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  • Crítica | Homem-Aranha no Aranhaverso

    Crítica | Homem-Aranha no Aranhaverso

    Desde que fez Homem-Aranha 2, de Sam Raimi, a Sony parece tatear quanto a conduzir bem um filme sobre o herói da Marvel que lhe cabe. Homem Aranha 3 foi muito achincalhado, O Espetacular Homem-Aranha e sua sequência, O Espetacular Homem Aranha 2 : A Ameaça de Electro, não tiveram vida fácil, Venom foi um fracasso de critica e até Homem-Aranha: De Volta ao Lar não é uma unanimidade, mesmo entre os fãs. Por conta disso, a nova animação era cercada de expectativas, e a maior parte delas foram correspondidas.

    Homem-Aranha no Aranhaverso começa narrado por Peter Parker, o herói aracnídeo original, que goza de grande popularidade nesta versão e que conversa diretamente com as fases Ultimate do herói, escritas por Brian Michael Bendis e desenhadas por Mark Bagley. Outra característica própria e que cria uma boa conexão do filme com o espectador é a narração engraçadinha, que flerta com uma camada fina de metalinguagem, quase quebrando a quarta parede. Parker é dublado por Chris Pine, e sua personificação é bem semelhante ao auge que o herói teve após o casamento com Mary Jane.

    A animação causa um certo estranhamento, em especial quando Miles Morales (Shameik Moore) é introduzido. A velocidade dos quadros soa esquisita por conta da pigmentação da pele dos personagens, quando eles usam máscara isso não parece tão evidente, mas aos poucos isso passa a ser algo comum. O roteiro de Phil Lord e Rodney Rothman trata muito bem de Morales e é fácil entender o deslocamento dele na nova escola, que ele julga elitista – e de fato é, ainda mais para um garoto negro e latino como ele – bem como no seu cotidiano, uma vez que ele tem o desejo de manifestar sua arte do grafite de alguma forma, mas é sempre proibido por seu pai, Jefferson Davis (Brian Tyree Henry). Ele encontra eco na figura do tio Aaron (Mahershala Ali), e divide com ele o mesmo hobby pela arte.

    É aí que mora o diferencial do  filme de Bob Persichetti, Peter Ramsey e Rothman, ele obviamente alude as crianças, mas traz tramas complexas. Mesmo o Peter Parker desse dimensão, forte, famoso e loiro (em uma alusão clara ao clone Ben Reilly) tem seus defeitos, e quando este sai de cena, deixa pontas soltas, seja pelo fracasso de não ter detido o vilão Rei Do Crime (Liev Schreiber) ou por não ter sido o exemplar mentor de Miles. O choque dimensional traz à tona outras versões do amigão da vizinhança,  e é nesse crossover que habita boa parte do carisma, principalmente com a figura de Peter B. Parker, de Jake Johnson.

    Apesar de algumas divergências criativas e pessoais, fato é que os dois criadores do Homem-Aranha, Steve Ditko e Stan Lee tinham em mente que seu personagem deveria inspirar o público, mostrando que qualquer pessoa pode ser heroica mesmo com todos os percalços mundanos e cotidianos, e nesse ponto, o filme talvez seja o produto em áudio visual mais acertado, incluindo aí até o Homem-Aranha de Sam Raimi. Tanto Morales, quanto B. Parker e até a jovem Gwen (Hailee Steinfield),  transpiram isso, obviamente com a sardinha puxada para o lado do jovem negro e latino,que está em fase de amadurecimento e numa jornada rumo ao conhecimento do que é ser um herói e de como lidar com o clichê de com grandes poderes vem grandes responsabilidades. Destaque também para o engraçado Homem-Aranha Noir, feito por Nicolas Cage, um personagem sério mas com ótimas piadas, e mais uma participação do ator em adaptação de quadrinhos.

    O humor do filme é muito presente, Miles é engraçado e seu mal jeito e timidez dão a ele um charme exótico, variando entre as descobertas típicas da adolescência bem como o alvorecer do heroísmo. Há também um largo uso de onomatopeias e balões típicos dos quadrinhos, que reverberam as falas e pensamentos dos personagens. O grupo de personagens, tanto vilanescos quanto de benfeitores é grande, diverso e ambos os lados desafiam Morales, para finalmente entender qual é a sua vocação.

    Qualquer uma das contra-partes do Aranha tem algo em comum, que é a perda de um ente querido, que serviu como manifestação física da perda e esse luto, seja recente ou não é bem explorado, unindo assim os personagens tão diferentes, que trabalham bem em equipe graças a um inconsciente coletivo muito forte, que pode ou não ter a ver claro com o sentido de aranha que a maioria deles tem. O filme tem um ritmo frenético e mal parece que tem pouco menos de duas horas, mas o maior acerto de Homem Aranha no Aranhaverso certamente é o fato de que ele é carregado de alma e sentimento, com expressões que funcionam bem com todas as referencias que Lee e Ditko pensaram para seu personagem mais humano, servindo como reverência ao primeiro desses que faleceu recentemente e com uma carga emotiva muito forte, sem medo de parecer um produto de super herói, super colorido e cheio de escapismos, como os bons momentos da Era de Prata dos quadrinhos.

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  • Review | The Get Down – 1ª Temporada (Parte 2)

    Review | The Get Down – 1ª Temporada (Parte 2)

    The Get Down é uma série de duplo protagonismo, mas a segunda parte desta é dedicada claramente a ascensão de Mylene Cruz (Herizen F. Guardiola) ao patamar de possível diva, muito mais do que o curso da jornada de Ezekiel ‘Books’ Figuero (Justice Smith) e seus Get Down Brothers. Como foi com a primeira parte da temporada, novamente o ato começa morno, O tomo dois tem altos e baixos e ligeiramente inferior a sua parte um, graças principalmente ao acréscimo de uma animação mal executada, que por sua vez, representa as partes mais lúdicas do seriado.

    No entanto, ouso extensivo das partes desenhadas não torna o programa em algo desprezível, especialmente pela construção em volta de Zeke e pelos confrontos que tem com Shaolin Fantastic (Shameik Moore), no ponto de vista ideológico.  Essa dualidade faz um comentário muito inteligente com outros produtos de temática semelhante, em especial Faça a Coisa Certa, de Spike Lee e Os Donos da Rua de John Singleton, mostrando que a luta da juventude negra era por se desassociar da vida de gangster, da rotina do tráfico de drogas e da marginalidade comum.

    Para os membros da geração anterior, a música executada pelos meninos se confundia com o dia a dia dos criminosos e com o uso indiscriminado de drogas. Em meio aos anos setenta, onde a guerra contra os entorpecentes era financiada por governos extremamente conservadores. Apesar de não verbalizar, a versão de Books nos anos noventa – interpretada por Daveed Diggs – claramente julga diferente a questão que na sua juventude o fez entrar em rota de colisão com Shaolin, não que isso justificasse a comercialização de drogas, mas aos poucos o personagem enxerga a realidade que o envolveu durante a infância e adolescência e o quão desesperador era para um homem negro já adulto, mas tradicionalmente desamparado, sobreviver tendo ao seu lado o caminho do tráfico.

    O ponto de virada na trajetória de Mylene ocorre em Gamble Everything, quarto episódio, onde a garota finalmente decide ir na direção contrária ao seu pai Ramon Cruz (Giancarlo Esposito), finalmente ignorando suas normas conservadoras e reacionárias, que por sua vez, acabam sendo o catalisador da pausa que quase ocorre na sua ascensão musical. Ruby Coin é descrita como um antro de sexualidade e de uso livro de drogas e entorpecentes, ainda que seja bem diferente dos becos onde os Get Down Brothers normalmente se apresentam, já que a diversidade sexual lá é completamente diferente dos outros universos estabelecidos na série. Essa é só mais uma demonstração de que a cena gay já estava a frente do seu tempo mesmo em meio aos anos setenta, e essa função na série é ótima por ajudar a quebrar paradigmas, especialmente porque toda a sequência da dança de Mylene e Regina (Shirley Rodriguez) poderia se passar perfeitamente em 2016 ou 17, que são os anos da produção desta temporada.

    A boate Ruby Coin é o maior dos ritos de passagem para a protagonista, primeiro por ela ter que superar a perda de Yolanda (Stefanée Martin) como sua parceira de dança e performance, depois por se ver competindo com Misty Holloway (Renée Elise Goldsberry), a diva da geração anterior que mistura elementos de várias cantoras ícones da época – sendo inclusive a imagem e semelhança física de Diana Ross – além evidentemente de ser encarada por seu repressor pai. Um a um os desafios são vencidos e ela se prova madura e adulta o suficiente para se entregar como possível musa da cena musical e cinematográfica.

    Talvez o maior defeito de Get Down seja o apelo as péssimas animações que lembram os piores momentos do Adult Swin. A ideia de cortar orçamento soa boba e infantil na maior parte das vezes, quebrando a aura mágica dos episódios sempre que ocorrem sequências com os bonecos (des)animados. Os produtores certamente optaram por isto para encurtar custos, sendo isso uma mostra do quão difícil é realizar a série, temendo-se até que esta tenha o mesmo fim precoce de Marco Polo. De certa forma, cresce um desejo por parte do público de que não haja continuações sobre esta, mesmo que o destino dos personagens não esteja totalmente findado.

    Outra subtrama bem explorada a de Shaolin Fantastic, que finalmente se entrega ao arquétipo de herói falido, tendo uma queda em seu plano de viver da música e não mais do tráfico para abrir mão de tudo através da vaidade que lhe acomete. A possível retirada dele do disco que estaria para ser gravado o faz ser rude com Fat Annie (Lillias White), sofrendo assim represália dela, seus capangas e de seu filho Cadillac (Yahya Abdul-Mateen II). No confronto ali estabelecido há também um embate ideológico e que se torna caro por se assemelhar a mais um ato de ópera, fato que também está presente na atitude egocêntrica de Ramon Cruz, que em seus últimos atos, faz questão de gravar uma mensagem para a posteridade,

    O caráter de fantasia e magia se fortifica no ultimo episodio, Only from Exile Can We Come Home, especialmente na bifurcação entre a epifania pós luto de Mylene e a perseguição a Shaolin e seus comparas. No núcleo de Ezekiel, há um embate fantástico dos MCS, Djs e B-boys com os capangas do homem da Disco visto em Cadillac. Em alguns momentos, os discursos soam um pouco infantis, valorizando o aspecto idealizado das letras de Rap,  mas tudo isso é passável, uma vez que o objetivo é mostrar o lado idealizado da filosofia que se tornaria o hip-hop. Por sua vez, Mylene busca seu lugar ao sol de maneira sóbria e bem adulta. Mesmo os momentos de despedida são econômicos em melodrama, mérito esse enorme do diretor Ed Bianchi que consegue equilibrar mesmo os momentos morosos (os animados especialmente), exaltando ainda mais as inspirações e aspirações dos personagens, fazendo dessa temporada agora findada um belo exemplar de ópera rap, contabilizando bem tragédias, sacrifícios e ideais, levando em conta também a identidade de classe e cor de seus heróis, bandidos e coadjuvantes.

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  • Review | The Get Down – 1ª Temporada (Parte 1)

    Review | The Get Down – 1ª Temporada (Parte 1)

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    Situada em Nova York, explorando a violência e o blaxploitation tanto do Rap dos anos noventa quanto nos bairros suburbanos da década de 1970, The Get Down é uma história épica, focada na trajetória de Books (Daveed Diggs), que no passado, era Ezekiel ‘Zeke’ Figuero(Justice Smith), um homem que recita sua poesia de rua nas duas linhas temporais, discorrendo sobre miséria, sobrevivência e amor, este último envolvendo primeiramente a bela Mylene Cruz (Herizen F. Guardiola), uma menina de voz doce e espírito arredio. Os seis episódios desta parte um se dedicam a aprofundar a questão dos dois personagens, em sua busca pessoal e conjunta pelo sucesso.

    O programa criado por Stephen Adly Guirgis e Baz Luhrmann mostra, no passado, Mylene e Ezekiel não conseguindo ficar juntos, basicamente porque o rapaz não consegue o ímpeto de mostrar a sua arte. O encontro dos dois ocorre na boate Les Infernos, onde a parte latina da população negra se encontra para ouvir o som do famoso Dj Malibu (Billy Porter) e onde a menina acredita que poderá se exibir aos olho de quem faz acontecer na vizinhança. A família de Maylene é a responsável pela igreja local, e seu pai, Pastor Ramón Cruz (Giancarlo Esposito) é um fanático religioso que sente nojo pela simples possibilidade de envolvimento de sua família com qualquer rastro de vida mundana e pseudo leviana, tendo a vida completamente diferente da de seu irmão Francisco ‘Papa Fuerte’ Cruz (Jimmy Smiths), um sujeito boêmio e influente dentro da comunidade. O objetivo do velho é manter seus herdeiros longe da volúpia do Bronx contemporâneo, cerceando a liberdade da moça e bloqueando sua estrada para a fama.

    Paralelo a isso, Zeke busca entender sua vocação e identidade enquanto escritor e intérprete. Ambas jornadas são guiadas sob um ponto de vista estilístico, que mescla a fantasia típica dos filmes de Baz Luhrman – que dirige o primeiro episódio- e o visual de clássicos como Warriors, Cleópatra Jones e Shaft. O piloto estabelece não só o ideal que Ezekiel passa a buscar como a descoberta de todo um mundo novo, para ele, para seus amigos, Marcus ‘Dizzee’ Kipling (Jaden Smith), Ra-Ra Kipling (Skylan Brooks) e Boo-Boo Kipling (Tremaine Brown Jr.) junto ao novo mentor, Shaolin (Shameik Moore), que o introduz na cultura do repente e da comunicação via batalha rimada, nascendo assim o Fantastic Four Plus One, que depois se tornariam os The Get Down Brothers.

    A trama de The Get Down é essencialmente visual. O subtexto que no inicio beira o raso é muitas vezes escondido pela inventividade dos diretores Ed Bianchi, Andrew Bernstein e Michael Dinner, que conseguem junto ao departamento de arte produzir uma identidade visual grandiosa, que insere o espectador automaticamente no mundo proposto ali.

    Não demora para a qualidade do argumento subir, a partir de Esqueça a Segurança, 4º Episódio, onde os elementos dissonantes, entre religião e descoberta de uma nova cultura produzida pelos negros americanos surge, se valendo do talento e beleza arrebatadoras de Maylene e de seus duas amigas Regina (Shirley Rodriguez) e Yolanda (Stefanée Martin). A estrada para o sucesso seria pavimentada ainda com muitos sacrifícios e concessões, tudo desenvolvido de modo gradual, levando em conta todas as condições e nuances de uma trajetória difícil.

    O núcleo adulto é até bem desenvolvido, em especial nos detalhes da ascensão artística de Mylene e profissional de Zeke, especialmente nos detalhes da rotina do produtor Jackie Moreno (Kevin Corrigan) mas as nuances dramáticas mais fortes moram nos dramas dos meninos, que são obrigados a crescer sob um olhar castrador e conservador, ao mesmo tempo que tem que lidar com as descobertas de uma nova existência, de um novo patamar de desventuras, amores e sonhos.

    The Get Down mistura elementos dissonantes, unindo sentimento, talento, violência, ascensão social e simbolismo tudo com um abordagem absolutamente harmônico, que justifica em si até os exageros dramáticos. A apresentação dos The Get Down Brothers ocorre em paralelo com um comício politico, protagonizado por boa parte do elenco mais velho e por Ezekiel, sendo essa só mais uma mostra que o protagonista transitaria entre esses dois mundos. Mais do que falar sobre a gênese da cultura hip hop, a serie consegue elucubrar sobre alma e sobre a conexão que a arte tem com identidade dos homens e mulheres, ainda que não finde o assunto, uma vez que a temporada só terminará em 2017, em um novo formato testado pela Netflix. Ainda assim, a sensação mais comum ao público é de curiosidade pelo desenrolar de todas as histórias.