Tag: nicolas cage

  • VortCast 107 | Expectativas 2022

    VortCast 107 | Expectativas 2022

    Bem-vindos a bordo. Filipe Pereira (@filipepereiral | @filipepereirareal), Bernardo Mazzei (@be_mazzei) e Jackson Good (@jacksgood) se reúnem para comentar sobre os principais lançamentos nos cinemas e TV para o ano de 2022 e as principais expectativas.

    Duração: 89 min.
    Edição:
     Flávio Vieira
    Trilha Sonora: Flávio Vieira
    Arte do Banner:
     Bruno Gaspar

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  • Crítica | Um Homem de Família (2000)

    Crítica | Um Homem de Família (2000)

    Um Homem de Família traz a história de Jack Campbell (Nicolas Cage), um bem-sucedido corretor milionário que em 1987, abriu mão da relação com sua namorada de faculdade, viajando rumo a Londres para uma vida bem diferente do que tinha até então. Na noite do dia 24 de dezembro de 2000, após receber uma ligação da mesma Kate que ele abandonou, ele segue seu dia normalmente, mas curioso a respeito de como poderia ser sua vida caso seguisse com ela.

    Essa é uma versão que tenta modernizar histórias natalinas, como Um Conto de Natal, de Charles Dickens, com pitadas referenciais ao clássico de Frank Capra, A Felicidade Não Se Compra. O lúdico invade a trama que até então parecia cínica e vaidosa, que em um momento de tédio e vazio existencial pensa nas alternativas que sua vida teve. A materialização da mudança, após o personagem interromper um assalto resulta em uma estranha fantasia que se vale até do arquétipo do negro místico, interpretado por Don Cheadle, e coloca o herói da jornada em situações bem distantes daquela rotina de antes.

    Cage já havia trabalhado com grandes diretores, ganhado um Oscar por Despedida em Las Vegas, além de protagonizar grandes filmes de ação como A Outra FaceA Rocha, ou seja, estava no auge de sua carreira. Brett Ratner era conhecido por seu trabalho nas comédias Tudo Por Dinheiro e A Hora do Rush, o que pode ter motivado Cage a participar do projeto, aliado a outras discussões existentes no roteiro de Um Homem de Família, como o próprio consumismo e a hipocrisia típica do período.

    A comparação entre às duas vidas de Jack é absurda, em uma ele tem a realização profissional, na outra é a completa ruína do ponto de vista financeiro. A lição que lhe é dada poderia ser curta, mas ele é individualista, obcecado por ter tudo de volta. Nem mesmo simples manifestações de afeto são encaradas por ele como algo normal. Ele é ríspido até mesmo com a sua filha menor, e demora a enxergar afeição nos pequenos momentos.

    A negação dele é tão intensa que faz o espectador perguntar se os primeiros momentos do filme não eram um devaneio, e se sua vida, na verdade, não é a de um homem ordinário, ambicioso, mas preso a uma rotina medíocre, agravada por uma crise de meia-idade.

    O drama é vagarosamente desenvolvido, e mesmo em meio a negação de Jack, a maior riqueza da trama ainda é a relação dele com Kate. Se Cage consegue apresentar uma boa versão do homem insatisfeito, Téa Leoni é deslumbrante visual e espiritualmente. Os poucos momentos que Campbell se permite ter prazer é quando está com ela, mesmo nas crises normais da vida adulta média, quando ele se enxerga como casal com a mulher que jurou amar e cuidar ele parece estar completo.

    A vaidade e teimosia do protagonista seguem grandes em todo o filme e sua tentativa em corrigir a rota mostra que ele dificilmente entenderá a lição que querem lhe passar. Ele só se vê como um homem de negócios. O compromisso que ele parece ter é com o dinheiro e somente isso.

    Para todos os efeitos, Jack é humano, e se nega a aceitar qualquer uma de suas versões. Quando tem a família, ele deseja a riqueza, e quando vê essa riqueza se aproximar, ele não quer perder Kate e tudo que veio dessa união. Ele não é iluminado, ao contrário, é burro e fútil, já Kate, na versão fantasiosa parece ser evoluída, e até no mundo dito real, parece ser mais generosa que seu possível par.

    Um Homem de Família é um conto sobre maturidade, sobre lidar com as escolhas que a vida oferece, como se permitir construir algo com quem ama, mesmo que esse dia-a-dia não seja repleto de luxos. A mensagem anticapitalista seria bem empregada, não fosse pelo final conveniente para os anseios dos personagens, e é uma lástima que um filme tão reflexivo termine tal qual uma comédia romântica água com açúcar. No entanto, o restante da jornada para chegar a essa conclusão é válida, afinal, Kate e Jack são apenas seres humanos, capazes de escolher mal seus próprios destinos, como qualquer um de nós.

    https://www.youtube.com/watch?v=vy5pt3FT5Tk

  • Crítica | 8mm: Oito Milímetros

    Crítica | 8mm: Oito Milímetros

     

    8mm: Oito Milímetros, de Joel Schumacher, é produto do seu tempo e gênero, e se valeu de Nicolas Cage atuando como o detetive particular Tom Welles. Sua função primordial é a serviço da viúva de um homem rico que descobriu um filme de 8 milímetros dentro do seu cofre e quer saber se os fatos que aparecem ali são reais ou não.

    A história se passa em Miami com o protagonista no início chegando de avião, à noite. Logo é mostrado que ele é um homem de família, casado com Amy (Catherine Keener). Ele tem problemas bem comuns, tem que ganhar dinheiro o suficiente para sustentar sua família (incluindo sua filha), fuma escondido  de sua cônjuge, ou seja, tem problemas com vícios encarados socialmente como leves e lida com eles de maneira bem comum.

    Tal qual seria em O Custo da Coragem lançado algum tempo depois, em 8mm Schumacher é bem comedido. Traz uma obra que carece de exageros e arroubos visuais, que é bem pontuada inclusive pelo diretor de fotografia Robert Elswit, o contumaz parceiro de Paul Thomas Anderson, que consegue estabelecer bem um clima meio depressivo sobre a vida das pessoas – mesmo em Miami, que é uma cidade normalmente atribuída a farras e comemorações dado o eterno clima de verão e as praias. Além disso, as questões sujas envolvendo o filme encontrado no cofre do Sr.Christian são retratadas de maneira natural, apesar da visceralidade dos atos. Nota-se um incômodo em Welles quando assiste, servindo ele como representante do público (uma vez que aquelas são cenas chocantes), e essa sensação de estranhamento é alastrada ao longo da investigação e do passeio dele às ruas, onde habita a escuridão da pré madrugada, salientando uma obviedade que pode ser ignorada: toda cidade esconde segredos pesados e agressivos.

    O longa apresenta uma história e abordagem bem simples, com elementos típicos de romances detetivescos e suas adaptações para o audiovisual. Há na contratante  Sra. Christian (Myra Carter) uma figura aparentemente livre de suspeitas, uma música incidental que ajuda a aumentar o grau de tensão à medida que as investigações avançam. Também se apelam para cenários onde há destaque para cores de casas e estabelecimentos baseado em tons de cinza, para basicamente evocar que as almas das pessoas da história de Andrew Kevin Walker não são puras, longe disso, dado até sua filmografia que inclui participações nos roteiros de Se7en: Os Sete Crimes Capitais, Clube da Luta e A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça.

    A carreira de Joel Schumacher é bastante prolífica e  dividida por fases que são determinadas por fatores externos e até alheios aos seus filmes. Ele produziu fitas sérias como Um Dia de Fúria, outras mais voltadas para o humor nonsense em A Incrível Mulher que Encolheu, fez um clássico juvenil com Os Garotos Perdidos , até cair para si a responsabilidade de adaptar as historias do homem morcego, em dois filmes que tiveram muitas controvérsias, mas que na época foram exaltados (sobretudo Batman Eternamente). Depois que Christopher Nolan lançou seu Batman Begins e especialmente Batman: O Cavaleiro das Trevas, houve um revisionismo por parte do público na filmografia de Schumacher, que passou tanto pelos filmes do Batman, até as outras obras do diretor, que passaram a ser não só mal avaliadas, mas também mal frequentadas por gente de produção e atores principalmente da segunda metade dos anos 2000 para frente. As oportunidades para o diretor foram rareando, e bons parceiros também, o que é curioso, pois o roteirista responsável por boa parte da fragilidade dos produtos que Schumacher capitaneava ganha cada vez mais poder e influencia na industria. Akiva Goldsman tentou comandar os filmes de monstro da Universal (um fracasso retumbante), hoje escreve e produz a maioria dos produtos televisivos de Star Trek, que também não são unanimidade em crítica. Para o diretor, sobrou o ostracismo.

    Os personagens mostrados no filme são executados por atores que teriam seu apogeu pouco depois do lançamento em 1999, a participação de figuras como James Gandolfini, Joaquin Phoenix e Peter Stormare são bem pontuais, há carisma em cada um deles e é fácil acreditar em seus dramas.

    8mm: Oito Milímetros é um longa que fez muito sucesso durante o início dos anos 2000, mas hoje é bem pouco lembrada (e talvez até subestimada) e o que se vê nela é um mergulho bem fundo na alma da perversidade humana, além de um retrato do submundo BDSM que, apesar de caricato, não era tão agressivo em abordagem quanto tantos outros filmes de sua época. É tolice não se ater a fatos cronológicos, o filme é fruto de seu tempo e como Tempo de Matar tem pontos complicados na abordagem de algumas minorias. Além de não ser feito para todas as plateias, ele esbarra em um certo maniqueísmo (especialmente ao tratar as pessoas que fazem bondage como se fossem criminosas e más). Fora isso, a parte criminal é bem explorada, as atuações por mais canastronas que possam ser em alguns pontos são bem encaixadas e o ritmo do filme é frenético e honesto.

  • Crítica | Reféns

    Crítica | Reféns

    Pondo em perspectiva a carreira de Joel Schumacher, é triste que o ultimo longa metragem conduzido por ele tenha soado tão genérico como a fita de ação e suspense vista em Reféns. A obra conta a história da família Miller, e tem como protagonistas suas musas Nicole Kidman, com quem fez Batman Eternamente mais de 15 anos antes desse, e Nicolas Cage, que fez com ele 8mm. Os dois são Sarah e Kyle, vivem com sua filha Avery (Liana Liberato), em uma casa grande e abastada, e desde o início se percebe que eles são precavidos, e muito preocupados com a segurança familiar e patrimonial.

    O filme vai transcorrendo normalmente, até uma suposta intervenção policial, originada a partir de malfeitores, que colocam os personagens da família na condição óbvia do título nacional. O filme é bem irregular, no começo se estabelece uma situação de normalidade bem crível, mas essa boa atmosfera se mostra frágil quando acontece a invasão do domicilio. Os fatos posteriores a isso variam entre o totalmente inacreditável que reside na tentativa de negociação entre raptores e vítimas, e a tensão pelo que pode ocorrer com a vida dos personagens que aparecem em tela.

    Um dos problemas da obra e do roteiro de Karl Gajdusek é que os personagens não causam simpatia ao público. As situações que poderiam fazer o espectador se afeiçoar por eles não superam a condição de clichês dramáticos, e isso não é incomum nos filmes de Gajdusek, pois em Oblivion e November Man: Um Espião Nunca Morre também se percebe que ele utiliza atores famosos como atalho para o desenvolvimento de seu texto, acreditando que ao colocar pessoas famosas para fazer os papéis que idealizou, conseguiria agradar a família tradicional americana.

    Até há algum senso de urgência nas tentativas de chantagem entre bandidos e família, além de uma longa e intricada trama cheia de reviravoltas, mas quase nada é crível. A suspensão de descrença do espectador se baseia demais no sensacionalismo barato, e isso ajuda a denegrir demais o filme. Nem as atuações que normalmente Schumacher conduz bem, funcionam aqui.

    É lastimável que esse tenha sido o derradeiro filme do diretor, uma obra de suspense que se baseia na filmografia do cineasta para apresentar uma história fraca, que tem como trunfo tão somente isso, a afeição do realizador pelo sub gênero. Simbolicamente é triste que o final de sua última história independente – Joel haveria também de dirigir dois capítulos de House of Cards na primeira temporada – tenha que se valer de aspectos familiares para justificar essa tentativa de voltar a ser relevante, e é uma pena que após ter feito os seus filmes mais rentáveis ele tenha caído tanto no ostracismo, mesmo que posteriormente a isso ele tenha feito obras tão certeiras como O Custo da Coragem e Por Um Fio, e principalmente, é uma pena que o simbolismo dentro de sua última adaptação cinematográfica seja uma tentativa de se apaziguar com as famílias norte-americanas tradicionais como são os Miller, sendo que boa parte dos detratores que tornaram sua filmografia em algo subestimado, tenham vindo desse o mesmo tradicionalismo retratado ao longo de Reféns.

  • Crítica | Vivendo no Limite

    Crítica | Vivendo no Limite

    “Cala a boca, você vai morrer, mas ele não, entendeu?!”

    A dona morte sempre rondou os filmes de Martin Scorsese, espectro onipresente e visível nas ações de todos, e por trás de tudo que faz parte do cosmos urbano e violento que o cineasta naturalmente adotou, para si. Aqui, é possível notar uma certa redenção para esse espírito de decadência física e moral que os filmes do diretor de Cabo do Medo e Depois das Horas tanto debateram. É como se, pela primeira e possivelmente única vez, Scorsese fosse investigar os efeitos de um anjo vindo salvar as almas perdidas de Nova York, transitando incólume (ou nem tanto, assim) numa exígua viatura paramédica entre a podridão, a escuridão, e a danação que existe nas ruas e esquinas da maior selva de pedra desse mundo.

    Vivendo no Limite é sobre uma espécie de salvação religiosa que pode ou não resistir, bravamente, fora de um âmbito católico. Jogados ao mundo, as esquinas encardidas e a pessoas que carregam “problema” escrito nas suas testas, pergunta-se: é possível salvar alguém? Essa dúvida é personificada nos olhos de Nicolas Cage, numa das suas melhores atuações da carreira do famoso ator, e aqui metaforizada na sua profissão: salvar vidas dentro e fora de uma ambulância, na fornalha nova iorquina do começo dos anos 90. Desta vez, em meio as andanças da viatura que só avança pela noite, entre vivos e mortos, a cidade é retratada como uma versão mais fria e menos perturbada que a metrópole sem leis e prostituída dos anos 70. Scorsese parece entender as diferenças e as abraça, então, sem nenhuma nostalgia aparente.

    Sofrendo com a pressão do trabalho, e deixando-se impactar por ele em sua vida pessoal, Frank Pierce faz a ronda noturna enquanto se pergunta a finalidade do seu trabalho. O divino está na sua visão, não como esperança para o homem do desfibrilador, mas como algo que está à espreita das almas perdidas que vagam pelas ruas, e que não se mostra devido o véu da perdição que assola as áreas violentas de Nova York. Logo, logo, eles vão precisar de Frank para checar seus batimentos, quando a vida se provar frágil e não mais imbatível para drogados, e prostitutas. Eles só andam, gente da comunidade, gente de uma noite comum; almas penadas que Scorsese filma como contraponto a missão altruísta de Frank: salvar. Quem, ele não sabe, mas lembra-se de todos – principalmente daqueles que não conseguiu resgatar dos mortos.

    Por 48 horas, na trama, ele e seu amigo de ambulância Larry Verber (John Goodman, sempre um prazer) compartilham das dores e loucuras do projeto sarcástico e dramático de Cinema de Scorsese, mas desta vez com a garantia de que as mortes violentas de uma história serão combatidas não apenas pelo dever de uma equipe médica, mas pela nobreza de uma vida que precisa ser lembrada, principalmente numa selva impiedosa com os seus animais. Se Frank atendesse Travis Bickle após o tiroteio final em Táxi Driver, por exemplo, Frank deixaria o motorista punk falecer, engasgado no próprio sangue? E se a ambulância chegasse ao clímax de Os Infiltrados, logo após a chacina do filme de 2006, suas vidas seriam salvas? Se dependesse dele, sim, pois esse é o certo, o humano, o justo, independentemente dessa ser uma moral cristã, ou não.

    Do primeiro ao último atendimento, geralmente frenéticos e bem-humorados, a fotografia de Vivendo no Limite deixa seus tons brilhantes explodirem na tela, sendo o branco a cor mais presente nesse mural explícito e objetivo sobre o sentido da vida urbana, e a fragilidade dela quando encarada pela ceifa da morte. Num hospital que parece um purgatório em que almas, várias, chegam e retornam em desespero, rebeldes e errantes como só, com novos casos rolando a cada dia, ou melhor, a cada noite, ninguém garante que o cenário existe numa outra dimensão, espiritual talvez, ou mesmo na nossa, aonde a realidade das ruas dá licença a preservação da vida; aonde o som de um tiro, dá lugar ao bipe de um batimento cardíaco. E não se engane: Nicolas Cage é o cara, sempre foi, e junto de Scorsese realizaram aqui um dos melhores filmes americanos dos anos 90. Peça rara e que só melhora ao passar dos anos.

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  • Crítica | Homem-Aranha no Aranhaverso

    Crítica | Homem-Aranha no Aranhaverso

    Desde que fez Homem-Aranha 2, de Sam Raimi, a Sony parece tatear quanto a conduzir bem um filme sobre o herói da Marvel que lhe cabe. Homem Aranha 3 foi muito achincalhado, O Espetacular Homem-Aranha e sua sequência, O Espetacular Homem Aranha 2 : A Ameaça de Electro, não tiveram vida fácil, Venom foi um fracasso de critica e até Homem-Aranha: De Volta ao Lar não é uma unanimidade, mesmo entre os fãs. Por conta disso, a nova animação era cercada de expectativas, e a maior parte delas foram correspondidas.

    Homem-Aranha no Aranhaverso começa narrado por Peter Parker, o herói aracnídeo original, que goza de grande popularidade nesta versão e que conversa diretamente com as fases Ultimate do herói, escritas por Brian Michael Bendis e desenhadas por Mark Bagley. Outra característica própria e que cria uma boa conexão do filme com o espectador é a narração engraçadinha, que flerta com uma camada fina de metalinguagem, quase quebrando a quarta parede. Parker é dublado por Chris Pine, e sua personificação é bem semelhante ao auge que o herói teve após o casamento com Mary Jane.

    A animação causa um certo estranhamento, em especial quando Miles Morales (Shameik Moore) é introduzido. A velocidade dos quadros soa esquisita por conta da pigmentação da pele dos personagens, quando eles usam máscara isso não parece tão evidente, mas aos poucos isso passa a ser algo comum. O roteiro de Phil Lord e Rodney Rothman trata muito bem de Morales e é fácil entender o deslocamento dele na nova escola, que ele julga elitista – e de fato é, ainda mais para um garoto negro e latino como ele – bem como no seu cotidiano, uma vez que ele tem o desejo de manifestar sua arte do grafite de alguma forma, mas é sempre proibido por seu pai, Jefferson Davis (Brian Tyree Henry). Ele encontra eco na figura do tio Aaron (Mahershala Ali), e divide com ele o mesmo hobby pela arte.

    É aí que mora o diferencial do  filme de Bob Persichetti, Peter Ramsey e Rothman, ele obviamente alude as crianças, mas traz tramas complexas. Mesmo o Peter Parker desse dimensão, forte, famoso e loiro (em uma alusão clara ao clone Ben Reilly) tem seus defeitos, e quando este sai de cena, deixa pontas soltas, seja pelo fracasso de não ter detido o vilão Rei Do Crime (Liev Schreiber) ou por não ter sido o exemplar mentor de Miles. O choque dimensional traz à tona outras versões do amigão da vizinhança,  e é nesse crossover que habita boa parte do carisma, principalmente com a figura de Peter B. Parker, de Jake Johnson.

    Apesar de algumas divergências criativas e pessoais, fato é que os dois criadores do Homem-Aranha, Steve Ditko e Stan Lee tinham em mente que seu personagem deveria inspirar o público, mostrando que qualquer pessoa pode ser heroica mesmo com todos os percalços mundanos e cotidianos, e nesse ponto, o filme talvez seja o produto em áudio visual mais acertado, incluindo aí até o Homem-Aranha de Sam Raimi. Tanto Morales, quanto B. Parker e até a jovem Gwen (Hailee Steinfield),  transpiram isso, obviamente com a sardinha puxada para o lado do jovem negro e latino,que está em fase de amadurecimento e numa jornada rumo ao conhecimento do que é ser um herói e de como lidar com o clichê de com grandes poderes vem grandes responsabilidades. Destaque também para o engraçado Homem-Aranha Noir, feito por Nicolas Cage, um personagem sério mas com ótimas piadas, e mais uma participação do ator em adaptação de quadrinhos.

    O humor do filme é muito presente, Miles é engraçado e seu mal jeito e timidez dão a ele um charme exótico, variando entre as descobertas típicas da adolescência bem como o alvorecer do heroísmo. Há também um largo uso de onomatopeias e balões típicos dos quadrinhos, que reverberam as falas e pensamentos dos personagens. O grupo de personagens, tanto vilanescos quanto de benfeitores é grande, diverso e ambos os lados desafiam Morales, para finalmente entender qual é a sua vocação.

    Qualquer uma das contra-partes do Aranha tem algo em comum, que é a perda de um ente querido, que serviu como manifestação física da perda e esse luto, seja recente ou não é bem explorado, unindo assim os personagens tão diferentes, que trabalham bem em equipe graças a um inconsciente coletivo muito forte, que pode ou não ter a ver claro com o sentido de aranha que a maioria deles tem. O filme tem um ritmo frenético e mal parece que tem pouco menos de duas horas, mas o maior acerto de Homem Aranha no Aranhaverso certamente é o fato de que ele é carregado de alma e sentimento, com expressões que funcionam bem com todas as referencias que Lee e Ditko pensaram para seu personagem mais humano, servindo como reverência ao primeiro desses que faleceu recentemente e com uma carga emotiva muito forte, sem medo de parecer um produto de super herói, super colorido e cheio de escapismos, como os bons momentos da Era de Prata dos quadrinhos.

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  • Crítica | Mandy

    Crítica | Mandy

    Do começo sem falas, apenas com um tema musical melancólico passado por uma voz rouca cantando, Mandy, do canadense Panos Cosmatos, abre sua história de forma poética, mostrando cenas que variam entre planos que contemplam a paisagem do Noroeste Pacífico sendo cortada por alguns homens e detalhes em pinturas e gravuras de animais selvagens.

    Red Miller e Mandy Bloom têm uma vida em casal bastante simples e terna. Nicolas Cage e Andrea Riseborough demonstram uma afinidade muito grande enquanto par e o seu amor é observado por uma utilização contínua de cores luminescentes, variando entre tons de vermelho, rosa e lilás. É como se os apaixonados tivessem suas vidas iluminadas por luzes de faróis, por objetos mecânicos tão simples mas que conseguem produzir um lindo efeito visual emulando assim as características da rotina de ambos, que passam seus dias no campo de maneira pacata, observando um ao outro com a admiração típica de jovens casais. Seus dias são embalados por um trilha repleta de sintetizadores, conduzidos na música de Johann Johannsson, que embala a espera dos personagens por uma tragédia que se aproxima.

    O desenrolar da historia de Cosmatos é lenta, os detalhes são mostrados gradualmente, e ao público resta aguardar a chegada dos acontecimentos atrozes que virão, onde a crueldade imperará escondida através de um discurso crente em uma entidade maior. Em alguns momentos, um letreiro vermelho salta a tela um dos temas musicais Children of The New Dawn, sem explicação alguma, simplesmente ocorre.

    O culto liderado por Jeremiah Sand (Linus Roache) não tem suas origens e intenções explicitadas. Tudo o que se sabe sobre seu modo de operar é o que aparece em tela, sem qualquer preparação prévia ou explicação sobre os métodos. O que se assiste é um conjunto de ritos que lembram as descrições de ritos de magia negra mas com detalhes semelhantes aos que os católicos utilizavam no cuidado as “bruxas” durante à época da inquisição.

    Há uma clara influência do cinema de Ken Russell na obra, seja no niilismo pautado na fantasia sádica dos detratores de Red e sua amada, bem como no modo de contar a história grave por meio de belas imagens. Mesmo quando o personagem de Cage consegue fugir do cativeiro onde estava para então urrar de desespero pelo que viu há um tom poético, um registro naturalista de um homem sofrendo, coberto com seu próprio sangue, se valendo de bebidas alcoólicas fortes para se anestesiar não de uma dor física, mas sim de dores na alma.

    Apesar de não ser uma peça teatral, Mandy tem sua história dividida por atos, e o terceiro deles é bem diferente, com uma violência mais explícita, onde a vingança de Red finalmente ocorre e onde os pecados dos malfeitores têm sua retribuição justa. Esse período destoa um pouco do restante da atmosfera idílica do filme.

    O acerto de contas do personagem com o líder da seita consegue reunir os dois tipos de caráter do filme, tanto o sanguinolento quanto o que dá vazão a uma linguagem mais hermética e rebuscada. Apesar de o desfecho não ser tão bem construído quanto o início e o fim, toda a jornada acompanhada no filme de Cosmatos é uma experiência única, em um retorno de Cage aos papéis sensíveis que o fez ser premiado nos anos noventa, unindo também a violência que fazia nos filmes de ação que protagonizava, claro, com uma agressividade muito mais visceral neste. Ao final se percebe que a dor da perda e a ilusão andam juntas no imaginário do homem que não tem mais nada e poucas vezes esse sentimento foi tão bem retratado em tela como aqui.

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  • Crítica | Cães Selvagens

    Crítica | Cães Selvagens

    A carreira de Paul Schrader mudou bastante nos últimos anos, deixando de lado os roteiros premiados que costumava escrever, como em Operação Yakuza, Taxi Driver e A Última Tentação de Cristo, para se dedicar mais a direção de filmes, sem necessariamente participar do texto. Foi assim nos recentemente criticados Vale do Pecado (The Canyons, como era conhecido) e Vingança ao Anoitecer.

    Após a realização do último trabalho, o cineasta retomaria a parceria com Nicolas Cage, em mais um conto sobre a violência e o modo de vida tipicamente agressivo do americano médio. Cães Selvagens tem uma identidade visual própria, misturando a fotografia típica da televisão com cores gritantes, que remetem a filmografia de Wes Anderson, ainda que os temas aqui desenvolvidos sejam completamente diferentes daqueles abordados por Anderson.

    Mad Dog, personagem de William Dafoe vive em uma casa cor de rosa, com sua esposa e filha obesas. Sua personagem costuma gastar seu tempo vendo o noticiário desinteressante dos canais abertos enquanto usa os intervalos para utilizar heroína. Após uma briga ocorrer, aquele momento surreal e irreal chega ao fim, como se o roteiro de Mathew Wilder explicitasse que, naquele mundo, não havia como se manter livre do caos.

    Logo, o espectador é apresentado a Troy (Cage), após uma breve narração para situar o público no ambiente caótico que ocorre com ele, Mad Dog e Diesel (Christopher Matthew Cook), três ex-presidiários que tentam se adaptar novamente ao mundo livre.

    A violência é louvada nos cenários propostos por Schrader, em uma clara referência aos filmes oitentistas de Martin Scorsese (parceiro comum de Schrader no passado), levando em conta uma visão renovada sobre os fenômenos americanos, como o visto em Vício Frenético, de Werner Herzog. Há um resgate também da marginalidade típica de outro filme com participação do realizador, Gigolô Americano, em especial no retrato pintado do ideal estadunidense descerebrado.

    O desfecho do filme é psicodélico, espirituoso e até um pouco poético, sem descuidar de toda a estética de exploração da violêia, que por sua vez denuncia também a capacidade da crueldade, inconsequência e egoísmo do homem, pondo em cheque a questão da empatia mesmo entre as pessoas mais próximas. Nesse ponto, Cães Selvagens é um belo conto sobre urbanidade e sobre os porões da alma humana.

  • Crítica | A Morte de “Superman Lives”: O Que Aconteceu?

    Crítica | A Morte de “Superman Lives”: O Que Aconteceu?

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    Projeto antigo, A Morte de “Superman Lives”: O Que Aconteceu? somente foi finalizado graças a ações de marketing ligadas à colaboração voluntária de espectadores, unicamente movidos pelo desejo de saber toda a verdade sobre a produção de Superman Lives, filme de Tim Burton que jamais viu a luz do dia, e que traria Nicolas Cage com Kal El, o kriptoniano super poderoso e principal super herói da cultura pop norte-americana.

    Jon Schnepp começa a narrar os fatos a partir de um monólogo, direto, conversando com o público de maneira incisiva, para logo depois coletar depoimentos de populares e ilustres, dentre eles Grant Morrison e homens do cinema, envolvidos na produção de Superman: O Retorno. Logo de início, revela-se a presença dos vilões Apocalipse – que teria abatido o azulão em A Morte de Superman – o tradicional e Lex Luthor, e a força robô/alienígena Brainiac, que não pôde ser o antagonista de Superman 3.

    A obra resgata uma abertura semelhante a dos filmes de Richard Donner e Richard Lester, com recriações da silhueta de Cage caminhando com sua peruca e capa, para logo depois contar com o depoimento de Kevin Smith, a respeito da filmografia do herói. Smith diz em sua entrevista algo interessante, como o desprezo dos mandatários do estúdio com os artistas ligados aos quadrinhos, como se fossem pessoas incautas, que não entendiam a ideia do cinema. A partir dali, começaria uma enorme discussão dele enquanto roteirista, com John Peters, produtor, sobre o que seria o argumento, incluindo boatos sobre ele não poder voar, não usar sua roupa clássica, além de batalhar com uma aranha gigante, sendo alguns desses fatos negados pelo próprio Peters, ao ser indagado por Schnepp.

    What Hapened 6

    Ao se investigar mais, percebe-se que a ideia de Tim Burton dirigir o filme ocorreria bastante tempo após o rascunho do primeiro roteiro. O documentarista visita o diretor, que o recebe em um espaço de sua residência repleto de pôsteres e brinquedos de filmes de terror, onde se percebe a maioria de suas influências obscuras e góticas.

    O cineasta revela suas escolhas para o cast, que iam desde a já conhecida e pitoresca escolha de Cage como o último sobrevivente de seu planeta, até Sandra Bullock como Lois Lane, Chris Rock como Jimmy Olsen, além de uma dúvida entre Jim Carrey e Christopher Walken para o papel de Brainiac. A persona de Lex Luthor era cogitada para Kevin Spacey, que acabou por fazê-lo em Superman: O Retorno de Bryan Singer.

    As cenas de bastidores, com o ator testando uma das roupas que usaria junto a uma estranha peruca, prenunciam o que poderia ter sido uma tragédia visual imensa. Ao analisar os concept arts, veem-se referências a trajes metálicos negros, todos influenciados pelo vestuário do alienígena nos quadrinhos da época, mas que destoavam por completo da visão clássica vista nos filmes de Christopher Reeve e nos muitos seriados.

    What Hapened 3

    Nota-se no ideal artístico de Sylvain Despretz muita influência do hermético e jamais filmado também Duna de Jodorowsky, com rascunhos bastante ácidos e viajandões, ainda que não se aproximem tanto dos conceitos bolados por Moebius. Ainda sim, o que se nota é muita beleza, e semelhanças com Logans Run (ou Fuga do Século 23). Até a contribuição de Dan Gilroy é analisada, anos antes de seu interessante O Abutre.

    A história em torno de Superman Lives é tão repleta de absurdos, que mesmo no filme que o investiga, não há uma resposta certeira sobre o cancelamento. As suspeitas recaem sobre os muitos filmes da produtora, que foram fracasso de bilheteria à época –  entre eles espécimes como Aço e Batman & Robin  – além é claro da excentricidade de Burton, seja nos recentes Marte Ataca e Batman O Retorno, bem como no que se envolveu desta versão de Super Homem.

    O lamento de Tim Burton, de que ainda gostaria de rodar o longa, revela um profundo ressentimento, não só dele, mas dos demais preteridos de executar o filme, do que poderia ter sido mais um dos clássicos trash dos filmes de super heróis, junto a Mulher Gato, Lanterna Verde, Liga Extraordinária etc.  A direção de Schnepp não ousa muito, cinematograficamente, e possui alguns problemas quanto ao formato, mas elucida temas que até então eram desconhecidos do público em geral, em especial dos nerds, que são os que o diretor mais tenta alcançar.

  • Crítica | Vingança ao Anoitecer

    Crítica | Vingança ao Anoitecer

    Ainda longe dos holofotes hollywoodianos, Paul Schrader prossegue em uma busca árdua para produzir seus próprios filmes, que exibem um escopo violentíssimo, não enquadrado no cinema familiar tipicamente americano. Ainda na linha de seu anterior The Canyons, o diretor se vale de um rosto famoso para atrair investidores e aplacar um pouco da perda de público causada pela excessiva violência de suas fitas. O escolhido da vez é Nicolas Cage, uma persona muito menos problemática do que a protagonista anterior, Lindsay Lohan.

    Evan Lake é um veterano agente da CIA, diagnosticado com demência, e guardando mostras de desprezo a si próprio, a começar pelas madeixas grisalhas que predominam sobre a fronte de seu calvo intérprete. Cage tenta fugir das últimas atuações tenebrosas, como as em Apocalipse, Fúria e tantas outras bombas que chegaram no mercado de home video. Sua interpretação é a de um sujeito apaixonado, patriota e ético, um homem que acredita que a morte em serviço seria uma honra, e não uma fatalidade. Tal situação sentimental é causada por um trauma, originado em uma tortura mal filmada, fruto do parco orçamento de cinco milhões de dólares.

    Apesar de sua condição clínica, diagnosticada com “demência fronto-temporal”, que se propaga a passos largos, mostrada pelo médico como ainda mais agressiva que o Mal de Alzheimer, Lake ainda se vê pronto para o serviço, cada vez mais preocupado com uma possível ameaça terrorista, que é tratada de modo pouco relevante por seus superiores, motivados, é claro, pelos ecos da doença.

    Mesmo com as negações, há quem acredite no relato do agente, com a fita se encarregando de mostrar que realmente há alguma razão em seus relatos, exibindo um adoentado Mohammad Banir (Alexander Karim), o qual finalmente apareceu nos radares da CIA após 22 anos de seu desaparecimento. A necessidade de cumprir sua missão faz Evan correr em direção à luz, resgatando o seu dever e ofício acima de seu estado mental.

    A ação frenética lembra muito os filmes de superespiões, especialmente na interação entre o protagonista e o jovem agente, que lhe arranja condições de perseguir seus objetivos, Milton Schultz (Anton Yelchin), ajudando-o a fazer às vezes de “mestre do disfarce”. Em certos pontos, é quase possível esquecer-se da enfermidade do herói, dado o modo como ele se movimenta em direção ao término de seu tratado.

    As marcas no andar de Evan representam mais do que a dor que sentia em seu corpo, se propagando como o avatar do sofrimento, do já citado problema carnal e, claro, da libertação de espírito, que em último caso se resume à possibilidade de prosseguir com a paixão em ser agente de campo, apesar de todo o pesar que envolve este retorno, e da crescente queda de pressão que é fruto de sua doença.

    O embate que põe os dois moribundos frente a frente inverte os papéis do começo da fita, a despeito da regressão emocional pela qual passa o herói de ação. No discurso, há uma rasa discussão sobre os rumos políticos ideais para os países do Oriente Médio, ditos como inimigos do EUA, elevando a  condição do marxismo como uma possibilidade viável para a sustentação do equilíbrio social das nações islâmicas, o que obviamente interfere no pensamento imperialista do homem que somente segue ordens, representado no arquétipo do personagem de Cage.

    A defesa dos valores, presentes no American Dream e no American Way of Life, é realizada através do esforço máximo de Evan Lake, do começo ao melancólico e depressivo final, que aponta para a impossibilidade de este comportamento ainda existir. Para o espectador mais desatento, Vingança ao Anoitecer pode parecer propagandista, mas se analisados o conteúdo das falas dos antagonistas e as imagens que ocorrem nos pós-créditos, há como ver a escolha feita por Schrader, diretor que escolheu ser ufanista, de passar uma mensagem irônica, debochando do patriotismo exagerado e da ausência de pensamento crítico por parte dos que fazem o trabalho sujo do governo.

  • Crítica | O Imperador

    Crítica | O Imperador

    O Imperador 1

    Ambientada na época das Cruzadas (supostamente, ao menos) O Imperador conta a historieta de um guerreiro valente, de nome Jacob (Hayden Cristensen), que com seu cabelo moicano tenta salvar uma das crianças da aldeia, local que seu próprio grupo de soldados invadiu. Em meio ao saque, o personagem, que guarda o primeiro nome do neto de Abraão – em uma referência bíblica que salta aos olhos -, recebe os conselhos de um guerreiro mais experiente, Glenn, vivido por um Nicolas Cage com uma peruca assustadora, que discute aquela matança desenfreada, destacando qual seria o papel do deus na batalha entre humanos.

    O sangue que cobre a cabeça de Jacob faz todo o discurso edificante de Glenn ser razoável, uma vez que a culpa também paira sobre a cabeça do jovem vassalo. Porém, mesmo assim, continua procedendo como um general acéfalo, sedento por sangue, como se fosse a única fonte de sustento para o seu corpo e alma.

    O frágil roteiro logo viaja para outro continente, exibindo um império asiático cujos desígnios reais são interrompidos por uma alta traição familiar, em que o vilão Shing (Andy On) assassina seu próprio pai para impedir que o caçula Qiang (Lizin Zhao) seja empossado rei. A trama, vista em tantas outras produções, torna-se ainda mais banal quando, por uma coincidência do destino, Jacob acaba pairando sobre aquele lugar, entorpecido pelo ópio, mas ainda com senso de justiça. Após uma luta onde todo um show-off é apresentado, ele é convocado pelos sobreviventes para acompanhá-los. Prontamente, o guerreiro recusa, para fazer às vezes de Cavaleiro Solitário, unicamente para sofrer uma recaída e lembrar-se de seus deveres morais, ainda que sua motivação nada tenha a ver com os que protege.

    É curioso o modo como Nick Powell filma e conduz sua história, fazendo um uso indiscriminado da steadicam na tentativa de sofisticar seu próprio trabalho. Na maioria das cenas, o recurso exagerado pouco faz para diferenciar-se de tantos outros diretores genéricos de ação, ainda que sua perícia não seja de toda reprovável. Faltam conteúdo e relevância aos atos mostrados em tela, sobretudo a ausência de bons intérpretes, fazendo com que qualquer esforço para o Imperador não parecer uma piada seja absolutamente em vão.

    A interação entre o guerreiro caucasiano, que força a voz sempre que conversa com seus convivas, faz lembrá-lo da relação de mentor e mestre que teve com Glenn, ainda que nada do que seja mostrado em tela justifique qualquer edificação de espírito e autoglorificação enquanto figura inspiradora. Aos olhos do espectador comum, Jacob é apenas um guerreiro culpado, que se exibe como um exímio combatente, mas que ainda tem autoestima baixa, tendo no torpor da droga seu único refúgio. Nem bem é construída a figura de herói clássico, assim como o antiheroísmo é totalmente discutível pelos olhos de Lian (Yifei Liu) e do público.

    O combalido roteiro segue descendo o nível ao inserir aparições dos personagens sem qualquer justificativa. Glenn volta ao convívio de seu discípulo para indagá-lo sobre o sangue derramado no primeiro ato para então saber o motivo terrível que fez com que ele deserdasse. Após o retorno, logo começa mais uma batalha sem sentido, em que o exército inimigo faz uma emboscada aos heróis, para, enfim, ocorrer uma batalha final carregada de pieguismo.

    Apesar de ter uma reconstituição eficaz nos figurinos e cenários, O Imperador peca demasiadamente em termos de roteiro, o que faz duvidar se havia algo redigido anteriormente às gravações. A miscelânea de mortes desnecessárias produz uma mensagem tosca, destacando honra e patriotismo injustificáveis ante toda a breguice e anacronismo do texto final, em que sequer as cenas de ação fazem valer o esforço em ver a fita até o final.

  • Crítica | O Apocalipse

    Crítica | O Apocalipse

    Com base no Apocalipse de João, último livro da Bíblia Sagrada, a série Deixados Para Trás, de Tim LaHaye e Jerry B. Jenkins, caracteriza-se por obras de temática religiosa abordando um futuro após o arrebatamento, evento em que os crédulos são salvos por Deus, e a Terra, sob o jugo do Diabo, passa por anos de tribulações. Atualmente, são dezesseis romances que compõem a saga, com direito a três prequels narrando momentos antes do Apocalipse.

    A trama de O Apocalipse é adaptação direta desta série. A temática cristã está presente logo nos primeiros minutos do longa-metragem, em que personagens são apresentados com um maniqueísmo didático evidenciando seus vícios. Há uma divisão implícita entre pecadores e aqueles que seguem a crença ao Senhor. Não há nenhuma intenção no roteiro de Paul Lalonde e John Patus – que tem no currículo outras obras cristãs, incluindo a versão de 2000 de Deixados Para Trás – em promover uma reflexão enquanto narra a história. A trama é voltada para o catequismo e utiliza a base bíblica como argumento ficcional.

    Há exagero na concepção das personagens, vistas somente como pecadores e não pecadores. Os primeiros são apresentados com vícios aparentes, como um apostador mal humorado, uma viciada em drogas e um dos arquétipos mais perigosos da produção, um muçulmano que, descrente na religião cristã, se torna por consequência parte dos pecadores. Em contraponto, os não pecadores são gentis e adoráveis e são representados por um agente da lei, crianças, entre outros breves personagens que aparentam pureza e realizam bons atos em cena. O didatismo é tão desmedido que não seria surpreendente se, em certos momentos, a imagem paralisasse e a palavra PECADOR surgisse na tela em letras garrafais.

    A ação centra-se em uma viagem aérea em que o adúltero e mau pai Rayford (Nicolas Cage) é o piloto da aeronave. O personagem evita passar o aniversário com a filha para viajar a Londres e ir com a amante a um concerto de rock. Quando acontece o arrebatamento e parte da população – e dos passageiros do avião – desaparecem, deixando somente as roupas como vestígio, uma série de dúvidas a respeito do desaparecimento das pessoas entra em cena. É o espaço para imaginarem terroristas, sequestradores e forçar situações dramáticas de desespero até, entre uma e outra tese, introduzirem e aceitarem o arrebatamento.

    Se o livro do Apocalipse revela que este momento é o princípio do fim, a profecia não anula uma possível coerência que o roteiro poderia ter. Não é porque parte da população mundial encontrou o reino dos céus que o mundo automaticamente cairá em um colapso que, em poucos minutos, destruirá cidades e satélites de comunicação. A produção incorre no mesmo erro de aventuras apocalípticas em geral, que nunca dão uma margem temporal suficiente para a destruição da sociedade. Em um tempo recorde, a humanidade se torna caótica e – mais um estereótipo – surgem ladrões, assaltantes e vilões em todo lugar.

    A motivação catequizadora da história não permite a profundidade das personagens, porque em matizes não há evidência explícita de preto ou branco. Assim, as personagens permanecem daltônicas para adequarem-se aos seus papéis de pecadores ou crentes. Um simplismo que não era necessário. O Cinema nos apresentou excelentes obras épicas que tinham como centro a mensagem cristã: O Rei dos Reis, O Manto Sagrado e diversas outras produções – como Ben Hur – que produziram belíssimas metáforas sobre religião e, acima de tudo, eram histórias ou parábolas bem realizadas, indo além de uma mera pregação da palavra.

    O filme talvez ganharia menos destaque não fosse Nicolas Cage no elenco. Porém, há anos sem entregar um bom filme ou uma interpretação principal bem feita, o ator tem seu mérito desgastado, e sua credibilidade popular não ajuda a produção. Infelizmente, Cage parece perdido e não se preocupa mais em voltar a uma carreira de sucesso em filmes populares de ação ou dramáticos. Talvez o público deva esquecê-lo e aceitar que o ator nunca retornará à boa forma e que ele manterá a interpretação canhestra vista em películas de execução duvidosa. Vê-lo como personagem central de uma história com boas intenções mas moralista até a medula nos traz a suposição de que este é um de seus piores filmes dentre seus piores filmes. Porém, tratando-se de Cage, nunca é demais pressupor a má qualidade.

    Apoiado em excesso na tradição cristã, O Apocalipse se mantém como um produto de um nicho específico, a ficção cristã, sem conseguir ser uma obra cujas palavra e narrativa são realizadas de maneira conjunta. Tratando-se de boas metáforas sobre a religião cristã, melhor revisitar um épico.

  • Crítica | Fúria

    Crítica | Fúria

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    Nos últimos anos, no interior de seus personagens, Nicolas Cage tem sido um defensor da unidade familiar. Em Reféns (de Joel Schumacher) tenta defender a família de um grupo de assaltantes dentro de sua própria casa; luta por justiça após o estupro da esposa em O Pacto; e, contra o tempo, busca salvar a filha de um sequestro em O Resgate. Mesmo fora do escopo de ação, na animação Os Croods, dublou o pai de família preocupado com os perigos da pré-história.

    Tentando reconquistar o merecido prestígio como herói de ação na década de 90, Cage estrela mais uma produção do gênero sem desprender-se da preocupação familiar. Em Fúria (também conhecida como Rage ou Tokarev), Paul Maguire é um homem com um passado sujo, devido a um envolvimento com o mundo do crime, mas que tenta viver atualmente de maneira honesta como um empresário empreiteiro. Após o sequestro da sua filha, Maguire se vê obrigado a retornar ao seu passado obscuro e a cobrar favores, acreditando que o desaparecimento da garota foi orquestrado pela máfia russa. Isso porque as balas encontradas na cena do crime pertencem a uma arma tradicionalmente utilizada pelos russos, a Tokarev do título.

    A ação centrada em uma trama com um único propósito assemelha-se com as grandes produções da década de 80, em que personagens munidos de violência por um objetivo maior realizavam uma baixa agressiva de bandidos, seja à procura de entes familiares desaparecidos, seja por pura vingança. A ausência de cenas coreografadas, ou de destaques na estética luta corporal, demonstra a intenção de retomar um estilo narrativo anterior. São cenas simples e diretas, com uma dose de violência que estabelece verossimilhança sem o exagero de sangue contemporâneo.

    Tentando reconquistar o carisma como um bom ator – desintegrado nos últimos anos por filmes mal desenvolvidos e interpretações rasas –, Cage evita excessos caricaturais anteriores, mas não é capaz de modificar o paradigma de sua interpretação costumeira. Entre gritos impositivos e cenas exageradas de drama, o ator tenta demonstrar capacidade cênica, porém parece preso ao estigma – e à dúvida – de um ator que um dia foi considerado bom e que, hoje, parece recorrer a uma gama curta de recursos dramáticos e cênicos.

    A simplicidade narrativa e a tentativa do ator em ser demasiadamente neutro demonstram o pouco fôlego da produção. Ao mostrar o personagem em uma perseguição aos prováveis sequestradores de sua filha, a história não consegue aprofundar-se em um dilema moral traumático de uma figura violenta – como em Marcas da Violência de David Cronenberg –, nem ser funcional como trama de vingança em virtude de um papel central que não parece, de fato, aflito com o desaparecimento da filha. O passado obscuro do personagem recorre aos clichês eventuais envolvendo máfias e organizações de cunho duvidoso, um elemento que nem mesmo causa apreensão ou um senso de peliculosidade.

    Se Fúria não peca por excessos plásticos, também não demonstra habilidade em fazer bom uso da simplicidade temática. Se qualifica como enredo de ação transitória que pode promover o divertimento, mas que logo será deixado de lado pelo espectador após a exibição do filme. Ao repetir o mesmo estilo de personagem nos últimos anos, Cage insiste em resgatar um passado que parece não mais retornar. Talvez seja o momento para procurar outros papéis diferentes do costumeiro conforto interpretativo, compor novos desafios, e conquistar, ao menos parcialmente, o requinte do ator que já logrou uma estatueta dourada.

     

  • Crítica | Arizona Nunca Mais

    Crítica | Arizona Nunca Mais

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    Segundo filme dos irmãos Coen, Arizona Nunca Mais (Raising Arizona) surpreende em vários aspectos. Primeiro porque é um filme que sempre via em todos os lugares que passava, desde locadoras até as lojas de DVD, e nunca tive interesse em vê-lo até pouco tempo atrás. Por essas e outras que é sempre bom rever conceitos…

    Nicolas Cage interpreta H.I. McDonnough (ou apenas Hi), um ladrão de lojas de conveniências que acaba se casando com Edwina (Holly Hunter), a policial que sempre tirava suas fotos de fichamento na polícia (uma sequência bem engraçada no início do filme). Depois de um período de felicidade imensa, o casal resolve ter um filho. O problema é quando descobrem que Edwina não pode ter filhos. A partir daí, suas vidas começam a perder o brilho e a felicidade de antes. Ed larga a polícia, Hi volta a pensar em assaltar lojas e por aí vai. Porém, quando Nathan Arizona, o dono de uma cadeia local de lojas de móveis, e sua esposa Florence têm quíntuplos, Ed e Hi, naturalmente, resolvem que a coisa mais natural a fazer é tomar um dos bebês para si, pois “seria injusto alguns terem muito e outros tão pouco”.

    Novamente o roteiro e a direção dos Coen mostra um primor e uma elegância visual incrivelmente competentes, mesmo ao retratar um cartunesco e caipira sul dos EUA, onde os diálogos (curtos e longos), sotaques e analogias são propositadamente exageradas a fim de enriquecer a cultura dos personagens e estabelecer o universo fantasioso (que logo percebemos não ser exatamente igual ao nosso). Talvez um dos pecados do filme esteja aí, nessa demora, pois ao espectador menos paciente, a sucessão cômica e irrealista de eventos do filme pode provocar uma reação de descrédito e fazê-lo abandonar a experiência, o que seria uma pena, mas compreensível.

    Porém, os pontos positivos, como os diálogos secos entre alguns personagens (como na cena do assalto a banco, onde nem mesmo os bandidos, com um bebê, conseguem assustar o incauto senhor típico do sul) superam os negativos, e as interpretações são excelentes. Nicolas Cage faz um brilhante bandido de bom coração, e exagera na medida certa o sotaque e as caretas a fim de enriquecer o ridículo da história. Artifício este que o ator usará cada vez mais desproporcionalmente com o passar dos anos, até chegar ao ridículo de sua carreira nos anos atuais.

    O que sobra da experiência é uma sensação boa de leveza, de diversão sem compromissos com a realidade, inteligente e que tira do espectador risadas naturais e espontâneas, com um humor honesto e difícil de vermos hoje em dia.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | O Resgate

    Crítica | O Resgate

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    A cada filme que estrela, Nicolas Cage dá passos para se tornar uma espécie de mito contemporâneo. Mesmo em uma época em que grandes atores não têm mais o prestígio de outrora e não cativam tanto público para suas produções, Cage continua realizando filme após filme e tendo um grande público, sendo alvo de montagens virtuais e, o mais estranho, figurando na capa de um livro de biologia de um país europeu com uma imagem retirada de Arizona Nunca Mais.

    Houve um momento em que sua carreira era respeitada. Além do Oscar em 1996, por Despedida em Las Vegas, tornou-se um astro de ação com diversas boas produções presentes no coletivo popular e sempre reprisadas na televisão aberta. Até quando resolveu esquecer o talento e qualquer método de interpretação possível.

    Ainda assim é personagem central em muitas produções. De dez anos para cá, estrelou vinte e quatro produções – a maioria repetindo os mesmos papéis, sendo O Senhor das Armas e O Sol de Cada Manhã os últimos vestígios de seu talento.

    Retomando a parceria com Simon West, que o dirigiu em Con Air – A Rota da Fuga, O Resgate é um tradicional filme de um bandido arrependido que, após a prisão, tenta fazer as pazes com a família, normalmente formada por mãe e uma filha adolescente que não gosta do pai. A reviravolta acontece quando um dos homens de seu bando sequestra a garota, exigindo sua parte do último assalto, que resultou na prisão da personagem.

    Com apenas noventa e seis minutos de duração, a motivação é muito clara. Um pai que fará de tudo para salvar a sua filha. O tempo relativamente curto em que se desenvolve a história é suficiente para ter agilidade e não pecar em apresentar reviravoltas desnecessárias. Mas outras tramas apresentaram a mesma história com mais vigor, como Busca Implacável.

    Em cena, Nicolas Cage está igual ao seu personagem em Motoqueiro Fantasma: Espírito da Vingança. Que, por sua vez, é igual ao de Reféns. Igual ao de Pacto Sobre Rodas. E assim segue. Repetindo o mesmo olhar meio agressivo, meio maluco, a voz descontrolada que sempre precisa se impor da maneira italiana: gesticulando ameaçadoramente.

    Em algum momento, o ator se perdeu. E hoje, ainda assim, continua produzindo filmes que devem ser vistos mesmo pelo riso involuntário. Pela sensação de ver em cena um ator que parece fingir não saber que tem descido uma triste ladeira sem fim.

    O mais impressionante dessa produção é saber que, no mesmo ano, o diretor West realizaria com Stallone Os Mercenários 2. Verificando sua filmografia percebe-se que o filme com Sly foi um dos poucos acertos entre diversos fracassos.