Tag: Philip Seymour Hoffman

  • Crítica | Jogos Vorazes: A Esperança – O Final

    Crítica | Jogos Vorazes: A Esperança – O Final

    JV

    Repartida em duas partes, Jogos Vorazes: A Esperança – Parte 1 e Jogos Vorazes: A Esperança – O Final, a franquia segue a história de um mundo dividido em distritos, onde a Capital consagra-se em louros, luxo e riqueza e os demais distritos lutam por migalhas de uma vida. Na parte anterior iniciou-se a reorganização dos distritos contra a Capital, porém esta medida resulta em diversos atritos, fazendo com que estes se desliguem de seu inimigo em comum: o Presidente Snow (Donald Sutherland). Lideradas nos bastidores por Alma Coin (Julianne Moore) e Plutarch Heavensbee (Philip Seymour Hoffman), usa-se da propaganda e do poder do mito para estabelecer as motivações de um povo para alcançar sua liberdade.

    Katniss (Jennifer Lawrence) é este grande mito, criado inicialmente nos primeiros Jogos Vorazes, quando a Capital inseria crianças para se matarem em um jogo sangrento a fim de apaziguar os ânimos, e principalmente demonstrar a superioridade da Capital sobre os demais distritos. Propaganda, sede de sangue, mentiras, manipulação midiática e interesses escusos retratam com excelente aproximação o estado de nosso planeta, e não à toa é a franquia que melhor retrata nossos tempos para posterior registro histórico.

    Com o grande mérito de criar uma das sagas mais importantes cultural e comercialmente da história do cinema, a saga infanto-juvenil “Jogos Vorazes” traz consigo um conteúdo mais robusto do que seus pares no cinema, bem como um elenco de excelência capaz de traduzir o conteúdo político com a simplicidade e verdade necessárias. O destaque fica com Donald Sutherland e sua elegância: cinismo, bom humor e perigo iminente; e para Philip Seymour Hoffman, cuja falta foi duramente sentida principalmente ao final do terceiro ato.

    Coincidentemente ou não, é possível ver atualmente países europeus que por um lado flertam e negociam com príncipes sauditas, que por sua vez financiam grupos terroristas. Assim, diante do poder de choque de um atentado, a solução óbvia jamais é complicada. A solução óbvia é justamente enviar meninos e meninas para matar ou morrer em guerras ineficientes.

    Eis que surge um exemplo. O fenômeno chamado “Efeito Espectador” traduz a dificuldade de grupos sociais agirem em momento de ajuda quando solicitado, como uma espécie de sedação coletiva. Uma possível solução para isso, de acordo com o pesquisador Phillip Zimbardo, é justamente o poder que o herói detém sobre nós. O herói é o exemplo capaz de retirar a venda da sociedade e demonstrar o potencial de pessoas comuns frente a situações extraordinárias.

    Assim, Katniss é constantemente manipulada pela presidente Coin, ao usar de sua empatia natural para comunicar com o que há de mais honesto no povo. Katniss jamais tem o amparo e esperança que os Messias do cinema trazem consigo, tais como Luke Skywalker, mas sim a dificuldade e a tristeza de ter sua vida retirada de si até que estivesse numa situação onde agir seria a única solução. E é desta maneira que Katniss representa esta heroína incomum e inesperada, quase como quem tivesse de ser outra pessoa, e é assim que ela triunfa sobre os vetores de uma guerra política suja e incoerente. Por não ser uma personagem comum, toda a estrutura da saga segue um formato não-canônico, onde o clímax não se traduz na luta da heroína com seu nêmesis, mas sim na abertura para a complexidade do jogo político e o entendimento que o grande inimigo não é uma pessoa. É sob esta percepção que A Esperança: Parte 2 inverte o conceito de vitória e derrota quando, sob uma operação “bandeira falsa”, Katniss percebe que o verdadeiro retrato do fascismo não é uma caricatura de Hitler ou coisa que o valha, mas sim aquele capaz de tudo pelo bem comum, o “cidadão de bem”; aquele que fará tudo sob o pretexto de alcançar o melhor para todos, inclusive roubar a liberdade do povo, e que esta atitude não tem lado ou ideologia pré-determinada.

    Acusado, como seu capítulo anterior, de ser muito lento para a audiência com déficit de atenção, a conclusão da saga de Katniss como a heroína de um novo tempo parece inadequada em seu formato. Realmente a direção tem seus momentos de dificuldades, o clima é soturno e desamparado, quase sem momentos de alívio, o conteúdo é mal dimensionado e poderia valer-se do incrível elenco para trazer mais impacto à história que ocorre de maneira lenta — E eventualmente simplesmente não progride — mas é com certeza um fechamento muito digno para a saga, que apesar de não ter conseguido alcançar a excelência técnica em seus capítulos, é com certeza um dos materiais mais ricos da cultura pop atual ao fazer emergir temas tão atuais e de difícil digestão.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | Dragão Vermelho

    Crítica | Dragão Vermelho

    Dragão Vermelho - Poster

    Um ano após o lançamento de Hannibal, a esperada continuação de Silêncio dos Inocentes, foi o tempo suficiente para que uma refilmagem de Dragão Vermelho, primeiro livro sobre o canibal de Thomas Harris, fosse anunciada e, de maneira às avessas, finalizasse a trilogia sobre a personagem.

    A obra já havia sido adaptada para as telas por Michael Mann em lançamento anterior ao filme consagrado. Embora seja uma obra elogiada, Anthony Hopkins não interpretava a enigmática personagem, o que motivou esta nova versão. Inicialmente, o ator seria substituído por um ator mais jovem, mas uma maquiagem rejuvenescedora foi o suficiente para que o ator assumisse novamente Hannibal.

    A narrativa de Dragão Vermelho possui pontos estruturais semelhantes com Silêncio dos Inocentes. O agente do FBI Will Graham pede ajuda ao renomado psiquiatra para resolver um caso de assassinato envolvendo duas famílias. Diferindo-se de Clarice, Graham possui uma relação de trabalho com Hannibal quando suspeita do psiquiatra em uma série de assassinatos e se torna responsável por levá-lo a prisão.

    No papel de Graham, Edward Norton compõe um interessante personagem que, graças à série, Hannibal, ganhou o destaque necessário na interpretação de Hugh Dancy. Até então, Graham nunca havia sido páreo para a popularidade de Clarice Starling de Jodie Foster. Inteligente e destacado por sua aptidão em compreender a mente de criminosos e interpretar com precisão cenas de crimes, o policial sente um medo aparente de Lecter, ainda que tenha sido responsável por sua prisão e, consequentemente, provado sua superioridade intelectual. A caracterização de Norton – exceto pelo estranho cabelo aloirado – é contida, mas suficiente para transmitir a insegurança diante do canibal e destreza na condução da investigação.

    Abordando tanto a investigação quanto o vilão do título, a história tem um interessante equilíbrio entre as frontes conflitantes de bem e mal. O Dragão Vermelho é composto entre o grotesco de suas ações – crimes chocantes que atraem o leitor da narrativa policial em geral – e um escopo psicológico que justifica os atos desse homem que viveu a infância com uma mãe agressiva. Desenvolvem-se tanto a batalha do policial versus assassino como a relação entre Will e Hannibal, um monstro aparente que transita entre os dois polos, ajudando a polícia ao mesmo tempo que se comunica com o vilão, um fã assumido dos feitos de Lecter.

    A direção de Brett Ratner mantém o estilo de Jonathan Demme, uma tentativa de simular a claustrófica ambientação de O Silêncio Dos Inocentes. O ponto mais fraco da trama seja talvez sua personagem de maior nome. Em cena, Anthony Hopkins não mantém uma presença bem composta como na história lançada em 1991. Sua personagem parece afetada demais, com uma prosódia mais exagerada do que a composição anterior e sem o mesmo brilho, como se sentisse desconfortável de alguma maneira além da personagem. A suposta maquiagem rejuvenescedora não funciona e parece limitar o ator, como se evitasse expressões faciais para não marcar sua idade avançada. Talvez, com a tecnologia atual – a qual rejuvenesceu Michael Douglas de maneira impressionante em Homem-Formiga –, fosse possível uma interpretação mais apurada que corrigisse posteriormente eventuais marcas de velhice em seu rosto. Ainda assim, a elegância ambígua de Lecter está intacta em sua interpretação.

    Mesmo esta interpretação estranha não é capaz de destruir o bom equilíbrio da trama e as outras boas atuações que sustentam o suspense, com uma boa versão de um dos grandes vilões do cinema. Uma produção que não se configura como a obra-prima de 1992, mas muito melhor executada do que o terceiro ato dirigido por Ridley Scott.

  • Crítica | Missão: Impossível 3

    Crítica | Missão: Impossível 3

    missão-impossível-iii

    Podemos dizer que, das franquias de filmes de espionagem em evidência, Missão: Impossível consegue ser mais distinta que suas rivais, quais sejam, a franquia de James Bond ou a de Jason Bourne. Enquanto os filmes do agente 007 e de Bourne seguem à risca um determinado padrão, o agente Ethan Hunt sempre se vê no meio de uma crise inesperada, não se preocupando tanto com as locações ou com as propagandas de produtos. Podemos dizer que é uma franquia que se arrisca mais e que, por tal motivo, o risco de fracasso é maior. Felizmente, o saldo da terceira obra tem sido positivo.

    Missão: Impossível 3 é bem diferente de seus antecessores por diversos motivos. Se o primeiro, de Brian de Palma, chega a ser um thriller psicológico inteligente com boas cenas de ação rodadas na Europa, o segundo de John Woo peca pelo excesso de cenas “impossíveis” que beiram o ridículo, dando muito mais atenção à ação do que à trama. A terceira aventura do agente Ethan Hunt (novamente vivido por Tom Cruise) é muito mais modesta que as anteriores. Porém, busca emular o primeiro filme e o resultado não é excelente, mas muito promissor, o que garantiu, pelo menos, mais dois filmes para a franquia: Missão Impossível: O Protocolo Fantasma e Missão Impossível: Nação Secreta.

    Por conta do “fracasso” do segundo filme (uma vez que parte do sucesso obtido foi por causa de uma MTV em evidência, do retorno triunfante do Metallica e da música Take A Look Around, do Limp Bizkit na trilha sonora), a franquia ficou estacionada por seis anos, tendo o seu retorno de forma tímida, e o melhor, humilde. Foi assim que o promissor diretor J. J. Abrams, que até então era conhecido apenas na televisão, entrou para o projeto e junto com seus parceiros Alex Kurtzman e Roberto Orci escreveu o roteiro do longa.

    Em que pese parte da história envolver a vida pessoal de Hunt, Abrams entregou um filme redondo, fazendo com que o agente, que estava aposentado, voltasse à ativa para resgatar uma de suas pupilas sequestrada por Owen Davian (Philip Seymour Hoffman), obrigando o agente a montar uma nova equipe. Assim, vemos o terceiro retorno do agente Luther (novamente vivido por Ving Rhames) e caras novas como, Declan (Jonathan Rhys Meyers), Zhen (Maggie Q) e o simpático Benji (Simon Pegg), carismático o bastante para conseguir sua presença nos dois filmes seguintes.

    O que incomoda, mas não atrapalha a experiência, é que a fita não é nem um pouco original. Como dito, o filme é humilde e se espelha (até demais) em outros conhecidos e bons filmes de espionagem. Podemos dizer que sua maior influência foi, sem dúvida, o ótimo Ronin, principalmente pelas reviravoltas na trama e o “famoso” Pé de Coelho, um artefato que é mencionado o tempo todo, mas em nenhum momento sabemos do que se trata, e nem o que é.

    Tom Cruise como sempre é um show à parte, e Philip Seymour Hoffman está ótimo no papel de antagonista. Seu Owen Davian é daqueles vilões extremamente inteligentes e frios, mas que chegam a perder o senso em momentos de ódio. E o time de coadjuvantes conquistou destaque. Rhames, Rhys Meyers, Q e Pegg trabalharam muito bem juntos. Um elenco com bastante química, sem dúvida.

    Missão: Impossível 3, pode não ser um filme perfeito, mas foi totalmente responsável por tirar a franquia da lama.

    Ah, e o que falar daquela sensacional cena de perseguição de helicópteros em meio aos (hoje tradicionais) flares de J.J. Abrams?

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | O Último Concerto

    Crítica | O Último Concerto

    O Ultimo Concerto - poster nacional

    Composto por um incrível elenco talentoso, com Christopher Walken, Philip Seymour Hoffman, Catherene Keener e Mark Ivanir, O Último Concerto, primeiro filme dirigido por Yaron Zilberman, apresenta um quarteto de cordas de longa carreira musical para discorrer sobre a arte, o cotidiano e as relações pessoais corroídas pelo tempo.

    A figura dos quatro músicos do quarteto The Fugue (A Fuga) é um extremo do roteiro para intensificar a discussão destas relações. Qualquer grupo duradouro, seja ele artístico ou qualquer união diária focada em uma missão específica, reconhece que, em algum momento, fissuras começam a surgir. Aos poucos, a possibilidade de união completa de um determinado número de pessoas perde a neutralidade e tensões se tornam flutuantes.

    O agravante que desencadeia a desarmonia surge ao acaso, em um acorde dissonante que o violoncelista Peter Mitchell (Christopher Walken) produz, não conseguindo a perfeição exigida de sua habilidade. O músico descobre que está desenvolvendo o estágio inicial da doença de Parkinson e pede ao grupo um curto período para tentar se reabilitar ou deixar o grupo nesta temporada.

    A discussão envolvendo um novo integrante no quarteto desperta as tensões submersas escondidas pelo amor a música. Após tantos anos de trabalho em conjunto, o grupo reconhece que qualquer mudança necessita de um novo começo. A troca de um violoncelista produzirá outras texturas sonoras.

    Um quarteto de cordas é um dos grupos de câmara mais conhecidos da música clássica. É um grupo mínimo que concentra em seus integrantes a capacidade de grandiosas interpretações. Normalmente, é formado por uma viola, um violoncelo e dois violinos, o primeiro produzindo a linha melódica, e o segundo acrescentando interpretações mais graves ou outras variações. Além de cada integrante representar uma base para a harmonia sonora, os músicos desempenham um papel dentro do quarteto. Peter Mitchell, o mais velho da equipe, foi o professor de música convidado a participar do conjunto idealizado por Daniel Lerner (Mark Ivanir), o primeiro violino. Por ter promovido a seleção de participantes, Lerner se sente uma parte maior do quarteto. A viola e o segundo violino são executados por um casal, Julliete Gelbart (Catherene Keener) e Robert Gelbart (Philip Seymour Hoffman), vivendo uma tensão interna a respeito do talento do marido e o desejo de se tornar, um a um, alternadamente, o primeiro violino. A corrupção do grupo, outrora uma entidade unificada, produz reações diversas em cada um de seus integrantes.

    Christopher Walken compõe o músico de idade avançada que tem consciência de que o corpo físico começa a ser um desafio à paixão pela música. Trata-se de um entardecer de sua grande carreira de músico. Uma fragilidade que o aproxima da falecida esposa, reconhecendo que, em breve, se juntará a ela novamente.

    A briga interna do casal de músicos surge com a insegurança do marido, que se sente deslocado e desacreditado do desejo da esposa em não modificar a harmonia musical, não o apoiando como o primeiro violinista. A rejeição musical afasta-o da construção familiar, e Robert encontra conforto em um caso com uma dançarina que o considera brilhante. Uma vaidade do processo artístico representada por este homem.

    A dupla de músicos possui uma filha adolescente (Imogen Poots), que segue os passos dos pais, mas se incomoda com a profissão. Com a família vivendo da arte em viagens itinerantes, entre turnês e eventos de divulgação, a filha foi deixada em segundo plano. Provavelmente, dedica-se a música como uma maneira de chamar atenção dos progenitores, fato que se concretiza na relação com Daniel, o primeiro violino do quarteto, fechando o círculo de degradação da equipe consagrada.

    A fragilidade destes acontecimentos demonstra que não são necessárias mudanças bruscas para que o sistema de relações se modifique. Basta um acorde fora do tom repetidas vezes para ocorrer uma explosão de sentimentos, que destroem a neutralidade, a harmonia, o amor.

    A obra apresenta a inevitabilidade do fim. Devido à presença de quatro personagens centrais, observamos a maneira de cada um lidar com as dissonâncias relacionadas ao que consideram inaceitável dentro destas relações. A música funciona como um objeto-símbolo, a paixão maior que une os personagens, lhes proporcionando anos de sucesso, infelizmente incapaz de mantê-los unidos quando as notas parecem mais amargas do que antes. Uma bonita ode ao trabalho do artista e uma destruição do mito de perfeição que costuma circundá-lo.

  • Crítica | Jogos Vorazes: A Esperança – Parte 1

    Crítica | Jogos Vorazes: A Esperança – Parte 1

    A já estabelecida franquia de Hollywood (e com uma legião de fãs) Jogos Vorazes retorna em 2014 aos cinemas do mundo com a primeira parte da adaptação do terceiro livro da série, usando uma tática atualmente cada vez mais comum da indústria, que é a de aproveitar-se de filões lucrativos por mais tempo em detrimento dos elementos criativos da história.

    Jogos Vorazes: A Esperança – Parte 1 mantém os protagonistas de Jogos Vorazes e Jogos Vorazes: Em Chamas e dá continuidade a suas histórias. Katniss Everdeen (Jennifer Lawrence) luta consigo mesma para conseguir superar os problemas emocionais decorrentes de tamanha pressão pelas escolhas da personagem, e também incumbidas a ela após ter sido salva pelos rebeldes. O amigo de seu distrito natal, Gale Hawthorne (Liam Hemsworth), volta a ter participação ativa ao se juntar à rebelião do Distrito 13. Peeta Mellark (Josh Hutcherson) está nas mãos da Capital. Plutarch Heavensbee (Philip Seymour Hoffman) e Haymitch Abernathy (Woody Harrelson), junto com Effie Trinket (Elizabeth Banks), agora abandonaram completamente a vida na Capital e se dedicam exclusivamente à rebelião do Distrito 13, comandada pela Presidente Alma Coin (Julianne Moore).

    O filme se inicia logo após os eventos finais do anterior, quando Katniss é resgatada da arena dos Jogos, onde estava pela segunda vez. Após atirar a flecha em claro desafio contra a Capital, várias insurreições em diversos Distritos começam a surgir, sendo severamente reprimidos pelo presidente Snow (Donald Sutherland). A rebelião quer usar Katniss como símbolo para aumentar a adesão de pessoas ao exército rebelde e fortalecer a luta enquanto ela ainda existe. Enquanto isso, a Capital luta para apagar os focos de revoltas e manter seu poder intocado.

    A dinâmica entre os distritos e a Capital então sofre uma alteração significativa, pois não são meramente espectadores passando a ter algum grau de protagonismo em suas vidas, seja para decidir aderir à luta ou ignorá-la. Porém, o que falta dentro dessa dinâmica é justamente caracterizar melhor quem são estes distritos e as pessoas que os compõem e por que elas haveriam de largar suas vidas para aderir a uma rebelião, ou mesmo como essa rebelião se configurou em cada distrito e com cada líder local. Já que houve a opção pela divisão em dois filmes, havia espaço para problematizar ao menos um pouco desta história. Ao focar somente os protagonistas, a “revolução” parece não ter corpo o suficiente, sendo movida apenas por meio de escritórios.

    As referências a eventos ocorridos na história da humanidade, em especial às revoluções de esquerda, são também muito claras. Desde trabalhadores braçais pobres com roupas sujas andando em fila e forçados a trabalhar, mas que se revoltam contra o “sistema”, até os dirigentes revolucionários frios e calculistas, que fazem tudo pelo bem do povo sem consultá-lo. O uso dessas imagens torna a compreensão do espectador clara de que se trata de uma luta do bem contra o mal, dos explorados contra exploradores, uma reprodução essencialmente fiel do conceito de “luta de classes” de Karl Marx, mas, assim como os filmes anteriores, sem a profundidade mínima para entender de onde vêm aquela revolta e os recursos humanos e materiais para mantê-la contra uma Capital tão poderosa.

    É clara também a referência aos pobres daqueles distritos, onde alguns são mostrados parecendo-se com escravos negros do sul dos EUA, enquanto outros, em um hospital visitado por Katniss, assemelham-se a pessoas inseridas em contextos de países da África enfrentando crises humanitárias. É literalmente jogado na cara do espectador médio o imaginário clássico da pobreza, sem muita problematização.

    Um dos eventos chave do filme, a explosão de uma usina hidrelétrica que abastece a Capital, sofre justamente essa falta de embasamento. Como os rebeldes chegaram ali? Uma usina estaria tão insegura? Como conseguiram os explosivos? Quem os montou? Quem treinou esses trabalhadores pobres e super explorados em táticas de guerrilha? Não sabemos. E fica por isso mesmo.

    Porém, o principal defeito do filme é o excesso de espaço que a fragilidade emocional de Katniss toma em tela. A cada momento, nos deparamos com algum evento em que ela muda de ideia sobre participar da revolução, e essa repetição se torna cansativa. Essa constante alternância entre a personagem forte, líder de uma revolução, e uma jovem confusa teria seu propósito caso fosse direcionada a algo específico, e não acontecendo a cada hora.

    Com tantos problemas, Jogos Vorazes: A Esperança – Parte 1 talvez não conseguiria empolgar, porém acerta em muitos pontos. Ele consegue lidar bem com as cenas de ação e as transições entre as histórias, que em momento algum ficam confusas. A tensão das cenas finais é bem construída, assim como as surpresas de roteiro ali encaixadas. A constante utilização dos meios de comunicação como propaganda em um contexto de guerra é muito bem explorada, no sentido de mostrar como as ideias das pessoas podem ser manipuladas de acordo com o conjunto correto de sons e imagens, levando-as a acreditar em A ou B.

    A semelhança com os reality shows dos primeiros filmes dessa vez é afastada, dando lugar a um estilo utilizado em coberturas jornalísticas de frontes de guerra, que se iniciaram no Vietnã, mas que se tornaram, hoje em dia, muito comuns. Assim, cotidianamente o mundo “desenvolvido”, enquanto está jantando e vendo televisão, assiste a pessoas se matando nos locais mais remotos do planeta, sem o menor problema.

    O principal defeito do filme reside justamente na escolha de dividi-lo em duas partes, em que ao mesmo tempo que se esticam cenas desnecessárias, encerram-se, no final do filme, situações de forma abrupta, contando com a promessa de que espectador vá ver a última parte daqui a um ano. Nos resta esperar que o desfecho da história seja um pouco mais honesto consigo mesmo em relação às expectativas criadas, mas – principalmente – com o espectador.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Gordo, Feio e Sujo: Um Retrato de Philip Seymour Hoffman

    Gordo, Feio e Sujo: Um Retrato de Philip Seymour Hoffman

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    Aos 46 anos de idade, com mais de 30 filmes no currículo, além de peças teatrais, a notícia devastadora da morte de Philip Seymour Hoffman deixa a sensação de que o prolífico ator poderia muito mais. Nas telas desde a década de 90, Hoffman estrelou inúmeros papéis, a maioria coadjuvantes. Foi um dos alunos que prejudicou a carreira acadêmica de Charlie Simms, em Perfume de Mulher; caçou tornados em Twister; contemplou o talento imenso de Dick Diggler em Boogie Nights; foi um inusitado fonoaudiólogo para Robert De Niro em Ninguém é Perfeito; e, magistralmente, em um de seus pontos altos, interpretou o também magistral Truman Capote, papel que lhe valeu a estatueta dourada.

    Personagens tão diversas que tinham em comum o talento do ator. Mesmo em papéis com pouco espaço em cena, Hoffman foi capaz de se destacar. Não há dúvida de que era escalado, mesmo para interpretações secundárias, por conta de sua solidez cênica.

    Com sua morte, rondam as notícias sobre o vício do homem. Em demasia, repetem o legado brilhante. E, à procura de vender notícias, repetem mais uma vez a reportagem sobre vícios e drogas. Não importa. Philip Seymour Hoffman começou e terminou sua carreira da mesma maneira: um azarão sortudo em Hollywood.

    Gordo, feio, de rosto macilento, Hoffman construiu sua imagem a tapas, longe do rostinho bonito e do corpo bem definido de muitos novos atores que perecem anos depois, mastigados pela falta de talento. Produção após produção, realizou uma linha constante de interpretações incríveis que, mesmo de personagens menores, impressionavam. Poucas vezes o astro teve a chance de vir a público como estrela central de seus longas, embora, em cena, parecesse sempre preparado para qualquer tipo de papel.

    Há poucos atores contemporâneos que conseguiriam dividir uma produção com Meryl Streep sem sentir-se intimado. E Hoffman embate, de igual para igual, com a irmã Aloysius Beauvier em Dúvida. Em uma interpretação carregada de dualidade, abrilhanta a história centrada na fé e na credulidade.

    Três anos antes, Hoffman alcançaria um novo patamar em sua carreira ao ser o alicerce de Capote. Interpretação que ultrapassa a construção de um personagem. Hoffman foi Truman Capote. Cedeu a voz de barítono para a prosódia preguiçosa e aguda do escritor. Penteou os cabelos para o lado e, a cada movimento do cabelo, expandia o ego do baixinho que, antes de escrever o livro que definiria novos estilos literários, afirmava para amigos sua potência como grande escritor.

    O ator desaparecia em suas personagens. Como um azarão, que passa despercebido do público que assiste eventualmente a um filme, utilizava seu anonimato a seu favor. Afundando-se em interpretações que destacavam seu talento.

    A marginalidade de Hoffman era tamanha que, ao buscar suas imagens pela internet, o que aparecem são fotos de premiações, tapetes vermelhos, além de imagens tiradas durante as produções em que interpretou. Poucas produções artísticas de revistas especializadas. Poucas fotografias encenadas mostrando o loiro barbudo e os óculos que o faziam observar o mundo. Philip Seymour Hoffman não era um ator com apelo para vender revistas. 

    A solidez de Hoffman se fazia nas telas. A cada papel, a cada investida cênica tão poderosa quanto bons golpes de direta de algum boxeador famoso. Foi em cada filme que o artista construiu sua imagem e ergueu a trajetória de talento que, aos quarenta e seis anos, desaparece graças à desistência do corpo em luta com as drogas. Fechando as cortinas da vida de um ator que sempre correu pelas beiradas e ainda tinha fôlego para alcançar distâncias maiores. Sempre pelo lado marginal.

    Hoffman representou a antítese da indústria cinematográfica americana. O homem capaz de vencer pelo talento, não pelo rostinho bonito. Ao sair de cena, a despedida antecipada gera resistência. Como um vagabundo iluminado, Philip Seymour Hoffman viveu sua vida e, se na morte não encontrou a paz, cravou na história do cinema uma carreira sólida de personagens díspares, às vezes breves, vividos com a intensidade de um homem indomável. 

  • Crítica | Jogos Vorazes: Em Chamas

    Crítica | Jogos Vorazes: Em Chamas

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    Após o enorme sucesso do primeiro filme da franquia Jogos Vorazes, de 2012, temos em 2013 a sequência que dá continuidade à história de Katniss Everdeen (Jennifer Lawrence) e o planeta Terra em um futuro distópico. Após vencerem a edição anterior desafiando as regras do jogo, Katniss e Peeta Mellark (Josh Hutcherson) tentam viver o dia a dia conciliando a fama recém adquirida (e as vantagens dentro da sociedade que ela trouxe) e o incômodo de estarem servindo à propagação de um modelo de sociedade que consideram injusto.

    Não é segredo que a franquia Jogos Vorazes é um misturado de influências ocidentais e orientais, que passam desde a sociedade do espetáculo e seus reality shows até os gladiadores romanos, assim como influências da cultura pop como Battle Royale e Fahrenheit 451. Também não é segredo que o livro é mais um dos tantos voltados para o público infantojuvenil, “voraz” consumidor do gênero desde que Harry Potter criou esse filão e Crepúsculo consolidou. Porém, o que difere Jogos Vorazes dos dois anteriores é justamente a profundidade da história e o contexto político e social ali inseridos, que podem levar o jovem de hoje a questionar algumas das estruturas existentes na sociedade moderna.

    Voltando ao filme, os administradores da Capital (talvez uma relação com “O” capital) percebem o potencial revolucionário de Katniss e tentam eliminá-la de forma a não deixar que ela vire um ícone, pois revoltas começam a se espalhar, gerando uma inquietação de que os Jogos deveriam servir para camuflar, bem ao estilo “pão e circo” romano, função que a TV realiza atualmente. A protagonista, que não percebe o que se passa a seu redor, tenta ao máximo proteger sua família fazendo o que a Capital demanda, servindo de vitrine e posando frente a plateias famintas e sujas que agora não mais aplaudem esse espetáculo vazio, e quando não mais compra essa fantasia, tem como troco a repressão, em guardas cujas roupas remetem também aos Stormtroopers do Império de Star Wars. Ou seja, a alusão é clara: Ou você se submete, ou será punido.

     Após uma tentativa de acabar com o ícone dos revoltosos, a Capital subverte as regras e manda diversos vencedores para uma edição especial dos Jogos onde tentam matá-la. Porém, a conspiração contra a sociedade de Panem já é tão grande (um dos pontos fracos do filme, por justamente parecer que é fácil montar uma revolução e se infiltrar nos altos quadros governamentais em uma sociedade totalitária) que os Jogos são interrompidos para se começar efetivamente a luta contra esse modelo de sociedade.

    Flertando com conceitos históricos sedutores, como “revolução” e a clássica luta do oprimido x opressor ao molde “Davi e Golias”, Jogos Vorazes recicla de maneira inteligente e compreensível a velha luta pela liberdade e pelo pão dos trabalhadores contra um sistema violento. Porém, ao tratar tudo isso de maneira romântica e um tanto quanto apolítica, o filme perde em mostrar justamente ao seu público a importância do debate político para se construir alternativas ao modelo de sociedade vigente, e que nada vem de uma nave salvadora com revolucionários já prontos, e sim que eles são construídos no dia a dia, aproveitando oportunidades que aparecem. Nesse aspecto, falta uma construção maior do personagem Plutarch Heavensbee (Philip Seymour Hoffman), não necessariamente de sua construção intelectual, mas de como ele chegou tão perto do poder, conseguindo enganar tanta gente por tanto tempo.

    Porém, um dos pontos fortes do filme, além do contexto político, é também ter como protagonista forte uma mulher que não depende de nenhum homem para salvá-la, e que faz seu próprio destino. Também coloca Peeta como um homem coadjuvante e inverte papéis clássicos de gêneros ao colocá-lo como filho do padeiro que faz docinhos, evidenciando esse preconceito em um diálogo de Katniss com o presidente, que experimenta um desses doces e pergunta se foi sua mãe quem fez, quando na verdade foi Peeta. Como a questão de gênero é um tabu grande inclusive dentro da esquerda revolucionária clássica, Jogos Vorazes contribui com a desmistificação e quebra de valores preestabelecidos dos gêneros dentro dos filmes de Hollywood, ao contrário do que faz, por exemplo, a saga “Crepúsculo”, em que a protagonista tem como maior problema existencial a quem será submissa, e não garantir o sustento da família. Da mesma forma, Gale Hawthorne (Liam Hemsworth) não é o salvador, apesar de fazer o tipo. Também foi interessante a escolha de Jeffrey Wright como Beetee, ou seja, um ator negro interpretando um gênio, fugindo totalmente dos clássicos estereótipos do cinema, tanto que alguns fãs da franquia chegaram a chiar, já que, nos livros, Beetee, ao contrário de Rue, não é descrito como negro. Ou seja, aquele racismo velado do público dito “nerd”, branco, de classe média aparece, o que pode suscitar debates interessantes.

    Como mostra a bilheteria e os livros vendidos, Jogos Vorazes é um sucesso dentre um público por vezes considerado alienado e que dispensa assuntos ditos “sérios”. Vivemos em uma época em que até mesmo esses assuntos precisam ser introduzidos aos jovens na forma de um sucesso de Hollywood, em vez de um livro velho e chato de Lênin que nunca abririam. Isso por si só mostra a dificuldade de se romper com essas barreiras em uma sociedade “livre” como a nossa, quanto mais na retratada no filme. Porém, a franquia talvez sirva como pontapé inicial para muitos jovens terem seu contato, da forma que conseguimos hoje, com algo além da massificação alienante da mídia e da indústria cultural.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Ninguém é Perfeito

    Crítica | Ninguém é Perfeito

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    Um ex-policial ultraconservador, Walt Koontz (Robert De Niro), sofre um AVC enquanto tenta socorrer um vizinho. Com metade do corpo semi-paralisada, torna-se um recluso. Por indicação de sua médica, a fim de melhorar suas condições de fala, começa a ter aulas de canto com o vizinho do andar de cima, Rusty (Philip Seymour Hoffman) que, por acaso, é uma drag queen.

    A estrutura “dois personagens opostos que não se dão bem, vêem-se obrigados a conviver devido a alguma circunstância (aparentemente) imprevista e passam a enxergar o oposto com outros olhos” é bastante manjada, mas ainda funciona muito bem em estórias em que os personagens, e seu desenvolvimento, são o foco. Referente à forma como cada um encara o outro, é interessante reparar, logo no início do filme, quando Koontz discute com Rusty através do vão central do prédio, o ex-policial grita de dentro do apartamento e vê Rusty distorcido pelo vidro da janela. Se o espectador tem alguma dúvida sobre o preconceito de Koontz, essa cena mata qualquer incerteza.

    Há algumas cenas externas, contudo a maior parte do filme passa-se dentro do prédio sujo e decadente. Os apartamentos minúsculos atulhados de memórias (Koontz) e de sonhos (Rusty) – acentuam a solidão de cada um deles. O espectador consegue sentir a claustrofobia do ambiente, mas Schumacher poderia não ter exagerado tanto nos ângulos holandeses e nos closes para obter esse efeito.

    O filme poderia facilmente pender para o dramalhão, já que os diálogos são pouco inspirados e muitas vezes suscitarem aquela impressão de “Hmmm, acho que já ouvi isso em outro filme.” O que salva a trama desse destino são algumas tiradas cômicas – e bastante sarcásticas – que arrancam risos do espectador ao mesmo tempo que o deixam ligeiramente desconfortável por compartilhar da visão preconceituosa de um ou de outro.

    Apesar de Schumacher não constar da minha lista de diretores/roteiristas prediletos (longe disso), há que se reconhecer um mérito dele neste filme: conseguiu não interferir na performance dos atores. Sim, pois mesmo considerando-se que os personagens – Koontz e Rusty – serem um tanto caricatos, De Niro e Hoffman têm atuações primorosas. Atuações que per se carregam o filme nas costas, já que o desenrolar da estória é bem previsível para qualquer um que já tenha assistido a muitos filmes. Ambos estão muito bem, mas Hoffman realmente se destaca como Rusty. Percebe-se isso nitidamente numa cena mais sóbria em que, mesmo vestindo um terno, ele ainda é uma drag queen. E ele obtém isso ‘apesar’ do exagero do punho desmunhecado e dos trejeitos clichês, está tudo em sua maneira pausada de falar e na entonação de sua voz.

    É um daqueles filmes em que as atuações compensam o roteiro mediano e pouco envolvente.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | O Mestre

    Crítica | O Mestre

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    A trama se passa em 1950. Um veterano da Marinha, Freddie Quell (Joaquin Phoenix), volta da guerra instável e sem certeza de seu futuro. Como tantos outros, tem dificuldade de se situar na sociedade após o retorno, não só pelas sequelas psicológicas da guerra, mas também por ser um alcoólatra. Depois de abandonar vários empregos, principalmente por causa de seu temperamento explosivo, vagando pela cidade, entra no barco de Lancaster Dodd (Philip Seymour Hoffman), que o acolhe. Dodd é o criador de uma espécie de seita ou religião – “A Causa” – que prega a existência de vidas passadas, usa a hipnose como forma de cura e métodos psicológicos pouco usuais como tratamento de problemas diversos. Quell vê-se arrebatado pela Causa e por seu carismático líder. Ele enxerga em Dodd a figura paterna que não teve. E Dodd enxerga em Quell não apenas o seguidor perfeito, como também a cobaia perfeita para testar uma nova metodologia de “tratamento”.

    Americanos gostam de fazer – e assistir a – filmes que tratam das guerras em que seus soldados lutaram, seus feitos, sua volta ao lar, sempre embebidos de um tom ufanista que costuma irritar aos que não compram essa visão idealizada do “sonho americano”. Para contrabalançar, há os que optam por mostrar o avesso desse sonho. E é o que Paul Thomas Anderson faz n’O Mestre, assim como em seus filmes anteriores. Neste, o foco está no dia a dia dos soldados, nas sequelas da guerra, na nem tão triunfante volta ao lar, na dificuldade de reinserção no cotidiano. Em suma, se o espectador for ao cinema em busca apenas de diversão, esta definitivamente não é a melhor opção. Mas se a busca for por um bom roteiro, regado a ótimas músicas, com performances dignas de nota, este filme merece ser visto.

    Mesmo com certa polêmica criada ao redor do fato de que Dodd é inspirado em L. Ron Hubbard, o criador da Cientologia, esse detalhe é, na verdade, menos relevante do que pode parecer. Não há dúvidas de que o diretor se vale da história também para mostrar como é criada uma seita, como se desenvolve, como angaria seguidores – e os manipula -, enfim, como ganha dinheiro explorando a crença alheia. Mas não é este o ponto central. O cerne da narrativa é o relacionamento entre Quell e Dodd. Importa mais a dinâmica mestre-discípulo (ou cientista-cobaia), a relação quase simbiótica que se estabelece desde o momento em que se conhecem, do que o questionamento sobre o quão charlatão Dodd é, o quanto ele acredita no que diz e no que faz seus seguidores acreditarem. É interessante reparar que, em várias situações, enfatizando o paralelismo – ou o contraste – entre eles, são mostrados lado a lado, como na excepcional cena da cadeia. Freddie dá vazão a toda sua raiva numa cela, enquanto Dodd pondera calmamente na cela ao lado, até que Freddie duvida da veracidade das ideias da Causa, momento em que Dodd se exalta e dá vazão, de seu lado, a toda a irritação por ter suas ideias postas em dúvida.

    A trama é sinuosa, por vezes errática, dando a impressão (errônea) de que a narrativa segue desgovernada em alguns momentos. Ledo engano. A aparente falta de rumo é a representação fiel tanto dos caminhos tortuosos que Freddie seguiu depois da guerra quanto do modo como sua mente funciona. É significativo que, durante o filme, Dodd pergunte várias vezes a Freddie: “Is your behavior erratic?” (“Seu comportamento é errático?”).

    Apesar de toda a força dos dois personagens centrais, há outro que a princípio parece não ter tanta importância mas que se revela essencial à ascensão de Dodd como líder da seita: sua esposa, Peggy. É a figura mais dominadora – e quiçá fanática – do filme. Sua presença, por vezes aterrorizante, é quase mais forte que Freddie e Dodd juntos. A cena do toalete, em que ela o masturba enquanto lhe diz como agir, beira o aterrorizante, demonstrando o controle que mantém sobre Dodd e sobre a condução de sua carreira e vida pessoal. E a atuação de Amy Adams é excepcional, corroborando de forma essencial a construção da personagem. Seus olhares recriminadores conseguem deixar até o espectador com sensação de culpa.

    Não apenas a performance de Adams é digna de nota. A força dos personagens centrais em cena deve-se em grande parte à atuação de Phoenix e Hoffman. Enquanto este último confirma ser um dos melhores atores da atualidade, alternando entre a autoconfiança do líder e a instabilidade emocional ao ser questionado, Phoenix nos entrega o que talvez seja a melhor atuação de sua carreira. Antes de mais nada, pelo aspecto físico. Extremamente magro, assume uma postura ligeiramente encurvada, retraída (exceto ao visitar a casa da “mulher de seus sonhos”), a todo momento em busca de apoio – basta reparar nas mãos constantemente apoiadas no quadril. Falando pouco, com a boca meio fechada e os dentes cerrados, dá a impressão – que se confirma ao longo do filme – de estar sempre prestes a explodir e tenta evitar isso sendo o mais contido possível. E a riqueza de detalhes na interpretação, as minúcias nas variações de humor, as nuances na entonação da voz beiram a perfeição.

    Adicione-se a tudo isso a fotografia competente e a trilha sonora bastante provocativa e tem-se um filme que vale a pena ser visto. Apesar de, a princípio, parecer que será lembrado apenas como “aquele em que o Joaquin Phoenix está irreconhecível de tão magro”, ou então, “aquele que faz alusão à religião de Tom Cruise, sem nomeá-la”, O Mestre vai muito além dessa primeira impressão.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Mary e Max

    Crítica | Mary e Max

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    O que aconteceria se você recebesse uma carta de um completo estranho que mora do outro lado do mundo? É com essa premissa que o filme Mary e Max se desenrola. Trata-se de uma animação em stop motion em estilo massinha (como em O Estranho Mundo de Jack e Fuga das Galinhas), baseada em fatos reais. Dirigido e roteirizado por Adam Elliot, o filme conta com a participação das vozes de Toni CollettePhilip Seymour HoffmanBarry Humphries entre outros.

    A história se inicia a partir do momento em que Mary, uma garotinha de oito anos, que mora na Austrália, resolve enviar uma carta a uma pessoa aleatória nos Estados Unidos da América ao ver uma lista telefônica do local. Em Nova York, Max, um senhor de quarenta e quatro anos e vítima da síndrome de Asperger, recebe a carta da garota e resolve respondê-la. A partir desse momento, inicia-se uma amizade por correspondência entre duas pessoas diferentes e que vivem em contextos de vida completamente diferentes.

    A narrativa do filme é precisa e envolvente e com certeza fará com que muitas pessoas se identifiquem com situações, sentimentos e pensamentos, os quais são muito bem explorados já que a todo instante o filme abre espaço para definir características dos personagens apresentados. Mesmo apresentando requintes de humor durante a história, é com certeza uma animação voltada para o público adulto, pois apresenta temas como suicídio e uso de drogas. Os cenários combinam com a trama melancólica do filme, sendo apresentada uma contraposição em tons de marrom (na Austrália) e cinza (em Nova York). Essa contraposição de cores é interessante, pois explicita as diferenças entre as personalidades dos personagens, já que de um lado encontramos uma garota curiosa por descobrir o mundo, e do outro lado temos um homem que tem medo de explorar o mesmo.

    Mary e Max é uma história sobre solidão e amizades. Em um mundo imperfeito, temos que aprender a viver com nossos defeitos e conviver com os outros. Por mais que as pessoas sejam diferentes entre si, Mary e Max nos mostram um belo exemplo de que no fundo temos mais em comum do que realmente imaginamos.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.

  • Crítica | O Homem que Mudou o Jogo

    Crítica | O Homem que Mudou o Jogo

    Billy Beane (Brad Pitt) odeia perder. Mais que tudo. Mesmo a sensação de vitória fica em segundo plano quando comparada à fúria provocada por uma derrota. Ele mesmo admite isso num dos vários bons momentos de O Homem que Mudou o Jogo, novo longa do diretor Bennett Miller (Capote).

    A primeira frase deste texto resume totalmente o gancho temático da produção. Muita gente poderá olhá-la sobre uma perspectiva equivocada e acreditar que “O Homem que Mudou o Jogo” é um filme sobre baseball.

    Nada poderia estar mais equivocado.

    O baseball é apenas um instrumento utilizado pelo diretor para contar a história de um homem consumido por duas obsessões: impor suas ideias e nunca, em hipótese alguma, perder.

    O esporte usado poderia ser futebol, vôlei, basquete, ou qualquer outro. Não faria a menor diferença. O foco não é a modalidade, mas o posicionamento do protagonista: a derrota não é, de forma alguma, uma opção.

    Em “O Homem que Mudou o Jogo”, Billy Beane é o gerente do time Oakland Athletic’s – os Oakland A’s. Uma equipe de resultados apenas modestos dentro da Major League Baseball (MLB), a principal liga de baseball norte-americana. Posicionamento pequeno demais para ser aceito peloo personagem interpretado por Pitt.

    Logo no início do filme, ele é visto num estádio vazio, acompanhando por rádio a derrota de sua equipe diante do poderoso New York Yankees. Nesse momento, ele dará sua primeira demonstração física dos efeitos que a derrota lhe provoca. Ao longo do filme, ele será visto em outros momentos como este – vai socar painéis de carros e arremessar cadeiras sempre que perder. Vai se matar na sala de musculação como uma espécie de punição por cada derrota, lembrando muito rituais de auto-punição adotados em determinadas religiões.

    Beane quer mudar o jogo. Quer transformar sua equipe num time campeão.
    No entanto, está cercado de assistentes que possuem uma visão antiga e ultrapassada do esporte. Ele precisa de alguém novo. Que tenha um posicionamento racional e embasado em análises frias sobre o baseball.

    Ele precisa de Peter Brand (Jonah Hill). O jovem formado em Economia por Yale. Que baseia sua visão dos jogadores e do próprio jogo em estatísticas, em números. Na ciência. Não em “tempo de estrada”. Fascinado por ele, Beane o contrata. A partir daí, enfrentando todo tipo de obstáculo e resistência, os dois vão revolucionar o esporte.

    A postura intransigente de Beane – que é um personagem verdadeiro – é fruto de uma vida anterior como atleta. Quando jovem, foi considerado um gênio pelos olheiros do New York Mets. Nesse momenteo, teve de fazer uma escolha entre o baseball e uma bolsa integral na Universidade de Stanford.

    O esporte versus os estudos.

    Optou pelo primeiro. Os resultados, entretanto, não foram dos melhores. A frustração foi inevitável.

    A partir daí, para se proteger de novas decepções, Beane decidiu criar uma espécie de “couraça emocional”, cortando vínculos afetivos até com as pessoas mais próximas. A única exceção é sua filha, com quem ainda se permite demonstrar sua fragilidade.

    Nesse ímpeto para impor sua visão e conseguir os resultados que deseja, é capaz de tudo. Percebam como ele troca e negocia jogadores como quem lida apenas com mercadorias. Para ele, aproximações sentimentais não podem entrar no caminho da vitória. Se um jogador ameaça o futuro dotime, deve ser extirpado.

    Esse posicionamento fica ainda mais claro quando ele ensina o assistente a fazer uma demissão. Rápida, direta e seca. Não há espaço para emoções ou apelos sentimentiais ali.

    Ao contrário do que vem se falando, a interpretação de Brad Pitt não é brilhante. Mas é eficiente. Muito eficiente, na verdade. Os olhares focados, arroubos físicos intempestivos e fala arrogante construídos por ele traduzem a postura de Billy Beane e a forma resoluta de impor sua vontade. Atenção especial à forma comedida e fisicamente tímida criada por Jonah Hill para dar vida à Peter Brand. Vale menção, também, a participação de Philip Seymour Hoffman, que interpreta o treinador Art Howe. Barrigudo, lento e cabeça dura. É a manifestação física do velho baseball – o oposto da abordagem proposta por por Brand.

    A narrativa é direta, com algumas intervenções em flashback da vida de Beane. A compreensão da trama, portanto, é bem simples. E esse é um pnto positivo.

    Billy Beane é um revolucionário. Um rebelde que impõe suas convicções. Ele luta contra um um mundo antigo e ultrapassado. O velho embate entre o indivíduo e o sistema. Tema que foi muito abordado pela banda inglesa de punk The Clash.

    Não por acaso – e os mais atentos irão perceber isso – Beane é fã do grupo: perceba dois posteres da banda em seu escritório: um deles, o anúncio de um show. O outro, uma foto de Joe Strummer, vocalista do Clash.

    Ambos, cada um a seu modo, tentaram mudar o status quo no qual viviam. Ambos sofreram as consequências dessa postura. Como diz um personagem importante que aparece quase ao fim do filme: “O primeiro a atravessar uma grande parede sempre deixa seu sangue pelo caminho”.

    É a mais pura verdade.

    Texto de autoria de Carlos Brito.

  • Crítica | Tudo pelo Poder

    Crítica | Tudo pelo Poder

    Pouco depois do início de Tudo pelo Poder, o personagem Tom Duffy (Paul Giamatti) tenta convencer Stephen Meyers (Ryan Gosling) a mudar de lado na campanha das primárias para escolher o futuro candidato democrata às eleições presidenciais dos Estados Unidos.

    Ambos trabalham para concorrentes dentro do mesmo partido. Impressionado com o carisma do jovem e ambicioso assessor interpretado por Gosling, Giamatti quer contratá-lo a todo custo e, para isso, argumenta que o candidato de quem o jovem é empregado dificilmente vai vencer a disputa.

    “Não posso aceitar a oferta”, recusa o assessor. “Trabalho para Mike Morris (George Clooney). Acredito nas propostas dele. Acredito que ele realmente pode fazer diferença na vida das pessoas. E, além do mais, ele é meu amigo”.

    A resposta do personagem de Giamatti – na forma de uma pergunta – não poderia ser mais direta: “Você quer trabalhar para o seu amigo ou para o futuro presidente?”. A fagulha que incendeia a ambição e a vaidade de Stephen Meyers é lançada aí. As chamas desses sentimentos vão se espalhar e virar sua vida do avesso.

    Na verdade, esse exercício de retórica apenas abre espaço para o assunto sobre o qual George Clooney – que dirige o filme e também interpreta o candidato Mike Morris – quer colocar sua lente de aumento: a perda definitiva da inocência. O personagem de Gosling não é bobo. Sabe que está num jogo. Que todas as palavras de cada discurso, entrevista ou debate são fundamentais para que seu candidato chegue à vitória. No entanto, percebemos que ele possui uma visão limitada da máquina monstruosa da qual faz parte. A realidade é percebida por um filtro de credulidade devotada a seu chefe. Um grande erro, sem dúvida.

    Em pouco tempo, entretanto, ele vai aprender da pior maneira que, dentro do jogo político, não há espaço para sentimentos. Não há espaço para falhas. E também não há espaço para deslealdades, como o chefe da campanha de Clooney, interpretado por Philip Seymour Hoffman, o lembra num momento crucial do filme.

    As campanhas estão acima de tudo. E mesmo supostos inquebráveis laços de amizade podem ser partidos sem maiores preocupações em favor da vitória do candidato defendido. Isso fará toda a diferença ao longo da trama. A inocência do personagem principal será arrancada pedaço por pedaço de forma impiedosa.

    No começo da história, os dois candidatos democratas disputam as primárias no estado de Ohio. A conquista do apoio de um senador de posições radicais é fundamental para saber quem será o vencedor. Clooney, apesar dos esforços de seus dois assessores principais para convencê-lo, não está disposto a aceitar.

    Gosling o olha com respeito e admiração.

    No entanto, o envolvimento romântico que ele terá com a estagiária interpretada por Evan Rachel Wood vai lhe colocar em contato com o choque de realidade que despedaçará sua visão idílica dos fatos. Seus olhos serão abertos à força. Mesmo ídolos aparentemente perfeitos possuem máculas. Algumas delas, bem graves.

    Não há heróis em “Tudo pelo Poder”. Mesmo o protagonista é capaz de mudar radicalmente de posicionamento quando está de posse do principal segredo do enredo. Tudo para obter uma vantagem. Suas convicções iniciais, outrora defendidas com tanta veemência, são descartadas por ele mesmo sem maiores traumas. A mudança de posicionamento é valorizada pela interpretação de Ryan Gosling – a partir desse ponto, sua postura física e olhar mudam visivelmente.

    O diretor faz uma apropriação de termos usados durante a disputa da última eleição para a Casa Branca. O termo “socialistas” usado pelos Republicanos – principalmente pela então candidata à vice-presidência Sarah Palin – para se referirem aos democratas está lá. Até mesmo o “We are ready to lead” proferido por Obama encontrou eco no personagem no representado por Clooney. A incorporação de um dos fatos mais marcantes da gestão Bill Clinton também é visível no roteiro. É impossível não notar a influência de cineastas proeminentes no cinema norte-americano nos anos de 1970, como Norman Jewison e Alan J. Pakula, na estética adotada por Clooney.

    A composição é limpa. Seus planos, na maioria das vezes, são estáticos. A ênfase não é no trabalho de movimentação de câmera, mas na interpretação dos atores. Coerente, uma vez que o próprio Clooney é um ator. Preferências estéticas que já haviam sido evidenciadas em seus trabalhos anteriores: “Confissões de Uma Mente Perigosa” e “Boa Noite e Boa Sorte”.

    Ainda sobre a composição de “Tudo pelo Poder”, os personagens são reduzidos quando comparados ao ambiente que os cerca. O homem aparece sempre pequeno diante de grandes prédios, palcos e salões. A metáfora é clara: dentro da política, o indivíduo é minúsculo. Apenas uma peça frente aos interesses e poderes que o sobrepõem largamente.

    Além disso – e mais uma vez volto a Pakula – luz e sombra são definidos claramente. Em boa parte das cenas, dentro do mesmo quadro, há espaços iluminados e outros sombrios. É o simbolismo do homem dividido entre a luz e a sombra. E que, no final, descobre de forma dolorosa que ter uma visão dualista da vida – e mais especificamente dos bastidos res da política – pode ser limitante e perigoso.

    Vivemos num grande cinza. E na luta pelo poder político, esse cinza é ainda mais intenso. George Clooney sabe disso. Nós deveríamos, também.

    Texto de autoria de Carlos Brito.

  • Agenda Cultural 01 | Caçadores de Recompensa, Rita Cadillac e Uma Surra de Bunda

    Agenda Cultural 01 | Caçadores de Recompensa, Rita Cadillac e Uma Surra de Bunda

    Bem vindos a bordoFlávio Vieira (@flaviopvieira), Amilton Brandão (@amiltonsena) e Mario Abbade (@fanaticc) se reúnem para comentar tudo o que está rolando no circuito cultural dessa semana, com as principais dicas da semana em cinema, teatro, quadrinhos e cenário musical. Em uma linha alternativa de dicas atemporais, selecionamos alguns petardos interessantes dentro do ramo literário, além de explicarmos como será o formato que iremos adotar. Não perca tempo e ouça agora o seu guia da semana.

    Duração: 44 mins.
    Edição: Flávio Vieira
    Trilha Sonora: Flávio Vieira
    Arte do Banner: Gustavo Kitagawa

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