Tag: Elden Henson

  • Review | Demolidor – 3ª Temporada

    Review | Demolidor – 3ª Temporada

    O começo da terceira temporada de Demolidor se inicia com Matt Murdock (Charlie Cox) machucado, no chão, após os últimos eventos de Os Defensores. Esse talvez seja um dos maiores problemas das series Netflix, a influencia externa das outras, considerando que a maior parte desses shows tiveram momentos ou desfechos negativos e mal lembrados por crítica e publico. Ao menos, com o Homem sem Medo as influencias são menores, uma vez que ele é o carro chefe da plataforma.

    Incrivelmente essa temporada é a com menos gordura, apesar de ainda possuir 13 episódios e de alguns desses terem perto de uma de duração cada. O maior apelo que esta terceira e última temporada, já que a Netflix cancelou o programa, são as relações entre personagens. Karen Page (Deborah Ann Woll) que havia sido sub aproveitada em Justiceiro aqui tem uma função inteligente e condizente com sua contra parte quadrinhos, fazendo o que Matt Murdock não pode fazer, ainda que isso só ocorra por que o herói está combalido.

    Matt é um homem falível. Logo após se recuperar, conseguindo ficar em pé ele decide treinar para aprimorar sua forma física, mas ele apanha de um adversário mais fraco que si, por conta das limitações que tem por conta de suas faculdades mentais não estarem perfeitas. Essa construção de sua humanidade é algo raro nem só nos seriados da Marvel, mas também em seus filmes mais recentes, e há mais acertos aqui  por exemplo do que em Homem Aranha De Volta ao Lar, que deveria ser sobre o herói mais humano da Casa das Ideias, mas que soa apenas como um filme genérico sobre adolescentes.

    Há semelhanças claras desta temporada com A Queda de Murdock, ainda mais quando mostra Matt como um clandestino, um homem abandonado por tudo e todos, desesperado para viver sem seus fantasmas e atormentado por uma obsessão ligada ao Wilson Fisk de Vincent D’Onofrio. O Rei do Crime é aliás outro bom acerto do programa. A jornada rumo a liberdade é mostrada em detalhes, desde o acidente que ocorre quando ele é transferido de prisão até a retomada de seu império de crimes, que resulta na contratação de Benjamin “Dex” Poindexter (Wilson Bethel), o Mercenário, que tenta incriminar o diabo de Hells Kitchen usando seu uniforme vermelho, enquanto o advogado reutiliza  o preto mais básico.

    Mais uma vez D’Onofrio executa magistralmente seu papel, dessa vez mostrando uma faceta mais amedrontadora do Rei do Crime, capaz de dominar a psique de seu rival. A construção mental que o vigilante tem a respeito do seu opositor faz ele  soar ainda mais capaz de causar mal, a força que o antagonista tem dentro da mente do herói parece mais palpável até do que o que se via anteriormente quando ele era violento, o fato de Fisk construir uma faceta falsa do personagem principal o deixa ainda mais poderoso.

    A luta final entre os dois antagonistas é violenta, repleta de escoriações e sangue, remete aos bons momentos de John Romita Junior como artista dos números de Demolidor de Frank Miller. Os simbolismos do embate fazem com que a força dos personagens sejam maximizadas. Uma pena que o programa tenha sido encerrado com algumas pontas soltas, especialmente no que toca Karen e Foggy Nelson (Elden Henson), mas ao menos seus últimos momentos são bem contados, tal qual toda a primeira jornada de Jessica Jones, sendo essa talvez a mais importante e forte historia da Marvel Netflix.

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  • Review | Demolidor – 1ª Temporada

    Review | Demolidor – 1ª Temporada

    demolidor-poster-brDesde a primeira fase da Marvel nos cinemas, o estúdio vem trabalhando seu universo cinematográfico em sincronia expansiva e tinha interesse em desenvolvê-lo em outras mídias. A série Agentes da S.H.I.E.L.D, lançada pela ABC, foi o primeiro derivado direto dos filmes com uma das personagens, Agente Phil Coulson, presente na franquia como estrela.

    Ao mesmo tempo, a Netflix desenvolvia suas primeiras séries originais e, observando um sucesso crescente do prestígio como produtora, demonstrou interesse em adaptar histórias de alguns heróis da Marvel em novo formato proposto pelo serviço: temporadas fechadas, lançadas integralmente em um dia específico. O cuidado que a empresa demonstrou em suas produções e a força do personagem Demolidor elevaram a nova série a um nível alto de expectativa, antes mesmo de seu lançamento.

    A série foi o primeiro projeto confirmado de um plano que envolve mais heróis da Marvel e uma possível série em conjunto de uma equipe urbana envolvendo o Homem Sem Medo, Jessica Jones, Punho de Ferro e Luke Cage. Demolidor se passa no mesmo universo cinematográfico da Marvel, em algum período após o ataque de Nova York que reuniu Os Vingadores. Algumas breves referências em falas e em um jornal destacam a integração destas histórias, denotando a mesma pluralidade heroica existente nos quadrinhos. Em 13 episódios, a série criada por Drew Goddard desenvolve as bases fundamentais estabelecidas em mais de cinquenta anos de histórias.

    A trama evita o início obrigatório de uma origem e utiliza somente a primeira cena, antes da abertura, para mostrar o acidente que transforma o pequeno Murdock em cego. A evolução até se tornar um vigilante está diluída nos episódios. Inicialmente, surge em cenas de grande impacto de violência, como um gatilho emocional que o faz lembrar de sua trajetória. Dessa maneira, conhecemos o passado do garoto durante a ação central da temporada.

    Demolidor é um herói essencialmente urbano representando um bairro específico de Nova York. A sociedade do local é apresentada em tipos diferenciados, desde os habitantes locais, sejam estes da lei ou não, até políticos e empresários que desejam investir no local. Uma composição que radiografa esse microcosmos e seu dia a dia corrupto. Como uma inserção máxima dentro do possível realismo da série, o Homem sem Medo é um herói que não possui nenhum super poder. Seu benefício são os sentidos apurados que lhe dão uma vantagem maior em diversas situações de confronto. A violência sempre foi sua forma de expressão e imposição, uma potência física com maior apuro devido ao seu treinamento e aos sentidos amplificados que lhe permitem absorver uma grande quantidade de informação com a audição, olfato, paladar e tato.

    O realismo urbano e com muita violência é o maior visto no universo Marvel até então. Tal fator se deve à liberdade da Netflix, que não teve medo de transformar seu produto em uma série para maiores, e também à maneira inicial que a Marvel compôs seus primeiros filmes no cinema, mais voltados para a família na primeira fase, e os quais adquiriram contornos mais maduros com Capitão América: O Soldado Invernal, da considerada segunda fase. A censura não afastará os adolescentes de assistirem a essa história, e permite retratar de maneira verossímil um personagem cuja base é a violência. Chamada de estética hipermimética, por refletir com exagero quase naturalista a realidade, a série produz personagens que se aproximam do próprio público: seres com diversas linhas de pensamento e esfericidade, refletindo a concepção múltipla e quebrantada dos humanos. Um espaço ideal para dramas internos tanto de personagens com boa índole quanto daqueles mais próximos dos vilões.

    Demolidor - Daredevil - elenco

    Em relação à cronologia de Demolidor, o roteiro é capaz de produzir uma obra original e, ao mesmo tempo, promover diversas grandes referências ao universo de Murdock, entregando àqueles que já conhecem o herói momentos de reconhecimento e nostalgia em relação aos quadrinhos, estabelecendo um jogo de referências que demonstra as intenções futuras da narrativa. A história utiliza tanto elementos chave da personagem como une diversos argumentos apresentados em arcos específicos.

    Neste primeiro ano, o vigilante conhecido como o demônio de Hell´s Kitchen demonstra mais entusiasmo do que um plano concreto para mudar a cidade. Sem um método além da vontade de defender o local em que vive, suas ações pontuais são recebidas depois com retaliações, ainda que o herói consiga sempre ser vencedor. Sendo um tipo urbano, suas ações trabalham diretamente contra a corrupção do local, uma cidade dominada por russos, outras facções e um novo membro desconhecido. Não há dúvida de que vilões tradicionais aparecerão futuramente na trama. Porém, a escolha narrativa neste primeiro momento foi a relação do herói com sua cidade, destacando um dos maiores vilões do Demolidor, o empresário Wilson Fisk, que será conhecido como Rei do Crime.

    A infância de Fisk é apresentada no episódio Sombras com Reflexo, humanizando a figura do vilão, justificando que por trás de atos considerados hediondos há uma base psicológica que desenvolveu ou justificou tais atos. As cenas que mostram o cotidiano do empresário cozinhando solitariamente o café da manhã apresentam um homem poderoso que não conseguiu estabelecer laços. Um deslocamento interno que não se satisfaz com o belo ambiente em que vive. Não à toa, ao se ver atraído por uma mulher, seu comportamento muda brevemente. Porém, não o bastante para mudar seu caráter sombrio e violento, justificado pela infância abusiva. A caracterização feita por Vicent D´Onofrio é bem representada, desde o porte físico, equilibrado entre a falsa cortesia de Fisk, até suas explosões de violência. Como o herói em cena, Fisk não é super-humano. É somente um homem com um propósito bem delineado.

    Visualmente, a série mantém a percepção realista e faz da fotografia um aliado positivo, utilizando muito mais sombras do que luzes, para demonstrar a aspereza de Hell´s Kitchen. Como destaque do apuro técnico, o final do episódio Fio da Navalha, um plano-sequência simulado não só é brilhante como cena como também demonstra as habilidades do demônio como lutador. (A cena parece uma resposta à técnica do quarto episódio de True Detective, da HBO, também elogiadíssimo por público e crítica).

    Sem nenhum medo de promover transformações drásticas para a personagem central, a série utiliza muitos argumentos narrativos que os quadrinhos demoraram anos para abordar. A concepção das mídias é diferente e, dentro desta proposta realista, é necessário que a personagem tenha aliados ativos em prol de sua luta. E Murdock conquista estes aliados em todas as esferas: íntima, midiática e médica. O amigo Foggy Nelson descobre sua identidade em dos melhores episódios da temporada, Nelson x Murdock, que ilumina o passado dos amigos na faculdade – até mesmo com a menção a uma misteriosa namorada grega de Matt (Elektra, criada por Frank Miller) – e abala a amizade dos sócios pela falta de confiança do vigilante em dividir seu segredo.

    A mídia é destacada por outro grande personagem de seu universo, o jornalista investigativo Ben Ulrich, representante do poder da imprensa como meio de denúncia de corrupção. Por fim, a personagem de Rosario Dawson, Claire Temple, se aproxima do herói após salvá-lo desmaiado dentro de uma caçamba, e passa a ajudá-lo no cuidado com seus ferimentos. Existente nos quadrinhos, Claire é originalmente o interesse amoroso de Luke Cage, um possível indicativo de que, na futura série do herói com pele impermeável, poderemos rever o personagem que, aqui, tem uma relação rápida com Matt, mas que se afasta por não aceitar sua trajetória heroica. Trajetória também questionada pelo personagem central, o qual reconhece a importância de suas ações mas ainda se divide através do conceito moral e católico de fazer o bem. Diante de tanta dor, o vigilante questiona a necessidade de romper a linha e se tornar um assassino necessário.

    A primeira temporada produz um excelente arco narrativo, focado no conflito entre Demolidor e a própria corrupção de sua cidade, tendo como destaque o vilão Rei do Crime. Uma boa escolha narrativa que se apoia neste primeiro momento no realismo para que nos futuros, próximos vilões mais tradicionais, como o insano Mercenário, sejam inseridos na trama e ainda deem credibilidade para a história. Uma incrível temporada inicial com muito mais potência do que a maioria dos filmes Fase Um da Marvel no cinema. Se considerarmos a série como a primeira de outros personagens urbanos, a Netflix conseguiu mais uma vez um grande acerto.

  • Crítica | Jogos Vorazes: A Esperança – Parte 1

    Crítica | Jogos Vorazes: A Esperança – Parte 1

    A já estabelecida franquia de Hollywood (e com uma legião de fãs) Jogos Vorazes retorna em 2014 aos cinemas do mundo com a primeira parte da adaptação do terceiro livro da série, usando uma tática atualmente cada vez mais comum da indústria, que é a de aproveitar-se de filões lucrativos por mais tempo em detrimento dos elementos criativos da história.

    Jogos Vorazes: A Esperança – Parte 1 mantém os protagonistas de Jogos Vorazes e Jogos Vorazes: Em Chamas e dá continuidade a suas histórias. Katniss Everdeen (Jennifer Lawrence) luta consigo mesma para conseguir superar os problemas emocionais decorrentes de tamanha pressão pelas escolhas da personagem, e também incumbidas a ela após ter sido salva pelos rebeldes. O amigo de seu distrito natal, Gale Hawthorne (Liam Hemsworth), volta a ter participação ativa ao se juntar à rebelião do Distrito 13. Peeta Mellark (Josh Hutcherson) está nas mãos da Capital. Plutarch Heavensbee (Philip Seymour Hoffman) e Haymitch Abernathy (Woody Harrelson), junto com Effie Trinket (Elizabeth Banks), agora abandonaram completamente a vida na Capital e se dedicam exclusivamente à rebelião do Distrito 13, comandada pela Presidente Alma Coin (Julianne Moore).

    O filme se inicia logo após os eventos finais do anterior, quando Katniss é resgatada da arena dos Jogos, onde estava pela segunda vez. Após atirar a flecha em claro desafio contra a Capital, várias insurreições em diversos Distritos começam a surgir, sendo severamente reprimidos pelo presidente Snow (Donald Sutherland). A rebelião quer usar Katniss como símbolo para aumentar a adesão de pessoas ao exército rebelde e fortalecer a luta enquanto ela ainda existe. Enquanto isso, a Capital luta para apagar os focos de revoltas e manter seu poder intocado.

    A dinâmica entre os distritos e a Capital então sofre uma alteração significativa, pois não são meramente espectadores passando a ter algum grau de protagonismo em suas vidas, seja para decidir aderir à luta ou ignorá-la. Porém, o que falta dentro dessa dinâmica é justamente caracterizar melhor quem são estes distritos e as pessoas que os compõem e por que elas haveriam de largar suas vidas para aderir a uma rebelião, ou mesmo como essa rebelião se configurou em cada distrito e com cada líder local. Já que houve a opção pela divisão em dois filmes, havia espaço para problematizar ao menos um pouco desta história. Ao focar somente os protagonistas, a “revolução” parece não ter corpo o suficiente, sendo movida apenas por meio de escritórios.

    As referências a eventos ocorridos na história da humanidade, em especial às revoluções de esquerda, são também muito claras. Desde trabalhadores braçais pobres com roupas sujas andando em fila e forçados a trabalhar, mas que se revoltam contra o “sistema”, até os dirigentes revolucionários frios e calculistas, que fazem tudo pelo bem do povo sem consultá-lo. O uso dessas imagens torna a compreensão do espectador clara de que se trata de uma luta do bem contra o mal, dos explorados contra exploradores, uma reprodução essencialmente fiel do conceito de “luta de classes” de Karl Marx, mas, assim como os filmes anteriores, sem a profundidade mínima para entender de onde vêm aquela revolta e os recursos humanos e materiais para mantê-la contra uma Capital tão poderosa.

    É clara também a referência aos pobres daqueles distritos, onde alguns são mostrados parecendo-se com escravos negros do sul dos EUA, enquanto outros, em um hospital visitado por Katniss, assemelham-se a pessoas inseridas em contextos de países da África enfrentando crises humanitárias. É literalmente jogado na cara do espectador médio o imaginário clássico da pobreza, sem muita problematização.

    Um dos eventos chave do filme, a explosão de uma usina hidrelétrica que abastece a Capital, sofre justamente essa falta de embasamento. Como os rebeldes chegaram ali? Uma usina estaria tão insegura? Como conseguiram os explosivos? Quem os montou? Quem treinou esses trabalhadores pobres e super explorados em táticas de guerrilha? Não sabemos. E fica por isso mesmo.

    Porém, o principal defeito do filme é o excesso de espaço que a fragilidade emocional de Katniss toma em tela. A cada momento, nos deparamos com algum evento em que ela muda de ideia sobre participar da revolução, e essa repetição se torna cansativa. Essa constante alternância entre a personagem forte, líder de uma revolução, e uma jovem confusa teria seu propósito caso fosse direcionada a algo específico, e não acontecendo a cada hora.

    Com tantos problemas, Jogos Vorazes: A Esperança – Parte 1 talvez não conseguiria empolgar, porém acerta em muitos pontos. Ele consegue lidar bem com as cenas de ação e as transições entre as histórias, que em momento algum ficam confusas. A tensão das cenas finais é bem construída, assim como as surpresas de roteiro ali encaixadas. A constante utilização dos meios de comunicação como propaganda em um contexto de guerra é muito bem explorada, no sentido de mostrar como as ideias das pessoas podem ser manipuladas de acordo com o conjunto correto de sons e imagens, levando-as a acreditar em A ou B.

    A semelhança com os reality shows dos primeiros filmes dessa vez é afastada, dando lugar a um estilo utilizado em coberturas jornalísticas de frontes de guerra, que se iniciaram no Vietnã, mas que se tornaram, hoje em dia, muito comuns. Assim, cotidianamente o mundo “desenvolvido”, enquanto está jantando e vendo televisão, assiste a pessoas se matando nos locais mais remotos do planeta, sem o menor problema.

    O principal defeito do filme reside justamente na escolha de dividi-lo em duas partes, em que ao mesmo tempo que se esticam cenas desnecessárias, encerram-se, no final do filme, situações de forma abrupta, contando com a promessa de que espectador vá ver a última parte daqui a um ano. Nos resta esperar que o desfecho da história seja um pouco mais honesto consigo mesmo em relação às expectativas criadas, mas – principalmente – com o espectador.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.