Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira | @flaviopvieira) e Mario Abbade (@marioabbade) se reúnem para comentar sobre o encerramento da era Daniel Craig como James Bond nos cinemas. Quais foram os pontos altos e baixos, as polêmicas e o futuro da franquia.
Duração: 74 min.
Edição: Flávio Vieira Trilha Sonora: Flávio Vieira
Arte do Banner: Bruno Gaspar
Desde Homem de Ferro 2, Scarlett Johansson prometia protagonizar um filme solo de sua personagem no universo Marvel. Na época, não se imaginava que isso só ocorreria mais de dez anos depois e, após diversos adiamentos agravados por uma pandemia, Viúva Negra estreou com algumas “estranhas” responsabilidades.
O longa de Cate Shortland tenta não só fazer jus a uma personagem querida do público, mas faz isso após ter seu fim mostrado em Vingadores: Ultimato. Além disso, ainda tem de pavimentar a passagem de bastão para o legado da personagem, apresentando a figura de Yelena de Florence Pugh.
A história possui algumas linhas temporais distintas. A primeira mostra a pequena Natasha Romanoff vivendo com uma família soviética, no estado de Ohio nos anos noventa, que finge ser um ajuntamento suburbano estadunidense. A segunda avança mais de vinte anos no futuro, brincando com elementos de filmes de espião, mexendo com crianças cobaias, abusos experimentais com mulheres, com direito a misturas de referencias bem diversas, como Stalker de Andrei Tarkovski e o filme galhofa de James Bond: 007: Contra o Foguete da Morte.
De positivo, há a utilização do vilão O Treinador que lembra um metal hero de tokusatsu. O visual arrojado é certamente um dos maiores acertos do filme, embora a historia de seu passado seja terrível. Esse, aliás, é uma produção que imita bem os maiores defeitos da Formula Marvel de fazer filme pós Kevin Feige. Possui atores famosos como antagonistas, completamente desperdiçados, como foi Jeff Daniels em Homem de Ferro ou Tim Roth em O Incrível Hulk. Aqui tanto Olga Kurylenko quanto Ray Winstone não são bem explorados mesmo quando tem tempo de tela.
Outro ponto positivo é o núcleo familiar que permite que David Harbour, Rachel Weisz, Pugh e Johansson convivam juntos. As partes divertidas são resultantes da inteiração entre eles, com discussões pontuais a respeito da abusiva rotina de quem tinha que fingir ser quem não era. Fora essa questão, o roteiro é raso. Não muito por conta de uma visão estereotipada dos soviéticos (que até existe, mas é tão inócua quanto a ausência de crítica ao nazismo em Capitão América: O Primeiro Vingador). Quem tinha expectativa de assistir algo no estilo Capitão América: O Soldado Invernal certamente se frustrou, pois mesmo nos momentos que exploram questões típicas de teoria da conspiração a trama não surpreende, talvez porque o mundo pós pandemia de Covid 19 é tão estranho que eventos de estranheza fictícia já não causam mais tanto choque.
As cenas de ação perdem força gradativamente ao longo da exibição. Até em Falcão e Soldado Invernal as cenas de luta são melhor pensadas. Não se teme pela vida de praticamente nenhum personagem, e isso compromete demais a crença na trama. Tudo é apressado e Viúva Negra parece um filme tardio, sem importância e imponência, deslocado demais do restante do universo Marvel recente. Assisti-lo após saber o fim de Natasha também não ajuda, e mesmo os temas importantes e as críticas políticas se diluem. Se o filme tivesse sido lançado nas Fases 2 ou 3 do universo Marvel, talvez se encaixasse melhor. No final, se destaca o bom desempenho de Pugh, carismática e com presença, mas em uma situação bastante distante de um hit da Marvel.
Johnny English 3.0 mostra um novo retorno do personagem satírico de Rowan Atkinson, em um exercício engraçado e despretensioso nesse terceiro capítulo. Mais uma vez a nação britânica está em perigo e novamente o espião é chamado à ativa, por conta da ação de um hacker que revela a identidade de todos os agentes secretos da ativa. Por conta disso, o serviço secreto fictício do MI 7 chama seus homens de confiança aposentados, e English curiosamente é o mais novo e mais estabanado dentre os veteranos.
Há claramente uma evolução no quadro do personagem, Johnny se torna professor primário e ensina às crianças técnicas de super espiões ao invés de aulas comuns. Elas desarmam bombas, brincam com disfarces, fogem da sala por meio de cordas, ou seja, o roteiro de William Davies deixa claro que a ideia é deixar um legado para as novas gerações, estabelecendo como preferencial o comportamento Old School, fortalecido por todo o aparato que ronda English, já que por se tratar de um vilão que rouba dados via internet, toda a ação do filme precisa ser analógica e não tecnológica, dando assim uma bela desculpa para as piadas físicas.
David Kerr está mais acostumado a fazer televisão e por incrível que pareça isso é um ponto a favor do longa, pois a maior parte dos elementos cômicos se equilibram como nos shows de comédia sitcom, sem deixar de lado uma trama um pouco mais séria. O comportamento meio tonto de Atkinson é só um dos elementos engraçados, não é o único e essa é outra força da obra. Isso facilita simpatizar pelo filme, é fato que as cenas sem o protagonista não são tão legais quanto as que ele está, mas a exploração humorística não é tão forçada.
A volta à ação varia em tons de glória e discrição, e aqui os personagens periféricos parecem mais realistas, levando em conta obviamente toda a parte fantástica que envolve a mitologia do personagem de paródia. Olga Kurylenko e Emma Thompson embarcam no humor rasgado e funcionam como escada para alguns momentos memoráveis de Atkinson. A dinâmica que ele estabelece com o elenco é ainda melhor construída que o visto em O Retorno de Johnny English, quando tinha Rosamund Pike e Gillian Anderson, ou seja, o que já era legal cresce aqui.
Johnny English 3.0 é mais elaborado que o primeiro e se leva menos a sério q o segundo, sendo o mais equilibrado da trilogia, quase maduro apesar de conter os números de comédia típicos da carreira e filmografia de Atkinson. Tudo isso resulta numa comédia bem feita e que brinca com os clichês de Missão: Impossível – Efeito Fallout, Agente da U.n.c.l.e. e com o Bond de Craig, sobretudo Skyfalle Spectre, embora seu tom fuja de qualquer crítica social mais sisuda.
Lançado em 2017, ano do centenário da Revolução Russa, A Morte de Stalin é uma comédia, comandada por Armando Iannucci que mostra os últimos dias do político que governou a URSS após a morte de Vladimir Lênin. Curiosamente parte da premissa lembra a de A Queda, filme que mostra os últimos momentos de Adolf Hitler, outra das principais lideranças nacionais da Segunda Guerra Mundial.
Iannucci já havia feito um comentário jocoso parecido em um filme antigo seu, Conversa Truncada, onde ele traz uma história em que Estados Unidos e Inglaterra tem um conflito muito alardeado pela imprensa americana. Depois disso, ele foi um dos principais diretores da comédia política Veep, protagonizada por Julia Louis-Dreyfus. A questão é que neste novo empreendimento há uma necessidade de em absolutamente qualquer momento desdenhar das figuras que compuseram a vida política soviética em alto escalão
Essa sensação de deboche puro e simples ocorre com um elenco de peso, formado por Olga Kurylenko, Jeffrey Tambor, Steve Buscemi, Tom Brooke, Jason Isaacs, etc. Algumas das piadas funcionam muito bem, com um bocado de influência do humor britânico, como por exemplo quando um dos subalternos de Josef Stalin (Adrian McLoughlin) tenta passar informações através de uma pasta por uma janela, de maneira pitoresca e atrapalhada, mas em outro, pouco tempo depois, se faz piadas escatológicas, com urina. Além disso, os que envolvem Stalin são retratados como homens idiotas, em uma abordagem parecida com a que Seth Rogen e Evan Goldberg fizeram em A Entrevista.
Em determinado ponto se percebe que não há interesse em se discutir quaisquer caminhos ou meandros políticos soviéticos, e sim fazer graça com os personagens famosos do regime, normalmente com comportamentos estereotipados gratuitamente, em eventos que não tem muita graça. É como se esse fosse uma esquete de Monty Python onde os filósofos gregos jogam futebol, mas sem qualquer ironia mais inteligente ou comentário político minimamente embasado. O comentário social é tão distante do real que se dilui demais, quase ao ponto de não fazer qualquer sentido na direção de uma comparação entre realidade e ficção.
O filme, baseado no quadrinho homônimo de Fabien Nury e Thierry Robin não acerta muito em seu humor, uma vez que faz pouco rir e também causa pouca ou nenhuma reflexão sobre os personagens analisados, ao contrário, soam como uma comédia vazia e sem discussões inteligentes.
Giuseppe Tornatore volta aos cinemas com um filme que transita entre as alegorias das artes cênicas, englobando o teatro e o próprio cinema, e a instantaneidade dos diálogos frios, vazios e efêmeros das plataformas de comunicação à distância.
Em Lembranças de Um Amor Eterno, Tornatore nos apresenta, logo em sua primeira cena, um casal apaixonado – talvez exageradamente apaixonado. É bastante visível aqui a tentativa de elevar a intensidade dessa relação à enésima potência. Algo que nos situa no exagero que dá a tônica do filme, mas também nos faz questionar a autenticidade de tal relação. Existe uma atmosfera de eternidade muito frágil no que tange o par romântico, bastante explicitada por um roteiro inconstante e inconsistente. Roteiro, aliás, assinado pelo próprio diretor, que apresenta com um didatismo por vezes exagerado a dinâmica do filme.
Ed Phoerum, interpretado com alguma elegância por Jeremy Irons, mantém uma relação remota com a estudante Amy Ryan. Os dois se comunicam através de cartas e vídeos e mantém esse diálogo seriado mesmo após a morte do professor. Se a primeira vista o roteiro parece presunçoso, escapista e onírico, ele se desenvolve exatamente dessa maneira. São poucas as sequências que empolgam o espectador a passar mais tempo se dedicando ao entendimento da fita. Olga Kurylenko, no papel de Amy, passa pouca ou nenhuma credibilidade quanto as sensações que o roteiro tenta imprimir à personagem.
O filme esbarra ainda em algumas limitações de enredo. Embora as subtramas do casal, como os seus contextos familiares, por exemplo, apresentem um novo ar para uma história segmentada, pouco material é oferecido para que o público efetivamente se importe com o que se desenrola na tela.
A nuance experimental empregada em algumas sequências protagonizadas por Amy conferem novidade e autenticidade à produção. Geram também a dúvida sobre os motivos que levaram Tornatore a não explorar uma linguagem mais fresh ao longo de toda a trama. Como também assina o roteiro, o diretor tinha total liberdade para conduzir o longa para a direção que bem entendesse. No fim das contas, escolheu mal. Lembranças de um Amor Eterno é um filme com pouco a oferecer e menos ainda a impressionar.
Certos filmes entram em circuito sem alarde e assim continuam por muito tempo, sendo descobertos por pouquíssimos espectadores. Um Dia Perfeito, do diretor Fernando León de Aranoa, apesar de ter sido aplaudido durante dez minutos em Cannes, no ano de 2015, parece ter sido esquecido pelo grande público e por uma parcela considerável da crítica. Uma pena.
O longa de Aranoa é uma adaptação do romance Dejarse Llover (ainda sem tradução), de Paula Farias, baseado em suas histórias enquanto trabalhou junto à ONG Médico Sem Fronteiras (no filme chamado de Aid Cross Borders) e ambientado nos Balcãs, próximo do fim do conflito da Bósnia, no ano de 1995. O foco narrativo apresenta um grupo de trabalhadores ligado à ONG mencionada, que tem por objetivo agir como um ator externo que procura dar ajuda humanitária aos sobreviventes de conflitos bélicos, desastres naturais e mazelas sociais. Como costuma ocorrer com o Médico Sem Fronteiras, a atuação ligada à ONU lhe dá uma autonomia relativa.
Assim, somos apresentados ao grupo liderado por Mambrú (Benício Del Toro), o experiente B (Tim Robbins), a novata Sophie (Melanie Thierry) e o intérprete Damir (Fedja Stukan) se envolvendo em uma missão aparentemente simples: retirar um cadáver de dentro de um poço o mais rápido possível, para evitar o apodrecimento do corpo e a contaminação total da água, o que impediria os moradores locais de utilizar uma das poucas fontes hídricas da região. Na sequência que abre o filme, acompanhamos a tentativa frustrada de retirar o cadáver do poço utilizando uma corda, a única que possuem, e que se rompe, demonstrando que a missão da equipe será muito mais complicada do que se parece. Uma metáfora contundente sobre a situação local, onde o caos e a violência parecem manter uma influência permanente, apesar do fim do conflito e o início das tratativas para os termos do acordo de paz.
O longa se desenrola na tentativa do grupo de descontaminar um dos únicos poços da região, e assim acompanhamos o roteiro afiado, sarcástico e repleto de humor negro de Aranoa em parceria com Diego Farias. Repleto de situações absurdas, seja por parte da burocracia e falta de interesse da ONU em recuperar o corpo do local, como também das tentativas do grupo em encontrar uma corda grande e forte o suficiente para sua tarefa.
O elenco se mostra mais do que acertado, até mesmo na questão multicultural típica do grupos de ajuda humanitárias que reúnem profissionais de todo o mundo. Representado em cena pelos atores mencionados além de Olga Kurylenko, como Katya, e de Eldar Residovic, interpretando Nikola, um garoto local impactado pela guerra e que cruza o caminho do grupo. A química entre os atores é fluída e a interação entre eles não se resume a performances individuais mas a todo o elenco, com o destaque necessário ao sarcasmo melancólico de Del Toro, o humor negro de Robbins e a ingenuidade de Thierry.
A direção de Aranoa é concisa e econômica, encontrando uma zona de conversão entre o drama e o humor, e ainda demonstrando a guerra em sua face mais perversa, individualista e excludente do ser humano e do sistema econômico que vivemos, deixando claro que mesmo os mais simples problemas parecem impossíveis de serem resolvidos. Curioso notar que a trama gira em torno de uma busca por uma corda, algo que pode representar uma metáfora entre a união, tanto dos locais, como até mesmo dos grupos estrangeiros dispostos a ajuda-los mas que, no fim se afundam em burocracias sem sentido.
Um Dia Perfeito une um grande trabalho de direção, fotografia e elenco num roteiro tragicômico afiado repleto de camadas sobre as tristezas e barbaridades de uma guerra, um paralelo com suas personagens que abandonam suas vidas, laços emocionais e familiares por um pouco de esperança no mundo. Uma visão dura e compassiva das dificuldades e recompensas da vida.
Baseado na lucrativa franquia de video-games, Hitman – Assassino 47 resgata temas clichês como clonagem, máquinas humanas de matar e, claro, muita violência, na primeira tentativa de adaptar para o cinema o papel do Agente 47, executado por Timothy Olyphant, que se dedica de modo muito esmerado ao papel do matador de aluguel geneticamente modificado, que faz lembrar o modus operandi de um James Bond genérico com doses cavalares de violência.
A direção de Xavier Gens garante boas cenas de ação, emulando os melhores momentos dos filmes oitentistas de brucutus, sofisticando claramente sua estética para algo que funcione melhor para as novas plateias. No entanto, a bela urdição dá lugar a momentos de execução irreais e genéricos, especialmente quando 47 pisa em solo estrangeiro. As ações do assassino junto a máfia fazem com que fique no encalço de Mike Whitier, vivido por Dougray Scott, o vilão de Missão Impossível 2, ligado aos altos patamares de criminalidade na Europa.
O diretor não consegue conduzir seu filme sem lançar mão de maneirismos enfadonhos, com cortes secos que fazem lembrar os enquadramentos de video game, mas que ficam risíveis em uma tela grande de cinema. Como deleite para o público masculino, há a apresentação da personagem Nika Boronina, da estreante em filmes norte americanos Olga Kurylenko, antes até de ser uma bond girl. Sua personagem é uma mulher forçada a se prostituir, possuindo em si a premissa mais séria e adulta do roteiro simplista de Skip Woods.
A discussão relacionada à identidade, fomentada pelo embate dos agentes “gêmeos”, que deveria ter um cunho de contestação falha, por se tornar apenas mais um momento de adrenalina genérico sequer empolga o espectador como deveria. As batalhas pelas quais o assassino passa fazem dele insensível, mesmo a nudez sedutora de Kurylenko, o que faz perguntar quais são os limites de concentração do protagonista, focado somente no que deve fazer, alheio às situações mundanas e corriqueiras.
A tentativa de humanizar o anti-herói soa esdrúxula e ridícula. A repercussão dos pensamentos culposos que sofre não causa qualquer pesar no espectador que assiste às desventuras do matador, graças ao fraco argumento que não gasta tempo algum construindo uma atmosfera de reflexão, não despertando curiosidade, em quem assiste, sobre a origem do homem misterioso, dando nenhuma importância para o que ele julga ser importante, piorando demais ao retratar o cuidado que o personagem-título tem com sua pretensa amada. Hitman: Assassino 47 não diverte, tampouco faz seu público pensar, pelo contrário, só faz repetir porcamente poucas coisas positivas do game.
A ficção é capaz de produzir excelentes narrativas. Mas a realidade fornece bases para muitas histórias e, comumente, a frase “baseado em fatos reais” transforma filmes em objetos maiores, como se afirmar a veracidade de um fato causasse maior força na trama.
Russell Crowe demonstra apreço nas histórias reais ao estrear na cadeira de diretor nesta produção que retorna à Galípoli, em 1919, para apresentar a história de um pai, interpretado por Crowe, à procura de seus filhos perdidos durante a batalha.
Parte das batalhas da Primeira Guerra Mundial, a Campanha de Galípoli foi uma das mais caras e trágicas da guerra. Em uma tentativa de invasão da Turquia por parte dos aliados, houve um alto número de baixas de ambos os lados, além de falharem na missão de invasão do estreito de Dardanelos. Boa parte do grupo dos aliados era formado por australianos e neozelandeses, que ficaram desconfortáveis com a liderança das tropas britânicas após o feito.
Anos após esta batalha, Joshua e sua esposa ainda vivem a amargura de não saber ao certo o destino dos filhos. Após o suicídio da esposa, o homem mantém a promessa feita à mulher e parte para a Turquia para encontrar os filhos e enterrá-los no mesmo local da mãe.
A premissa parte desta promessa como um último ato de amor. Uma dor que reacende o luto no coração da personagem, que busca honrar o amor de uma mãe que nunca superou a perda de seus três filhos queridos.
Na Turquia, tratado como um estranho em meio a um país que luta pela saída dos britânicos de seu território, o pai é impedido de adentrar oficialmente o local da batalha mas, devido a sua insistência, um dos tenentes acolhe-o para uma expedição que busca encontrar as baixas britânicas anônimas no local. A trama se torna uma representação dos diversos núcleos familiares que foram desintegrados por conta da guerra, e ainda permanecem abalados pela falta de informação sobre seus entes queridos.
O roteiro de Andrew Knight e Andrew Anastasios focaliza a procura incessante do pai que nada mais tem a perder em sua vida devido à devastação causada pelo belicismo. Concentrar-se em sua história retira parte do drama comovente da guerra, ainda que poucas cenas demonstrem o absurdo e o horror existentes nestas batalhas.
A estreia de Crowe na direção foi suficiente para lhe garantir o prêmio de Melhor Filme na AACTA, a Associação de Filmes Australianos. Porém, não há nenhuma característica ímpar em sua direção que demonstre um talento nato escondido até então. Sua primeira obra é consistente como um drama, mas não ultrapassa nenhuma barreira além de um filme correto que explora uma história real, narrada pela força dramática diante de um período sempre relembrado e retomado por diversas películas mundiais.
A experiência acumulada após muitos anos de trabalho de campo conferem a Peter Deveraux, um afastado agente da CIA, a qualidade de ser o espécime perfeito para o drama mostrado em November Man – Um Espião Nunca Morre. A sensação de deja-vu causado pela figura de Pierce Brosnan insere o público de modo quase automático, apesar de trazer ecos desnecessários para a fita, em sensações que deveriam ficar bastante distantes dos dias em que o ator vivia James Bond. O estigma segue o britânico, apesar de seus outros dotes dramatúrgicos.
Peter é escalado para realizar uma difícil tarefa, que envolve um antigo pupilo seu, ao mesmo tempo em que resgata o medo vivido na época da Guerra Fria, mas igualmente atual, especialmente se pensar na situação da Ucrânia e Donetsk. Aos poucos, os reais desígnios de Devereaux são revelados, envolvendo a figura máxima no estado de poder russo, rememorando os tempos quando 007 era vivido por Sean Connery e Roger Moore.
Acostumado a trabalhar com filmes de ação dos mais genéricos e contendo alguns pequenos clássicos no currículo (A Experiência e A Fuga), Roger Donaldson executa uma fita que lembra alguns dos aspectos de cenário e fotografia de Paul Greengrass, claro, sem a câmera na mão que lhe era peculiar, mas com uma crueza bastante semelhante nas cenas de perseguição cuja iluminação estourada faz perder qualquer traço de boa comparação com a trilogia Bourne.
Outra semelhança notável é o uso da ultra tecnologia, que faria inveja a quaisquer inventos de M. O início do filme faz pensar como seria uma aventura de Bond se fosse conduzido por um diretor “modernoso”, como Luc Besson ou por um alguém mais genérico e com menos talento, como Stephen Sommers.
O roteiro logo trata de conduzir o público a uma vingança pessoal, assassinando uma pessoa querida ao protagonista, que assiste incólume aos seus antigos mandatários deixarem sua funcionária perecer, somente por questionar suas ordens. O grupo de conspiradores se mostra desunido e sem a certeza de quais seriam seus alvos, tampouco havia clarividência de quais seriam os aliados seguros e Mason (Luke Bracey) era o que mais dava mostras dessa incerteza. Este aspecto reforça a ideia de remitência a Guerra Fria, um complicado período onde até a sombra de um homem poderia lhe fazer mal.
A impressão de que November Man é uma colcha de retalhos, que repete alguns dos bons elementos dos filmes de espionagem recentes só aumenta no decorrer da sua exibição. No entanto, o marasmo pertence a metade de sua extensa duração. A tentativa de quebra de monotonia é levada por um embate entre mentor e discípulo, que até guarda momentos de violência que não chegam a ser nem extremos, nem de qualidade indiscutível. As sequências de ação, que deveriam ser um ponto alto são executadas de modo preguiçoso e engessado, um pouco graças a avançada idade de Brosnan, muito piorada pela equivocada direção de Donaldson, que não consegue esconder sequer os defeitos de seu astro principal.
Nem mesmo a exploração da beleza de Olga Kurylenko é bem executada, tampouco sua intricada e trágica tradução é bem orquestrada ou aproveitada. As soluções do roteiro no último ato são infantis e tão enfadonhas quanto o meio do filme, não acerta nem sob a ótica escapista e nem pela realista. Vingança, reunião de almas aflitas e a sobrevivência dos heróis – tudo isto é completamente banalizado pela fraca abordagem dada ao filme, por seu caráter de remendo mal feito e de prato servido de modo insosso.
A filmografia de Terrence Malick prima por uma caraterização visual ímpar, na maioria das vezes com poucos diálogos e recheada de imagens belas, oníricas, grandiosas e magnânimas. Foi assim em seu Árvore da Vida – vencedor da Palma de Ouro em Cannes, em 2011 – em que o realizador usa imagens de uma Natureza exuberante para apequenar o homem diante do Divino. Em Amor Pleno, Malick se usa dessa técnica novamente, mas muda a ótica e o enfoque.
To The Wonder pode gerar inúmeras interpretações, até por seu caráter pouco comercial. Não segue os padrões hollywoodianos, mas ainda assim é bem mais palatável ao espectador pouco acostumado do que o seu anterior. Um de seus focos é nas relações entre os personagens, principalmente o amor e como a vida é construída baseada nesse sentimento.
A relação entre Marina – feita pela inexoravelmente apaixonante Olga Kurylenko – e Neil – com um Ben Affleck muito comedido – passar por quase todos os estágios da Perspectiva da Morte, como negação, isolamento, raiva, depressão, o que faz muito sentido principalmente quando se analisa o papel de Marina. O passado da protagonista não é mostrado ou comentado diretamente, seu background é construído baseado nos seus relatos poetizados – que constituem um dos pontos fortes do filme – não são óbvios, são tocantes e belíssimos.
A fragilidade do estado emocional de Marina é exposta inúmeras vezes através de signos visuais, como nas pegadas na areia cinzenta, ou na procura por uma resposta na figura religiosa – que tem como avatar o personagem de Javier Bardem. Os ângulos precisos, hora por baixo – detalhe nos pés – às vezes pelo alto – por cima das cabeças – verbalizam através da imagem o estado de espírito dela e de outros personagens. Quase sempre que é enquadrado, Ben Affleck é cortado (especialmente acima da cabeça). A câmera treme o tempo todo, e se mostra confusa, assim como a ótica de Marina em relação ao seu amado e a própria vida.
As atuações constituem um dos melhores pontos do filme, é impossível não se afeiçoar a Olga Kurylenko, bela e talentosa demais, o espectador se vê obrigado a acreditar em seu drama. Bardem faz mais do mesmo, o que é sempre bom em seu caso. Rachel McAdams e sua Jane também emprestam veracidade à trama, a postura de sua personagem ajuda a evidenciar que os problemas da relação entre o casal de protagonistas, não passava pelo desdém de Neil, ao contrário da fala de Marina: “Pessoas fracas não conseguem terminar as coisas, elas esperam que os outros terminem por elas”. Jane se vê completamente refém do amor que Neil transfere a ela, sentimento este que deveria ser entregue a Marina.
O deslumbre visual, ao contrário do produto anterior de Terrence Malick, é focado em imagens de coisas ordinárias e cotidianas, que reforçam a ideia da dificuldade em manter o relacionamento vivo. O cineasta gosta de colocar a Divindade como um alvo importante e até inalcançável para os seus personagens. Amor Pleno é uma experiência única, e deve ser vista como tal, causa fascínio no receptor e o torna testemunha das maravilhas mostradas na tela.
Mesmo não sendo o suprassumo do gênero, este é um filme de sci-fi para fãs de sci-fi. Não só pela história em si – felizmente, não apenas um mundo pós-apocalíptico como pretexto para cenas de ação -, mas também pela infinidade de referências a outras obras de ficção científica que fãs mais aficionados certamente se divertirão identificando. E a quantidade de referências chega a ser, ao mesmo tempo, qualidade e defeito, já que em vários momentos faz o espectador “sair” do filme ao tentar lembrar a qual obra remete aquela cena, diálogo ou cenário. Numa contagem rápida e rasteira, há referências a oito filmes, sendo Wall-E e 2001 – Uma odisseia no espaço as mais óbvias – algumas das demais é preferível não citar, pois configuraria spoiler.
O roteiro foi baseado numa graphic novel homônima do próprio Joseph Kosinski, com desenhos de Arvid Nelson. E, assim como em seu filme anterior – Tron: o legado – Kosinski apresenta ao espectador um ambiente visualmente interessante, bem menos grandioso mas totalmente condizente com a realidade do futuro não muito distante em que se passa a história. A “casa” acima das nuvens em que vivem Jack Harper (Tom Cruise) e sua parceira, Victoria (Andrea Riseborough), com seu visual clean e asséptico – em branco e prata, além de muitas transparências – faz o contraponto na medida com o ambiente inóspito da “superfície”.
Interessante notar que os personagens também refletem essa dicotomia. Enquanto Vika parece fazer parte da residência – tão arrumada e estéril, sem nenhum fio de cabelo fora do lugar – Harper parece deslocado ali dentro, menos à vontade do que quando exposto à poeira da superfície devastada. Em vários momentos, o comportamento de Vika – condicionado, irredutível, robótico até – faz pairar uma dúvida sobre sua humanidade. Em contrapartida, apesar dos trejeitos de Ethan Hunt, Harper é nitidamente mais “gente como a gente”, saudoso do planeta que conhecia antes do ataque alienígena. Completam a galeria de personagens Beech (Morgan Freeman) e Sykes (Nikolaj Coster-Waldau, o Príncipe Jaime de Game of Thrones).
A primeira meia hora do filme é bastante lenta, com vários trechos que, se suprimidos, não fariam falta – inclusive a introdução inicial com narração em off, já que Harper repete toda a história para Julia Kusakova (Olga Kurylenko) após resgatá-la. Além disso, várias cenas contemplativas, embora agradavelmente embaladas por Led Zeppelin, poderiam ser encurtadas sem prejuízo algum. Ao contrário, certamente o ritmo da narrativa se beneficiaria, evitando tantas “barrigas” durante o filme. É nítida a intenção do roteirista/diretor de apresentar detalhes do universo do filme e de seus personagens. Porém isso poderia ter sido feito não necessariamente de uma maneira mais dinâmica, mas certamente mais enxuta. O ritmo da trama parece se ajustar após esses 30 minutos iniciais, conseguindo mesclar bem as cenas de ação e as de questionamento e/ou explanação dos eventos. Infelizmente, as várias perguntas, tanto de Harper quanto do espectador, vão se acumulando no decorrer do filme e o roteiro tenta respondê-las nos 20 minutos finais. O clímax não fica bem resolvido, explicações são dadas às pressas e de forma explícita – o que, de certa forma, presume que o espectador seria incapaz de perceber detalhes -, reafirmando a falta de consistência narrativa.
A premissa é boa, os personagens são bons, o filme é visualmente impressionante, os efeitos especiais são bem feitos, abundantes mas pouco invasivos, a trama tem algumas reviravoltas interessantes. Pena que o roteiro não consiga amarrar isso tudo de uma forma melhor. Tem-se a impressão de que há muitas boas ideias, mas alguma falta de maturidade ao organizá-las. Mas também há indícios de que Kosinski está no caminho certo, se continuar evoluindo desse modo.
Depois do excelente Na Mira do Chefe o diretor e roteirista Martin McDonagh volta às telas com Sete Psicopatas e um Shih Tzu. Apesar do primeiro ainda ser melhor, esse segundo ainda cai bem como uma comédia de humor negro e metalinguagem a respeito do cinema e violência, que lembra os bons tempos de Guy Ritchie com Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes e Snatch – Porcos e Diamantes.
Com um excelente elenco, que junta Colin Farrell, Sam Rockwell, Christopher Walken, Woody Harrelson e outros, o filme começa com o escritor Martin (Farrell) tentando bolar uma ideia a respeito de Sete Psicopatas com histórias interessantes de vida, e com a ajuda de amigos (Rockwell e depois Walken), vai acrescentando em seu bloco de notas um psicopata com uma história mais interessante e exótica que outra.
Porém, conforme vai passando, podemos ver que a conversa dos personagens dentro do filme é cada vez mais metalinguística, e cada vez mais referencial ao próprio filme e ao que está acontecendo, subvertendo totalmente a experiência inicial do longa, que nos levava para um caminho tradicional do filme de “máfia-com-perseguição-e-vingança” (e que o próprio filme tira sarro de sua escolha).
Quando é finalizada a subversão e a história vira totalmente auto referencial e se preocupa somente com isso, um pouco da mágica e da graça acabam, tornando tudo uma paródia dos filmes violentos de Hollywood, com seus finais grandiloquentes e redenções ainda mais carregadas de emoções milimetricamente construídas. Outro ponto positivo é que em momento algum os personagens são tratados como arquétipos tradicionais de “mafioso” ou “psicopata”, o que dá espaço a piadas e situações muito boas, principalmente com Woody Harrelson, cada vez melhor.
A intenção da sátira é louvável, mas seu resultado acaba fazendo o filme perder um pouco da graça e da intenção original, apesar de garantir algumas risadas, porém, mais pela graça do escândalo do que pela inteligência da construção do clímax.