Malévolafoi uma das pedras fundamentais da empreitada de live actions da Disney, e seu sucesso passou principalmente pelo fato de desconstruir as questões básicas dos contos de fadas. Cinco anos após o filme de Robert Stromberg, entra Joachim Rønning, o mesmo que dirigiu Expedição Kon Tiki e Piratas do Caribe: A Vingança de Salazar para finalmente dar luz a Malévola: Dona do Mal, um filme que já começa estranho, explicando que a personagem-título se tornou vilã novamente aos olhos dos humanos comuns, entre eles, o reino de Ulstead, onde moram os pais do príncipe Phillip. Toda essa configuração é estranha, não faz sentido, mas tudo isso é subalterno, graças ao retorno dos personagens e do elenco capitaneado por Angelina Jolie.
A terra dos Moors (as criaturinhas mágicas, que agora tem algum senso de comunidade) é atacada por homens gananciosos, espantados obviamente pela protetora da floresta, que expõe seus chifres e asas. A música de Geoff Zanelli até dá algum charme a esses momentos, mas tanto as cores saturadas quanto a péssima desculpa para tornar a personagem em uma antagonista dos ditos normais fazem o filme soar artificial e incongruente.
A personagem de Michelle Pfeifer, a rainha Ingrith é bidimensional, mas ao menos tem carisma, sua composição é divertida dentro da caricatura que faz. Seus planos são maquiavélicos, preconceituosos e maniqueístas, mas em se tratando de uma historia que emula as animações antigas, faz sentido, uma vez que essa continuação não se preocupa nem com a mitologia antiga estabelecida, nem com as questões políticas antes abordadas no filme de 2014. Ao menos o roteiro registra bem o preconceito e receio da nobreza de Ulstead.
Os novos conceitos apresentados são apressados. As questões envolvendo o povo de Malévola (os seres das trevas) lançam mão de muitos atalhos narrativos, ao ponto de não haver qualquer complexidade nos personagens de Chiwetel Ejiofor e Ed Skrein, que deveriam prioritariamente serem sedutores além do visual, especialmente na ideologia, mas isso claramente não ocorre.
A trama trata o espectador como bobo nos momentos finais, fazendo este se assemelhar demais a O Caçador e a A Rainha do Gelo ainda que esse ainda mantenha suas protagonistas. O longa é histriônico e tenta mostrar as heroínas como falíveis, consegue se acovardar até nas medidas drásticas que toma e tem dificuldade em montar uma resolução plausível para si, e apresenta um texto é raso e até risível, contendo com uma paz conveniente e sem sentido, fazendo a rainha má ter semelhanças demais com Diabolin, de Cavalo de Fogo, no pior sentido possível.
Malevola 2 se perde em meio as discussões políticas rasas que propõe, e faz personagens que antes haviam evoluído retornar a estaca zero, em especial a Aurora de Elle Fanning, que desacredita firmemente sua “Madrinha”. As três fadas aliás, para nada servem, pois nem o vestido que elas fazem é utilizado. , findando a questão com piadinhas tão fracas que fazem perguntar se houve alguma revisão de roteiro antes do produto ser gravado e editado. Nem visualmente o filme funciona, detalhe esse que era bem positivo no primeiro, o que é uma pena, e faz esse se assemelhar a Alice Através do Espelhos no sentido de conseguir denegrir até o que era positivo no original.
O cinema pomposo e aristocrático de A Época da inocência não deixou tantas marcas no seu realizador, mas na nossa própria concepção sobre o seu talento. Ainda mais quando sabemos, de antemão, que o universo dele não é exatamente o mesmo cosmos de elegância e cascatas de white people problems que o vemos mergulhando sua maestria em prol de uma boa história adaptada de um livro de 1920, pronta então a ser narrada intrínseca e inseparavelmente às cadências de suas formas e elementos burgueses, históricos e orgulhosamente ingleses, dando vasão e embalando, assim e ao mesmo tempo, um cenário perfeito e basilar para um conto de amor no maior estilo Madame Bovary, acerca da desconstrução natural (ou talvez ante natural) do mais poderoso dos sentimentos universais. Algo trabalhado aqui na linha imperiosa e consciente de um legítimo “romance dos romances”.
Curiosidade: Certa vez, ao ser indagado sobre Barry Lyndon, o gênio Stanley Kubrick não foi tão categórico assim, e afirmou que o Cinema oferece uma oportunidade melhor que qualquer outra forma de arte no que se refere a apresentar e emoldurar um tema histórico, seja lá qual seja este. De fato, Kubrick proporcionou essa experiência com a máxima exatidão e inserção possível nos anos 70, uma década depois de Luchino Visconti ter definido a visão acerca das aristocracias europeias em um dos maiores e melhores filmes da humanidade: O Leopardo, de 1963. Assim sendo, uma vez que o diretor de O Iluminado não conseguiu superar sua encenação ultra planejada, tornando Barry Lyndon algo belíssimo e gelado, Visconti atingiu com perfeição diamantífera uma sensação palpável de como é pertencer a um mundo de intrigas inescrutáveis, dinheiro, poder e desconfiança fartos a influenciar todas as suas relações, orgulhos e preconceitos.
Cortando para década de 90, temos o famoso Martin Scorsese abandonado a selvageria urbana de Nova York, e aventurando-se em mares desconhecidos que tentou traduzir, e transmitir as suas verdades, do livro para a tela que esse já conhecia muito bem. O charmoso A Época da Inocência vale principalmente por isso, sendo mais uma aula de cinema hollywoodiano pelas mãos de Scorsese, constante e quase sem sobressaltos como não é de se esperar dele, mas desta vez com muito menos paixão e envolvimento genuíno por conta do nosso realizador, tentando nos convencer estar por dentro da pompa que cerca e compõe costumes majestosos, guiados por posições sociais e baseados por um luxo que atinge as arrais do existencial entre bailes, óperas e tardes ensolaradas treinando arco e flecha em parques ingleses de impecável graça aos bem nascidos.
Enquanto o bon-vivant Newland Archer (Daniel Day-Lewis, sempre atuando com os olhos) se divide entre a segurança de sua adorável e sentimental noiva May Welland (Wynona Rider, a Joyce de Stranger Things), e a possibilidade inocente e quase irresistível de um novo amor mais maduro e mais difícil, e que faz girar o seu mundo de ponta a cabeça, como bem simboliza a linda cena do ensaio fotográfico (que o próprio cineasta faz uma ponta, atuando como o fotógrafo), o filme se revela não um estudo de inserção, mas de observação de um universo que o observador não faz parte, mas anseia por decifrar, cena após cena, conflito após conflito, e que, sob a regência de Scorsese e suas ótimas atuações (em especial a de Rider), se tornam deliciosamente reais, fortes, e calcados num drama tão quente e envolvente quanto os olhos cândidos de Newland encontrando sua amante, beijando seus pés de seda. Mais um homem refém do proibido.
Eis um filme caprichado em sua estilização, e sem ser afetado por ela ao longo de suas duas horas, como é importante frisar. A Época da Inocência conta com um dos mais belos trabalhos de figurino e direção de arte dos anos 90, junto de Titanic e o asiático Adeus Minha Concubina. É incrível sentir toda a nobreza da história também através dos seus bordados, cenários e guarda-chuvas cor de rosa, meticulosamente elaborados num trabalho original notável até para o mais leigo e acrítico dos espectadores. Mesmo assim, nem a mais bela das alegorias escondem o desafio que foi para Scorsese trocar o sangue amargo dos seus Os Bons Companheiros, pelo chá e os pés de seda de finas damas europeias. Contudo, mesmo sem negar agir como mero observador de uma burguesia deveras distante, eis um filme seguro de si, e que ainda acha espaço para admirar também um estilo de vida que se perdeu no tempo, e que, como Kubrick afirmou, o Cinema consegue eternizar melhor que qualquer outra invenção humana até então.
Após o sucesso da primeira empreitada de Tim Burton a frente das histórias do homem-morcego – em Batman– finalmente a Warner e seus produtores deram carta branca para o diretor e criador dar vazão a sua visão a respeito do cruzado encapuzado e o cenário ao redor, em especial o espírito que de certa forma, rondava Gotham. Se em Edward Mãos de Tesoura, ele critica fortemente a postura hipócrita e excludente dos suburbanos, a vez agora é a de analisar a ganância e egoísmo dos moradores das grandes cidades.
Batman: O Retorno não tem os nomes de Michelle Pfeiffer e Danny DeVito antes do herói Michael Keaton, mas é certamente é um filme sobre seus antagonistas, Mulher-Gato e Pinguim, além é claro do vilão especialmente convidado, Max Shreck (Christopher Walken). O prelúdio se passa anos antes do presente da trama, com os Coblepott abandonando seu filho recém-nascido, basicamente por conta de sua aparência monstruosa. Antes de ser abandonado, o bebê come o gato da família, para só então ser jogado em um cesto, indo direto para os esgotos da cidade.
No tempo corrente, a cidade do morcego sofre com a assombração de um bandido ligado a aves, uma lenda urbana que logo se mostra real, ao aparecer em meio ao discurso do pretenso Papai Noel da cidade, o magnata Shrek. A gangue do circo que acompanha o chefe do crime tem mais semelhanças com o Coringa, de Jack Nicholson, do que com o Pinguim. Wayne prossegue na batcaverna, entediado, a espera da chegada do batsinal. Bruce não tem vida, nada mais o entretêm, exceto quando está vestido com o objeto de seu medo, sempre na tentativa de vingar a memória de seus pais.
Família também é a palavra chave quando se fala Pinguim e Shrek, o homem deformado que mora com os excluídos da cidade e com seus próprios pinguins – por mais bizarro que possa ser terem aves invernais em um esgoto – raptam o magnata a fim de chantageá-lo, ameaçando declarar o seu envolvimento com despejo de dejetos tóxicos, em troca ele tentaria tornar a figura pitoresca do rotundo e baixinho antagonista em algo palatável e amável.
Enquanto isso, Selina Kyle é uma frustrada secretária de Shrek, uma mulher que se esconde atrás de seu uniforme de garota desinteressante um apetite voraz e uma vontade de vencer escondida pela monotonia do cotidiano e pelas humilhações que passa diariamente com seu patrão. Após, perceber o mal que o empregador faria a Gotham, sugando energia da cidade ao invés de gerar, ela é brutalmente assassinada, e na queda, é pega por um grupo de gatos, que após lamber suas feridas, e de alguma forma inexplicável, fazem ela retornar, anárquica e completamente maluca. Ao retornar para sua casa, ela repete a cena de introdução, dessa vez debochando do quão repetitivos sãos seus dias, e após um ataque de fúria que a faz destruir seus bichos de pelúcia e esticar um pedaço de couro, ao ponto de conseguir cobrir seu corpo magro em um traje pra lá de fetichista, que lembra muito aqueles usados em rituais de bondage. Toda essa sequência é pontuada por uma música tema poderosa, mais uma vez orquestrada por Danny Elfman.
Aos poucos, é construído em volta do Pinguim uma aura de normalidade. Ele descobre seu nome real, Oswald, e a partir daí a reação do povo é favorável a ele. O burburinho dos cidadãos soa completamente artificial e pueril, em mais uma demonstração gráfica do quão falsa é a base da sociedade moderna e não só a parte mais abastada. Em torno do bandido antagonista que DeVito executa é mostrado um humanoide de hábitos rudimentares, quase selvagens, tanto que Maximilian se aproxima dele oferecendo um peixe cru, além dele responder ao assessor da campanha com uma mordida no nariz, que faz o sujeito jorrar sangue. Suas vestes em casa são imundas, e ele parece estar sempre coberto de óleo.
A farsa não demora a ser descoberta, basicamente porque o personagem por mais insano e complexo que pareça, ainda assim é elemental e arquetípico, precisando sempre relembrar que é um vilão, um vilão que sente prazer em subjugar seu adversário heroico, no caso específico, o morcego. A fotografia de Stefan Czapsky compõe um quadro interessante junto a direção de arte de Bo Welch, tanto os cenários externos, cobertos de neve quanto as luzes contrastando com os ambientes fechados ficam lindos quando registrados pela cuidadosa câmera de Burton. A arquitetura também evoluiu, agora a cidade esfumaçada dá lugar a um lugar repleto de estátuas enormes, como se fossem parte de um circo enorme, o mesmo que Oswald Pinguim comanda. O apreço pelo expressionismo do diretor fica evidente.
Batman: O Retorno resgata elementos bíblicos para mostrar o terror da nova criatura de ódio criada para este capítulo, primeiro relembrando a tentativa de sacrifício dos primogênitos que ocorreu no livro do Êxodo a fim de matar Moisés, depois com um sacrifício do homem mau junto aos seus amigos incondicionais, que são os pinguins polares segurando bombas, semelhante ao que Abraão faria com Jacó, seu filho. A ideia de animais pilotando bombas é bastante ridícula, no entanto, a desculpa para mostrar novos equipamentos do Batman é muito bem-vinda, especialmente no que tange o veículo anfíbio do personagem, pois como lembrava o letreiro da série dos anos sessenta, essa é uma aventura escapista, que se parece e tem aroma das revistas em quadrinho antigas, fiel principalmente as HQs do período pós segunda guerra mundial onde os absurdos eram maiores, apesar do personagem ser tipicamente urbano e sem poderes.
Os trinta minutos finais são dedicados a finalmente fechar os arcos dos vilões, com a derrocada do Pinguim, que mais uma vez termina um ciclo sendo rejeitado, com Selina indo de encontro a Max para também ter sua vingança do homem que quase a matou e do herói percebendo tudo atônito, passivo e impotente. Em alguns momentos, Burton esquece que o heroísmo deveria recair sobre Wayne e sua real identidade, isso talvez porque o diretor queria fazer filmes episódicos, como eram os quadrinhos de linha, onde em alguns momentos o personagem título triunfa e em outros, apenas sobrevive. Infelizmente essa jornada foi interrompida, e o cineasta daria lugar à direção de Joel Schumacher, em Batman Eternamente, tendo quase todos os elementos plantados sumariamente ignorados nos filmes seguintes.
A neve que cai sobre o agora viúvo Bruce Wayne é a mostra singela de que o seu destino também ocorre graças a sorte e ao acaso, mostrando mais uma vez o herói sofredor ao não poder contar com sua amada ao lado, e nesse ponto, o texto de Daniel Waters e Sam Hamm não poderia ser mais fiel a lenda do Batman, um personagem trágico em essência.
Agatha Christie é a romancista mais bem sucedida da história em literatura popular no que diz respeito ao número total de livros vendidos, que juntos venderam por volta de 4 bilhões de cópias no decorrer dos últimos dois séculos, ficando somente atrás de William Shakespeare e da Bíblia Sagrada. Sua especialidade era escrever sobre romances policiais, o que lhe rendeu o apelido de “Dama do Crime”, sendo que seus livros renderam mais de quarenta adaptações para o cinema.
Assassinato no Expresso do Oriente é um de seus livros mais famosos e, inclusive, já rendeu uma adaptação para a tela grande sob a batuta do mestre Sidney Lumet, em 1974. O filme teve ao todo seis indicações ao Oscar, com Ingrid Bergman levando a estatueta de melhor atriz coadjuvante. Em 2017, coube ao veterano Kenneth Branagh o desafio de dirigir e estrelar uma nova adaptação do livro que promete superar o número de indicações à Academia e quem sabe até mesmo dobrar o número de vitórias em relação à adaptação anterior.
Tão logo o filme começa, somos apresentados ao simpático belga Hercules Poirot (Branagh), ou melhor, Hercule Poirot, no singular. Dotado de manias pela busca de equilíbrio e simetria (o que já rende boas risadas ao espectador), Poirot é simplesmente o maior detetive do mundo, como ele mesmo se denomina e com cinco minutos de fita, já descobrimos o motivo de tamanho orgulho para com si próprio e para com a sociedade, ao resolver um entrave ao pé do Muro das Lamentações, em Jerusalém. O detetive só quer voltar para sua casa, mas no meio do caminho, recebe notícias a respeito de um caso antigo e importante que o faz adiar seu retorno. É assim que Poirot embarca no Expresso do Oriente, um luxuoso trem de propriedade de seu amigo Bouc (Tom Bateman).
Dentro dos vagões somos apresentados ao grande elenco principal que compõe a história e que está recheado de bons atores. Johnny Depp é Edward Ratchett, um vendedor de artefatos falsos que angariou diversos inimigos ao longo dos anos. Trabalham para Ratchett seu secretário Hector McQueen (Josh Gad) e seu mordomo Edward Henry Masterman (Derek Jacobi). A jovem Daisy Ridley interpreta a governanta Mary Debenham, acompanhada de seu parceiro, o médico, Dr. Arbuthnot (Leslie Odom Jr.). Judi Dench interpreta a grosseira princesa Dragomiroff e Olivia Colman, sua empregada, Hildegarde Schmidt. Também temos Willem Dafoe interpretando Gerhard Hardman, Michelle Pfeiffer na pele da fogosa Caroline Hubbard, além de Penelope Cruz, que faz a religiosa Pilar Estravados. O elenco ainda é composto por Manuel Garcia Rulfo, Lucy Bointon e Sergei Polunin.
A paz dos personagens dentro do trem muda quando uma avalanche faz a locomotiva descarrilhar, obrigando toda a tripulação aguardar o resgate. As coisas ficam realmente complicadas quando um dos passageiros acaba por ser brutalmente assassinado em sua cabine durante a noite. Assim, Poirot decide investigar o crime a pedido de Bouc, e o escala para auxiliá-lo na investigação, uma vez que foi o único que dormiu fora do vagão em que ocorreu o crime, estando livre, portanto, de qualquer acusação, sendo todos os outros suspeitos em potencial.
O filme respeita exatamente aquilo que o gênero precisa e tudo que está em cena é para criar, de forma proposital, confusão na cabeça do espectador. Então, com o desenrolar da trama, mas antes do assassinato, aquele que assiste faz as suas apostas sobre quem será morto, sobre quem será o assassino, etc. Inclusive, temos desde o suspeito óbvio, até algumas pistas que estão na cara do espectador, mas que nem o olhar mais atento poderá sacar a jogada, além de reviravoltas interessantíssimas que culminam com o desenrolar do caso e que mexem com Poirot de forma profunda.
Os méritos – além de Agatha Christie ser totalmente responsável por ter criado todo esse universo, também são do roteirista Michael Green, que recentemente trabalhou em histórias e roteiros de filmes como Logan, Alien: Covenant e Blade Runner 2049, além de ter escrito e criado a série American Gods. O trabalho de direção de Kenneth Branagh desenvolveu um estilo de filmagem bastante interessante, sabendo se valer dos espaços restritos que tem a sua disposição em um trem, gerando cenas interessantíssimas de dentro das pequenas cabines e apertados corredores. Há de se destacar ainda, o belo plano-sequência que funciona em prol do roteiro, apresentando cada um dos personagens, como também a tomada aérea onde a câmera do diretor enquadra seus personagens em um corredor quase como remetendo a um tabuleiro de xadrez, com a disposição de suas peças. Seu trabalho como diretor sempre se dá em função da narrativa, como por exemplo nas cenas de interrogatório, onde os seus enquadramentos se dão através de vários espelhos, denotando como cada um desses personagens podem ser multifacetados.
Mas o destaque mesmo vem de sua brilhante atuação, que não seria de se estranhar se lhe rendesse sua quinta indicação ao Oscar. Aliás, existem grandes chances do personagem entrar para o “hall da fama” de queridos personagens da cultura pop. Branagh, ator provindo do teatro shakesperiano, sabe como ninguém construir a figura de Poirot em todo o seu desenvolvimento dramático, dosando quando necessário sua excitação em atuações mais contidas e extrapolando suas emoções em outros momentos. O cineasta sabe como ninguém colocar o peso das escolhas, ações e palavras de seu personagem.
Vale destacar que o filme termina com um gancho para adaptar outro clássico de Christie que também tem o detetive Poirot como protagonista, Morte No Nilo, de 1937. Assassinato no Expresso do Oriente agradou tanto os executivos que o sinal verde para a nova adaptação foi dado e deve trazer novamente Branagh tanto na pele do maior detetive do mundo, quanto na cadeira de direção.
Com um argumento interessante sobre uma ótica poucas vezes utilizada no filão Mafia Movies, Malavita traduz para a tela a rotina de uma família em que o patriarca Giovanni Manzoni – Robert De Niro – delatou seus paesanos, e está no presente momento realocada no programa de proteção a testemunha, migrando de cidade em cidade na França. A premissa chama atenção, mas o tom sério passa longe deste filme.
Luc Besson parece rememorar seus bons tempos de Quinto Elemento e apresenta uma comédia que parodia os inúmeros clichês de filmes de máfia, assim como o filme citado fazia piadas com ficção científica. É caricato e traz uma violência graficamente inverossímil e até engraçada em alguns pontos.
Os personagens são absurdamente agressivos, não só o pai, que era do crime organizado, mas também os dois filhos, Belle, interpretada por uma fetichista, Dianna Agron, e Warren feito por John D’Leo – o que leva a crer que a sanguinolência está no sangue, e é claro, por parte também de sua esposa Maggie – Michelle Pfeiffer, que possui uma personalidade sociopata tão agressiva e irascível quanto a do marido. O foco do filme é nessa relação familiar, que é mal construída.
O que também não ajuda a ambientar o espectador é a quantidade de incongruências. Giovanni é obviamente perseguido por seus antigos companheiros denunciados, e por isso troca de identidade, no entanto seus filhos e esposa permanecem com seus primeiros nomes intactos. Os Mafia Guys com metralhadoras não acertam as crianças, mas uma menina com pistolas consegue repeli-los e matar alguns, amedrontando os calejados bandidos – a inversão de papéis é uma piada clara, mas muito forçada. Usar a própria propriedade como cemitério para desafetos “apagados” também não é nada aconselhável. O modo como Don Lucchese descobre o paradeiro do traidor também é de uma conveniência absurda, mas é até tolerável em comparação com os outros problemas de roteiro.
Os momentos que retratam o período em que Giovanni estava com a sua “antiga família” são coloridíssimos – época áurea e de felicidade. Robert De Niro volta a fazer um pastiche da sua própria figura, o que é até interessante em dado momento. A relação entre sua vontade de escrever suas memórias é uma alegoria a ânsia por ser notado de novo e não passar o fim de sua vida no anonimato – o paralelo traçado com Os Bons Companheiros é de uma metalinguagem genialmente executada e escancara até para o espectador desatento que a motivação de Giovanni é fugir de ser mais um sujeito ordinário, em muito lembrando o protagonista de Goodfellas, Henry Hill, que não suportava a ideia de não ser alguém importante e que compartilha o mesmo destino de Gio, como protegido do governo federal sem muitos luxos.
Besson faz uma película de pura referência ao gênero, mas num formato caricatural, fazendo piadas com os elementos clichês comuns ao filão. A conclusão é deveras moralista, enfatizando a máxima de que o crime não compensa e que nunca é tarde para a redenção, uma pena, pois com um elenco que reúne De Niro, Vincent Pastore e Tommy Lee Jones, seria comum esperar algo mais maduro e não tão genérico.
A cada nova produção, Tim Burton divide seu público cativo. Grande parcela reconhece que as refilmagens feitas pelo diretor mais mancharam sua imagem do que deram vazão a sua criatividade. O que antigamente era visto como um excepcional estilo com uma parceria consagrada com um ator famoso, hoje pode ser motivo de riso pelo uso constante de Johnny Depp e da esposa Helena Bonham Carter como uma fórmula desgastada.
Torna-se difícil avaliar mais uma de suas produções sem questionar-se o que aconteceu com Burton, que teve fase excelente na década de noventa e, desde a regravação de Planetas dos Macacos, começou a tropeçar tanto nessas adaptações, tidas como obras contratuais, como naquelas de cunho mais autoral.
Após o imperdoável Alice No País das Maravilhas, carregado por seu estilo, retorcendo a história original, Sombras da Noite parecia ser uma história de retorno a sua origem gótica e ainda parodiando a demanda atual de filmes vampirescos. Baseada em uma série da década de sessenta, a trama nos apresenta Barnabás Collins, um sedutor que se transforma em vampiro devido a maldição de uma bruxa. Preso em seu caixão por duzentos anos, a personagem desperta e vive as transformações do mundo moderno, reencontrando sua cidade e o legado da família perto da falência, tentando reascendê-la na sociedade.
Se o ambiente parece uma retomada daquele primordial, o mesmo não pode se dizer da história. Mesmo com liberdade, o diretor teve que caminhar por uma trilha já fundamentada pela série televisiva, o que serve de impedimento para maior escopo criativo. A adaptação cinematográfica não justifica-se pela falta de uma trama interessante que se divide entre o amor e ódio do vampiro e da bruxa que o transformou.
Estranhamente, Johnny Depp está bem em seu papel de vampiro deslocado, deixando de lado a afetação que, desde o Capitão Jack Sparrow, surgiu em suas interpretações, compondo um personagem excêntrico, mas realista. Quem permanece sem atrativo é a esposa Bonham Carter. É inexplicável compreender, além dos laços familiares, porque o diretor insiste em usá-la sempre para o mesmo tipo de papel, inserindo-a mais como um dever do que como espaço, para que a atriz demonstre seu talento.
Torna-se impossível não pressupor que Depp, Burton e Bonham Carter reconheçam o declínio desta parceria. Porém, permanece a impressão de que, uma vez definidos, não há nenhuma vontade de inovação, já que este formato foi funcional diversas vezes. Talentosos todos são, mas parece que estão mais preguiçosos do que nunca.