Tag: Christopher Walken

  • Crítica | A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça

    Crítica | A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça

    O brasão dos Van Garrett é o primeiro objeto que aparece no filme que Tim Burton conduziu em 1999, o mais gore, violento e mais repleto de elementos de terror de sua filmografia. Antes mesmo de qualquer fato, ele se auto referencia, mostrando um espantalho com cabeça de abobora assistindo um brutal assassinato por meio de decapitação. A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça reúne elementos dos curtas do diretor, um bocado de Edward Mãos de Tesoura não só por conta de seu protagonista também ser Jonny Depp, mas também por perverter historias clássicas que tem elementos de Contos de Fadas.

    Depp vive investigador Ichabod Crane, que em 1799 é enviado ao condado bucólico de Sleepy Hollow (que também é o nome original do filme), para desvendar uma série de assassinatos estranhos. Lá, ele se depara com uma justiça morosa e pouco disposta a resolver a questão dos assssinatos. Já nesse inicio se nota uma direção de arte muito bem conduzida por Rick Heinrichs, que remonta muito bem o século XXVIII, além de uma fotografia de Emmanuel Lubezki que mira muito em tons acinzentados, ajudando a produzir no espectador uma expectativa de podridão em relação as pessoas que aparecerão no roteiro de Andrew Kevin Walker. Fora Crane, não há muito por quem torcer, nem mesmo para a mocinha.

    A musica de Danny Elfman também ajuda a estabelecer que aquela historia não é algo comum, e a abordagem barroca de Burton é ainda mais utilizada aqui, não só nas relações entre personagens, mas também no tom pessimista. Há a óbvia reverencia do cineasta aos filmes da Hammer, seja na escolha de personagens coadjuvante como Christopher Lee, assim como o modo de retratar as mulheres, com espartilhos e decotes super generosos, como eram as vampiras que cercavam o Drácula de Lee, ou as mulheres que viviam na época das cavernas, ou os penteados e perucas dos homens, com madeixas descuidadas e que parecem não serem lavadas nunca ou quase nunca.

    A figura do Mercenário/Cavaleiro sem cabeça é muito bem montada, seja nos flashbacks de 79 onde Christopher Walken aparece como um assassino assustador de dentes afiados manualmente só para parecer mais feio, ou na boca dos cidadãos supersticiosos que tem medo só de lembrar de sues feitos. A sensação de estar se assistindo uma historia mitológica já é estabelecida independente até quaisquer palavras, o visual diz por si só, assim como todo o misticismo dos habitantes do local.

    Toda a violência retida nos filmes do Batman e nos seus demais filmes pode finalmente ter vazão, finalmente podem ser postas em prática e a mistura de elementos faz muito bem ao filme. O ceticismo aberto do personagem principal, a beleza angelical unida a teimosia da mocinha Katrina Van Tassel de Cristina Ricci, o passado lúdico de Crane envolvendo sua bela mãe, os elementos de feitiçaria, ate o desempenho de Ray Park como o cavaleiro, tudo flui em uma harmonia única, e isso tudo é conduzido pelo caráter detetivesco de Ichabod, que faz as vezes de Sherlock Holmes mais covarde em alguns pontos.

    A cena em que Crane encontra uma bruxa, em que ela faz um movimento cortando a cabeça de um morcego vivo é bem visceral. Alias, há uma referencia bem curiosa, na cena que a mãe  de Ichabod, interpretada por Lisa Marie Smith é mostrada morta, pendurada em um sarcófago de tortura,o objeto em si lembra muito o que Bruce Wayne utiliza para escorregar em Batman: o Retorno, com o detalhe de que os espinhos são recolhidos quando o Morcego tem de entrar na caverna, evidentemente.

    O fato da vilã contar todo o seu plano é obviamente algo clichê e previsível, mas cabe muito bem dentro dessa historia que tenta remontar. Uma historia clássica precisa de bordões, e os engendrados em A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça fazem o filme soar como um jovem clássico, que mesmo após vinte anos, ainda soa moderno, inteligente e bem construído, até seus exageros são charmosos e rivaliza com Ed Wood como o filme mais artístico e bonito de Burton, tendo a favor de si a força do seu final apoteótico e grotesco, que faz poetizar violentamente a obsessão do vingador decapitado, rumo ao inferno para onde ele já deveria estar há muito e não podia ir, já que era conjurado.

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  • Crítica | Batman: O Retorno

    Crítica | Batman: O Retorno

    Após o sucesso da primeira empreitada de Tim Burton a frente das histórias do homem-morcego – em Batman – finalmente a Warner e seus produtores deram carta branca para o diretor e criador dar vazão a sua visão a respeito do cruzado encapuzado e o cenário ao redor, em especial o espírito que de certa forma, rondava Gotham. Se em Edward Mãos de Tesoura, ele critica fortemente a postura hipócrita e excludente dos suburbanos, a vez agora é a de analisar a ganância e egoísmo dos moradores das grandes cidades.

    Batman: O Retorno não tem os nomes de Michelle Pfeiffer e Danny DeVito antes do herói Michael Keaton, mas é certamente é um filme sobre seus antagonistas, Mulher-Gato e Pinguim, além é claro do vilão especialmente convidado, Max Shreck (Christopher Walken). O prelúdio se passa anos antes do presente da trama, com os Coblepott abandonando seu filho recém-nascido, basicamente por conta de sua aparência monstruosa. Antes de ser abandonado, o bebê come o gato da família, para só então ser jogado em um cesto, indo direto para os esgotos da cidade.

    No tempo corrente, a cidade do morcego sofre com a assombração de um bandido ligado a aves, uma lenda urbana que logo se mostra real, ao aparecer em meio ao discurso do pretenso Papai Noel da cidade, o magnata Shrek. A gangue do circo que acompanha o chefe do crime tem mais semelhanças com o Coringa, de Jack Nicholson, do que com o Pinguim. Wayne prossegue na batcaverna, entediado, a espera da chegada do batsinal. Bruce não tem vida, nada mais o entretêm, exceto quando está vestido com o objeto de seu medo, sempre na tentativa de vingar a memória de seus pais.

    Família também é a palavra chave quando se fala Pinguim e Shrek, o homem deformado que mora com os excluídos da cidade e com seus próprios pinguins – por mais bizarro que possa ser terem aves invernais em um esgoto – raptam o magnata a fim de chantageá-lo, ameaçando declarar o seu envolvimento com despejo de dejetos tóxicos, em troca ele tentaria tornar a figura pitoresca do rotundo e baixinho antagonista em algo palatável e amável.

    Enquanto isso, Selina Kyle é uma frustrada secretária de Shrek, uma mulher que se esconde atrás de seu uniforme de garota desinteressante um apetite voraz e uma vontade de vencer escondida pela monotonia do cotidiano e pelas humilhações que passa diariamente com seu patrão. Após, perceber o mal que o empregador faria a Gotham, sugando energia da cidade ao invés de gerar, ela é brutalmente assassinada, e na queda, é pega por um grupo de gatos, que após lamber suas feridas, e de alguma forma inexplicável, fazem ela retornar, anárquica e completamente maluca. Ao retornar para sua casa, ela repete a cena de introdução, dessa vez debochando do quão repetitivos sãos seus dias, e após um ataque de fúria que a faz destruir seus bichos de pelúcia e esticar um pedaço de couro, ao ponto de conseguir cobrir seu corpo magro em um traje pra lá de fetichista, que lembra muito aqueles usados em rituais de bondage. Toda essa sequência é pontuada por uma música tema poderosa, mais uma vez orquestrada por Danny Elfman.

    Aos poucos, é construído em volta do Pinguim uma aura de normalidade. Ele descobre seu nome real, Oswald, e a partir daí a reação do povo é favorável a ele. O burburinho dos cidadãos soa completamente artificial e pueril, em mais uma demonstração gráfica do quão falsa é a base da sociedade moderna e não só a parte mais abastada. Em torno do bandido antagonista que DeVito executa  é mostrado um humanoide de hábitos rudimentares, quase selvagens, tanto que Maximilian se aproxima dele oferecendo um peixe cru, além dele responder ao assessor da campanha com uma mordida no nariz, que faz o sujeito jorrar sangue. Suas vestes em casa são imundas, e ele parece estar sempre coberto de óleo.

    A farsa não demora a ser descoberta, basicamente porque o personagem por mais insano e complexo que pareça, ainda assim é elemental e arquetípico, precisando sempre relembrar que é um vilão, um vilão que sente prazer em subjugar seu adversário heroico, no caso específico, o morcego. A fotografia de Stefan Czapsky compõe um quadro interessante junto a direção de arte de Bo Welch, tanto os cenários externos, cobertos de neve quanto as luzes contrastando com os ambientes fechados ficam lindos quando registrados pela cuidadosa câmera de Burton. A arquitetura também evoluiu, agora a cidade esfumaçada dá lugar a um lugar repleto de estátuas enormes, como se fossem parte de um circo enorme, o mesmo que Oswald Pinguim comanda. O apreço pelo expressionismo do diretor fica evidente.

    Batman: O Retorno resgata elementos bíblicos para mostrar o terror da nova criatura de ódio criada para este capítulo, primeiro relembrando a tentativa de sacrifício dos primogênitos que ocorreu no livro do Êxodo a fim de matar Moisés, depois com um sacrifício do homem mau junto aos seus amigos incondicionais, que são os pinguins polares segurando bombas, semelhante ao que Abraão faria com Jacó, seu filho. A ideia de animais pilotando bombas é bastante ridícula, no entanto, a desculpa para mostrar novos equipamentos do Batman é muito bem-vinda, especialmente no que tange o veículo anfíbio do personagem, pois como lembrava o letreiro da série dos anos sessenta, essa é uma aventura escapista, que se parece e tem aroma das revistas em quadrinho antigas, fiel principalmente as HQs do período pós segunda guerra mundial onde os absurdos eram maiores, apesar do personagem ser tipicamente urbano e sem poderes.

    Os trinta minutos finais são dedicados a finalmente fechar os arcos dos vilões, com a derrocada do Pinguim, que mais uma vez termina um ciclo sendo rejeitado, com Selina indo de encontro a Max para também ter sua vingança do homem que quase a matou e do herói percebendo tudo atônito, passivo e impotente. Em alguns momentos, Burton esquece que o heroísmo deveria recair sobre Wayne e sua real identidade, isso talvez porque o diretor queria fazer filmes episódicos, como eram os quadrinhos de linha, onde em alguns momentos o personagem título triunfa e em outros, apenas sobrevive. Infelizmente essa jornada foi interrompida, e o cineasta daria lugar à direção de Joel Schumacher, em Batman Eternamente, tendo quase todos os elementos plantados sumariamente ignorados nos filmes seguintes.

    A neve que cai sobre o agora viúvo Bruce Wayne é a mostra singela de que o seu destino também ocorre graças a sorte e ao acaso, mostrando mais uma vez o herói sofredor ao não poder contar com sua amada ao lado, e nesse ponto, o texto de Daniel Waters e Sam Hamm não poderia ser mais fiel a lenda do Batman, um personagem trágico em essência.

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  • Crítica | Mogli: O Menino Lobo (2016)

    Crítica | Mogli: O Menino Lobo (2016)

    mogli-o-menino-loboQuando anunciado pela Disney, que estaria refilmando um de seus clássicos de animação, Mogli – O Menino Lobo, de 1967, em uma versão live-action repleta de efeitos computadorizados e dirigida por Jon Favreau, poucos foram os que não tiveram ressalvas com a decisão do estúdio, afinal a animação clássica permanece bastante viva no imaginário das pessoas como um dos filmes mais queridos do estúdio, além de ser uma das grandes obras do estúdio nos anos 1960 ao lado de 101 Dálmatas – também adaptado em live-action em 1996.

    Convém lembrar que a decisão de refilmar esses clássicos tem sido uma constante do estúdio Disney nos anos de 2010: Cinderela, de Kenneth Branagh, Malévola (releitura de A Bela Adormecida), de Robert Stromberg, e Alice no País das Maravilhas, de Tim Burton. Apesar do sucesso de bilheteria, todos os filmes dividem opiniões da crítica, e por muitos soam como uma tentativa cínica de arrecadar dinheiro à custa da nostalgia de muitos. Mogli: O Menino Lobo, apesar de ter esse objetivo, felizmente é um desses exemplos de obra que, apesar de seus imperativos comerciais, pode ser repleto de originalidade, criatividade e paixão em sua realização.

    A história do longa-metragem é uma adaptação de um dos contos do livro de Rudyard Kipling, O Livro da Selva (compre aqui), que traz a história de Mogli (Neel Sethi), uma criança que tem como protetora a pantera Bagheera (Ben Kingsley) e é criada por uma matilha de lobos após ter seu pai morto nas selvas da Índia. A história ganha novos contornos quando a selva indiana passa por um período de seca e todos os animais se reúnem em um pequeno vale, onde ainda se encontra água. Por conta disso, é evocada uma das leis da selva que obriga uma trégua temporária naquela região onde nenhum animal precisaria temer em se tornar uma presa de outro animal.

    No entanto, a chegada do tigre Shere Khan (assustadoramente dublado pelo grande Idris Elba) coloca em risco a vida de Mogli, e Bagheera não vê outra escolha a não ser levar o menino de volta a uma aldeia de homens para que ele possa crescer em segurança. A partir de então, o filme ganha contornos de um “road movie“: a jornada de Mogli até a aldeia dos homens. Como nos típicos filmes de estrada, há um ponto de chegada pré-definido, no entanto não definitivo, já que a própria jornada do protagonista se torna mais relevante. A jornada é mais importante que a chegada, e a verdadeira finalidade das personagens.

    mogli - o menino loboEm sua jornada, Mogli se depara com vários animais, e cada um deles oferece ao protagonista um caminho diferente a ser traçado. Bagheera é marcado pela preocupação benevolente, prezando unicamente pela segurança de Mogli e deixá-lo entre os seus; Kaa (Scarlett Johansson) oferece um desfecho rápido através de seus olhos hipnotizantes e sedutores; por sua vez, Baloo (Bill Murray) entrega uma visão de mundo inicialmente escapista, mas que ao longo da trama se mostra repleto de ternura, enquanto o Rei Louie (Christopher Walken) surge como a demonstração da ganância e a ambição humana. Além disso, dentro da matilha de lobos, Akela (Giancarlo Esposito) e Raksha (Lupita Nyong’o) são as representações das figuras paterna e materna de Mogli.

    Os efeitos visuais abrangem quase que exclusivamente não só todos os personagens -exceção feita a Sethi interpretando Mogli – mas também todo o ambiente do longa-metragem. O filme se mostra extremamente bem-sucedido nesse esplendor tecnológico, apesar de, em alguns momentos, o nível cair e deixar um pouco a desejar. O trabalho do diretor de fotografia Bill Pope ao lado de Favreau é consistente, evocando cenas belíssimas e dando um clima mais sombrio se comparado à animação de 1967, mas de maneira alguma deixa de ser um filme bem-humorado.

    Diferente da animação clássica, Mogli: O Menino Lobo, conta apenas com dois números musicais, o já clássico The Bare Necessities, canção de Baloo e interpretado com a leveza de Murray; e I Wan’na Be Like You, em um belo bepop interpretado por Walken em sua personagem Rei Louie; e aos não-adeptos de musicais, importante dizer que ambas as canções interpretadas são dois grandes momentos do filme, não se tratando de casos que retirem o espectador da imersão do filme, mas muito pelo contrário.

    No final das contas, Mogli: O Menino Lobo é um longa repleto de ternura, sensibilidade e intensidade. Curiosamente, um filme praticamente desprovido de seres humanos, mas repleto de humanidade.

  • Crítica | O Último Concerto

    Crítica | O Último Concerto

    O Ultimo Concerto - poster nacional

    Composto por um incrível elenco talentoso, com Christopher Walken, Philip Seymour Hoffman, Catherene Keener e Mark Ivanir, O Último Concerto, primeiro filme dirigido por Yaron Zilberman, apresenta um quarteto de cordas de longa carreira musical para discorrer sobre a arte, o cotidiano e as relações pessoais corroídas pelo tempo.

    A figura dos quatro músicos do quarteto The Fugue (A Fuga) é um extremo do roteiro para intensificar a discussão destas relações. Qualquer grupo duradouro, seja ele artístico ou qualquer união diária focada em uma missão específica, reconhece que, em algum momento, fissuras começam a surgir. Aos poucos, a possibilidade de união completa de um determinado número de pessoas perde a neutralidade e tensões se tornam flutuantes.

    O agravante que desencadeia a desarmonia surge ao acaso, em um acorde dissonante que o violoncelista Peter Mitchell (Christopher Walken) produz, não conseguindo a perfeição exigida de sua habilidade. O músico descobre que está desenvolvendo o estágio inicial da doença de Parkinson e pede ao grupo um curto período para tentar se reabilitar ou deixar o grupo nesta temporada.

    A discussão envolvendo um novo integrante no quarteto desperta as tensões submersas escondidas pelo amor a música. Após tantos anos de trabalho em conjunto, o grupo reconhece que qualquer mudança necessita de um novo começo. A troca de um violoncelista produzirá outras texturas sonoras.

    Um quarteto de cordas é um dos grupos de câmara mais conhecidos da música clássica. É um grupo mínimo que concentra em seus integrantes a capacidade de grandiosas interpretações. Normalmente, é formado por uma viola, um violoncelo e dois violinos, o primeiro produzindo a linha melódica, e o segundo acrescentando interpretações mais graves ou outras variações. Além de cada integrante representar uma base para a harmonia sonora, os músicos desempenham um papel dentro do quarteto. Peter Mitchell, o mais velho da equipe, foi o professor de música convidado a participar do conjunto idealizado por Daniel Lerner (Mark Ivanir), o primeiro violino. Por ter promovido a seleção de participantes, Lerner se sente uma parte maior do quarteto. A viola e o segundo violino são executados por um casal, Julliete Gelbart (Catherene Keener) e Robert Gelbart (Philip Seymour Hoffman), vivendo uma tensão interna a respeito do talento do marido e o desejo de se tornar, um a um, alternadamente, o primeiro violino. A corrupção do grupo, outrora uma entidade unificada, produz reações diversas em cada um de seus integrantes.

    Christopher Walken compõe o músico de idade avançada que tem consciência de que o corpo físico começa a ser um desafio à paixão pela música. Trata-se de um entardecer de sua grande carreira de músico. Uma fragilidade que o aproxima da falecida esposa, reconhecendo que, em breve, se juntará a ela novamente.

    A briga interna do casal de músicos surge com a insegurança do marido, que se sente deslocado e desacreditado do desejo da esposa em não modificar a harmonia musical, não o apoiando como o primeiro violinista. A rejeição musical afasta-o da construção familiar, e Robert encontra conforto em um caso com uma dançarina que o considera brilhante. Uma vaidade do processo artístico representada por este homem.

    A dupla de músicos possui uma filha adolescente (Imogen Poots), que segue os passos dos pais, mas se incomoda com a profissão. Com a família vivendo da arte em viagens itinerantes, entre turnês e eventos de divulgação, a filha foi deixada em segundo plano. Provavelmente, dedica-se a música como uma maneira de chamar atenção dos progenitores, fato que se concretiza na relação com Daniel, o primeiro violino do quarteto, fechando o círculo de degradação da equipe consagrada.

    A fragilidade destes acontecimentos demonstra que não são necessárias mudanças bruscas para que o sistema de relações se modifique. Basta um acorde fora do tom repetidas vezes para ocorrer uma explosão de sentimentos, que destroem a neutralidade, a harmonia, o amor.

    A obra apresenta a inevitabilidade do fim. Devido à presença de quatro personagens centrais, observamos a maneira de cada um lidar com as dissonâncias relacionadas ao que consideram inaceitável dentro destas relações. A música funciona como um objeto-símbolo, a paixão maior que une os personagens, lhes proporcionando anos de sucesso, infelizmente incapaz de mantê-los unidos quando as notas parecem mais amargas do que antes. Uma bonita ode ao trabalho do artista e uma destruição do mito de perfeição que costuma circundá-lo.

  • Crítica | Jersey Boys: Em Busca da Música

    Crítica | Jersey Boys: Em Busca da Música

    jersey boys

    Quem acha que Frankie Valli se resume a “La Bamba” e “Donna” vai se surpreender ao descobrir que há mais sobre ele do que “sonha nossa vã filosofia”. Produzido por Valli e Bob Gaudio, o filme, baseado no musical de mesmo nome (vencedor do Tony Award) e no livro Jersey Boys: The Story of Frankie Valli and the Four Seasons de David Cote, conta a história da carreira de Valli e do grupo Four Seasons – Frankie Valli (John Lloyd Young) como vocalista principal; Tommy DeVito (Vincent Piazza), guitarra e voz; Nick Massi (Michael Lomenda), baixo e voz; Bob Gaudio (Erich Bergen), piano e voz.

    O espectador é apresentado a Francesco Castellucio, um aspirante a barbeiro, dono de uma voz em falsete bem possante, que viria a adotar Frankie Valli como nome artístico. Depois de três anos, Clint Eastwood volta à direção contando a trajetória do quarteto, desde o início de sua ascensão – após o sucesso de “Sherry”, em 1962 – até sua dissolução nos anos 70. Nesse período, o grupo passa por situações difíceis, saias justas, discussões, problemas financeiros, enquanto se apresenta por todo o país, desfrutando da fama adquirida. Sem grandes surpresas, pois é a história de 90% dos grupos artísticos bem-sucedidos.

    Como vários artistas da época, conseguem abandonar a provável carreira de gangsteres devido a seus dotes musicais – sem deixar de recorrer à famiglia nos momentos de aperto. A bênção do padrinho Angelo “Gyp” DeCarlo (Christopher Walken), um mafioso que parece ter superpoderes, já que consegue resolver qualquer problema, fã da voz do jovem Frankie, garante que os jovens coloquem seus talentos em prática. É sob os auspícios da máfia e de seu código – honra, respeito, fidelidade a seu benfeitor – que o grupo se estrutura. E é justamente pelo desrespeito a esse código que o grupo se desfaz anos mais tarde.

    Mesmo que a história seja baseada em fatos reais “de verdade”, tanto a contada no musical quanto a vista no filme, o que se vê é a visão do roteirista e do diretor sobre o que aconteceu. E, no caso da película, uma visão bem convencional, sem grandes arroubos criativos, seja em termos de roteiro, fotografia, montagem, direção. Há o rompimento da “quarta parede”, optando por fazer com que os personagens contem a história ao espectador. Mas não há nada de tão revolucionário nisso. Martin Scorsese se utilizou disso muito bem em Os Bons Companheiros. É uma boa solução narrativa, pois evita o uso extensivo da narração em off, que possivelmente seria tediosa, além de “puxar” o espectador para dentro da história, tornando-o um ouvinte-observador – ou observador-ouvinte.

    E falando em ouvir, aos amantes de música, especialmente de canções dos anos 60, com seus grupos vocais e rocks dançantes, a diversão está garantida. Há ótimos trechos musicais, daqueles de acompanhar o ritmo com o pé e sussurrar a música junto com os cantores. Destaque para a sequência final, com um número digno dos melhores musicais, homenageando o gênero da melhor forma possível.

    Clint nos deixou mal acostumados, presentando o público com Sobre Meninos e Lobos, Menina de Ouro, Gran Torino, e até mesmo com o mais recente J. Edgar. É praticamente inevitável ver um filme dirigido por ele sem um pingo de expectativa. E provavelmente parte dessa expectativa é a responsável por fazer Jersey Boys parecer mais morno do que realmente é.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Amigos Inseparáveis

    Crítica | Amigos Inseparáveis

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    Não há duvida que existe uma carência de bons papéis para atores veteranos dentro de Hollywood, principalmente se este for voltado para protagonistas. Mesmo grandes nomes como Al Pacino, Alan Arkin Christopher Walken, não tem lugar para certos papéis, ficando fadados a filmes de gênero ou apenas como coadjuvantes. Amigos Inseparáveis (Stand Up Guys) tenta suprir essa falta, entregando uma comédia policial com atores mais velhos, mas o máximo que consegue é soar como uma homenagem muito aquém do que esses nomes deveriam receber.

    Na trama, acompanhamos a saída da prisão de Val (Pacino), que passou seus últimos 28 anos cumprindo pena pelo assassinato do único filho do seu antigo chefe, o mafioso Claphands (Mark Margolis). Doc (Walken) busca Val e ambos passam o dia se divertindo pela cidade, realizando as vontades que o amigo não pôde fazer nos últimos anos. Contudo, Doc tem uma missão ingrata para realizar até o amanhecer: matar Val à mando do mafioso, como uma vingança pela morte do seu filho. Ambos entendem a gravidade da situação e decidem aproveitar as poucas horas que tem para farrear. Com isso, os dois decidem resgatar o velho amigo Hirsh (Arkin) da casa de repouso onde está internado e relembrar os velhos tempos juntos.

    O roteiro se desenvolve em volta dessa última aventura do trio, durante uma noite agitada com direito à idas a bordéis, boates, pequenos assaltos, uma vingança contra os responsáveis pelo sequestro de uma mulher, entre outras coisas. A direção de Fisher Stevens parece não ter a mínima ideia do que fazer com o roteiro de Noah Haidle e com o material que tem em mãos.

    Se o roteiro e a direção não colaboram, o mesmo não pode ser dito do elenco. Verdade seja dita, senão fosse por ele o filme não teria nada digno de nota a ser lembrado. O entrosamento entre os três atores é impressionante, bem como a construção de personagens de cada um. Walken, mais contido que o habitual, anda com cautela e precaução, demonstrando a tensão que está sofrendo pela decisão que precisará tomar em breve. Já Pacino, sempre muito expressivo, abusa de movimentos, mas sempre curvado, já que apesar de querer aproveitar intensamente o pouco que lhe resta, deixando claro o que deixou para trás nos últimos 28 anos. Arkin é o último a se unir ao grupo, mas rouba a cena, tornando o filme mais interessante.

    Amigos Inseparáveis tem uma ótima premissa, mas se perde num roteiro pífio, repleto de piadas bobas, diálogos ruins e situações constrangedoras, que se agrava na direção mal empregada de Stevens, o que no final das contas só fica parecendo uma versão terceira idade de um Se Beber, Não Case!, onde os velhos parecem ser obrigados a se portarem como adolescentes para parecerem legais. Ainda assim, o filme possui um certo charme, principalmente pelo trio de atores que estão muito bem no longa, o que só demonstra como esses veteranos são mal empregados e ainda tem muito a oferecer.

  • Crítica | Sete Psicopatas e um Shih Tzu

    Crítica | Sete Psicopatas e um Shih Tzu

    Sete Psicopatas e um Shih Tzu

    Depois do excelente Na Mira do Chefe o diretor e roteirista Martin McDonagh volta às telas com Sete Psicopatas e um Shih Tzu. Apesar do primeiro ainda ser melhor, esse segundo ainda cai bem como uma comédia de humor negro e metalinguagem a respeito do cinema e violência, que lembra os bons tempos de Guy Ritchie com Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes e Snatch – Porcos e Diamantes.

    Com um excelente elenco, que junta Colin Farrell, Sam Rockwell, Christopher Walken, Woody Harrelson e outros, o filme começa com o escritor Martin (Farrell) tentando bolar uma ideia a respeito de Sete Psicopatas com histórias interessantes de vida, e com a ajuda de amigos (Rockwell e depois Walken), vai acrescentando em seu bloco de notas um psicopata com uma história mais interessante e exótica que outra.

    Porém, conforme vai passando, podemos ver que a conversa dos personagens dentro do filme é cada vez mais metalinguística, e cada vez mais referencial ao próprio filme e ao que está acontecendo, subvertendo totalmente a experiência inicial do longa, que nos levava para um caminho tradicional do filme de “máfia-com-perseguição-e-vingança” (e que o próprio filme tira sarro de sua escolha).

    Quando é finalizada a subversão e a história vira totalmente auto referencial e se preocupa somente com isso, um pouco da mágica e da graça acabam, tornando tudo uma paródia dos filmes violentos de Hollywood, com seus finais grandiloquentes e redenções ainda mais carregadas de emoções milimetricamente construídas. Outro ponto positivo é que em momento algum os personagens são tratados como arquétipos tradicionais de “mafioso” ou “psicopata”, o que dá espaço a piadas e situações muito boas, principalmente com Woody Harrelson, cada vez melhor.

    A intenção da sátira é louvável, mas seu resultado acaba fazendo o filme perder um pouco da graça e da intenção original, apesar de garantir algumas risadas, porém, mais pela graça do escândalo do que pela inteligência da construção do clímax.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.