Com base no Apocalipse de João, último livro da Bíblia Sagrada, a série Deixados Para Trás, de Tim LaHaye e Jerry B. Jenkins, caracteriza-se por obras de temática religiosa abordando um futuro após o arrebatamento, evento em que os crédulos são salvos por Deus, e a Terra, sob o jugo do Diabo, passa por anos de tribulações. Atualmente, são dezesseis romances que compõem a saga, com direito a três prequels narrando momentos antes do Apocalipse.
A trama de O Apocalipse é adaptação direta desta série. A temática cristã está presente logo nos primeiros minutos do longa-metragem, em que personagens são apresentados com um maniqueísmo didático evidenciando seus vícios. Há uma divisão implícita entre pecadores e aqueles que seguem a crença ao Senhor. Não há nenhuma intenção no roteiro de Paul Lalonde e John Patus – que tem no currículo outras obras cristãs, incluindo a versão de 2000 de Deixados Para Trás – em promover uma reflexão enquanto narra a história. A trama é voltada para o catequismo e utiliza a base bíblica como argumento ficcional.
Há exagero na concepção das personagens, vistas somente como pecadores e não pecadores. Os primeiros são apresentados com vícios aparentes, como um apostador mal humorado, uma viciada em drogas e um dos arquétipos mais perigosos da produção, um muçulmano que, descrente na religião cristã, se torna por consequência parte dos pecadores. Em contraponto, os não pecadores são gentis e adoráveis e são representados por um agente da lei, crianças, entre outros breves personagens que aparentam pureza e realizam bons atos em cena. O didatismo é tão desmedido que não seria surpreendente se, em certos momentos, a imagem paralisasse e a palavra PECADOR surgisse na tela em letras garrafais.
A ação centra-se em uma viagem aérea em que o adúltero e mau pai Rayford (Nicolas Cage) é o piloto da aeronave. O personagem evita passar o aniversário com a filha para viajar a Londres e ir com a amante a um concerto de rock. Quando acontece o arrebatamento e parte da população – e dos passageiros do avião – desaparecem, deixando somente as roupas como vestígio, uma série de dúvidas a respeito do desaparecimento das pessoas entra em cena. É o espaço para imaginarem terroristas, sequestradores e forçar situações dramáticas de desespero até, entre uma e outra tese, introduzirem e aceitarem o arrebatamento.
Se o livro do Apocalipse revela que este momento é o princípio do fim, a profecia não anula uma possível coerência que o roteiro poderia ter. Não é porque parte da população mundial encontrou o reino dos céus que o mundo automaticamente cairá em um colapso que, em poucos minutos, destruirá cidades e satélites de comunicação. A produção incorre no mesmo erro de aventuras apocalípticas em geral, que nunca dão uma margem temporal suficiente para a destruição da sociedade. Em um tempo recorde, a humanidade se torna caótica e – mais um estereótipo – surgem ladrões, assaltantes e vilões em todo lugar.
A motivação catequizadora da história não permite a profundidade das personagens, porque em matizes não há evidência explícita de preto ou branco. Assim, as personagens permanecem daltônicas para adequarem-se aos seus papéis de pecadores ou crentes. Um simplismo que não era necessário. O Cinema nos apresentou excelentes obras épicas que tinham como centro a mensagem cristã: O Rei dos Reis, O Manto Sagrado e diversas outras produções – como Ben Hur – que produziram belíssimas metáforas sobre religião e, acima de tudo, eram histórias ou parábolas bem realizadas, indo além de uma mera pregação da palavra.
O filme talvez ganharia menos destaque não fosse Nicolas Cage no elenco. Porém, há anos sem entregar um bom filme ou uma interpretação principal bem feita, o ator tem seu mérito desgastado, e sua credibilidade popular não ajuda a produção. Infelizmente, Cage parece perdido e não se preocupa mais em voltar a uma carreira de sucesso em filmes populares de ação ou dramáticos. Talvez o público deva esquecê-lo e aceitar que o ator nunca retornará à boa forma e que ele manterá a interpretação canhestra vista em películas de execução duvidosa. Vê-lo como personagem central de uma história com boas intenções mas moralista até a medula nos traz a suposição de que este é um de seus piores filmes dentre seus piores filmes. Porém, tratando-se de Cage, nunca é demais pressupor a má qualidade.
Apoiado em excesso na tradição cristã, O Apocalipse se mantém como um produto de um nicho específico, a ficção cristã, sem conseguir ser uma obra cujas palavra e narrativa são realizadas de maneira conjunta. Tratando-se de boas metáforas sobre a religião cristã, melhor revisitar um épico.