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  • Crítica | Independence Day: O Ressurgimento

    Crítica | Independence Day: O Ressurgimento

    Independence Day - O Ressurgimento - poster

    O diretor alemão Roland Emmerich tem um fascínio por destruição. Isso ele não esconde de ninguém, uma vez que virou especialista em blockbusters catastróficos de escala global. Emmerich já destruiu parte do mundo em Independence Day em uma invasão alienígena, destruiu Nova York em Godzilla, destruiu novamente parte do mundo com os problemas ambientais de O Dia Depois de Amanhã, destruiu o mundo em 2012, e mais timidamente, destruiu a Casa Branca em O Ataque. Ainda que o objetivo sempre seja o mesmo, podemos perceber que, ainda assim, o cineasta tem uma assinatura, pois, além de conseguir contar as mais diversas histórias dentro do apocalipse, sabe desenvolvê-las com muitos personagens distintos, com suas diversas histórias paralelas que se convergem com o assunto principal.

    Embora já tivesse no currículo dois filmes que hoje são aclamados pela cultura pop, Stargate – A Chave Para O Futuro da Humanidade e Soldado Universal, foi em Independence Day que Emmerich se firmou em Hollywood. Primeiro porque a divulgação do filme (totalmente diferente em 1996) foi certeira, mostrando ao público pôsteres de um gigantesco disco voador em cima de vários lugares espalhados pelo planeta, e no chocante trailer em que uma dessas naves destrói, sem precedentes, a Casa Branca. E segundo porque o filme, que não traz nada de especial tecnicamente falando (com exceção da parte da ação), de certa forma agradou ao público com sua história e desenvolvimentos forçados e – por que não -, bregas. Embora a primeira metade da década de 1990 tenha nos trazido filmes sensacionais, nenhum foi como Independence Day em termos de escala e, principalmente de gênero, ainda que a história e seu desenvolvimento sejam fracos.

    Todo mundo sabia que em algum momento a raça alienígena responsável pelo ataque ao planeta seria vingada. Com isso, os últimos 20 anos foram suficientes para que todas as nações se unissem e desenvolvessem em conjunto uma tecnologia híbrida de defesa que pudesse auxiliar o mundo. Vemos novos tipos de veículos, de armas, de naves, e os caças, que agora possuem a mais alta tecnologia de combate. A Terra, de fato, está bem protegida com várias bases remotas espalhadas pelos planetas do Sistema Solar, além de uma base com humanos na Lua. Fora isso, por toda a órbita do planeta existem canhões muito semelhantes aos canhões primários das naves do filme anterior, além de uma massiva defesa terrestre.

    Tudo começa a mudar quando as diversas pessoas que tiveram aquela experiência sensorial com os alienígenas começam a ter pesadelos e dores de cabeças recorrentes. Assim, somos reapresentados aos personagens do filme anterior, como o Presidente Whitmore (Bill Pullman); David Levinson (Jeff Goldblum) e seu divertido pai, Julius Levinson (Judd Hirsch); e Jasmine Hiller (Vivica A. Fox), ao mesmo tempo em que conhecemos o novo time de protagonistas que se junta aos outros, e também responsáveis pelas histórias paralelas. Patricia (Maika Monroe), a filha de Whitmore, agora adulta, é a assessora da Presidente Lanford (Sela Ward) e tem uma relação com um dos melhores pilotos do Esquadrão Legacy; Jake (Liam Hemsworth), sendo que seu maior rival é justamente Dylan Hiller (Jessie T. Usher), filho do Capitão Steven Hiller, vivido por Will Smith, tido hoje como uma lenda na história americana com uma importância superior a de Abraham Lincoln. Ainda completam o elenco Catherine Marceau (Charlotte Gainsburg), uma estudiosa da simbologia alienígena; e um conhecido dos fãs, Dr. Okum (Brent Spiner), que acorda de um coma depois de 20 anos e que tem uma relação bastante divertida com seu parceiro que engordou e ficou careca.

    Muito se reclamou da ausência de Will Smith que, segundo o próprio ator, estava comprometido com as filmagens de Esquadrão Suicida. Pelo que vemos durante o filme, é importante reconhecer o esforço de Emmerich em trazer de volta 95% de todo o elenco original. De qualquer forma, o Capitão Hiller está como se estivesse presente fisicamente, pois seu legado é lembrado durante todo o transcorrer da fita.

    Independence Day: O Ressurgimento segue os passos de Star Wars – O Despertar da Força, que emulou Episódio IV, e busca, com força, homenagear o filme original, trazendo consigo diversas semelhanças e referências, principalmente pelas situações envolvidas. Mas, por outro lado, é uma forma de não sair da zona de conforto. Aparentemente é um filme mais épico que seu antecessor, mas essa falsa sensação é causada apenas pela gigantesca nave que invade e pousa no planeta e que tem gravidade própria, Porém, é possível dizer com segurança que Emmerich ousou um pouco mais que J. J. Abrams, uma vez que é possível conhecer um pouco mais sobre a cultura alienígena, bem como a maneira como eles se organizam e quais são as suas reais intenções para com o nosso planeta. O que se descobre é que o nosso planeta é apenas um mero detalhe do que pode estar acontecendo no universo.

    Com esse conceito megalomaníaco, a história que era prevista pra ser filmada em duas partes, foi condensada em uma, deixando em aberto aquilo que pode ser (ou não) o início de uma nova franquia espacial. Mas, para isso acontecer, devemos esperar.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | A Vingança Está na Moda

    Crítica | A Vingança Está na Moda

    A Vingança Está na Moda

    Depois de quase uma década sem dirigir longas-metragens, Jocelyn Moorhouse retorna à condução no drama The Dressmaker, pessimamente traduzido para A Vingança Está na Moda, fato que faz vender o filme como se fosse uma comédia. O roteiro acompanha a chegada de Myrtle ‘Tilly’ Dunnage, vivida por Kate Winslet, que retorna a sua cidade natal na Austrália, um lugar desolado de distância mesmo entre as casas. A volta da protagonista é em grande estilo, e seu intuito logo fica evidente: provar aos seus antigos convivas que seus feitos foram muito além do que os camponeses julgavam.

    Tilly age como uma autêntica femme fatale, a despeito da idade de sua intérprete, que se vale exatamente de sua bela forma para perverter os ideais conservadores da comunidade rural, tirando a atenção até dos jogadores de rúgbi. Seu primeiro ato ao chegar no ponto de seu nascedouro é tentar arrumar os modos e vestimentas de sua mãe Molly (Judy Davis), fazendo do lar de sua infância a base para seu plano.

    A trama é atravessada por flashbacks, que mostram a personagem principal na infância, sendo maltratada por outras crianças, pelas mesmas que compõem o status quo do lugarejo, com referências inclusive a abuso sexual ainda quando criança e segregação tanto da vingadora quanto de sua mãe, com demonstração de conivência por parte dos vizinhos já adultos. Através de máquina de costura, Myrtle passa a vender a moda que a fez trabalhar quando estava em Melbourne estudando alta costura.

    A forma escolhida pela personagem para aproximação envolve troca de favores e cessão de trabalhos para os poderosos, mas Dunnage não os trata como os nobres que esta versão da classe média acha que é, mas ao contrário: é hostil mesmo prestando serviços de moda. Não há condescendência por parte de Tilly. A única pessoa que foge desse escopo de desprezo é Teddy McSwiney (Liam Hemsworth), que serve como uma das poucas alternativas à moral dentro da localidade, tendo por fim um destino trágico.

    A direção de Moorhouse varia entre a discrição e o glamour, acentuando a duplicidade da literatura de Rosalie Ham, tornando ainda mais importantes as questões familiares conflituosas entre mãe e filha e a cadeia de necessidade previamente estabelecido e pervertido próximo ao final. O tom agridoce valoriza ainda mais as viradas de destino presentes em A Vingança Está na Moda, fazendo dele um diferencial, ainda que moderado em meio a tantos filmes mornos dentro desse subgênero.

  • Crítica | Jogos Vorazes: A Esperança – O Final

    Crítica | Jogos Vorazes: A Esperança – O Final

    JV

    Repartida em duas partes, Jogos Vorazes: A Esperança – Parte 1 e Jogos Vorazes: A Esperança – O Final, a franquia segue a história de um mundo dividido em distritos, onde a Capital consagra-se em louros, luxo e riqueza e os demais distritos lutam por migalhas de uma vida. Na parte anterior iniciou-se a reorganização dos distritos contra a Capital, porém esta medida resulta em diversos atritos, fazendo com que estes se desliguem de seu inimigo em comum: o Presidente Snow (Donald Sutherland). Lideradas nos bastidores por Alma Coin (Julianne Moore) e Plutarch Heavensbee (Philip Seymour Hoffman), usa-se da propaganda e do poder do mito para estabelecer as motivações de um povo para alcançar sua liberdade.

    Katniss (Jennifer Lawrence) é este grande mito, criado inicialmente nos primeiros Jogos Vorazes, quando a Capital inseria crianças para se matarem em um jogo sangrento a fim de apaziguar os ânimos, e principalmente demonstrar a superioridade da Capital sobre os demais distritos. Propaganda, sede de sangue, mentiras, manipulação midiática e interesses escusos retratam com excelente aproximação o estado de nosso planeta, e não à toa é a franquia que melhor retrata nossos tempos para posterior registro histórico.

    Com o grande mérito de criar uma das sagas mais importantes cultural e comercialmente da história do cinema, a saga infanto-juvenil “Jogos Vorazes” traz consigo um conteúdo mais robusto do que seus pares no cinema, bem como um elenco de excelência capaz de traduzir o conteúdo político com a simplicidade e verdade necessárias. O destaque fica com Donald Sutherland e sua elegância: cinismo, bom humor e perigo iminente; e para Philip Seymour Hoffman, cuja falta foi duramente sentida principalmente ao final do terceiro ato.

    Coincidentemente ou não, é possível ver atualmente países europeus que por um lado flertam e negociam com príncipes sauditas, que por sua vez financiam grupos terroristas. Assim, diante do poder de choque de um atentado, a solução óbvia jamais é complicada. A solução óbvia é justamente enviar meninos e meninas para matar ou morrer em guerras ineficientes.

    Eis que surge um exemplo. O fenômeno chamado “Efeito Espectador” traduz a dificuldade de grupos sociais agirem em momento de ajuda quando solicitado, como uma espécie de sedação coletiva. Uma possível solução para isso, de acordo com o pesquisador Phillip Zimbardo, é justamente o poder que o herói detém sobre nós. O herói é o exemplo capaz de retirar a venda da sociedade e demonstrar o potencial de pessoas comuns frente a situações extraordinárias.

    Assim, Katniss é constantemente manipulada pela presidente Coin, ao usar de sua empatia natural para comunicar com o que há de mais honesto no povo. Katniss jamais tem o amparo e esperança que os Messias do cinema trazem consigo, tais como Luke Skywalker, mas sim a dificuldade e a tristeza de ter sua vida retirada de si até que estivesse numa situação onde agir seria a única solução. E é desta maneira que Katniss representa esta heroína incomum e inesperada, quase como quem tivesse de ser outra pessoa, e é assim que ela triunfa sobre os vetores de uma guerra política suja e incoerente. Por não ser uma personagem comum, toda a estrutura da saga segue um formato não-canônico, onde o clímax não se traduz na luta da heroína com seu nêmesis, mas sim na abertura para a complexidade do jogo político e o entendimento que o grande inimigo não é uma pessoa. É sob esta percepção que A Esperança: Parte 2 inverte o conceito de vitória e derrota quando, sob uma operação “bandeira falsa”, Katniss percebe que o verdadeiro retrato do fascismo não é uma caricatura de Hitler ou coisa que o valha, mas sim aquele capaz de tudo pelo bem comum, o “cidadão de bem”; aquele que fará tudo sob o pretexto de alcançar o melhor para todos, inclusive roubar a liberdade do povo, e que esta atitude não tem lado ou ideologia pré-determinada.

    Acusado, como seu capítulo anterior, de ser muito lento para a audiência com déficit de atenção, a conclusão da saga de Katniss como a heroína de um novo tempo parece inadequada em seu formato. Realmente a direção tem seus momentos de dificuldades, o clima é soturno e desamparado, quase sem momentos de alívio, o conteúdo é mal dimensionado e poderia valer-se do incrível elenco para trazer mais impacto à história que ocorre de maneira lenta — E eventualmente simplesmente não progride — mas é com certeza um fechamento muito digno para a saga, que apesar de não ter conseguido alcançar a excelência técnica em seus capítulos, é com certeza um dos materiais mais ricos da cultura pop atual ao fazer emergir temas tão atuais e de difícil digestão.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | Jogos Vorazes: A Esperança – Parte 1

    Crítica | Jogos Vorazes: A Esperança – Parte 1

    A já estabelecida franquia de Hollywood (e com uma legião de fãs) Jogos Vorazes retorna em 2014 aos cinemas do mundo com a primeira parte da adaptação do terceiro livro da série, usando uma tática atualmente cada vez mais comum da indústria, que é a de aproveitar-se de filões lucrativos por mais tempo em detrimento dos elementos criativos da história.

    Jogos Vorazes: A Esperança – Parte 1 mantém os protagonistas de Jogos Vorazes e Jogos Vorazes: Em Chamas e dá continuidade a suas histórias. Katniss Everdeen (Jennifer Lawrence) luta consigo mesma para conseguir superar os problemas emocionais decorrentes de tamanha pressão pelas escolhas da personagem, e também incumbidas a ela após ter sido salva pelos rebeldes. O amigo de seu distrito natal, Gale Hawthorne (Liam Hemsworth), volta a ter participação ativa ao se juntar à rebelião do Distrito 13. Peeta Mellark (Josh Hutcherson) está nas mãos da Capital. Plutarch Heavensbee (Philip Seymour Hoffman) e Haymitch Abernathy (Woody Harrelson), junto com Effie Trinket (Elizabeth Banks), agora abandonaram completamente a vida na Capital e se dedicam exclusivamente à rebelião do Distrito 13, comandada pela Presidente Alma Coin (Julianne Moore).

    O filme se inicia logo após os eventos finais do anterior, quando Katniss é resgatada da arena dos Jogos, onde estava pela segunda vez. Após atirar a flecha em claro desafio contra a Capital, várias insurreições em diversos Distritos começam a surgir, sendo severamente reprimidos pelo presidente Snow (Donald Sutherland). A rebelião quer usar Katniss como símbolo para aumentar a adesão de pessoas ao exército rebelde e fortalecer a luta enquanto ela ainda existe. Enquanto isso, a Capital luta para apagar os focos de revoltas e manter seu poder intocado.

    A dinâmica entre os distritos e a Capital então sofre uma alteração significativa, pois não são meramente espectadores passando a ter algum grau de protagonismo em suas vidas, seja para decidir aderir à luta ou ignorá-la. Porém, o que falta dentro dessa dinâmica é justamente caracterizar melhor quem são estes distritos e as pessoas que os compõem e por que elas haveriam de largar suas vidas para aderir a uma rebelião, ou mesmo como essa rebelião se configurou em cada distrito e com cada líder local. Já que houve a opção pela divisão em dois filmes, havia espaço para problematizar ao menos um pouco desta história. Ao focar somente os protagonistas, a “revolução” parece não ter corpo o suficiente, sendo movida apenas por meio de escritórios.

    As referências a eventos ocorridos na história da humanidade, em especial às revoluções de esquerda, são também muito claras. Desde trabalhadores braçais pobres com roupas sujas andando em fila e forçados a trabalhar, mas que se revoltam contra o “sistema”, até os dirigentes revolucionários frios e calculistas, que fazem tudo pelo bem do povo sem consultá-lo. O uso dessas imagens torna a compreensão do espectador clara de que se trata de uma luta do bem contra o mal, dos explorados contra exploradores, uma reprodução essencialmente fiel do conceito de “luta de classes” de Karl Marx, mas, assim como os filmes anteriores, sem a profundidade mínima para entender de onde vêm aquela revolta e os recursos humanos e materiais para mantê-la contra uma Capital tão poderosa.

    É clara também a referência aos pobres daqueles distritos, onde alguns são mostrados parecendo-se com escravos negros do sul dos EUA, enquanto outros, em um hospital visitado por Katniss, assemelham-se a pessoas inseridas em contextos de países da África enfrentando crises humanitárias. É literalmente jogado na cara do espectador médio o imaginário clássico da pobreza, sem muita problematização.

    Um dos eventos chave do filme, a explosão de uma usina hidrelétrica que abastece a Capital, sofre justamente essa falta de embasamento. Como os rebeldes chegaram ali? Uma usina estaria tão insegura? Como conseguiram os explosivos? Quem os montou? Quem treinou esses trabalhadores pobres e super explorados em táticas de guerrilha? Não sabemos. E fica por isso mesmo.

    Porém, o principal defeito do filme é o excesso de espaço que a fragilidade emocional de Katniss toma em tela. A cada momento, nos deparamos com algum evento em que ela muda de ideia sobre participar da revolução, e essa repetição se torna cansativa. Essa constante alternância entre a personagem forte, líder de uma revolução, e uma jovem confusa teria seu propósito caso fosse direcionada a algo específico, e não acontecendo a cada hora.

    Com tantos problemas, Jogos Vorazes: A Esperança – Parte 1 talvez não conseguiria empolgar, porém acerta em muitos pontos. Ele consegue lidar bem com as cenas de ação e as transições entre as histórias, que em momento algum ficam confusas. A tensão das cenas finais é bem construída, assim como as surpresas de roteiro ali encaixadas. A constante utilização dos meios de comunicação como propaganda em um contexto de guerra é muito bem explorada, no sentido de mostrar como as ideias das pessoas podem ser manipuladas de acordo com o conjunto correto de sons e imagens, levando-as a acreditar em A ou B.

    A semelhança com os reality shows dos primeiros filmes dessa vez é afastada, dando lugar a um estilo utilizado em coberturas jornalísticas de frontes de guerra, que se iniciaram no Vietnã, mas que se tornaram, hoje em dia, muito comuns. Assim, cotidianamente o mundo “desenvolvido”, enquanto está jantando e vendo televisão, assiste a pessoas se matando nos locais mais remotos do planeta, sem o menor problema.

    O principal defeito do filme reside justamente na escolha de dividi-lo em duas partes, em que ao mesmo tempo que se esticam cenas desnecessárias, encerram-se, no final do filme, situações de forma abrupta, contando com a promessa de que espectador vá ver a última parte daqui a um ano. Nos resta esperar que o desfecho da história seja um pouco mais honesto consigo mesmo em relação às expectativas criadas, mas – principalmente – com o espectador.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Jogos Vorazes: Em Chamas

    Crítica | Jogos Vorazes: Em Chamas

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    Após o enorme sucesso do primeiro filme da franquia Jogos Vorazes, de 2012, temos em 2013 a sequência que dá continuidade à história de Katniss Everdeen (Jennifer Lawrence) e o planeta Terra em um futuro distópico. Após vencerem a edição anterior desafiando as regras do jogo, Katniss e Peeta Mellark (Josh Hutcherson) tentam viver o dia a dia conciliando a fama recém adquirida (e as vantagens dentro da sociedade que ela trouxe) e o incômodo de estarem servindo à propagação de um modelo de sociedade que consideram injusto.

    Não é segredo que a franquia Jogos Vorazes é um misturado de influências ocidentais e orientais, que passam desde a sociedade do espetáculo e seus reality shows até os gladiadores romanos, assim como influências da cultura pop como Battle Royale e Fahrenheit 451. Também não é segredo que o livro é mais um dos tantos voltados para o público infantojuvenil, “voraz” consumidor do gênero desde que Harry Potter criou esse filão e Crepúsculo consolidou. Porém, o que difere Jogos Vorazes dos dois anteriores é justamente a profundidade da história e o contexto político e social ali inseridos, que podem levar o jovem de hoje a questionar algumas das estruturas existentes na sociedade moderna.

    Voltando ao filme, os administradores da Capital (talvez uma relação com “O” capital) percebem o potencial revolucionário de Katniss e tentam eliminá-la de forma a não deixar que ela vire um ícone, pois revoltas começam a se espalhar, gerando uma inquietação de que os Jogos deveriam servir para camuflar, bem ao estilo “pão e circo” romano, função que a TV realiza atualmente. A protagonista, que não percebe o que se passa a seu redor, tenta ao máximo proteger sua família fazendo o que a Capital demanda, servindo de vitrine e posando frente a plateias famintas e sujas que agora não mais aplaudem esse espetáculo vazio, e quando não mais compra essa fantasia, tem como troco a repressão, em guardas cujas roupas remetem também aos Stormtroopers do Império de Star Wars. Ou seja, a alusão é clara: Ou você se submete, ou será punido.

     Após uma tentativa de acabar com o ícone dos revoltosos, a Capital subverte as regras e manda diversos vencedores para uma edição especial dos Jogos onde tentam matá-la. Porém, a conspiração contra a sociedade de Panem já é tão grande (um dos pontos fracos do filme, por justamente parecer que é fácil montar uma revolução e se infiltrar nos altos quadros governamentais em uma sociedade totalitária) que os Jogos são interrompidos para se começar efetivamente a luta contra esse modelo de sociedade.

    Flertando com conceitos históricos sedutores, como “revolução” e a clássica luta do oprimido x opressor ao molde “Davi e Golias”, Jogos Vorazes recicla de maneira inteligente e compreensível a velha luta pela liberdade e pelo pão dos trabalhadores contra um sistema violento. Porém, ao tratar tudo isso de maneira romântica e um tanto quanto apolítica, o filme perde em mostrar justamente ao seu público a importância do debate político para se construir alternativas ao modelo de sociedade vigente, e que nada vem de uma nave salvadora com revolucionários já prontos, e sim que eles são construídos no dia a dia, aproveitando oportunidades que aparecem. Nesse aspecto, falta uma construção maior do personagem Plutarch Heavensbee (Philip Seymour Hoffman), não necessariamente de sua construção intelectual, mas de como ele chegou tão perto do poder, conseguindo enganar tanta gente por tanto tempo.

    Porém, um dos pontos fortes do filme, além do contexto político, é também ter como protagonista forte uma mulher que não depende de nenhum homem para salvá-la, e que faz seu próprio destino. Também coloca Peeta como um homem coadjuvante e inverte papéis clássicos de gêneros ao colocá-lo como filho do padeiro que faz docinhos, evidenciando esse preconceito em um diálogo de Katniss com o presidente, que experimenta um desses doces e pergunta se foi sua mãe quem fez, quando na verdade foi Peeta. Como a questão de gênero é um tabu grande inclusive dentro da esquerda revolucionária clássica, Jogos Vorazes contribui com a desmistificação e quebra de valores preestabelecidos dos gêneros dentro dos filmes de Hollywood, ao contrário do que faz, por exemplo, a saga “Crepúsculo”, em que a protagonista tem como maior problema existencial a quem será submissa, e não garantir o sustento da família. Da mesma forma, Gale Hawthorne (Liam Hemsworth) não é o salvador, apesar de fazer o tipo. Também foi interessante a escolha de Jeffrey Wright como Beetee, ou seja, um ator negro interpretando um gênio, fugindo totalmente dos clássicos estereótipos do cinema, tanto que alguns fãs da franquia chegaram a chiar, já que, nos livros, Beetee, ao contrário de Rue, não é descrito como negro. Ou seja, aquele racismo velado do público dito “nerd”, branco, de classe média aparece, o que pode suscitar debates interessantes.

    Como mostra a bilheteria e os livros vendidos, Jogos Vorazes é um sucesso dentre um público por vezes considerado alienado e que dispensa assuntos ditos “sérios”. Vivemos em uma época em que até mesmo esses assuntos precisam ser introduzidos aos jovens na forma de um sucesso de Hollywood, em vez de um livro velho e chato de Lênin que nunca abririam. Isso por si só mostra a dificuldade de se romper com essas barreiras em uma sociedade “livre” como a nossa, quanto mais na retratada no filme. Porém, a franquia talvez sirva como pontapé inicial para muitos jovens terem seu contato, da forma que conseguimos hoje, com algo além da massificação alienante da mídia e da indústria cultural.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.