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  • Crítica | Gangues de Nova York

    Crítica | Gangues de Nova York

    “Não era uma cidade. Estava mais para uma fornalha.”

    Costuma-se dizer que só dois cineastas conseguiriam fazer o filme definitivo sobre Nova York, e esses filhos da Big Apple com certeza já tentaram fazê-lo, uma porção de vezes: Woody Allen e Martin Scorsese. O primeiro só com Manhattan e Annie Hall já resumiria com todo humor e irreverência possíveis os conflitos que seres-humanos, adoravelmente imperfeitos, conseguem enfrentar em suas estripulias e pequenas aventuras cômicas num caos urbano sempre ironizado nas paranoias de Allen. Já o caos de Scorsese é visto pelos olhos da noite dos becos e ruas perigosas onde o bom-humor nem sempre dá o tom. Conhecido pela sua violência e realismo dramáticos, a Nova York de Scorsese só pode ser embalada pelo jazz (como de fato é, mas só em Nova York, Nova York) quando se propõe a tirar os pés do chão, e viver seus sonhos que só acontecem mesmo na Broadway.

    E nós já sabemos disso. Gangues de Nova York é o resultado frenético da progressão de Scorsese sobre os olhares da megalópole em que nasceu. Se essa ótica começou com grande propriedade em Caminhos Perigosos, evoluiu ao longo de décadas de filmes sempre a mostrar uma cidade ou no auge dos seus problemas, ou que merece ser homenageada por uma época que já virou um passado recente. No caso do épico de 2002, filme rodado na Itália e dependente, em absoluto, da sua ambiciosa e grandiloquente ambientação, uma iconografia decadente e ao mesmo tempo atraente, como se a Nova York do filme fosse um cenário primitivo ainda a ser explorado, Scorsese quis mostrar as raízes da sua cidade e seus habitantes pra aqueles que rejeitam ideais romantizados.

    Para isso, faz questão de lavar nos primeiros minutos seu chão de sangue, e é nele que as pessoas vão se banhar, e os prédios irão se erguer – com o povo já “civilizado” de Se Meu Apartamento Falasse substituindo a barbárie do séc. XIX. Logo em seguida, após o massacre que iria mudar para sempre a vida de Amsterdan Vallon, o garoto volta para NY, já homem, e antes de pisar na cidade, joga fora a bíblia que levava consigo. Não há mais lugar para o divino. Numa trama de vingança de Amsterdan com Bill – o Açougueiro, homem poderoso e influente que assassinou seu pai a sangue frio naquela tarde em que a neve das ruas ficou vermelha, o filme acaba sendo mais longo do que poderia ser, uma questão (e muitas vezes um problema) recorrente dos filmes de Scorsese, um eterno apaixonado por Cinema e pela arte e as artimanhas de fazê-lo.

    E é nessa duração excessiva que o cara por trás de Touro Indomável deita e rola, agora com Leonardo DiCaprio sendo seu novo pupilo e não mais Robert de Niro, nos entregando uma versão ainda inédita sobre uma cidade sem glamour algum. Suja, nojenta, e que só não nos lembra uma Londres vitoriana no auge da peste negra devido os tons mais quentes do visual, e a falta de sotaque britânico nos personagens. Gangues de Nova York evidencia a promessa amaldiçoada que a cidade foi, por muito tempo, muito por causa da violência do seu povo. A violência mora na alma predadora dos americanos, diz Scorsese em cenas chocantes como a do teatro, em que Bill percebe o plano de Amsterdan e combate sua vingança com grande fúria, mostrando em público o motivo de ser respeitado, e chamado de O Açougueiro.

    A edição brilha, os cenários mais ainda, mas os atores ainda mais. Daniel Day-Lewis é um titã, mestre irrefreável que desaparece nos seus personagens de forma assombrosa, sujando e chupando o sangue do rosto do seu Açougueiro como se ambos tomassem banho nele toda noite – e não duvidamos disso. Se Lewis é um monstro, tendo aprendido a usar facas e machados igual sua nova persona agressiva, DiCaprio e Cameron Diaz não deixam o nível da atuação ser inferior. Um apenas quer vingança, e a outra alguém a quem confiar para ganhar a vida em meio a uma selvageria masculina e uma brutalidade sem fim. Scorsese sempre extrai o melhor das atrizes e atores sob sua demanda, e Gangues de Nova York é mais um ótimo exemplo disso. A adaptação do livro de Herbert Asbury ganhou as telas pelas mãos certas, porém de forma um tanto excessiva, refletindo a cobiça do cineasta que tomou conta da história. Um tratado inconsistente, ainda que absurdamente expressivo sobre as raízes da América.

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  • Crítica | A Época da Inocência

    Crítica | A Época da Inocência

    O cinema pomposo e aristocrático de A Época da inocência não deixou tantas marcas no seu realizador, mas na nossa própria concepção sobre o seu talento. Ainda mais quando sabemos, de antemão, que o universo dele não é exatamente o mesmo cosmos de elegância e cascatas de white people problems que o vemos mergulhando sua maestria em prol de uma boa história adaptada de um livro de 1920, pronta então a ser narrada intrínseca e inseparavelmente às cadências de suas formas e elementos burgueses, históricos e orgulhosamente ingleses, dando vasão e embalando, assim e ao mesmo tempo, um cenário perfeito e basilar para um conto de amor no maior estilo Madame Bovary, acerca da desconstrução natural (ou talvez ante natural) do mais poderoso dos sentimentos universais. Algo trabalhado aqui na linha imperiosa e consciente de um legítimo “romance dos romances”.

    Curiosidade: Certa vez, ao ser indagado sobre Barry Lyndon, o gênio Stanley Kubrick não foi tão categórico assim, e afirmou que o Cinema oferece uma oportunidade melhor que qualquer outra forma de arte no que se refere a apresentar e emoldurar um tema histórico, seja lá qual seja este. De fato, Kubrick proporcionou essa experiência com a máxima exatidão e inserção possível nos anos 70, uma década depois de Luchino Visconti ter definido a visão acerca das aristocracias europeias em um dos maiores e melhores filmes da humanidade: O Leopardo, de 1963. Assim sendo, uma vez que o diretor de O Iluminado não conseguiu superar sua encenação ultra planejada, tornando Barry Lyndon algo belíssimo e gelado, Visconti atingiu com perfeição diamantífera uma sensação palpável de como é pertencer a um mundo de intrigas inescrutáveis, dinheiro, poder e desconfiança fartos a influenciar todas as suas relações, orgulhos e preconceitos.

    Cortando para década de 90, temos o famoso Martin Scorsese abandonado a selvageria urbana de Nova York, e aventurando-se em mares desconhecidos que tentou traduzir, e transmitir as suas verdades, do livro para a tela que esse já conhecia muito bem. O charmoso A Época da Inocência vale principalmente por isso, sendo mais uma aula de cinema hollywoodiano pelas mãos de Scorsese, constante e quase sem sobressaltos como não é de se esperar dele, mas desta vez com muito menos paixão e envolvimento genuíno por conta do nosso realizador, tentando nos convencer estar por dentro da pompa que cerca e compõe costumes majestosos, guiados por posições sociais e baseados por um luxo que atinge as arrais do existencial entre bailes, óperas e tardes ensolaradas treinando arco e flecha em parques ingleses de impecável graça aos bem nascidos.

    Enquanto o bon-vivant Newland Archer (Daniel Day-Lewis, sempre atuando com os olhos) se divide entre a segurança de sua adorável e sentimental noiva May Welland (Wynona Rider, a Joyce de Stranger Things), e a possibilidade inocente e quase irresistível de um novo amor mais maduro e mais difícil, e que faz girar o seu mundo de ponta a cabeça, como bem simboliza a linda cena do ensaio fotográfico (que o próprio cineasta faz uma ponta, atuando como o fotógrafo), o filme se revela não um estudo de inserção, mas de observação de um universo que o observador não faz parte, mas anseia por decifrar, cena após cena, conflito após conflito, e que, sob a regência de Scorsese e suas ótimas atuações (em especial a de Rider), se tornam deliciosamente reais, fortes, e calcados num drama tão quente e envolvente quanto os olhos cândidos de Newland encontrando sua amante, beijando seus pés de seda. Mais um homem refém do proibido.

    Eis um filme caprichado em sua estilização, e sem ser afetado por ela ao longo de suas duas horas, como é importante frisar. A Época da Inocência conta com um dos mais belos trabalhos de figurino e direção de arte dos anos 90, junto de Titanic e o asiático Adeus Minha Concubina. É incrível sentir toda a nobreza da história também através dos seus bordados, cenários e guarda-chuvas cor de rosa, meticulosamente elaborados num trabalho original notável até para o mais leigo e acrítico dos espectadores. Mesmo assim, nem a mais bela das alegorias escondem o desafio que foi para Scorsese trocar o sangue amargo dos seus Os Bons Companheiros, pelo chá e os pés de seda de finas damas europeias. Contudo, mesmo sem negar agir como mero observador de uma burguesia deveras distante, eis um filme seguro de si, e que ainda acha espaço para admirar também um estilo de vida que se perdeu no tempo, e que, como Kubrick afirmou, o Cinema consegue eternizar melhor que qualquer outra invenção humana até então.

     

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  • Crítica | Trama Fantasma

    Crítica | Trama Fantasma

    O cinema de Paul Thomas Anderson é bem visto pela academia e pelo público cinéfilo desde muito tempo, e não é à toa. Boogie Nights: Prazer Sem Limites, MagnóliaO Mestre são filmes seminais e sensíveis, e mesmo produtos de qualidade mais discutível como Vício Inerente, tem coisas extremamente positivas em si. Em Trama Fantasma ele se junta novamente a Daniel Day-Lewis que já havia feito consigo Sangue Negro. Aqui, ele vive o costureiro Reynolds Woodcock, um homem recluso e metódico, que habita como um pária a Londres dos anos 1950.

    A vontade de não aparecer contrasta com o glamour que as peças de Woodcock exalam, mas casam também com o perfil de inúmeros artistas que não conseguem lidar bem com a fama ou com a invasão de privacidade decorrente dela. Esse comentário é feito de maneira sutil e se vê muito mais nas expressões dos personagens periféricos e nas pequenas atitudes do protagonista do que nos diálogos previstos no roteiro. Em uma das suas experiências de isolamento, ele encontra Alma (Vicky Krieps), uma garçonete de beleza moderada, mas que para o artista, contém um potencial tremendo, vindo a transformá-la em sua musa e amante.

    A fotografia não creditada ao próprio Anderson casa maravilhosamente com a direção de arte de Chris Peters e Adam Squires, que constrói uma Inglaterra antiga unindo credibilidade e o lúdico de uma maneira ímpar. Todo aquele universo de glamour e fantasia cria um outro mundo paralelo, em que a anestesia de seus habitantes prevalece e é repassada a qualquer pessoa que vive as sensações que cercam Woodcock. Dentro desse microcosmo, não há espaço para sentimentos comuns e usuais, ao contrário, toda expectativa é subvertida para um olhar niilista e insensível, replicando um pouco da alma do personagem principal. A personagem de Krieps chega a verbalizar seu incômodo de não saber quais os motivos de estar ao lado de Woodcock, já que a distância da humanidade de seu par a deixa insegura. Há uma preocupação genuína do texto em construir um personagem que une harmonicamente as condições de pessoa admirável e digna de ódio.

    A solidão que Woodcock se obriga a viver passa por egoísmos e inseguranças que permeiam a vida humana, sendo essa um dos poucos momentos em que ele se mostra como uma pessoa comum. Um gênio não é livre dos defeitos que um homem ordinário tem, pelo contrário, sua figura endeusada reúne defeitos que pessoas que passam reais dificuldades conseguem driblar com mais facilidade, em especial as armadilhas de vaidade.

    É incrível como Paul Thomas Anderson se autorreferencia, uma vez que Trama Fantasma guarda muitas semelhanças com O Mestre, usando seu drama como pretexto para desconstruir imagens de pessoas fortes e inspiradoras, sendo que em seu filme antigo era um figura religiosa e nessa versão é um artista de alma e espírito aflitos. Apesar de o filme de 2012 ser mais inspirado, esse é mais carregado de comentários metalinguísticos, em especial na crítica a quem produz e faz arte, fato que só engrandece a obra final.

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  • Crítica | O Último dos Moicanos

    Crítica | O Último dos Moicanos

    O Último dos Moicanos (The Last of The Mohicans, EUA, 1992, Dir: Michael Mann) é daqueles filmes que poderiam surpreender como um dos melhores da década, mas não chega lá, mesmo com a direção de Michael Mann e tendo Daniel Day-Lewis e Madeleine Stowe como protagonistas. Durante a guerra franco-inglesa na América com a participação de diversas tribos indígenas, Nathaniel Hawkeye, um branco criado por índios moicanos, se apaixona pela filha de um coronel inglês e ajuda a protegê-la e a sua irmã da nação inimiga huron.

    O roteiro escrito pelo diretor junto de Christopher Crowe, baseado no livro de James Fenimore Cooper, segue a estrutura de filme de guerra na sua primeira metade. Quando as filhas do coronel inglês são atacadas pela traição dos hurons e mohawks, e depois salvas pelos moicanos e levadas ao forte, temos a premissa do filme: a frágil aliança entre homem branco e povos indígenas na América colonial.

    Ao termos como protagonista e herói um homem branco como filho do líder dos moicanos, o filme sintetiza toda a forma de colonização do continente americano e expõe os seus problemas. Um homem branco abandonou a civilização e foi viver entre os indígenas, desta forma, ele está recusando o seu passado? Ele se recusa a participar da guerra entre franceses e ingleses, ele é confiável para os homens brancos ou até mesmo entre os moicanos? Ao se apaixonar por uma mulher branca, Hawkeye vai voltar a ser Nathaniel Poe e negar a sua criação entre os moicanos?

    A divisão que a narrativa promove deixa a história mais interessante, abandonando a guerra franco-inglesa para a disputa entre moicanos e hurons. O tom de aventura passa a ditar a história e o embate entre Hawkeye e Magua se torna inevitável, mesmo que este aconteça entre o seu pai adotivo e chefe, Chingachgook (o verdadeiro último dos moicanos) e o antagonista.

    A atuação de Daniel Day-Lewis se mantém num nível acima dos demais, porém o roteiro poderia dar mais destaque à sua capacidade dramática ao invés de dilui-la em suas cenas de ação. Inclusive tem um vídeo no youtube só com as cenas onde ele só corre. Madeleine Stowe consegue imprimir o que as cenas pedem à ela. Outro destaque do elenco é Wes Studi como o antagonista Magua, da nação inimiga dos hurons.

    Daniel Day-Lewis correndo.

    A direção de Michael Mann difere de todos seus filmes, geralmente policiais e urbanos, para uma aventura histórica. Ele consegue tirar boa atuação do elenco, ainda que limitados pelas cenas de aventura do roteiro. Porém, a decupagem, posição da câmera e o enquadramento mantém a qualidade de Mann como um grande diretor, mesmo estando fora do seu porto seguro.

    A fotografia do italiano Dante Spinotti é naturalista dentro do possível do que o roteiro e a direção pedem. A edição de Dov Hoenig e Arthur Schmidt é linear e invisível, mas se destaca nas cenas de batalha, como quando eles são surpreendidos, e nas mortes finais, como a da Alice Munro e de Magua.

    O Último dos Moicanos ainda mantém uma qualidade, fazendo com que possa ser apreciado ao longo dos anos. Mesmo não sendo a obra prima que poderia ser, o filme chama a atenção pela forte história e todas as questões que levanta ao longo de quase duas horas.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Lincoln

    Crítica | Lincoln

    lincoln

    Spielberg foi por muito tempo um marco do cinema hollywoodiano: seus sucessos comerciais, como Tubarão e Indiana Jones, entraram para a história e, em A Lista de Schindler e O Resgate do Soldado Ryan, ele parecia ser o grande herdeiro do cinema clássico americano. No entanto, já há alguns anos o diretor vem perdendo a relevância, e cada novo filme seu parece apenas mais do mesmo: formulaico e um tanto monótono.

    Lincoln, embora melhor do que Cavalo de Guerra, não é muito diferente. O filme não é uma biografia do ex-presidente, mas se foca nos esforços deste para aprovar a 13ª emenda à constituição americana, que aboliria a escravidão em todo país e assim poria fim à Guerra de Secessão. Dessa forma, quase toda a ação é composta pelo jogo político: senadores convencendo uns aos outros, subornando, ameaçando. E a tensão fica por conta da aprovação ou não da emenda.

    A escolha do tema é acertada: a abolição da escravidão é algo que desperta a simpatia do espectador, algo pelo qual é possível torcer. Mas o filme não tem tensão: o espectador, mesmo que desconheça a história americana, adivinha de início o final e todos os artifícios de Spielberg para disfarçar o desfecho soam como clichês ineficientes.

    Por outro lado, o jogo político em si não deixa de ser interessante, principalmente quando se considera que o partido de Lincoln, a favor da abolição, era o partido Republicano. Outro ponto forte do filme é o próprio personagem central: para os americanos, Lincoln é uma figura gigantesca, quase mítica; para nós ele não possui o mesmo aspecto, mas Daniel Day-Lewis consegue infundir humanidade e dimensão no presidente. Não é que a atuação de Lewis seja excepcional: ele é sempre um excelente ator, mas não faz aqui nada além do esperado. Ainda assim, seu carisma carrega o filme e faz com que o espectador se apegue ao personagem.

    Talvez o maior problema aqui seja que Spielberg leva seu filme a sério demais: a fotografia é escura, contrastada e dramática, e os tons do cenário e do figurino, todos cinzentos. Spielberg quer enfatizar a todo momento o drama da Guerra de Secessão, os horrores que estavam sendo combatidos por seu personagem e ainda se manter fiel à história de uma forma quase didática. Nesse esforço ele perde o que seu filme poderia ter de melhor: a ironia fina, o caráter forte e a excentricidade do próprio Abraham Lincoln. É um filme potencialmente interessante, mas que se torna monótono por excesso de reverência.

    Além disso, no final, o filme se arrasta por uns 30 minutos desnecessários. Lincoln não se propõe a ser uma biografia, mas um recorte de um momento específico na vida do presidente; ainda assim, se alonga até seu assassinato, que, desconexo da história, faz com que Spielberg perca um ótimo final e com que seu filme perca boa parte da força.

    No fim, Lincoln não é um filme ruim, nem chega a ser excessivamente chato: tem momentos interessantes e alguns pontos fortes. Mas é facilmente esquecível, um filme preso em esquemas e fórmulas prontas.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Sangue Negro

    Crítica | Sangue Negro

    Sangue Negro

    Sangue Negro é mais uma obra-prima concebida pelo cineasta Paul Thomas Anderson. Em doze anos ele só fez quatro longas (Jogada de Risco, Boogie Nights, Magnólia e Embriagado de Amor), mas todos possuem uma enorme representatividade para a sétima arte. Anderson realiza um cinema de autor contemporâneo no mesmo nível de outros mestres, como Orson Welles, John Houston e Stanley Kubrick. O filme concorre a 8 Oscar e mesmo se for derrotado, já faz parte da história do cinema pelos seus enquadramentos suntuosos, planos memoráveis e um profundo desenvolvimento de roteiro e personagem.

    A história pode ser encarada como uma sombria fábula norte-americana sobre a relação do petróleo com a sociedade estadunidense. Ao mesmo tempo flerta com algumas características do western, como o desbravamento de territórios virgens em busca de riquezas. Independente da combinação de gêneros, o filme é um retrato denso sobre um homem implacavelmente ambicioso conquistando tudo para terminar com nada, tendo a indústria do petróleo como cenário. Impossível não traçar um paralelo com a situação política atual nos Estados Unidos. O roteiro escrito por Anderson é baseado no livro Oil, de Upton Sinclair, publicado em 1927. Ele tomou várias liberdades e mudou diversas passagens do livro. Um exemplo foi a mudança do protagonista, que deixou de ser o filho para se tornar o pai.

    Na trama, acompanhamos a vida de Daniel Plainview (Daniel Day Lewis) por 3 décadas. Em 1898, ele esta a procura de ouro em um poço em sua propriedade no Texas. Ele encontra o metal amarelo junto com petróleo. Anos depois ele mudou seu objetivo unicamente para o ouro negro, tendo contratado homens para ajudá-lo. Um acidente resulta na morte de um de seus empregados. Daniel acaba herdando um órfão que ele assume como filho e lhe dá o nome de H.W. Em 1912, Daniel já é um homem reconhecido pelo seu pequeno império de poços de petróleo. Ele é procurado por jovem chamado Paul Sunday (Paul Dano) que lhe negocia por dinheiro uma informação sobre um território rico em Petróleo na Califórnia. Acompanhado de seu filho (Dillon Freasier) e seu sócio Fletcher (Ciarán Hinds), ele viaja até o local. Ao chegar lá, descobre uma região riquíssima de petróleo. Ele compra todas as terras com exceção de uma. Além de pagar os proprietários, Daniel precisa negociar com o crente Eli Sunday (Paul Dano), irmão de Paul.

    Uma série de conflitos irá marcar a relação entre o pastor e Daniel. Percebem-se também as similaridades entre os dois, até porque religião e capitalismo sempre andaram lado a lado. Anderson demonstra que crença e dinheiro se equivalem, quando comandados por homens sem escrúpulo impregnados por cobiça. O título original (There will be blood) sugere uma parábola bíblica do Velho Testamento, em que o egoísmo e a ambição sem limites será a causa de sua destruição. Interessante que mesmo não sendo um homem de fé, a forma que Daniel explica sobre suas intenções para os proprietários de terra, remete a figura de Moisés garantindo para os judeus que os levará para Terra Prometida.

    Através do confronto entre Daniel e Eli, o espectador é brindado por uma das interpretações mais arrebatadoras dos últimos anos. Paul Dano sai-se bem, mas é impossível desgrudar os olhos de Daniel Day Lewis (que já venceu o Globo de Ouro). O personagem interpretado por ele é uma combinação de paradoxos. Características como grosseria, carisma, teimosia, paciência, violência e suavidade, entre outras, surgem muitas vezes em uma mesma cena. Esse jogo de contradições o torna um personagem praticamente real. A atuação fantástica de Day Lewis corrobora esse desfile de emoções e sentimentos. Seu desempenho hipnotiza pela maneira que cada gesto e nuance foi executada. A transformação do personagem vai acontecendo a cada nova passagem até atingir a loucura. Lembra Dobbs, personagem interpretado de maneira irretocável por Humphrey Bogart em “O Tesouro de Sierra Madre”, de John Houston. A performance de Day Lewis é com certeza uma das melhores em anos. Não deveria nem haver disputa pelo Oscar.

    Esse desempenho impecável de Lewis ganha a companhia de um impressionante virtuosismo técnico de Anderson. O cineasta trabalha diversas sequências de maneira épica. No inicio o impacto reside em uma série de tomadas cuidadosamente programadas para criar uma atmosfera decrépita. Anderson optou em não usar diálogos ou trilha. O silencio é a ferramenta empregada. O ritmo dessas imagens são obtidos através do posicionamento da câmera. A cada nova passagem de tempo, Anderson propõe novas perspectivas do ponto de vista imagético. Todo esse maneirismo visual apoiado pela fotografia deslumbrante de Robert Elswit, que contrasta vastas paisagens com close-ups. A trilha sonora composta por Jonny Greenwood, guitarrista do grupo Radiohead, também encanta pela maneira que o músico uniu instrumentos de corda com percussão.

    Além de todo esse apuro técnico, Anderson cria mais um elemento psicológico repleto de camadas de significação, que visa provocar outros debates e reflexões sobre as motivações dos personagens. A princípio, Paul e Eli Sunday são irmãos gêmeos, mas talvez não sejam, pois isso nunca é mencionado durante a projeção. Um outro fator é que nunca aparecem juntos. Isso pode significar uma dupla personalidade doentia em que Paul/Eli são a mesma pessoa. Um pequeno recurso dramático, quase imperceptível, mas extremamente genial.

    Texto de autoria de Mario Abbade.