Bem-vindos a bordo. Filipe Pereira (@filipepereiral | @filipepereirareal), Bernardo Mazzei (@be_mazzei) e Jackson Good (@jacksgood) se reúnem para comentar sobre os principais lançamentos nos cinemas e TV para o ano de 2022 e as principais expectativas.
Duração: 89 min.
Edição: Flávio Vieira Trilha Sonora: Flávio Vieira
Arte do Banner: Bruno Gaspar
Lançado para a televisão, dirigido por Frank Pierson, Conspiração foi um filme lançado em 2001, que começa com a arrumação de uma casa em Hansee, no subúrbio de Berlim, onde ocorre a preparação para a chegada de alguém importante. Serviçais e empregadas abrem lençóis, servem mesas, varrem o assoalho e preparam comida suficiente para um banquete. Quem está organizando esse evento, é Adolf Eichmann, personagem de Stanley Tucci que aliás, está muito bem fazendo um anfitrião que aparenta calma e apatia mas que esconde uma enorme tensão e expectativa pelo encontro que ocorrerá. Eles esperam a chegada de Reinhard Heydrich (Kenneth Branagh) um general da SS que liderará uma reunião sobre o futuro da guerra, ao menos no que tange o Reich.
O filme é muito baseado em seus atores. Tucci está muito a vontade, mostrando que sua ansiedade não é só com o rumo de sua vida futura, mas obviamente também dos rumos da guerra, que serão de certa forma decididos naquela refeição/reunião. Se nota o senso de urgência no semblante do ator ítalo-americano, assim como se percebe uma altivez na versão que Branagh entrega do chefe do exercito alemão.
Há uma certa demora na chegada dos integrantes da reunia, e uma enorme liturgia na recepção dos mesmos. O modo como cada um deles é apresentado mostra não só a importância do ajuntamento, mas também que segredos muito grandes estão para ser discutidos. Outro aspecto que deixa isso muito claro é a câmera, que fica bem próxima dos convidados, e vez por outra varia rapidamente entre os ombros de uma pessoa para logo depois passear pelo rosto e corpo da pessoa que está no hemisfério oposto.
Um dos personagens que logo de cara parece importante, é o Dr. Wilhelm Stuckart (Colin Firth), mas só se nota realmente qual é sua importância quando as conversas começam a ficar mais séria. Conspiração é claramente um filme de diálogo, com boa parte dele se passando em conversas durante o jantar e pelas estratégias, mas se seu título fosse Consenso, não seria estranho, uma vez que a maioria dos assuntos “debatidos”, são simplesmente impostos se não houvesse vozes dissonantes ali, embora haja um ou outro incômodo por parte dos mais escrupulosos.
O começo das conversações é sobre coisas e eventos triviais, não há nada muito fora do ordinário. Tendo ciência dos rumos da guerra, da humilhação imposta aos judeus, as mortes que foram causadas. Ver discussões sobre gastos, sobre organização ou sobre o que será ou não consumidos nos territórios e nas estalagens militares é bizarro, especialmente por que os personagens, com a pompa de serem homens importantes falando como se fosse normal o fuzilamento de judeus ou de meio-judeus é no mínimo estarrecedor. Tentar amenizar isso beira o irreal, no entanto é fato que aconteceu e é fato que a historia se repete nesse sentido, de se normalizar certos tipos de comportamentos extremos, como se não houvesse qualquer incomodo ou erro nesse tipo de comportamento quando a segregação deveria só ser combatida por qualquer tipo de liderança de esquerda ou progressista, ou conservadora e direita como é com os alemães.
Se demora mais de um terço do filme para haver a primeira discussão mais incisiva, quando um dos generais diz que não vê necessidade em exterminar os judeus nos campos ou cidades, quando “só” expulsá-los seria o suficiente. Também se tenta passar como lei a regra de esterilização dos judeus, como método para controlar o estado de saúde na Polônia e outras nações que fazem parte do território sob as ordens de Hitler.
Mesmo com toada a frieza nas discussões e na leitura dos relatórios de quantos morreram nas câmaras de gás, há de se lembrar que se tratam de homens, de pessoas de carne e osso, que tem alma, que fazem suas necessidades como quaisquer outras e que não tem (em sua maioria pelo menos), qualquer receio de parecer ou não monstruosos. Conspiração termina sem muitas viradas narrativas, é um filme de diálogo e que precisa muito do desempenho de seu elenco, que aliás, está afiadíssimo. Antes dos créditos finais, é dito o destino de cada um dos que lá estavam, e se nota impressionantemente o quão pequenas foram as penas de todos, e talvez essa historia jamais tivesse chegado ao conhecimento geral caso houvesse esforço de procura de registros e investigação para muito além do Tribunal de Nuremberg.
Agatha Christie é a romancista mais bem sucedida da história em literatura popular no que diz respeito ao número total de livros vendidos, que juntos venderam por volta de 4 bilhões de cópias no decorrer dos últimos dois séculos, ficando somente atrás de William Shakespeare e da Bíblia Sagrada. Sua especialidade era escrever sobre romances policiais, o que lhe rendeu o apelido de “Dama do Crime”, sendo que seus livros renderam mais de quarenta adaptações para o cinema.
Assassinato no Expresso do Oriente é um de seus livros mais famosos e, inclusive, já rendeu uma adaptação para a tela grande sob a batuta do mestre Sidney Lumet, em 1974. O filme teve ao todo seis indicações ao Oscar, com Ingrid Bergman levando a estatueta de melhor atriz coadjuvante. Em 2017, coube ao veterano Kenneth Branagh o desafio de dirigir e estrelar uma nova adaptação do livro que promete superar o número de indicações à Academia e quem sabe até mesmo dobrar o número de vitórias em relação à adaptação anterior.
Tão logo o filme começa, somos apresentados ao simpático belga Hercules Poirot (Branagh), ou melhor, Hercule Poirot, no singular. Dotado de manias pela busca de equilíbrio e simetria (o que já rende boas risadas ao espectador), Poirot é simplesmente o maior detetive do mundo, como ele mesmo se denomina e com cinco minutos de fita, já descobrimos o motivo de tamanho orgulho para com si próprio e para com a sociedade, ao resolver um entrave ao pé do Muro das Lamentações, em Jerusalém. O detetive só quer voltar para sua casa, mas no meio do caminho, recebe notícias a respeito de um caso antigo e importante que o faz adiar seu retorno. É assim que Poirot embarca no Expresso do Oriente, um luxuoso trem de propriedade de seu amigo Bouc (Tom Bateman).
Dentro dos vagões somos apresentados ao grande elenco principal que compõe a história e que está recheado de bons atores. Johnny Depp é Edward Ratchett, um vendedor de artefatos falsos que angariou diversos inimigos ao longo dos anos. Trabalham para Ratchett seu secretário Hector McQueen (Josh Gad) e seu mordomo Edward Henry Masterman (Derek Jacobi). A jovem Daisy Ridley interpreta a governanta Mary Debenham, acompanhada de seu parceiro, o médico, Dr. Arbuthnot (Leslie Odom Jr.). Judi Dench interpreta a grosseira princesa Dragomiroff e Olivia Colman, sua empregada, Hildegarde Schmidt. Também temos Willem Dafoe interpretando Gerhard Hardman, Michelle Pfeiffer na pele da fogosa Caroline Hubbard, além de Penelope Cruz, que faz a religiosa Pilar Estravados. O elenco ainda é composto por Manuel Garcia Rulfo, Lucy Bointon e Sergei Polunin.
A paz dos personagens dentro do trem muda quando uma avalanche faz a locomotiva descarrilhar, obrigando toda a tripulação aguardar o resgate. As coisas ficam realmente complicadas quando um dos passageiros acaba por ser brutalmente assassinado em sua cabine durante a noite. Assim, Poirot decide investigar o crime a pedido de Bouc, e o escala para auxiliá-lo na investigação, uma vez que foi o único que dormiu fora do vagão em que ocorreu o crime, estando livre, portanto, de qualquer acusação, sendo todos os outros suspeitos em potencial.
O filme respeita exatamente aquilo que o gênero precisa e tudo que está em cena é para criar, de forma proposital, confusão na cabeça do espectador. Então, com o desenrolar da trama, mas antes do assassinato, aquele que assiste faz as suas apostas sobre quem será morto, sobre quem será o assassino, etc. Inclusive, temos desde o suspeito óbvio, até algumas pistas que estão na cara do espectador, mas que nem o olhar mais atento poderá sacar a jogada, além de reviravoltas interessantíssimas que culminam com o desenrolar do caso e que mexem com Poirot de forma profunda.
Os méritos – além de Agatha Christie ser totalmente responsável por ter criado todo esse universo, também são do roteirista Michael Green, que recentemente trabalhou em histórias e roteiros de filmes como Logan, Alien: Covenant e Blade Runner 2049, além de ter escrito e criado a série American Gods. O trabalho de direção de Kenneth Branagh desenvolveu um estilo de filmagem bastante interessante, sabendo se valer dos espaços restritos que tem a sua disposição em um trem, gerando cenas interessantíssimas de dentro das pequenas cabines e apertados corredores. Há de se destacar ainda, o belo plano-sequência que funciona em prol do roteiro, apresentando cada um dos personagens, como também a tomada aérea onde a câmera do diretor enquadra seus personagens em um corredor quase como remetendo a um tabuleiro de xadrez, com a disposição de suas peças. Seu trabalho como diretor sempre se dá em função da narrativa, como por exemplo nas cenas de interrogatório, onde os seus enquadramentos se dão através de vários espelhos, denotando como cada um desses personagens podem ser multifacetados.
Mas o destaque mesmo vem de sua brilhante atuação, que não seria de se estranhar se lhe rendesse sua quinta indicação ao Oscar. Aliás, existem grandes chances do personagem entrar para o “hall da fama” de queridos personagens da cultura pop. Branagh, ator provindo do teatro shakesperiano, sabe como ninguém construir a figura de Poirot em todo o seu desenvolvimento dramático, dosando quando necessário sua excitação em atuações mais contidas e extrapolando suas emoções em outros momentos. O cineasta sabe como ninguém colocar o peso das escolhas, ações e palavras de seu personagem.
Vale destacar que o filme termina com um gancho para adaptar outro clássico de Christie que também tem o detetive Poirot como protagonista, Morte No Nilo, de 1937. Assassinato no Expresso do Oriente agradou tanto os executivos que o sinal verde para a nova adaptação foi dado e deve trazer novamente Branagh tanto na pele do maior detetive do mundo, quanto na cadeira de direção.
A história universal da humanidade se baseia, na medida do possível, na identificação de fatos e acontecimentos históricos. Conjecturas e possibilidades não se encaixam nesta linha, ainda que certas ações possibilitem a reflexão sobre se os rumos da história se modificariam caso certos planos fossem adequadamente executados.
Operação Valquíria suscita tais questionamentos ao apresentar um plano, de parte dos militares alemães, para assassinar Hitler. Um acontecimento real, dentre os mais de 15 ataques contra a vida do ditador, em uma versão cinematográfica dirigida por Bryan Singer e com Tom Cruise no elenco. A produção talvez seja o filme mais dissonante de Singer. A bilheteria foi aquém do esperado, e o tema, diferente da narrativa usual do diretor. Ainda que as críticas feitas à produção devessem ser reconsideradas.
Em um apoio fiel aos fatos históricos, a trama resgata um momento luminoso na história alemã em um bom thriller de guerra. As primeiras cenas feitas em língua alemã demonstram a intenção de fidelidade histórica. Quando a língua é modificada para o inglês, o público compreende que se trata de uma liberdade cinematográfica devido à origem de seus atores. Uma estratégia interessante que explicita a visão cinematográfica do acontecimento, um fator linguístico que foge das línguas-mãe de cada país e é motivo de reclamações por parte de críticos e público.
A narrativa enfoca o plano de assassinato de Hitler considerando que o público compreende as bases fundamentadas na história da Segunda Guerra Mundial. Os militares perdem a visão uníssona devido a um grupo dissidente contra as ações do Führer , criando uma resistência interna que decide uma maneira radical de encerrar o conflito e reestruturar o país após a morte do líder.
O general Stauffenberg se torna o personagem chave do grupo para desenvolver uma estratégia efetiva para matar Hitler. Vindo do front da África, após uma explosão que lhe custou as mãos e um olho, a personagem interpretada por Tom Cruise reconhece que a condução desta guerra adquiriu contornos exagerados. Apoiando-se em um plano de contingência desenvolvido pelo próprio ditador, surge a Operação Valquíria, uma manobra criada para caso o líder fosse abatido ou surgisse um conflito interno de poder. Mesmo que o público reconheça de antemão que a operação foi um fracasso, e que estendeu por mais nove meses a guerra até o suicídio de Hitler, o roteiro de Christopher McQuarrie e Nathan Alexander sustenta o suspense e a tensão, como se a revelação deste fato não fosse importante, intensificando a conspiração dentro dos frontes internos.
No papel central, Tom Cruise se destaca com um personagem enérgico mas ponderado, demonstrando que brilha como ator fora de seus personagens habituais de galãs. Além de sua participação, o elenco é formado por grandes atores que se sobressaem em poucos papéis principais, como Bill Nighy (perfeitamente caracterizado como Friedrich Olbricht), Tom Wilkinson, Terence Stamp e Kenneth Branagh. A reconstrução de época ajuda a enfatizar um momento da história mundial que boa parte conhece apenas por narrativas. A câmera de Singer abrange o esplendor da visão alemã em câmeras panorâmicas, apresentando toda a pompa pela qual o nacionalismo alemão foi sustentado.
A operação foi o último atentado registrado contra Hitler e dá margem para uma reflexão: se o plano fosse bem-sucedido, mudaria de forma eficiente a transição do pós-guerra? De qualquer maneira, a estratégia demonstra que a visão de uma Alemanha apoiando seu líder de maneira cega é inadequada, destacando um bonito momento histórico de resistência interna de um grupo, considerado traidor e executado como tal, mas hoje símbolo de resistência contra um legado negro da humanidade.
Bem-vindos a bordo. Filipe Pereira e Marcos Paulo recebem os companheiros do Cine Masmorra, Marcos Noriega e Angélica Hellish para comentar um pouco sobre cinema e a série Demolidor.
Duração: 104 min. Edição: Wilker Medeiros Trilha Sonora: Wilker Medeiros
Arte do Banner: Bruno Gaspar
E viveram felizes para sempre (Ninguém precisa saber o que vem depois, porque o depois existe tanto quanto Branca de Neve e Aladdin). Porque viver nas “delícias da incerteza” para sempre é o melhor ponto final que um filme poderia ter, sendo que, mesmo a um esquizofrênico, a vida não acolhe infinitos. Mas no cinema, num livro, na arte, querer saber o depois é demais, não interessa. Perde-se a elegância, e o sonho já começa a virar real. Perde-se a graça, indo embora o que faz do sonho um sonho – nada mais, nada menos. E sabe quando você assiste a um filme e dois minutos depois do início você sabe perfeitamente como tudo vai ser? Essa obviedade de sentidos é o grande trunfo de Cinderela, a melhor e mais serena releitura do filme que salvou os estúdios Disney em 1950, fato. Um bom exercício de interpretação é assistir a esse encantador manifesto de Kenneth Branagh e emendar com a versão Romero Britto de Alice, de Tim Burton. O que há de diferente e qual proposta (intenção) combina e enriquece mais a abordagem (realização)? É tudo apenas uma questão de estilo e gosto? Perguntas que convido o leitor a responder.
Um manifesto a favor do que de melhor o Cinema pode oferecer a um material caído no colo da cultura popular – a jovem borralheira de madrasta má, blábláblá –, e que por isso não carece de cópia ou desconstrução da mitologia original. Um manifesto pelo direito de dar continuidade à magia sem vomitar regras, e principalmente, de seduzir o público pelo resgate dessa magia em tempos tão realistas quanto o nosso. Choram as rosas, poesia é o que não falta, e cor, clareza nas ideias e olhos nos olhos, dança e sorrisos, lágrimas e trilha sonora num filme-spoiler assumido e orgulhoso por ser assim: deliciosamente previsível. Um filme renascentista, no melhor uso do termo, em que a harmonia entre os conflitos é inquebrável, como nas peças de Shakespeare, e o luto do erudito é incabível como nos poemas de Florbela.
Tudo parece tão frágil e tão quebradiço que o respeito e admiração ao universo da gata borralheira são inevitáveis. A própria construção do caráter amargo da madrasta gira em torno da magia: é simplesmente uma mulher enterrada numa realidade burguesa de aparências e que não pertence ao mundo de emoções puras de nossa princesa, num belíssimo jogo de figurinos que parecem disputar na tela, senão pelo ótimo equilíbrio presente entre os elementos visuais, a quem isso possa interessar, qual o mais belo. O cineasta e romântico Branagh (o professor Lockhart do segundo Harry Potter) faz de Cinderela uma alternativa dialética à celebração vazia do novo, e uma ovação declarada às glórias indiferentes às mudanças do tempo. A história é contada como se fosse da primeira vez, exaltando e promovendo mitologias na pegada mais deslumbrante e direta possível, com o gato da malvada perseguindo os ratos tratados com amor pelo coração inocente, por exemplo, numa clara metáfora dos abusos a ser cometidos ao longo do conto.
Entre cenas criativas (a transformação da abóbora em carruagem e da carruagem em abóbora são extraordinárias) e a preservação da elegância da história refletida na fluidez dos planos, a Disney finalmente combina, aqui, a evolução do Cinema com a necessidade do espetáculo para assegurar uma bilheteria alta, sem esquecer-se do seu próprio estilo de criação épica. A vontade não era essa, mas a fábula humilha quaisquer outras versões recentes do lendário estúdio americano, entre juízos de fato e valores que mais remetem a Princesa Kaguya, animação sublime dos estúdios Ghibli, de Hayao Miyazaki.
Era uma vez uma comparação válida, tamanho o esmero concedido e júbilos derivados, inclusive, de atores inspirados em condições que favorecem suas presenças. E assim como a antiga releitura francesa de Jean Cocteau para o clássico A Bela e a Fera de 1946, em 2015, com Cinderela a nos encantar, temos uma obra ciente do que pode ser e do que não precisa ser, e que por isso se compromete a honrar o passado sem deixar de conseguir novas opções, para que as visões e os vastos compromissos da arte possam ser, felizmente para sempre, recriados a partir de suas fundações.
O personagem Jack Ryan, criado pelo autor Tom Clancy, já esteve nas telas de cinema ao ser interpretado por vários atores: Alec Baldwin – em Caçada ao Outubro Vermelho; Harrison Ford – em Jogos Patrióticos e Perigo Real e Imediato; e Ben Affleck – em A Soma de Todos os Medos. Em todos, o intérprete sempre teve mais peso que o próprio personagem. Motivo suficiente para, que desta vez, o nome esteja no título (assim como estão Bourne e 007).
Diferente dos demais, a trama não é adaptação de uma das obras de Clancy. Em parte prequel, em parte reboot, o roteirista David Koepp ambienta a história do jovem Ryan (Chris Pine) em tempos mais modernos, após os eventos de 11 de setembro – originalmente, o personagem nasceu nos anos 50. O espectador fica sabendo como Ryan conheceu sua esposa Cathy (Keira Knightley) e como foi o acidente que destruiu sua coluna e o deixou com a eterna dor nas costas. Após dar baixa do Exército, Ryan é abordado por Thomas Harper (Kevin Costner) que lhe faz a proposta de ajudar seu país de outra forma: ingressando na CIA como um analista. E como nos demais filmes, rapidamente ele deixa de ser apenas um analista e passa a atuar como um agente de campo, depois de descobrir os planos de Viktor Cherevin (Kenneth Branagh) de desestabilizar a economia dos EUA.
Difícil não comparar esse Jack Ryan repaginado com Jason Bourne, principalmente nas poucas (e boas) cenas de luta – a do banheiro é de prender o fôlego – ou sequências de suspense. Não é demérito, uma vez que a fórmula usada nos filmes de Bourne funcionou bem a favor do personagem. Contudo, exceto por esses trechos mais tensos, a trama é bastante linear e poderia se enriquecer muito com subtramas que gerassem algumas reviravoltas a mais na história. Reviravoltas sim, mas não cenas tão aceleradas que são feitas desse modo apenas para encobrir imperfeições e falhas de roteiro que seriam percebidas mais facilmente se o espectador pudesse parar para refletir um pouco.
Bem, e já que o personagem parece-se com Bourne, é justo que o ator tenha um porte físico semelhante ao dele e consiga convencer o público de sua capacidade de partir para o confronto físico quando necessário, mesmo que não seja a coisa mais agradável do mundo. E Pine é bastante competente nesse quesito. Knightley está ali basicamente como enfeite, apesar de haver um outro momento de comicidade causado pela sua ignorância a respeito do emprego real de seu marido. Branagh, que também dirige, dá credibilidade a seu vilão, inclusive disfarçando bem a dublagem de suas falas em russo.
Enfim, um reboot de um personagem que talvez se afirme melhor nos possíveis próximos filmes. Um filme de ação divertido e nada mais.
Kenneth Branagh fez sua carreira como diretor muito calcada em adaptações shakesperianas, como Hamlet, Henrique V, Muito Barulho por Nada. Sua última produção foi o marvel movieThor, onde seus préstimos foram provados e até aplaudidos, dado o nível de qualidade do produto. O próximo passo do artista, seria adaptar uma história de Jack Ryan, protagonista de dezenas de thrillers de espionagem do autor Tom Clancy, e já levado ao cinema em algumas oportunidades. O ator escolhido seria Chris Pine, amparado por um elenco estrelado, com Kevin Costner, Keira Knightley e o próprio diretor. O roteiro foi produzido especialmente para o filme, somente tomando emprestado elementos dos livros, mas com o mote inédito.
A maturidade da lente de Branagh é logo notada, pela fotografia competente, remetendo a abordagens de conterrâneos seus, como Christopher Nolan e Paul Greengrass. A influência deste último também é facilmente notada nas cenas de tensão, com câmera mais móvel e trêmula, mas Jack é claramente muito menos preparado e seguro que Jason Bourne, ele é passível de erros, é falho e mais condizente com a realidade.
Mesmo não sendo tão perito quanto outros superespiões, sua maior prova de humanidade não é a inabilidade ou inexperiência no campo, mas sim a dificuldade em levar uma dupla identidade e conciliar sua vida pessoal, tendo o receio constante de decepcionar sua parceira e cônjuge, Cathy (Knightley), não podendo estar presente na maioria dos encontros típicos de um casal graças a natureza de seu trabalho, e claro, a sensação de paranoia que envolve toda a sua rotina, mesmo quando ele está (supostamente) fora de ação. Seu ofício não permite folgas, ele sempre tem que estar alerta e ele ainda demora um pouco para se convencer de que dividir o foco de sua atenção é demasiado difícil.
As discussões entre o casal pareciam ser levadas para um lado mais sério e trágico, mas ganham contornos agridoces e até bem humorados, visto o alívio de Cathy ao descobrir que seu par não a traía. O senso de proteção dele faz com que eles se afastem, e a desconfiança da moça aumenta ao perceber que ele não confia nela, não por esta não ser digna, obviamente. A união entre os dois só é estabelecida através de um objeto simbólico – uma aliança de noivado.
Os raptos e subterfúgios comuns a filmes de espionagem são construídos de modo que o espectador realmente teme pela vida dos personagens, no entanto este é um dos poucos pontos positivos deste quesito, uma vez que falta um suspense maior e a sensação de frio na barriga não é tão intensa. Há demasiadas cenas de Ryan auxiliando as investigações, e elas pouco acrescentam a trama principal, as gorduras da edição são facilmente notadas, o que é um erro cabal para um realizador experiente. Tais momentos buscam enfatizar a reticência e o método do investigador, mas acabam caindo na redundância.
O final se conecta ao começo, valorizando a paranoia ligada ao terrorismo, presente no ideário do cidadão estadunidense há muito e piorado com o episódio de 11 de Setembro, o alvo coincide inclusive com o local que seria atingido, tornando a questão ainda mais pessoal para o herói da jornada. A falta de ação nas cenas de perseguição das partes médias do filme são compensados com o ritmo frenético da tentativa de atentado à “Grande Maçã”. Os signos visuais mostram a derrota do personagem de Branagh – Viktor Cherevin – antes mesmo dele ter a confirmação de seu fracasso, a escolha por deixar as partes inteligentes para seu personagem demonstram um pouco de vaidade e preciosismo do diretor, mas não chegam a atrapalhar tanto quanto as suas inserções em meio a trama de sequestros e rivalidades com o protagonista.
O desfecho mostra o agente sendo chamado a uma sala privativa, supostamente na Casa Branca, aludindo a clara intenção de não só ter a continuação da franquia, como a subida de nível que Jack fez por merecer. Há referências a Cassino Royale de Martin Campbell por também rebootar uma saga, ainda que haja uma maior preocupação neste de preservar o máximo de realismo mais palpável do que seus primos mais tradicionais.
Do sucesso sem precedentes de Marilyn Monroe todos tem conhecimento. O brilho de uma estrela que com apenas 27 anos atingiu um sucesso absoluto em Hollywood é muitíssimo reconhecido em diversas homenagens feitas a ela, porém em Sete Dias com Marilyn o enfoque é um pouco mais peculiar. Mesmo um atraso considerável na chegada deste filme aos nossos cinemas, finalmente podemos contemplar este filme dirigido por Simon Curtis e que merecidamente disputou os os prêmios de Melhor Atriz (Michele Williams), e de Melhor Ator Coadjuvante (Kenneth Branagh).
A história baseada em dois livros de Colin Clark se concentra no ponto de vista do mesmo, interpretado por Eddie Redmayne, e se passa nos bastidores da gravação do filme “O Príncipe Encantado”. Clark acaba de adentrar no mundo do cinema e está trabalhando na produção do filme, mas não esperava se aproximar tanto da atriz principal a ponto de viver uma curta, mas intensa paixão por ela.
O brilho, a sensualidade e a beleza de Marilyn entram em contraste direto com seus problemas pessoais, sua insegurança e seus medos. Para os que não estão familiarizados com a história da atriz, somos apresentados a uma Marilyn mais ambivalente e mais humana. Uma jovem que é considerada um exemplo para um mundo que ao mesmo tempo confronta o medo desse fardo.
Michele Williams é perfeita e brilha no filme. Seu olhar é profundo de tal forma que podemos perceber muitos sentimentos apenas com o vislumbre do seu semblante. A iluminação e fotografia utilizada no filme, misturados com algumas cenas de câmera lenta, se mesclam perfeitamente à atriz. Ela revive Marilyn Monroe nesse filme e o faz muito bem, não somente em relação aos momentos de brilho, mas também nos momentos obscuros da personalidade da atriz.
Eddie Redmayne e Kenneth Branagh também se destacam de maneiras diferentes. Enquanto o primeiro trabalha a visão inocente e de certa forma impulsiva de um jovem que se apaixona por uma grande atriz, conseguindo criar empatia com o público dos seus sentimentos joviais, o segundo explora um personagem que procura criar o filme perfeito e para isso tem que contornar os problemas de Marilyn e o ciúmes de sua esposa.
A fantástica atuação compensa o roteiro simples e a trilha sonora modesta que o filme possui. Conseguimos sentir e simpatizar com os personagens nas ações mais triviais, nos olhares e nos sorrisos. Estes pequenos problemas acabam não sendo nada para a grandiosidade que o filme se apresenta em seu produto final.