que ele executou no primeiro filme e que trama uma vingança contra ele. Em busca de retaliação pela trilha de cadáveres que o ex-agente havia deixado no primeiro filme, o pai de Marko sequestra ele e a esposa. Enfrentando uma grande quantidade dos homens do albanês Murad, Mills precisa evitar que a filha seja também sequestrada e salvar a ex-esposa das garras do inescrupuloso pai colérico.
O personagem de Neeson continua brilhante, sereno e estrategista, três das características que garantiram o sucesso do primeiro filme. Todo o restante do elenco, entretanto, começa mal e decai fortemente no decorrer da trama. A bela Maggie Grace (Emili Warnock no “horrível/terrível/não veja” Sequestro no Espaço) vive novamente a filha de Mills, que foi sequestrada no primeiro filme e que parece ter superado bem o trauma gerado pelos efeitos de seu violento sequestro. Famke Janssen (a Jean Grey da trilogia X-men) interpreta a ex-exposa do agente Mills mas não convence, como não havia convencido na primeira vez que interpretou a personagem.
O ritmo do filme segue mais ou menos a pegada do primeiro, mas desta vez ele demora um pouquinho mais para acelerar. Dividindo um pouco genericamente, eu diria que enquanto Taken demora uns 20% do tempo para acelerar, Taken 2 leva 50% do tempo na tela para ganhar ritmo e tornar-se propriamente um filme de ação. Mesmo quando entramos na parte mais porradeira do filme, ainda, ele perde em adrenalina para a primeira obra, o que prejudica um pouco a avaliação geral do filme.
O roteiro das duas produções é, também, bastante distinto. Enquanto a primeira filmagem ocupa-se unicamente em mostrar o personagem principal em sua “Busca Implacável” (sacou, sacou?!) pela filha, o segundo mostra um Bryan Mills não tão infalível e que envolve, vejam só, a própria filha em sua escapada do cativeiro. Há, sim, alguns momentos muito interessantes que mostram o quanto o agente é um gênio e como consegue reagir inacreditavelmente diante situações de crise, mas a trama se sairia muito melhor com o personagem salvando o dia sozinho novamente.
Existem situações pontuais da trama que mostram uma certa incoerência com a construção do personagem principal feita no primeiro filme, e estas questões fazem deste um filme muito abaixo do primeiro. Isso sem falar das falhas grosseiras como, por exemplo, o agente disparar sua pistola uma quantidade impossível de vezes com o mesmo cartucho de projéteis. Há uma ceninha de luta desarmada no final que também é totalmente desnecessária e fora do comportamento padrão deste que foi um dos personagens originais mais impressionantes que vi nos últimos anos.
A sequência de Busca Implacável só está nas salas hoje graças ao sucesso inesperado do primeiro filme e por isso não acho descabida a óbvia comparação com o primeiro título. Maggie Grace trabalha melhor no primeiro filme, quando é apenas uma vítima dos acontecimentos que precisa ser salva pelo personagem principal. Em alguns momentos da trama, ela chega a trabalhar como uma parceira do pai em sequências que, apesar de serem até bem filmadas pelo diretor Olivier Megaton, desviam-se bastante do que emplacou o sucesso do primeiro filme.
Não é a primeira vez que Megaton (que tem o pseudônimo mais sem sentido que eu já vi na vida, seu nome de batismo é Olivier Fontana) recebe uma continuação forçada pela indústria para dirigir. Ele é o diretor do fraco Carga Explosiva 3, e já deveria ter aprendido a lição. Hollywood precisa aprender a deixar seus sucessos em paz. Infelizmente, ao que tudo indica, a continuação de Busca Implacável virá até as telonas, mas já não posso mais afirmar com tanta certeza que irei conferi-la no cinema.