Tag: Rachel Weisz

  • Crítica | Viúva Negra

    Crítica | Viúva Negra

    Desde Homem de Ferro 2, Scarlett Johansson prometia protagonizar um filme solo de sua personagem no universo Marvel. Na época, não se imaginava que isso só ocorreria mais de dez anos depois e,  após diversos adiamentos agravados por uma pandemia, Viúva Negra estreou com algumas “estranhas” responsabilidades.

    O longa de Cate Shortland tenta não só fazer jus a uma personagem querida do público, mas faz isso após ter seu fim mostrado em Vingadores: Ultimato. Além disso, ainda tem de pavimentar a passagem de bastão para o legado da personagem, apresentando a figura de Yelena de Florence Pugh.

    A história possui algumas linhas temporais distintas. A primeira mostra a pequena Natasha Romanoff vivendo com uma família soviética, no estado de Ohio nos anos noventa, que finge ser um ajuntamento suburbano estadunidense. A segunda avança mais de vinte anos no futuro, brincando com elementos de filmes de espião, mexendo com crianças cobaias, abusos experimentais com mulheres, com direito a misturas de referencias bem diversas, como Stalker de Andrei Tarkovski e o filme galhofa de James Bond: 007: Contra o Foguete da Morte.

    De positivo, há a utilização do vilão O Treinador que lembra um metal hero de tokusatsu. O visual arrojado é certamente um dos maiores acertos do filme, embora a historia de seu passado seja terrível. Esse, aliás, é uma produção que imita bem os maiores defeitos da Formula Marvel de fazer filme pós Kevin Feige. Possui atores famosos como antagonistas, completamente desperdiçados, como foi Jeff Daniels em Homem de Ferro ou Tim Roth em O Incrível Hulk. Aqui tanto Olga Kurylenko quanto Ray Winstone não são bem explorados mesmo quando tem tempo de tela.

    Outro ponto positivo é o núcleo familiar que permite que David Harbour, Rachel Weisz, Pugh e Johansson convivam juntos. As partes divertidas são resultantes da inteiração entre eles, com discussões pontuais a respeito da abusiva rotina de quem tinha que fingir ser quem não era. Fora essa questão, o roteiro é raso. Não muito por conta de uma visão estereotipada dos soviéticos (que até existe, mas é tão inócua quanto a ausência de crítica ao nazismo em Capitão América: O Primeiro Vingador). Quem tinha expectativa de assistir algo no estilo Capitão América: O Soldado Invernal  certamente se frustrou, pois mesmo nos momentos que exploram questões típicas de teoria da conspiração a trama não surpreende, talvez porque o mundo pós pandemia de Covid 19 é tão estranho que eventos de estranheza fictícia já não causam mais tanto choque.

    As cenas de ação perdem força gradativamente ao longo da exibição. Até em Falcão e Soldado Invernal as cenas de luta são melhor pensadas. Não se teme pela vida de praticamente nenhum personagem, e isso compromete demais a crença na trama.  Tudo é apressado e Viúva Negra parece um filme tardio, sem importância e imponência, deslocado demais do restante do universo Marvel recente. Assisti-lo após saber o fim de Natasha também não ajuda, e mesmo os temas importantes e as críticas políticas se diluem. Se o filme tivesse sido lançado nas Fases 2 ou 3 do universo Marvel, talvez se encaixasse melhor. No final, se destaca o bom desempenho de Pugh, carismática e com presença, mas em uma situação bastante distante de um hit da Marvel.

  • Critica | A Favorita

    Critica | A Favorita

    Chega ao circuito brasileiro o filme A Favorita, do diretor grego Yorgos Lanthimos, o mesmo que há pouco tempo atrás lançou A Lagosta e O Sacrifício do Cervo Sagrado. Nesta nova historia, ele discorre sobre uma guerra de vaidades que ocorre entre duas mulheres que visam o posto de conselheira da rainha, isso tudo ocorrendo com uma bela reconstituição de época, com figurino, fotografia, direção de arte e afins dignas do clássico Barry Lyndon de Stanley Kubrick. No entanto, as semelhanças com o filme de 1975 param por ai, o que se vê é uma historia bem diferente, e um jeito de filmar igualmente diverso.

    Lady Sarah Churchill, interpretada por Rachel Weiss é, no momento que o filme retrata, a mulher mais próxima da rainha Ana (Olivia Calmon), seus dias se resumem a ter que aturar o mal gênio de sua majestade, enquanto manter seu posto como próxima dos nobres, papel esse obviamente bem pequeno e cordato. De viagem, chega a Abigail Masham de Emma Stone, uma criada que já nesse caminho é mostrada como uma personagem que não tem luxos, chegando ao palácio real em uma carroça apertada e repleta de gente. Quando se estabelece como serviçal ela passa mal enquanto aprende seu trabalho, e seu lamento casa com os choros mimados da rainha, que por sua vez, é capaz de um enorme chilique só por conta de um pesadelo.

    Lanthimos debocha dos ricos, mostra-os como mimados e usa ângulos de câmera diferenciados para registrar momentos comuns da vida de cada um dos personagens, há profundidade em momentos em que as pessoas andam a cavalo, varrem o chão ou simplesmente respiram, e esse exercício a principio parece despropositado mas valorizam os atos cotidianos de uma maneira ímpar exatamente para destacar esses como diferenciados que são . O cineasta busca a todo momento  retomar a forma diferenciada de contar historias, que basicamente encontra pouco eco em sua filmografia desde que fez Dente Canino dez anos atrás.

    Enquanto registra o desespero desnecessário da realeza, a trilha sonora tem músicas de sons agudos, que fazem lembrar as canções instrumentais dramáticas que permeavam o clássico remake de Scarface que Brian de Palma realizou. Essa sonoridade marca demais a rivalidade que aos poucos se estabelece entre Abigail e Sarah pela preferência da rainha, e na maioria dos momentos o que se vê é uma historia com um caráter bastante semelhante aos folhetins e as antigas radio novelas, com uma larga exploração da volúpia e de relações proibidas, onde as moças basicamente brigam para serem exploradas por uma pessoa poderosa e que ganhou suas regalias de maneira imerecida.

    Há momentos grotescos, não só envolvendo a figura do personagem de Calmon, mas também ao mostrar as manifestações de tesão da maioria dos poderosos. Por mais estranho que tudo isso soe, as lentes de Lanthimos parecem só se importar com as duas serviçais que disputam os anseios carnais da rainha, e nesse ponto mora o melhor do filme, pois tanto Weiss quanto Stone tem um desempenho excelente, ambas estão inspiradas e parecem mesmo desejar ter a atenção da soberana inglesa.

    Os  atos de crueldade  trocados entre as duas competidoras garantem um pouco de dinamismo a trama, e diferente do que havia feito em A Lagosta, Lanthimos não faz muitos rodeios e não tenta apelar para uma forma surrealista de contar historia, embora haja claro um bocado de imponderável nos fatos que ocorrem em A Favorita. Ao contrário do que muito se falou, esse é um filme bem menos arrogante e pretensioso que os anteriores, onde Lanthimos se permite usufruir de outras formulas, mesmo que a historia que tenho escolhido contar seja de pura frivolidade.

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  • Crítica | Desobediência

    Crítica | Desobediência

    Sebastián Lelio chamou a atenção do mundo todo no ano de 2017 com o seu importante Uma Mulher Fantástica, o filme ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e faz história até hoje. Agora, o cineasta estreia em Hollywood com outro olhar acerca da sexualidade em Desobediência, um filme brilhantemente fiel a seu título.

    Ronit (Rachel Weisz) é fotógrafa em Nova York e precisa retornar a sua cidade natal depois da morte de seu pai, um rabino, mas Esti (Rachel McAdams) uma amiga do passado e que agora está casada com Dovid (Alessandro Nivola) desperta um romance antigo entre as duas e as regras dessa família judaica ortodoxa passam a ser enfrentadas.

    É clara a importância que o diretor dá às suas personagens, os planos geralmente fechados e silenciosos criam conexões muito íntimas com o elenco, esse que parece muito afiado com a direção de Lelio que prioriza gestos e demarcações físicas a seus diálogos, o que faz com que todos os sentimentos retidos e proibidos pelas personagens tenham protagonismo, tanto quando não aparecem e sabemos que estão lá, quanto aparecem e reconhecemos a força deles.

    O filme também se prova complexo na decisão de fazer de Desobediência não apenas um filme sobre romance proibido. Não é tão simples assim. As personagens têm um passado e ele se justifica pelo desenvolvimento de todo o enredo, principalmente dentro do contexto religioso que se passa a história. O papel de Nivola é o responsável por trazer esta nova camada, o local onde seu personagem se encontra é muito propício para narrativas já conhecidas, como um marido babaca, por exemplo, mas não, sua trajetória é muito mais proveitosa e significativa do que isso, sua relação direta e quase contrária a de Ronit com o falecido pai, bastante forte e chave para a temática do longa.

    Já Weisz e McAdams têm uma química belíssima, a crescente que leva à explosão da paixão das duas é muito delicada e crível, assim como quando o filme nos lembra o quão grandiosas são as decisões tomadas em um ambiente tão conservador, isso traz individualidade às personagens, fazendo presente a dureza de suas escolhas, tanto passadas quanto do presente. E como o filme se mostra muito mais sobre as desobediências do passado do que àquelas que ocorrem em tela. Um retrato quase subjetivo.

    Lelio fala sobre família, as que a vida nos permite escolher e as que nos são naturais; sobre as regras cotidianas e quais deveríamos quebrar; sobre religião e o quanto ela pode ser genuinamente o pilar de nossas vidas, mas quando devemos esquecê-la. E falando sobre tudo isso, o longa fala acima de tudo sobre amor, o amor de duas mulheres e o que veio e vem junto dele.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

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  • Crítica | Negação

    Crítica | Negação

    Dirigido por Mick Jackson e adaptado para o cinema pelo escritor David Hare, baseado no livro Negação (History on Trial: My Day in Court with a Holocaust Denier), o filme conta o embate legal entre Deborah E. Lipstadt (Rachel Weisz) e David Irving (Timothy Spall). Irving acusou Lipstadt – assim como a editora britânica da autora, Penguin Books – de difamação por denegrir seu trabalho acadêmico de negação do Holocausto. Diferente da maioria dos países, em que cabe ao querelante provar sua acusação, no sistema legal britânico, não há presunção de inocência, recaindo o ônus da prova sobre o acusado. Sendo assim, cabia à equipe de advogados contratados pela Penguin – encabeçada por Richard Rampton (Tom Wilkinson) e Anthony Julius (Andrew Scott) – provar que a queixa de Irving era infundada.

    Irving, sendo um estudioso da Segunda Grande Guerra e principalmente de Hitler, acusou Lipstad de ter afirmado que ele manipulara e distorcera evidências a fim de isentar o Reich e, por conseguinte, Hitler de ter matado judeus deliberadamente. Enquanto a maioria de nós, leigos, ou melhor, não-advogados pensaria que o melhor argumento seria confirmar a ocorrência do Holocausto, os advogados de defesa optaram, sabiamente, por combater a difamação que Irving dizia ter sofrido. Deborah deixa claro que sua intenção era reafirmar o Holocausto, dando voz aos sobreviventes e aos que pereceram nos campos de concentração. Contudo, os advogados a convencem, muito a contragosto, de que a estratégia planejada por eles era a melhor opção. E, ao final, do julgamento, em um veredito de trezentas e poucas páginas, o juiz Charles Gray (Alex Jennings), dá ganho de causa à defesa por ter efetivamente provado que Irving, sim, distorcera evidências a fim de defender seus pontos de vista e que, portanto, o que Lipstad dissera não configurava difamação.

    A história, em si, é bastante direta. O que chama a atenção são as questões suscitadas pelo evento. Como é possível que existam pessoas capazes de colocar em dúvida um evento histórico dessa magnitude? Simplesmente por não haver fotos que o comprovem, como diz Lipstad a seus alunos? O quão fácil é distorcer a verdade, usando apenas palavras, falácias e argumentos tendenciosos?

    É o trecho de Denying the Holocaust: the Growing Assault on Truth and Memory, em que Lipstad descreve os métodos de Irving, que ele usou para acusá-la:

    “Irving é um dos mais perigosos porta-vozes do negacionismo do Holocausto. Conhecedor da evidência histórica, ele a distorce até que ela se adapte a suas inclinações ideológicas e objetivos políticos. Um homem convencido de que o grande declínio da Grã-Bretanha foi acelerado pela decisão de entrar em guerra contra a Alemanha, ele é muito hábil em pegar informações corretas e moldá-las para confirmar suas próprias conclusões. Uma resenha de seu recente livro, Churchill’s War, publicada no New York Review of Books, analisa corretamente sua prática de tratar as evidências de forma parcial. Ele exige “prova documental absoluta” quando o assunto é provar a culpa dos alemães, mas se baseia em evidências altamente circunstanciais para condenar os Aliados. Essa é uma descrição correta não apenas das táticas de Irving, mas das dos negacionistas em geral”.
    (p.181)

    Conciso, de abordagem simples, trata o assunto de forma direta, sem floreios ou melodramas desnecessários. E, apesar de parecer muito um telefilme, tem aquele “quê” a mais que faz o espectador continuar pensando a respeito das questões levantadas durante a exibição do longa-metragem. Ainda que em termos de produção, o filme não possua nada de excepcional, além de seu elenco, Negação se mostra um daqueles filmes importantes e necessários em nossos tempos.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | A Luz Entre Oceanos

    Crítica | A Luz Entre Oceanos

    Derek Cianfrance de certa forma decidiu abordar novamente o legado que a vida dos pais pesam sobre seus filhos, como seu último longa metragem, O Lugar Onde Tudo Termina, e agora em A Luz Entre Oceanos. Logo de inicio a quebra de narrativa de seus dois últimos trabalhos é notada pela atmosfera em que nos encontramos; não se trata mais da paisagem urbana que parecia ser tão confortável tanto em seu último filme como em Namorados para Sempre. Seu novo trabalho é ambientado na Austrália pós-primeira guerra, e apesar da estranheza, o diretor repete um maneirismo em filmar o protagonista andando enquanto a câmera o segue de costas assim, como seguia Ryan Gosling em seus filmes anteriores.

    Na trama, seguimos Tom (Michael Fassbender), um veterano da primeira guerra que se encontra desolado após quatro anos no campo de batalha e decide trabalhar no farol da ilha de Janus, próxima a cidade de Porto Patageuse. Ele se hospeda na casa dos Graysmark para embarcar em sua viagem para a ilha e acaba se apaixonando pela filha da família, Isabel (Alicia VikanderEx-Machina).

    O contraste entre as cores é quase inexistente caracterizada por tons pastéis bem diluídos em decorrência da alta carga suave porém sempre presente de luz na paleta em toda as cenas. A escolha do local a beira-mar também não parece ter sido ao acaso, pois remete de certa maneira com as ações voltam e refletem como um espelho o que ocorre durante o longa. O ponto mais interessante é como o filme quebra a própria narrativa dividindo-o em dois atos de maneira improvável. É uma surpresa e um respiro muito bem vindo em algo que parecia uma simples história de amor a lá Nicolas Sparks. Os mesmos tons de cores já citados vão ficando cada vez mais pesados e sombrios ao decorrer desse segundo ato, fotografados com maestria por Adam Arkapaw, que mesmo sendo dirigido em um romance parece a vontade capturando quase três histórias e sabendo dosar de diferentes cores ao faze-lo para reforçar andar de cada uma delas.

    O tom, aparentemente, genérico da história de amor existente na trama pode ter ocorrido por conta do trabalho ser uma adaptação do romance homônimo de M. L. Stedman. É praticamente desse ponto que encaramos toda a estranheza de imersão no trabalho do diretor, mas que no final das contas parece se encaixar perfeitamente com os temas que ele sempre vinha a trabalha.

    A Luz Entre Oceanos é um drama de peso com atuações convincentes. A satisfação é ainda maior quando você é enganado pelo primeiro ato e agradece por ter um segundo tão diferente.

    Texto de autoria de Halan Everson.

  • Crítica | A Juventude

    Crítica | A Juventude

    Juventude - poster

    A terceira idade adquiriu um peso cujo significado se traduz por uma derrocada tanto do corpo quanto de estágios mentais. Uma concepção que aponta como o contemporâneo lida com tais valores em uma sociedade cada vez mais líquida, em que o novo é sempre louvado. A afirmação é delicada e profunda a ponto do próprio cinema evitar escalar atores velhos para certos papéis, visão que necessita ser mudada devido a uma percepção errônea.

    Estágio natural a todos os homens, a velhice é tratada com desprezo por parte do pensamento ocidental e da indústria cultural. A maturidade e sabedoria advinda do acúmulo dos anos são ignoradas e transformam este período em uma área de isolamento. A Juventude, nova produção do italiano Paolo Sorrentino, versa sobre esta fase ao apresentar dois amigos, Fred (Michael Caine) e Mick (Harvey Keatel), passando as férias em um luxuoso hotel, valendo-se de um elenco de primeira linha para sua história.

    O diretor ainda apresenta um estilo cinematográfico no qual o visual significa parte de sua mensagem. A trama desenvolve a amizade dos dois personagens e suas lembranças de épocas anteriores ao mesmo tempo que apresenta silenciosamente outros hóspedes do local, pessoas sem expressão, despidas, em uma suposição de que a própria vida está ausente. Inserida na questão estética, a contemplação é uma das bases fundamentais de sua narrativa. Cenários e personagens convivem em um espaço teatral, preservando uma situação que representa uma espécie de vazio em contrapartida ao que deveria ser prazeroso, vide o cenário natural do local com muito luxo.

    Ainda que cada personagem seja particularmente normal, dentro deste cenário os papéis compõem um tecido díspar de humanos que parecem estar no local como tentativa de fuga. A filha que nega o término do casamento (Rachel Weisz); o velho maestro que não assume a morte da esposa; o diretor em derrocada que não assume seu fracasso. Dentro deste cenário, a figura de Jimmy Tree (Paul Dano), representando um ator talentoso cujo papel mais famoso foi em um filme-pipoca sobre um robô, observa a todos e constata, em determinado momento, o quanto o drama interno de cada um deles é rico em dilemas existenciais que devem ser explorados. Uma visão que parece compartilhar a impressão do público e, sem dúvida, a do próprio roteirista ao compor este quadro.

    A juventude que marca o título da história se identifica com maior facilidade pela beleza. Um signo óbvio que estabelece um padrão estético ainda vigente, a beleza dionisíaca e a seu culto, um conceito de perfeição desenvolvida em eras anteriores. Ainda que coerente com sua metáfora, a bela cena que ilustra o imagético pôster internacional é um impacto parco em relação a outros símbolos inseridos na trama. A beleza da atriz é notável, e Sorrentino sabe conduzir a cena de tal modo que a mantém em uma contemplação ideológica entre a moça, o novo e perfeito, e os velhos, menores e destituídos do vigor da vida, com uma carga de admiração que não se sobrepõe ao apelo sexual.

    De fato, o significado da juventude dentro do filme é múltipla. Contemplativamente parece representar uma visão idealista de um passado visto com admiração. Nesse aspecto, a juventude e a beleza, principalmente a feminina, seriam grandes representantes deste ideal. Em contrapartida, denota uma imaturidade a qual qualquer homem estaria sucessível quando não desenvolve um equilíbrio interno, uma juventude interna e cenário de incompreensão e imaturidade.

    O filme mantém uma lacuna para a interpretação do público sobre parte dos símbolos desta narrativa, que é bem conduzida entre tais espaços para possibilidades e uma intenção firme de seu autor.

  • Crítica | O Lagosta

    Crítica | O Lagosta

    The Lobster 1

    The Lobster é um filme que funciona fundamentalmente para quem é afeito à filmografia de seu diretor, Yorgos Lanthimos, realizador dos anteriores Alpes e Dente Canino, inclusive reprisando grande parte dos conceitos dos produtos citados. A sinopse do longa é bizarra, fazendo valer conceitos como apatia, concessão e obediência sem discussão.

    A primeira metade do roteiro de Efthymis Filippou funciona quase perfeitamente, gradativamente revelando uma sociedade distópica, baseada em um sistema insano de repressão a quem não possui um par matrimonial, que captura os divorciados e solteiros para alocá-los en um hotel, onde todos teriam 45 dias para conseguir encontrar seu par, sob a pena de, ao final do prazo, ser transformado em um animal. A história é narrada a partir do olhar de David (Colin Farrell), que escolhe para si a possibilidade de virar uma lagosta.

    O esforço para não transmutar faz com que os alocados no hotel tentem achar aspectos em comum, para finalmente formar um par e se ver livre do destino terrível. As instruções dentro da pousada reforçam o maniqueísmo, simplismo e o discurso de ódio, evocando a cultura de estupro, funcionando bem como paródia da banalização comum aos tempos atuais, onde qualquer falácia torna-se automaticamente válida, somente para fortificar argumentos sem base e veracidade.

    Apesar de discutir a comum dependência humana mútua, The Lobster pouco acrescenta, e utiliza-se de um argumento que piora ainda mais ao revelar que a resistência ao regime também vive sob os mesmos preceitos imbecis, demonstrando que não há fuga minimamente aceitável, ainda que em paralelo com o quadro político mundial. Ainda assim, é demasiado simplista para um filme que busca ser irônico. A narração executada por Rachel Weisz ajuda a desmistificar ainda mais o texto que, a priori, deveria evoluir o destaque aos defeitos do estado atual.

  • Crítica | Arte, Amor e Ilusão

    Crítica | Arte, Amor e Ilusão

    Arte Amor e Ilusão

    Lançado em maio de 2003, ele é um grande contraponto a quantidade excessiva de romances tanto adolescentes quanto os simplesmente açucarados que tomaram conta das produções americanas durante os anos 90. Ele é adaptado de uma peça de teatro escrita e dirigida pelo próprio Neil Labute, que inclusive já foi interpretada no Brasil. The Shape of Things, ou Arte, Amor e Ilusão, traz o elenco original da peça (Rachel Weisz, Paul Rudd, Frederick Weller e Gretchen Mol) para uma produção de cinema que imita o teatro com grandes tomadas de diálogos que abrem espaço para aqueles quatro atores mostrarem diferentes facetas de seus personagens enquanto a trilha do britânico Elvis Costello ilustra toda a película.

    O filme começa com uma mensagem de aviso na música Lovers Walk de Elvis Costello, mas que não está sendo ouvida pelo protagonista. A partir dela acompanhamos Adam (Rudd), um funcionário de um Museu de Artes próximo à faculdade que conhece Evelyn (Weisz), uma estudante que está começando seu mestrado em artes e por algum motivo se interessa pelo jovem completamente desinteressante. Os diálogos entre todos os personagens nos indicam que existe uma passagem de tempo de meses entre muitas das cenas do filme. Vemos isso mais claramente no físico de Rudd, que acaba emagrecendo muito durante essas passagens.

    Em todos os arcos dramáticos do filme é a transformação que dirige o espectador a pensar sobre os assuntos debatidos entre o casal de Rudd e Weisz. A insegurança que guia a vida de Adam o deixou com um casulo fixo nas costas, impedindo-o de sair ou de se aproximar de outras pessoas. Evelyn não só o arranca de lá, mas questiona o valor real das coisas. Tanto na arte quando na primeira cena do filme ela picha um pênis na estátua de Fornicelli, na vida de plástico dos seus amigos, na sua moral e em seu medo em relações, que o tornaram na pessoa que ela conheceu.

    Como o título nacional sugere, existem algumas discussões sobre arte contemporânea (performances, esculturas conceituais e vídeos), mas que só servem para abrir uma lacuna que só será preenchida ao final da história. Os amigos de Adam, Jenny e Phillip, são os primeiros a questionar a relação instantânea e fora de nexo dos dois, reforçando a falta de algo que pudesse atrair uma mulher à personalidade e aparência do amigo. Seu visual, suas roupas e até sua postura com as pessoas muda por pura influência de Evelyn.

    Assim como Alfred Hitchcock, guiar o espectador para o desfecho e manipular as cordas que dão vida à trama fazem parte de um excelente método de narrativa que guiam o espectador até o fim do filme. E é dessa manipulação narrativa que surge o ar de pequena joia que o filme possui. Neil LabuteRachel Weisz são dois Hitchcocks trabalhando juntos, até o fim que chega silencioso, chocante, humilhante e terrível.

    O diálogo final fala mais do que é um filme do que daqueles personagens, além do momento Encontros e Desencontros (que, apesar de provavelmente não ser referência, foi lançado no mesmo ano). Somos apenas Adams de muitas Evelyns que nos encontram aleatoriamente em nossas casas e nos cinemas, e acredito que é um dos poucos romances que exibe um metacomentário sobre a sétima arte.

    O filme traz um contraponto interessante do papel de manipulador ao primeiro filme de Labute, Na Companhia de Homens, o qual o papel de Evelyn era interpretado por Aaron Eckhart e Matt Malloy, e Adam era uma inocente moça interpretada por Stacy Edwards. Não só o papel dos gêneros foram trocados, mas o ponto de vista também. Fica a mensagem que tudo é relativo, transformações são perigosas… E confiar em mulheres também.

    Texto de autoria de Halan Everson.

  • Crítica | Fonte da Vida

    Crítica | Fonte da Vida

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    Fonte da Vida (The Fountain, 2006), terceiro longa dirigido por Darren Aronofsky, foi um projeto complicado, com orçamento inicial de 75 milhões de dólares, primeiro com Brad Pitt, que abandonou o projeto ainda na pré-produção para fazer o péssimo Troia, culminando também na saída de Cate Blanchett do elenco. Com a perda das duas estrelas principais, o projeto foi inicialmente cancelado, tendo que ser reescrito para uma versão que consumisse metade do orçamento original, agora com Hugh Jackman e Rachel Weisz nos papéis principais.

    O filme tem o roteiro assinado por Aronofsky e Ari Handel e nos conta a história de Tommy Creo (Jackman), um cientista obcecado pela descoberta da cura do câncer, motivado principalmente pelo fato de sua esposa, Izzi Creo (Weisz), sofrer da doença já em estágio avançado. A possibilidade da cura é aventada com uma amostra de uma árvore única, vinda da Guatemala, que não apenas pode curar o câncer, como tem um efeito rejuvenescedor em quem o tratamento é submetido. Em paralelo à isso, temos a história do Conquistador (também Jackman) e da Rainha Isabel da Espanha (também Weisz), fruto de um livro que está sendo escrito por Izzi, em que o Conquistador deve buscar nas florestas da Nova Espanha a Árvore da Vida, para salvar seu reino da tirania de um inquisidor. Por último temos uma história no futuro, de Tommy, já como um astronauta em uma bolha com a Árvore da Vida, a caminho da nebulosa de Xibalba, que no mito de criação Maia é o mundo dos mortos. Esta terceira história é também fruto do livro escrito por Izzi, seu último capítulo, que ela pede para que Tommy escreva.

    Num primeiro olhar, essa não linearidade da narrativa pode parecer um tanto confusa, mas apenas um pouco de atenção por parte do espectador, e o preenchimento das lacunas deixadas meticulosamente em aberto pelo diretor, já são o suficiente para não apenas entender a obra, mas também dar-lhe uma conotação completamente pessoal.

    Com tantas interpretações e subtextos, seria impossível abordar todos, até porque estes incorreriam inevitavelmente na interpretação pessoal, e não apenas na análise da obra, mas alguns destes podem ser destacados, como o assunto central da narrativa, que funciona como uma grande reflexão poética sobre o amor e a morte, sua aceitação e sua condição como algo inexorável da vida, cíclica desde suas origens nas supernovas e poeira estelar, chegando até nós humanos.

    Além disso, outro tema já recorrente da filmografia do diretor também se faz presente, a já citada obsessão dos personagens interpretados por Hugh Jackman, colocando essa atitude como um difusor no olhar do protagonista, em que ele mira para objetivos inalcançáveis ou irreais, disposto a tudo por eles, mas ao mesmo tempo isso faz com que ele se afaste do que realmente importa na sua vida corrente. Como tenta, sem sucesso, lhe mostrar a Dra. Lillian (Ellen Burstyn), dizendo que mais do que a cura para a doença, o que Izzi mais precisa naquele momento é a presença de Tommy. Ideia reforçada também por Izzi, ao tentar fazê-lo enxergar que a tal descoberta de uma cura para tudo, até mesmo para a morte, não era de fato para ela, que se sentia serena e completa em face da fatalidade, mas sim para ele, que não aceitava o curso natural da vida.

    Outro ponto a se notar é a presença dos mitos de criação, mais explicitamente o Cristão e Maia, que servem como ponto de apoio para nos mostrar que a busca do cientista, do astronauta, e do Conquistador, é algo maior do que apenas a vida eterna, ele pretende se tornar algo que não apenas burla o ciclo que nem mesmo as estrelas escapam, mas se tornar tão grande, ou até maior, do que as nossas próprias mitologias.

    Fora toda a filosofia que pode se retirar da obra, as atuações também estão ótimas; Hugh Jackman, que à época do filme ainda não tinha tantos trabalhos de peso dramático em sua carreira, mostrava que era capaz de uma excelente atuação fora dos filmes de super heróis e ação, passando sempre o peso emocional requerido para o personagem, com uma dificuldade a mais para os trechos como astronauta, em que a situação psicológica do personagem varia entre o zen e a loucura rapidamente, além de estar quase o tempo todo sozinho.

    Rachel Weisz, apesar do pouco tempo de tela, também executa brilhantemente seus papéis, principalmente como Izzi, pois ao mesmo tempo que é uma pessoa em estado terminal que aceita sua condição, também tem os medos e inseguranças naturais de uma situação como essa, sem nunca passar do ponto ou com qualquer exagero habitual desse tipo de papel.

    A trilha sonora também merece ser observada, criada por Clint Mansell, repetindo a parceria entre o diretor e o compositor de PiRéquiem Para Um Sonho, ajudam e muito a compor toda a atmosfera que o filme exige, tanto nos trechos em que a dor, emoção, e amor são os temas, quanto aos momentos contemplativos vividos pelo astronauta Nova Era, estes também acompanhados de bons efeitos visuais, principalmente na simbiose entre o personagem e o Cosmo.

    Fonte da Vida é um filme que tem uma mensagem forte o suficiente até para o mais incauto espectador, mas que se torna ainda melhor se embarcarmos na reflexão por ele proposta, preenchendo as lacunas com nossas visões de mundo, crenças (ou falta delas), fazendo com que seja não mais um filme, mas uma verdadeira experiência produtiva e intensa.

    Ouça nosso podcast sobre Darren Aronofsky.

  • Crítica | Amor Profundo

    Crítica | Amor Profundo

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    Amor Profundo é um filme de 2011 que chegou ao Brasil com atraso e sem muito alarde, o filme de Terrence Davies é adaptado da peça de Terence Rattigan, um dos grandes nomes do drama inglês moderno.

    A história traz Rachel Weisz como Hester, a respeitável mulher de um juiz inglês que acaba abandonando o marido por uma relação autodestrutiva com Freddie Page, um ex piloto da força aérea inglesa. Passado na década de 50, o filme procura retratar as profundas transformações sociais que se dava na Inglaterra pós-guerra e retratar a herança, e as feridas, que a Segunda Guerra deixou no país, mas se perde e acaba apresentando só uma história de amor um tanto superficial.

    Freddie é, inicialmente, encantador. Um ex-piloto cheio de histórias, um dos que ajudaram a salvar o país do nazismo e Hester, intensa, porém presa com um marido totalmente desprovido de calor, não poderia deixar de se apaixonar por ele. Na primeira parte do filme, quando o casal se conhece e começa um caso, os personagens são bem construídos e a interação entre eles faz sentido, Davies faz um bom trabalho em contrapor o gélido Sr. Collyer ao jovem Freddie Rachel Weizs enche sua Hester de nuances, dando realidade a mulher intensa sob a fachada de respeitável senhora inglesa.

    No entanto, quando Hester abandona o marido para viver com Freddie em uma pequena pensão o filme desanda. A paixão desenfreada dela não é bem explorada, nem a distância dele, Davies parece asumir que o espectador vai se envolver com o casal e se comover com uma relação que no fundo ele nunca explora. Talvez a dramaticidade da história funcione no teatro, onde um grau maior de artificialidade é aceitável, mas no cinema o que aparece é uma relação morna que o cineasta quer quer se trate de uma grande paixão.

    Essa falta de intensidade se reflete na composição do filme: os planos são burocráticos, ainda que muito bonitos, e a montagem sóbria faz pouco por uma história que deveria ser tão cheia de sentimentos arrebatadores. Amor Profundo é esteticamente muito bonito e os tons azulados da fotografia ecoam o título original, The Deep Blue Sea, e enfatizam a depressão e o isolamento de Hester, mas justamente apagam a intensidade dos sentimentos. O que sobra é uma história de amor filmada em tons frios, feitos para afastar.

    Amor Profundo não é um filme ruim, é uma história bonita, com belas interpretações. Mas falta intensidade, principalmente quando a história em questão é sobre uma mulher capaz de se autodestruir por uma paixão. Se por um lado o sexo, a luxúria e as relações entre amor e paixão são um dos temas, por outro não há uma única cena de sexo e Hester e Freddie (mesmo no início do filme) pouco se tocam, Davies parece tomar a verbalidade do teatro e esperar que ela seja suficiente no cinema. Infelizmente, não é.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Vigaristas

    Crítica | Vigaristas

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    Após ter visto o bom filme Looper e o excelente A Ponta de um Crime, descobri que o diretor Rian Johnson tinha mais um filme, chamado Vigaristas (The Brothers Bloom), de 2008. Por ser o segundo filme de Johnson, o elenco famoso chega a impressionar, pois conta com Mark Ruffalo, Adrien Brody e Rachel Weisz como protagonistas.

    O filme conta a história de dois irmãos, Stephen (Ruffalo) e Bloom (Brody), que desde crianças, por serem órfãos e trocarem sempre de lar adotivo, aprendem a dar golpes e enganar pessoas, mas Stephen faz questão de, nestes golpes, usar uma teatralidade para maximizar o efeito e fazer com que a vítima não perceba que caiu no golpe. Ao mesmo tempo, o filme estabelece desde o início a relação conturbada de Stephen e Bloom, pois este último não se sente feliz ao ver que sua vida toda, desde criança, foi ser um personagem nos elaborados golpes do irmão, sem nunca poder ter tido uma experiência de vida real. Porém, tudo isso irá mudar quando os irmãos combinam em dar um último golpe na milionária e solitária Penélope (Weisz).

    A partir daí, o filme usa e abusa do recurso das camadas de histórias e de golpes em cima de golpes, que vão se desenrolando e tentam a todo instante confundir e instigar o espectador a tentar descobrir se aquela situação (e o risco envolvido nela) é real ou apenas mais uma parte do golpe dos irmãos. Essa estratégia, quando estabelecida, diverte, mas com o aprofundamento das camadas e a rapidez dos eventos, personagens e situações, o filme acaba perdendo a densidade e ficando confuso, nos fazendo prestar atenção mais nos pormenores da história do que nos personagens e suas nuances em si.

    Também com um ar nostálgico e um pouco noir, mas diferenciando do tom de A Ponta de um Crime, Vigaristas possui um toque de comédia dramática, flertando também com os filmes de assalto dos anos 70. Essa característica retrô do filme está muito presente nas roupas, penteados, acessórios e veículos usados pelos personagens, apesar de o filme se passar em nossa época. Pelo tom dos diálogos, trilha sonora e todo um universo indie, o filme chega a lembrar muito Wes Anderson e talvez por essa tentativa forçada de se encaixar nesse universo lúdico, falhe em aprofundar os personagens e suas relações de uma maneira mais real e arriscada, pois em momento algum sentimos que essas relações do filme estão em risco, pois pelo foco excessivo na trama e nas subcamadas dos golpes, os personagens acabam ficando em segundo plano, prejudicando o clímax, que seria justamente sobre eles.

    Porém, cada ator executa perfeitamente seu papel e apesar das falhas, o filme traz cenas memoráveis sem apelar para a infantilidade gratuita do cinema indie, como quando Penélope embaralha as cartas fazendo um truque e conta sua história de vida, pois são essas cenas que estabelecem os personagens e suas motivações. E o principal problema do filme foi, ao final, deixar isso de lado para se render a um final teatral e digno aos personagens, mas que não disse muito ao espectador, já que naquele momento da narrativa, a expectativa era tão grande que qualquer evento espetacular pareceria trivial, como de fato pareceu.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Oz: Mágico e Poderoso

    Crítica | Oz: Mágico e Poderoso

    oz - magico e poderoso - poster brasileiro

    Produzir uma regravação ou reinventar uma história, ampliando o universo conhecido, sempre necessita de cuidado. Quando maior o afastamento do filme original, mais cultuado ele pode se tornar, e uma releitura nem sempre pode ser positiva.

    Tim Burton arriscou-se duas vezes nesse terreno com A Fantástica Fábrica de Chocolates e Alice No País das Maravilhas, saindo-se razoavelmente bem no primeiro e destruindo a história original de Lewis Carroll no outro – dois exemplos que, embora tenham gerado rentáveis bilheterias, poderiam permanecer no mundo de possíveis ideias apenas.

    A história de Dorothy e o Mágico de Oz faz parte dos primórdios do cinema e marca-se também como o primeiro filme colorido. Talvez hoje a produção não tenha a mesma aceitação entre as crianças, sendo hoje um material mais próximo da adoração cult do que do entretenimento infantil. Como a história é baseada em uma série de livros do autor Frank L. Baum, era quase inevitável que, em algum momento, o argumento fosse retomado.

    Oz – Mágico e Poderoso, com direção de Sam Raimi e produção da Disney, homenageia explicitamente o longa original. Seus minutos iniciais são filmados sem cor, retomando a intenção de seu autor ao compor a história do Mágico de Oz, contrapondo Kansas, um estado cinzento e sem brilho, às cores vivas de Oz.

    James Franco personifica o mágico do título, dando lhe imensa credibilidade como um mágico picareta de um circo que, para evitar cobradores, foge com um balão que, após um tufão, para na cidade colorida coincidentemente chamada Oz. Neste momento, os efeitos especiais transbordam, dando espaço para personagens como um macaco falante e uma boneca de porcelana.

    Elemento comum em histórias mágicas envolvendo estrangeiros de outro mundo, a terra de Oz tem como profecia a vinda de um mágico que chegará ao local para salvar todos da tirania da bruxa má. O que seu povo não sabe é que Oz é um mágico de araque, dono de truques simplistas como retirar pombas da cartola.

    A primeira hora da produção é mais interessante, concentrando-se no mágico até sua chegada a Oz, onde conhece uma das bruxas da história, interpretada por uma estranha Mila Kunis. É nesse ponto que descobre se encaixar na profecia citada e, por saber que a recompensa vem em ouro, aceita a missão. Evidente que este será um dos elementos de transformação da personagem.

    Quando a trama eclode no tradicional clichê de um mundo de fantasia em que bem e o mal estão prestes a entrar em uma guerra, os efeitos especiais e o senso comum dominam. De um lado, a bruxa interpretada por Rachel Weisz tentando manter a tirania; do outro, o mágico Oz utilizando de sua inteligência malandra para produzir ilusões que convençam de seu poder de mentira.

    A direção de Sam Raimi mal se faz presente: seu estilo é perceptível em poucas sequências e planos, como se se curvasse aos efeitos especiais em excesso. Tudo muito brilhante, colorido em excesso, não repetindo o mesmo estilo da produção de 1939, que, ainda que com cores berrantes, mantinha harmonia cênica.

    Raimi informou que não pretende dirigir a sequência do filme, que já foi confirmada pela produtora. De nada vale escolher um diretor renomado se ele não terá espaço para imprimir seu estilo ao realizar o longa.

    A primeira aventura da releitura do mundo de Oz sustenta-se apenas pela boa interpretação de James Franco. Há especulações sobre quais personagens estarão na continuação, mas, aparentemente, a Warner ainda é detentora dos direitos da personagem Dorothy; portanto, podemos ficar aliviados. Seria uma ideia infeliz trazer a garota novamente para o mundo de Oz e destruir dessa maneira o argumento do filme original. É torcer para que o estúdio saiba a bobagem que fez com a trama de Alice e não cometa o mesmo erro nesta nova franquia.

  • Crítica | 360

    Crítica | 360

    360

    Fernando Meirelles ganhou projeção mundial em 2002, quando Cidade de Deus tornou-se um relativo sucesso de bilheteria na França e foi indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Depois disso, o diretor se focou em co-produções entre sua produtora brasileira e estúdios de Hollywood; 360 é resultado de um desses esforços conjuntos.

    O filme apresenta vários núcleos localizados em diferentes partes do mundo, que se entrelaçam formando uma espécie de ciclo de relações humanas. Há a moça eslovaca que se prostitui, o casal inglês em que a mulher tem um caso com um fotógrafo brasileiro, a namorada do fotógrafo que o abandona e volta para o Brasil e o senhor em busca da filha desaparecida.

    À primeira vista o filme se parece incomodamente com Babel, mas Meirelles, ao ser menos pretensioso, acerta mais do que Iñárritu. As histórias contadas aqui não falam de grandes eventos ou questões mundiais, mas são o retrato de pessoas comuns, narrativas íntimas e delicadas que se entrelaçam de forma natural. A estrutura do filme, que apresenta cada núcleo como um episódio ao invés de ir e voltar várias vezes entre eles, também funciona melhor.

    O cinema de Meirelles sempre olhou para o cinema marginal brasileiro e a nouvelle vague francesa, e essas referências se manifestam aqui na simpatia por alguns personagens do “submundo”, na fotografia granulada e no ambiente cru que abrem o filme e, principalmente, em alguns recursos de câmera e montagem. Mas, para um diretor que vem de movimentos que romperam de forma tão forte com o cinema clássico, falta ousadia em 360. Desde a beleza da fotografia até a resolução das histórias, tudo parece correto demais, higiênico e bem resolvido demais; falta no próprio filme o caos que ele busca retratar.

    360 fala de pessoas quebradas, angustiadas, de partes que faltam, e de busca. Cada um dos personagens tem o sentimento de algo perdido e os encontros raramente acontecem como esperado. No entanto, essa sensação de um mundo desencontrado e um pouco fora do eixo não se traduz no filme – nem esteticamente, nem no tratamento da narrativa. Falta o encontro entre tema e forma que Meirelles alcançou em Cidade de Deus e mesmo em O Jardineiro Fiel.

    Além disso, as histórias são irregulares: a das moças eslovacas é consideravelmente melhor explorada e desenvolvida que as outras. Algumas ficam soltas, outras um pouco sem sentido porque falta profundidade e sutileza. No caso do núcleo protagonizado por Anthony Hopkins e Maria Flor, a atuação fraca dela prejudica o que poderia ser o melhor momento do filme.

    360 não é um filme ruim: é um filme bom nos seus melhores momentos e regular quando erra, mas é um filme esquecível. O conceito é interessante e funciona, a fotografia é excelente e a direção de Meirelles é eficiente, mas falta algo que impressione e marque o espectador.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.