Produzido por J. J. Abrams e sua Bad Robot, o filme de Matt Reeves – que futuramente faria Planeta dos Macacos: O Confronto – tornou-se um pequeno clássico instantâneo, por dar prosseguimento ao novo exploitation do segmento found footage (câmera em primeira pessoa). Os 84 minutos de Cloverfiel: Monstro se preocupam em manter viva a sensação de que o filme exibido é na verdade uma fita particular encontrada nos arquivos da Segurança Nacional, o que ajuda a montar o caráter pseudo real do longa-metragem.
As primeira cenas mostram detalhes da rotina de Hudson ‘Hud’ Platt (T.J. Miller), que começa a registrar a despedida de seu amigo Rob Hawkins (Michael Stahl-David), o qual está prestes a deixar Nova York para se mudar para o Japão. Para louvar sua saída, o sujeito chama os amigos mais próximos para uma reunião na qual desabafa parte dos sentimentos complicados que teve por cada um deles, momentos registrados por seu inconveniente colega. Um evento cataclísmico ocorre na cidade, causando agitação e pavor em seus habitantes, com destruição de muitos dos símbolos nacionais.
O estudo da humanidade praticado por Reeves é curioso, em especial na cena em que há a queda da cabeça da Estátua da Liberdade, mostrando em 2008 as pessoas se aglomerando em torno dos destroços para fotografar o artefato, dando vazão à necessidade fútil de se registrar tudo mesmo sob risco de perecer.
Como nos filmes de zumbis, populares desde os anos 60, há a mesma sensação de impotência e de inevitabilidade da morte. Os sobreviventes se aglomeram e a sensação agorafóbica aumenta graças ao estilo de filmagem com câmera na mão e edição de som, que focaliza a destruição dos pontos locais, e ao suspense proveniente de visão restrita apenas aos olhos de Hud, e não do todo.
As saídas que os poucos amigos que restaram, e que envolvem adentrar os esgotos e registrar os fatos por câmera, passam a ser uma necessidade. O desconhecimento dos personagens sobre os fatos ocorridos no externo faz temer não só a si próprios, mas também quem os acompanha, mesmo com pouca informação de seu passado, fato que faz universalizar as questões, já que cada um dos personagens genéricos poderia ser facilmente substituído pelo público.
Cloverfield se vale muito do fator cinema, desde o isolamento e espetáculo individual, típicos da sétima arte, até a acústica das salas de exibição. É evidente que o plano sequência não é real, e sua continuidade se dá através de cortes bruscos nas sombras, nas pausas de respiração dos personagens e na tentativa fútil de fugir do destino terrível que aguarda os jovens que estavam em Manhattan.
A sensação de que a morte se aproxima rivaliza com a claustrofobia inerente à sensação provinda da movimentação da câmera. O conjunto de sensações faz imergir o público, que viaja junto com os condenados à morte. O roteiro de Drew Goddard é simples e evoca o senso de sobrevivência que é comum a qualquer plateia, independente de língua, credo ou raça. Ao final, são mostradas cenas do casal que teria de se separar por causa da viagem, em um momento de ternura, momento ironicamente interrompido pelo evento do monstro que destruiu a cidade e fez lembrar do trauma de 11 de setembro.
Desde a primeira fase da Marvel nos cinemas, o estúdio vem trabalhando seu universo cinematográfico em sincronia expansiva e tinha interesse em desenvolvê-lo em outras mídias. A série Agentes da S.H.I.E.L.D, lançada pela ABC, foi o primeiro derivado direto dos filmes com uma das personagens, Agente Phil Coulson, presente na franquia como estrela.
Ao mesmo tempo, a Netflix desenvolvia suas primeiras séries originais e, observando um sucesso crescente do prestígio como produtora, demonstrou interesse em adaptar histórias de alguns heróis da Marvel em novo formato proposto pelo serviço: temporadas fechadas, lançadas integralmente em um dia específico. O cuidado que a empresa demonstrou em suas produções e a força do personagem Demolidor elevaram a nova série a um nível alto de expectativa, antes mesmo de seu lançamento.
A série foi o primeiro projeto confirmado de um plano que envolve mais heróis da Marvel e uma possível série em conjunto de uma equipe urbana envolvendo o Homem Sem Medo, Jessica Jones, Punho de Ferro e Luke Cage. Demolidor se passa no mesmo universo cinematográfico da Marvel, em algum período após o ataque de Nova York que reuniuOs Vingadores. Algumas breves referências em falas e em um jornal destacam a integração destas histórias, denotando a mesma pluralidade heroica existente nos quadrinhos. Em 13 episódios, a série criada por Drew Goddard desenvolve as bases fundamentais estabelecidas em mais de cinquenta anos de histórias.
A trama evita o início obrigatório de uma origem e utiliza somente a primeira cena, antes da abertura, para mostrar o acidente que transforma o pequeno Murdock em cego. A evolução até se tornar um vigilante está diluída nos episódios. Inicialmente, surge em cenas de grande impacto de violência, como um gatilho emocional que o faz lembrar de sua trajetória. Dessa maneira, conhecemos o passado do garoto durante a ação central da temporada.
Demolidor é um herói essencialmente urbano representando um bairro específico de Nova York. A sociedade do local é apresentada em tipos diferenciados, desde os habitantes locais, sejam estes da lei ou não, até políticos e empresários que desejam investir no local. Uma composição que radiografa esse microcosmos e seu dia a dia corrupto. Como uma inserção máxima dentro do possível realismo da série, o Homem sem Medo é um herói que não possui nenhum super poder. Seu benefício são os sentidos apurados que lhe dão uma vantagem maior em diversas situações de confronto. A violência sempre foi sua forma de expressão e imposição, uma potência física com maior apuro devido ao seu treinamento e aos sentidos amplificados que lhe permitem absorver uma grande quantidade de informação com a audição, olfato, paladar e tato.
O realismo urbano e com muita violência é o maior visto no universo Marvel até então. Tal fator se deve à liberdade da Netflix, que não teve medo de transformar seu produto em uma série para maiores, e também à maneira inicial que a Marvel compôs seus primeiros filmes no cinema, mais voltados para a família na primeira fase, e os quais adquiriram contornos mais maduros com Capitão América: O Soldado Invernal, da considerada segunda fase. A censura não afastará os adolescentes de assistirem a essa história, e permite retratar de maneira verossímil um personagem cuja base é a violência. Chamada de estética hipermimética, por refletir com exagero quase naturalista a realidade, a série produz personagens que se aproximam do próprio público: seres com diversas linhas de pensamento e esfericidade, refletindo a concepção múltipla e quebrantada dos humanos. Um espaço ideal para dramas internos tanto de personagens com boa índole quanto daqueles mais próximos dos vilões.
Em relação à cronologia de Demolidor, o roteiro é capaz de produzir uma obra original e, ao mesmo tempo, promover diversas grandes referências ao universo de Murdock, entregando àqueles que já conhecem o herói momentos de reconhecimento e nostalgia em relação aos quadrinhos, estabelecendo um jogo de referências que demonstra as intenções futuras da narrativa. A história utiliza tanto elementos chave da personagem como une diversos argumentos apresentados em arcos específicos.
Neste primeiro ano, o vigilante conhecido como o demônio de Hell´s Kitchen demonstra mais entusiasmo do que um plano concreto para mudar a cidade. Sem um método além da vontade de defender o local em que vive, suas ações pontuais são recebidas depois com retaliações, ainda que o herói consiga sempre ser vencedor. Sendo um tipo urbano, suas ações trabalham diretamente contra a corrupção do local, uma cidade dominada por russos, outras facções e um novo membro desconhecido. Não há dúvida de que vilões tradicionais aparecerão futuramente na trama. Porém, a escolha narrativa neste primeiro momento foi a relação do herói com sua cidade, destacando um dos maiores vilões do Demolidor, o empresário Wilson Fisk, que será conhecido como Rei do Crime.
A infância de Fisk é apresentada no episódio Sombras com Reflexo, humanizando a figura do vilão, justificando que por trás de atos considerados hediondos há uma base psicológica que desenvolveu ou justificou tais atos. As cenas que mostram o cotidiano do empresário cozinhando solitariamente o café da manhã apresentam um homem poderoso que não conseguiu estabelecer laços. Um deslocamento interno que não se satisfaz com o belo ambiente em que vive. Não à toa, ao se ver atraído por uma mulher, seu comportamento muda brevemente. Porém, não o bastante para mudar seu caráter sombrio e violento, justificado pela infância abusiva. A caracterização feita por Vicent D´Onofrio é bem representada, desde o porte físico, equilibrado entre a falsa cortesia de Fisk, até suas explosões de violência. Como o herói em cena, Fisk não é super-humano. É somente um homem com um propósito bem delineado.
Visualmente, a série mantém a percepção realista e faz da fotografia um aliado positivo, utilizando muito mais sombras do que luzes, para demonstrar a aspereza de Hell´s Kitchen. Como destaque do apuro técnico, o final do episódio Fio da Navalha, um plano-sequência simulado não só é brilhante como cena como também demonstra as habilidades do demônio como lutador. (A cena parece uma resposta à técnica do quarto episódio de True Detective, da HBO, também elogiadíssimo por público e crítica).
Sem nenhum medo de promover transformações drásticas para a personagem central, a série utiliza muitos argumentos narrativos que os quadrinhos demoraram anos para abordar. A concepção das mídias é diferente e, dentro desta proposta realista, é necessário que a personagem tenha aliados ativos em prol de sua luta. E Murdock conquista estes aliados em todas as esferas: íntima, midiática e médica. O amigo Foggy Nelson descobre sua identidade em dos melhores episódios da temporada, Nelson x Murdock, que ilumina o passado dos amigos na faculdade – até mesmo com a menção a uma misteriosa namorada grega de Matt (Elektra, criada por Frank Miller) – e abala a amizade dos sócios pela falta de confiança do vigilante em dividir seu segredo.
A mídia é destacada por outro grande personagem de seu universo, o jornalista investigativo Ben Ulrich, representante do poder da imprensa como meio de denúncia de corrupção. Por fim, a personagem de Rosario Dawson, Claire Temple, se aproxima do herói após salvá-lo desmaiado dentro de uma caçamba, e passa a ajudá-lo no cuidado com seus ferimentos. Existente nos quadrinhos, Claire é originalmente o interesse amoroso de Luke Cage, um possível indicativo de que, na futura série do herói com pele impermeável, poderemos rever o personagem que, aqui, tem uma relação rápida com Matt, mas que se afasta por não aceitar sua trajetória heroica. Trajetória também questionada pelo personagem central, o qual reconhece a importância de suas ações mas ainda se divide através do conceito moral e católico de fazer o bem. Diante de tanta dor, o vigilante questiona a necessidade de romper a linha e se tornar um assassino necessário.
A primeira temporada produz um excelente arco narrativo, focado no conflito entre Demolidor e a própria corrupção de sua cidade, tendo como destaque o vilão Rei do Crime. Uma boa escolha narrativa que se apoia neste primeiro momento no realismo para que nos futuros, próximos vilões mais tradicionais, como o insano Mercenário, sejam inseridos na trama e ainda deem credibilidade para a história. Uma incrível temporada inicial com muito mais potência do que a maioria dos filmes Fase Um da Marvel no cinema. Se considerarmos a série como a primeira de outros personagens urbanos, a Netflix conseguiu mais uma vez um grande acerto.
O ano de 2012 foi excelente para Joss Whedon. Ao mesmo tempo que foi super aclamado pelo roteiro e direção em Os Vingadores, escreveu uma excelente história de terror que, não por acaso, tem conquistado uma legião de fãs.
Ao se tratar de um filme de terror, saber menos é sempre mais interessante. Confesso que raramente leio sinopses de filmes com medo de descobrir detalhes antes de assistir ao filme. Assim, o que conheci de O Segredo da Cabana foi um belo poster que brincava com a ideia de uma cabana para montar, como um cubo mágico, e notícias afirmando que era uma produção recomendada para se assistir pela excelente história. Considerei o panorama atual do terror focando os grandes estúdios, indagando-me se seria mesmo um argumento tão interessante ou apenas um burburinhos de críticos tentando levantar um filme com má qualidade.
É difícil apresentar sua sinopse sem apresentar nenhum detalhe específico que estrague a diversão. Portanto, é necessário saber apenas que o filme é uma homenagem aos filmes de terror. Com grande apuro, Whedon revisita o conceito de terror, principalmente a vertente atual, e, ao mesmo tempo que compõe sua trama, estabelece uma homenagem crítica. Se tornando complicado catalogá-lo como um mero filme de terror, pois sua narrativa quebra este conceito diversas vezes, ainda que o medo prevaleça como sensação primordial.
A ambientação está presente, a maneira parcial de apresentar a história e com isso aterrorizar o público também. O diferencial é a potência da história implícita no meio assustador. Caminhando de segmento a segmento, o diretor realiza uma trama que tem sua história mas é, ao mesmo tempo, todas as histórias de terror. Não sendo exagero chamar esta excelente produção de um meta filme, dialogando com o próprio gênero.
Mais do que criar uma teoria sobre o gênero do terror, como algumas personagens de outros filmes fazem, Whedon coloca a própria teoria em prática, o que explica porque a produção conquistou tanto público. A maneira fluida que conseguiu encaixar a crítica, dentro da história de terror, completa o filme além produzir genuína tensão no público. E nos fazendo inferir que talvez o terror de hoje está esgotado e precise de renovação.
Infelizmente, a produção não será lançada nos cinemas brasileiros. Foi programada mas a Universal decidiu lançá-lo direto em home video em breve. Uma pena, pois produções de terror sempre tem boa recepção de bilheterias e uma história como essa mereceria ser vista na tela grande.