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  • Crítica | 8mm: Oito Milímetros

    Crítica | 8mm: Oito Milímetros

     

    8mm: Oito Milímetros, de Joel Schumacher, é produto do seu tempo e gênero, e se valeu de Nicolas Cage atuando como o detetive particular Tom Welles. Sua função primordial é a serviço da viúva de um homem rico que descobriu um filme de 8 milímetros dentro do seu cofre e quer saber se os fatos que aparecem ali são reais ou não.

    A história se passa em Miami com o protagonista no início chegando de avião, à noite. Logo é mostrado que ele é um homem de família, casado com Amy (Catherine Keener). Ele tem problemas bem comuns, tem que ganhar dinheiro o suficiente para sustentar sua família (incluindo sua filha), fuma escondido  de sua cônjuge, ou seja, tem problemas com vícios encarados socialmente como leves e lida com eles de maneira bem comum.

    Tal qual seria em O Custo da Coragem lançado algum tempo depois, em 8mm Schumacher é bem comedido. Traz uma obra que carece de exageros e arroubos visuais, que é bem pontuada inclusive pelo diretor de fotografia Robert Elswit, o contumaz parceiro de Paul Thomas Anderson, que consegue estabelecer bem um clima meio depressivo sobre a vida das pessoas – mesmo em Miami, que é uma cidade normalmente atribuída a farras e comemorações dado o eterno clima de verão e as praias. Além disso, as questões sujas envolvendo o filme encontrado no cofre do Sr.Christian são retratadas de maneira natural, apesar da visceralidade dos atos. Nota-se um incômodo em Welles quando assiste, servindo ele como representante do público (uma vez que aquelas são cenas chocantes), e essa sensação de estranhamento é alastrada ao longo da investigação e do passeio dele às ruas, onde habita a escuridão da pré madrugada, salientando uma obviedade que pode ser ignorada: toda cidade esconde segredos pesados e agressivos.

    O longa apresenta uma história e abordagem bem simples, com elementos típicos de romances detetivescos e suas adaptações para o audiovisual. Há na contratante  Sra. Christian (Myra Carter) uma figura aparentemente livre de suspeitas, uma música incidental que ajuda a aumentar o grau de tensão à medida que as investigações avançam. Também se apelam para cenários onde há destaque para cores de casas e estabelecimentos baseado em tons de cinza, para basicamente evocar que as almas das pessoas da história de Andrew Kevin Walker não são puras, longe disso, dado até sua filmografia que inclui participações nos roteiros de Se7en: Os Sete Crimes Capitais, Clube da Luta e A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça.

    A carreira de Joel Schumacher é bastante prolífica e  dividida por fases que são determinadas por fatores externos e até alheios aos seus filmes. Ele produziu fitas sérias como Um Dia de Fúria, outras mais voltadas para o humor nonsense em A Incrível Mulher que Encolheu, fez um clássico juvenil com Os Garotos Perdidos , até cair para si a responsabilidade de adaptar as historias do homem morcego, em dois filmes que tiveram muitas controvérsias, mas que na época foram exaltados (sobretudo Batman Eternamente). Depois que Christopher Nolan lançou seu Batman Begins e especialmente Batman: O Cavaleiro das Trevas, houve um revisionismo por parte do público na filmografia de Schumacher, que passou tanto pelos filmes do Batman, até as outras obras do diretor, que passaram a ser não só mal avaliadas, mas também mal frequentadas por gente de produção e atores principalmente da segunda metade dos anos 2000 para frente. As oportunidades para o diretor foram rareando, e bons parceiros também, o que é curioso, pois o roteirista responsável por boa parte da fragilidade dos produtos que Schumacher capitaneava ganha cada vez mais poder e influencia na industria. Akiva Goldsman tentou comandar os filmes de monstro da Universal (um fracasso retumbante), hoje escreve e produz a maioria dos produtos televisivos de Star Trek, que também não são unanimidade em crítica. Para o diretor, sobrou o ostracismo.

    Os personagens mostrados no filme são executados por atores que teriam seu apogeu pouco depois do lançamento em 1999, a participação de figuras como James Gandolfini, Joaquin Phoenix e Peter Stormare são bem pontuais, há carisma em cada um deles e é fácil acreditar em seus dramas.

    8mm: Oito Milímetros é um longa que fez muito sucesso durante o início dos anos 2000, mas hoje é bem pouco lembrada (e talvez até subestimada) e o que se vê nela é um mergulho bem fundo na alma da perversidade humana, além de um retrato do submundo BDSM que, apesar de caricato, não era tão agressivo em abordagem quanto tantos outros filmes de sua época. É tolice não se ater a fatos cronológicos, o filme é fruto de seu tempo e como Tempo de Matar tem pontos complicados na abordagem de algumas minorias. Além de não ser feito para todas as plateias, ele esbarra em um certo maniqueísmo (especialmente ao tratar as pessoas que fazem bondage como se fossem criminosas e más). Fora isso, a parte criminal é bem explorada, as atuações por mais canastronas que possam ser em alguns pontos são bem encaixadas e o ritmo do filme é frenético e honesto.

  • Crítica | A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça

    Crítica | A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça

    O brasão dos Van Garrett é o primeiro objeto que aparece no filme que Tim Burton conduziu em 1999, o mais gore, violento e mais repleto de elementos de terror de sua filmografia. Antes mesmo de qualquer fato, ele se auto referencia, mostrando um espantalho com cabeça de abobora assistindo um brutal assassinato por meio de decapitação. A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça reúne elementos dos curtas do diretor, um bocado de Edward Mãos de Tesoura não só por conta de seu protagonista também ser Jonny Depp, mas também por perverter historias clássicas que tem elementos de Contos de Fadas.

    Depp vive investigador Ichabod Crane, que em 1799 é enviado ao condado bucólico de Sleepy Hollow (que também é o nome original do filme), para desvendar uma série de assassinatos estranhos. Lá, ele se depara com uma justiça morosa e pouco disposta a resolver a questão dos assssinatos. Já nesse inicio se nota uma direção de arte muito bem conduzida por Rick Heinrichs, que remonta muito bem o século XXVIII, além de uma fotografia de Emmanuel Lubezki que mira muito em tons acinzentados, ajudando a produzir no espectador uma expectativa de podridão em relação as pessoas que aparecerão no roteiro de Andrew Kevin Walker. Fora Crane, não há muito por quem torcer, nem mesmo para a mocinha.

    A musica de Danny Elfman também ajuda a estabelecer que aquela historia não é algo comum, e a abordagem barroca de Burton é ainda mais utilizada aqui, não só nas relações entre personagens, mas também no tom pessimista. Há a óbvia reverencia do cineasta aos filmes da Hammer, seja na escolha de personagens coadjuvante como Christopher Lee, assim como o modo de retratar as mulheres, com espartilhos e decotes super generosos, como eram as vampiras que cercavam o Drácula de Lee, ou as mulheres que viviam na época das cavernas, ou os penteados e perucas dos homens, com madeixas descuidadas e que parecem não serem lavadas nunca ou quase nunca.

    A figura do Mercenário/Cavaleiro sem cabeça é muito bem montada, seja nos flashbacks de 79 onde Christopher Walken aparece como um assassino assustador de dentes afiados manualmente só para parecer mais feio, ou na boca dos cidadãos supersticiosos que tem medo só de lembrar de sues feitos. A sensação de estar se assistindo uma historia mitológica já é estabelecida independente até quaisquer palavras, o visual diz por si só, assim como todo o misticismo dos habitantes do local.

    Toda a violência retida nos filmes do Batman e nos seus demais filmes pode finalmente ter vazão, finalmente podem ser postas em prática e a mistura de elementos faz muito bem ao filme. O ceticismo aberto do personagem principal, a beleza angelical unida a teimosia da mocinha Katrina Van Tassel de Cristina Ricci, o passado lúdico de Crane envolvendo sua bela mãe, os elementos de feitiçaria, ate o desempenho de Ray Park como o cavaleiro, tudo flui em uma harmonia única, e isso tudo é conduzido pelo caráter detetivesco de Ichabod, que faz as vezes de Sherlock Holmes mais covarde em alguns pontos.

    A cena em que Crane encontra uma bruxa, em que ela faz um movimento cortando a cabeça de um morcego vivo é bem visceral. Alias, há uma referencia bem curiosa, na cena que a mãe  de Ichabod, interpretada por Lisa Marie Smith é mostrada morta, pendurada em um sarcófago de tortura,o objeto em si lembra muito o que Bruce Wayne utiliza para escorregar em Batman: o Retorno, com o detalhe de que os espinhos são recolhidos quando o Morcego tem de entrar na caverna, evidentemente.

    O fato da vilã contar todo o seu plano é obviamente algo clichê e previsível, mas cabe muito bem dentro dessa historia que tenta remontar. Uma historia clássica precisa de bordões, e os engendrados em A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça fazem o filme soar como um jovem clássico, que mesmo após vinte anos, ainda soa moderno, inteligente e bem construído, até seus exageros são charmosos e rivaliza com Ed Wood como o filme mais artístico e bonito de Burton, tendo a favor de si a força do seu final apoteótico e grotesco, que faz poetizar violentamente a obsessão do vingador decapitado, rumo ao inferno para onde ele já deveria estar há muito e não podia ir, já que era conjurado.

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