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  • Crítica | Assassino a Preço Fixo

    Crítica | Assassino a Preço Fixo

    Remake de mesmo nome do filme setentista protagonizado por Charles Bronson, Assassino a Preço Fixo (ou Mechanic, no original) é um filme de ação dirigido por Simon West (de Con Air, Mercenários 2 e Carta Selvagem), que coloca o britânico Jason Statham na pele de Arthur Bishop, um mercenário que faz o seu serviço de maneira limpa e rápida, sem deixar vestígios ou rastros. Logo no início é lhe dada uma missão que o deixa dividido, uma vez que tem que assassinar um velho amigo, um sujeito que o ensinou a fazer praticamente tudo.

    Em nome do profissionalismo a missão é cumprida, mas os sentimentos que o assassino tem provocam uma nova obsessão, no intuito de tentar desbaratar a operação que o fez encerrar a vida de seu mentor. A partir daí começa uma jornada que ele faz junto a Harry McKenna (Ben Foster), que funciona como um pupilo/parceiro seu. Os métodos e desejo de vingança por conta da morte do mentor de Bishop acompanham Harry, tendo nesses laços a maior ligação possível entre os personagens.

    West sabe dosar bem suas qualidades positivas, apresentando uma atmosfera de perigo com cenas de ação extremamente bem conduzidas. O suspense se torna mais caro graças a trilha sonora frenética e os ângulos escolhidos pelo cineasta lembram algumas escolhas estéticas que Paul Greengrass fazia nos filmes da franquia Jason Bourne, em especial A Supremacia Bourne, misturando também com o estilo de ação da recente onda francesa.

    Apesar de não ser uma obra memorável, essa versão de Assassino A Preço Fixo é eficaz no sentido de entreter seu público, com um número de personagens carismáticos elevado, graças em especial as performances de Statham, Foster e de Donald Sutherland, que mesmo com pouco tempo de tela, demarca bem sua importância no imaginário do público. Como era a versão de 1972, esse também é um bom fruto do meio, com West conseguindo reunir todos os elementos que funcionam nos últimos bons filmes de ação dos anos 2000, como De Volta ao Jogo, Noite Sem Fim e Busca Implacável, mas sem perder a identidade própria.

  • Crítica | A Qualquer Custo

    Crítica | A Qualquer Custo

    O western talvez seja o gênero mais emblemático do cinema americano. As histórias ambientadas no velho oeste dos EUA povoaram durante décadas os cinemas do mundo, atéperder força na década de 1970 e praticamente sumir do circuito comercial. Com exceção de algumas obras pontuais, o gênero deixou de ter a atenção dos espectadores, sendo substituído por películas de ação. Porém, essas mencionadas obras pontuais sempre foram capazes de reavivar o carinho e interesse do público, com direito a modificações precisas, caso desse A Qualquer Custo, situado no tempo presente mas, ainda ainda, um western. E daqueles muito bons.

    Na trama escrita por Taylor Sheridan,  dois irmãos, interpretados por Chris Pine e Ben Foster, iniciam uma série de assaltos a um banco específico do Texas. Eles procuram sempre roubar pequenas quantias de dinheiro com o intuito de usar o montante para quitar dívidas referentes à fazenda da família para dar uma vida melhor para seus filhos. Jeff Bridges vive o policial no crepúsculo de sua carreira que aceita a incumbência de detê-los.

    O filme é passado nas terras áridas do Texas e as paletas de cores utilizadas ajudam a acentuar a característica. O roteiro de Sheridan nos apresenta um Texas empobrecido, quase decrépito, onde os habitantes das cidades semi-fantasmas ainda carregam costumes antigos, como os chapéus e as armas no coldre o tempo todo. É nesse mundo que somos apresentados a arquétipos clássicos dos antigos westerns, o bandido impulsivo que está sempre a um passo de colocar tudo a perder, seu parceiro inexperiente e comedido que só entrou na jogada para tentar proporcionar uma vida melhor, o xerife aposentado que disfere insultos e piadas ao seu melhor amigo que é membro de alguma minoria étnica (no caso, o personagem é meio índio e meio mexicano). O texto demonstra grande habilidade ao delinear muito bem os personagens e sustentar seu roteiro principalmente nas relações humanas, uma vez que a trama é linear e concisa.

    O diretor David Mackenzie, auxiliado pela linda fotografia de Giles Nuttgens e pela linda trilha sonora composta por Nick Cave e pelo musicista Warren Ellis, explora com maestria esse mundo apresentado, usando de longas tomadas panorâmicas que explicitam toda a imensidão do Texas ao passo que mostra toda a sua aridez e opressão. Interessante observar também que o diretor estabelece um ritmo constante ao seu filme, com momentos de ação ao final de cada arco. Além disso, ao contrário de produções que em um determinado ponto se esquecem das personagens para se concentrarem somente na ação em busca de um clímax megalomaníaco, A Qualquer Custo mantém-se fiel à sua origem em um filme sobre suas personagens.

    No que tange às atuações, Bridges se destaca, ainda que seu personagem pareça demais com o de Bravura Indômita. O ator cria uma ótima interpretação para um personagem relutante em encerrar sua carreira na força policial e que faz da investigação aos assaltos empreendidos pelos irmãos uma espécie de seu canto do cisne como homem da lei. Ainda vale ressaltar que a dobradinha com Gil Birmingham, que interpreta seu parceiro descendente de índios e americanos, rende alguns diálogos povoados de incorreção política, mas impagáveis. Pine mostra a habitual competência como Toby, o irmão assaltante que quer dar uma vida melhor pros filhos e Foster, como o irascível Tanner, também está muito bem em cena. Entretanto, Foster está se tornando um ator de um papel só, visto que o personagem se assemelha a vários outros da carreira do ator.

    Indicado ao Oscar de melhor filme, ator coadjuvante (Bridges), roteiro original e edição, A Qualquer Custo é um grande faroeste, com direito a estar no mesmo patamar de grandes clássicos do gênero.

  • Crítica | Warcraft: O Primeiro Encontro de Dois Mundos

    Crítica | Warcraft: O Primeiro Encontro de Dois Mundos

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    Juntando as expectativas de dois eventos distintos, primeiro com a adaptação de um game muito popular e segundo com o prosseguimento da carreira de um diretor bastante promissor, Warcraft: O Primeiro Encontro de Dois Mundos chega aos cinemas. Com um início interessante, remetendo inclusive ao visual de Mad Max: Estrada da Fúria, o filme de Duncan Jones prova que ele não esqueceu como realizar um filme, mas se perde em meio a muitos conceitos complicados pouco aprofundados ou sequer explicados.

    A história se passa entre dois reinos, Draenor, terra dos orcs e Azeroth, lar dos humanos comuns. As primeiras cenas mostram orcs atravessando um portal para este novo cenário, já que o ambiente onde a raça habitava estava sendo extinto. Liderados por Gul’Dan (Daniel Wu), os orcs agem como predadores dentro do território alheio, movidos pelo ódio de uma substância mágica genérica, ainda que seu povo esteja um pouco confuso em relação a essas motivações, especialmente o líder de clã Durotan (Tobby Kebell), que não enxerga com bons olhos essa expansão imperialista, sentimento que vai tomando conta de outros concidadãos.

    O problema do roteiro é que até esse alastramento de ideal é mal utilizado, bem como o conjunto de atores da raça humana. A configuração de poder de Azeroth é caricata, e encontra os mesmos arquétipos comuns aos jogos de RPG de mesa e virtuais, sem justificar qualquer dos dramas pessoais desses que deveriam ser os mocinhos da história. Como principal destaque negativo está o guardião, Medivh (Ben Foster), que possui poderes grandiloquentes e uma vida extensa que não lhe garante nem maturidade e nem ausência de vaidade, já que seu substituto está bem próximo dele, no personagem de Khadgar (Ben Schnetzer), sucessão essa também não trabalhada pelo argumento.

    A falta de carisma dos personagens e as coincidências de roteiro são muitas. A dupla protagonista de Preacher, Dominic Cooper e Ruth Negga, vivem o rei Llane Wyrin e a rainha Taria, e não causam comoção e nem inspiração, tanto nos personagens quanto no espectador. A configuração da nobreza também é confusa e composta por guerreiros, fator que faz até os esforços do personagem humano principal, Adulin Thonar (Travis Fimmel), soarem completamente sem sentido, inclusive em relação à sobrevivência de Garona (Paula Patton), uma bela mulher orc de feições menos grosseiras – até por não ter seu físico composto por CGI – o que faz acreditar que ela é mestiça, em mais um fato subentendido por meio de omissão de informação, e que serve basicamente de apelo erótico pueril, o que dificilmente não incomodará as plateias que buscam a aprovação do Teste de Bechdel.

    Todo o elenco faz lembrar muito os erros de Dungeons and Dragons, de Courtney Solomon, inclusive no conjunto de diálogos imbecis e nas motivações péssimas dos personagens. O texto é tão confuso que praticamente todos os personagens que precisam de alguma razão para lutar com mais afinco tem seus filhos assassinados ou retirados de si, mesmo que tais herdeiros não tenham sido mencionados até então, mostrando que a confusão dos roteiristas era tamanha que mal deu para esconder o novo sub plot acrescido há pouco.

    A história, que poderia ter sido a exceção dentre as péssimas adaptações de video game, resulta em algo tão ou mais risível do ponto de vista dramático quanto os filmes de Uwe Boll e os clássicos trash noventistas, como Street Fighter, Mortal KombatDouble Dragon e Super Mario Bros, não conseguindo salvar-se sequer pelos efeitos especiais, abusando da interação de atores reais com criaturas em CGI e pecando inclusive no design dos monstros, transformando-os em versões genéricas de Shrek, vilões de Senhor dos Anéis e até mesmo do anti-herói Drax, visto em Guardiões das Galáxias, causando no espectador de Warcraft um riso nervoso e irresistível, não combinando em nada com a ideia de um filme de ação e aventura que capturaria a ansiedade do público gamer cativo. A obra fracassa em quase tudo que propõe, inclusive na direção de Jones, que não deixa qualquer das marcas de seu cinema em tela.

  • Crítica | Horas Decisivas

    Crítica | Horas Decisivas

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    Baseado no livro homônimo de Casey Sherman e Michael J. Tougias – com roteiro de Scott Silver e Paul Tamasy, e direção de Craig Gillespie – o filme conta a história, ocorrida em 1952, do naufrágio de dois petroleiros durante uma nevasca na costa de Cape Cod, Nova Inglaterra. Um barco de pequeno porte da Guarda Costeira consegue resgatar boa parte da tripulação de um deles, o SS Pendleton. O navio foi partido ao meio durante a tempestade, e a tripulação restante na metade que não submergiu luta para mantê-lo flutuando enquanto aguarda o resgate incerto.

    Uma vez que os oficiais do SS Pendleton estavam na parte que afundou, coube ao primeiro-engenheiro, Ray Sybert (Casey Affleck), a responsabilidade de orientar e comandar o restante da tripulação a fim de evitar o desastre iminente. Enquanto isso, no litoral de Massachussets, em Chatham, o oficial Daniel Cluff (Eric Bana) ordena que o capitão Bernie Webber (Chris Pine) organize uma operação de resgate apesar das condições adversas – por que não dizer? – suicidas.

    É uma temática que, mesmo sem saber qual estúdio produziu, seria fácil identificar como “filme Disney”. Há ali toda a ideologia de superação, de trabalho em equipe, de perseverança característicos das produções do estúdio. Os temas não são problema. O problema é a forma como são explorados no filme, do modo mais clichê possível, com frases de efeito que poderiam estar em para-choques de caminhão. E ainda há o agravante de que, por ser baseado em fatos reais, o espectador já começa a assisti-lo sabendo que os personagens terão sucesso e sobreviverão. Parte da tensão e do suspense já se vai aí.

    A narrativa alterna entre o navio prestes a afundar e Bernie com seus companheiros enfrentando o mar furioso em um barco diminuto. O que ocorre com a tripulação é extremamente tenso, com ótimas sequências de ação e momentos de suspense, contando com uma boa atuação de Affleck e dos demais, que conseguem manter o público interessado no futuro desses personagens. Por outro lado, Bernie é um personagem fraco, interpretado por um ator que carece de carisma, não conseguindo dar a Bernie a importância devida e, provavelmente por conta disso, incapaz de causar empatia com o público. Sem contar que o filme se inicia como se fosse uma história de romance água-com-açúcar, algo que talvez desencoraje muitos a continuar a vê-lo. E mesmo a única cena tensa na pequena embarcação – quando estão tentando ultrapassar os bancos de areia – perde força, pois já sabemos que eles conseguirão. Os roteiristas despenderam tempo mostrando as inúmeras tentativas de Bernie, enquanto poderiam ter optado por prolongar as cenas da tripulação do navio, onde realmente estava a tensão da narrativa.

    Não há dúvida de que os personagens são estereotipados. De um lado, Bernie, um oficial cujos companheiros não confiam e que não consegue impor respeito, principalmente por fazer tudo conforme as regras, mas que no final se redime ao tomar atitudes que garantem o resgate dos 32 tripulantes. De outro, Sybert, o engenheiro confinado à sala de máquinas do petroleiro, desprezado pelos demais e que acaba se tornando o herói relutante, por ser o único em condições de juntar a tripulação, já que era o único a ter ideia do que fazer para mantê-los vivos. A diferença é que Affleck dá a Sybert tridimensionalidade e torna-o um personagem que gera interesse do público. Enquanto que a atuação de Pine não muda de tom, mesmo depois de infringir as regras para efetuar o resgate ou após conseguir resgatar a todos.

    Ainda que visualmente o filme seja agradável, com a direção de fotografia de Javier Aguirresarobe – conhecido por seu trabalho em Os Outros -, o roteiro falha em manter o ritmo da narrativa, resultando em excessos que dão vontade de abandonar a história antes do desfecho. E se a fotografia é boa – exceto nas cenas românticas -, o mesmo não se pode dizer da trilha sonora que, excessiva, quer se fazer presente a qualquer custo, insistindo em conduzir os sentimentos do espectador.

    Longe de ser um épico, longe mesmo de ser memorável, é uma aventura Disney que enaltece o heroísmo e o espírito de equipe. Deixe-se assistir, apesar do romance mal encaixado e da falta de ritmo nas cenas do barco de resgate.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Amor Fora da Lei

    Crítica | Amor Fora da Lei

    amor fora da lei

    Poetas e contadores de histórias gostam de relacionar o amor ao proibido, e a evolução da associação do sentimento ao que a sociedade vê como reprovável é natural. Tal conceito é utilizado no cinema largamente; por mais repetitivo que seja, o clichê ainda chama a atenção. Recentemente, Amor Bandido atraiu a atenção de quem era fã de Matthew McConaughey e Jeff Nichols ao dar uma abordagem mais diversificada e de ângulo diferente do mito de Bonny e Clyde e do que foi visto em Uma Rajada de Balas. Em Amor Fora da Lei, David Lowery apresenta um clima mais rural e até white trash à máxima, apresentando um casal apaixonado não tão normal quanto a maioria.

    Após uma bela introdução, que põe os cônjuges em uma corriqueira troca de carícias e farpas, Robert Muldoon e Ruth Guthrie (Casey Affleck e Rooney Mara, respectivamente) se põem em um tiroteio, fazendo com que um dos policiais seja baleado. Como um autêntico cavaleiro de armadura, “Bob” assume a autoria do atentado e é levado à penitenciária em uma cena de despedida que transita entre o tocante e o grotesco, com a câmera enquadrando um beijo terno e as vestes imundas pela poeira e pelo pecado de suas ações, que foram causadas de forma direta ou negligentemente.

    Bob não se sente o réu sentenciado que na realidade é, e em virtude disso tenta arranjar a sua liberdade à força, tencionando sua própria fuga em cinco oportunidades, finalmente tendo êxito no sexto tiro. Uma vez na área aberta novamente, ele procura encontrar sua amada numa jornada país adentro, mudando drasticamente a vida de quem ele encontra em sua estrada rumo à perdição.

    Apesar de aparentar no começo o contrário, Ruth aguarda ansiosamente a chegada de seu amado. Fazer os terceiros pensarem que ela teme pela vida de sua filha faz parte da atuação teatral para afastar qualquer suspeita de envolvimento com a fuga de Bob. O nome original da película, Ain’t Them Bodies Saints, remete à ausência de santidade nos envolvidos da trama, qualidade esta que também pode ser interpretada pela falta de inocência e até por certa responsabilidade pelo crime, independente do julgamento parecer desigual.

    A trajetória do fugitivo rumo ao seu destino final o faz praticar o que ele foi acusado de fazer outrora. O rastro de sangue que ele deixa é acompanhado de um sentimento de sobrevivência, mas que não o resguarda da culpa de ter que ameaçar as pessoas e matá-las quando isso se mostra necessário. Sua ida para casa se faz por vias tortuosas; o personagem percorre o caminho sentindo sua vida escorrer pelos dedos. Ignorando o bom senso, ele prossegue em busca de sua musa, mal pensando na própria sobrevivência.

    A cena em que Ruth e Bob finalmente se encontram é singela. A moça tenta guardar suas lágrimas, mas é quase inevitável que ao menos algumas escorram em seu rosto, especialmente depois de toda uma vida esperando por ele. Por estar quase convalescendo, a enfim restrita reunião ocorre, variando entre o presente, nada pessimista e calcado no real, e uma imaginação de ambos abraçados em tempos mais simples, sem toda a arquitetura de bandidos em fuga. Em seus sonhos, Bob vive em uma casa idílica onde o casal poderia morar e ser feliz, num paraíso intocado, distante demais dos áridos dias que ambos sofriam. A sensibilidade com que Lowery trabalha o roteiro é ímpar ao utilizar o conceito de “falar de modo leve de coisas graves” a potências altíssimas, sem recorrer a um sentimentalismo banal.

  • Crítica | Versos de Um Crime

    Crítica | Versos de Um Crime

    Versos de Um Crime

    Presente desde eras anteriores à palavra, a angústia foi definida e analisada como conceito somente nos últimos séculos. Atribui-se à modernidade a culpa pela sensação de urgência em que o indivíduo, diante de um mundo plural, torna-se incapaz de identificar-se com o exterior e compreender seu valor em sociedade. Um mundo novo que negava as tradições anteriores e fazia da razão um dos papéis centrais. Neste espaço de avanços filosóficos, científicos e tecnológicos, além das grandes guerras que assolaram o começo do século, nasce o homem fragmentado.

    Em detrimento das tradicionais biografias cinematográficas que apresentam as personagens em sua totalidade, Versos de um Crime, de John Krokidas, traça a história de uma geração de jovens que viveu sob a incerteza e a angústia da guerra, reconhecendo-se na figura de homens fragmentados.

    Centrado no escritor Allen Ginsberg, a trama acompanha o autor em sua jornada pela faculdade, inicialmente vista como um local primordial de aprendizado mas que, aos poucos, torna-se um espaço formulaico onde o conhecimento não busca a iluminação. Negando seus estudos, Ginsberg encontra um grupo de escritores com o qual pode dividir sua angústia e a urgência em fazer arte numa época em que o conceito artístico parecia desgastado.

    Grande parte da jornada de um escritor divide-se na dúvida primordial de seguir a tradição que lhe é imposta ou rompê-la. Ginsberg e os não menos notáveis William Burroughs e Jack Kerouac, ao lado do amigo Lucien Carr, são jovens de família bem-sucedidas que, embora aceitem a condição em que vivem, sentem-se entediados pelo ambiente ao redor e buscam romper na literatura as amarras de seu tempo.

    Em companhia de seus pares, os escritores retomam grandes poetas transgressores do passado à procura de uma própria forma de romper as estruturas vigentes. Recorrem ao poeta W. B. Yeats, utilizando-o como fruto de inspiração para fundar a própria história, e criam um manifesto que ia contra o conceito literário da época. Um passo importante para demostrar que as regras seriam pervertidas e quebradas.

    A angústia sentida pelas personagens está atrelada à sua própria arte. É necessário entender o deslocamento que vivem para ter a experiência que dará densidade à escrita. Um senso que compreende o passado para também aceitá-lo ou quebrá-lo. Elementos primordiais que definem a própria modernidade, fazendo desta produção uma narrativa metaficcional sobre a própria literatura.

    Reforçando a sensação de ruptura, diversas cenas simbolizam esta metáfora de maneira poética. Vemos escritores bêbados ou afetados por alguma droga à procura de uma nova consciência, rasgando livros clássicos como uma fogueira que pulveriza as tradições. Nada mais justo do que uma história que apresenta grandes poetas da geração beatnik, movimento que fundariam.

    No interior dessas curvas, entre autoconhecimento e negação, um dos personagens assassina um homem mais velho tido como mentor. A morte real de David Kammerer causa naturais cisões no grupo, mas é também o caminho para que Kerouac, Ginsberg e Burroughs encontrem o melhor de seu estilo literário.

    Ainda que a morte tenha sido baseada em fatos reais, ela não deixa de ser funcional como uma metáfora da citada ruptura entre o novo e o velho. Na figura de Kammerer, Michael C. Hall interpreta um homem apaixonado pelo efebo Lucien Carr, e, diante de um amor não correspondido, a personagem se torna obcecada pelo jovem, um caso que ganha trágico desfecho.

    O desejo também é parte da questão de identidade que atravessa as personagens; Ginsberg também sente-se atraído pelo garoto, dando indícios de que este seria um dos primeiros traços de sua homossexualidade. Mais um elemento que seria definidor na carreira do poeta.

    A produção de Versos de um Crime – com péssima tradução do título Kill Your Darlings, parecendo um título de Terror B – demorou cerca de dois anos para ser finalizada. A princípio, por falta de verbas; depois, pela perda de seu ator principal, Daniel Radcliffe que, além de interpretar um dos bruxos mais famosos da nova literatura, sustenta bem o difícil papel do poeta. Demonstrando a dúbia maturidade da personagem, observamos o tédio em que as personagens viviam para, enfim, compreendermos a criação do movimento beat.

    Ao fazer um pequeno recorte histórico que se finda na morte de Kammerer, a produção foge da situação de perfeição de seus biografados e amplia a densidade da angústia que ainda reside no homem contemporâneo, que, após tantas margens e tabus aniquilados, encontra-se à margem de um vazio sem saber sua motivação. Assim como no poema de Yeats no qual os poetas se baseiam para fundar seu manifesto, muitas vezes o tempo é circular. Parte da compreensão do mundo atual deve ser feita retornando ao passado. A vida como meta ficção.

  • Crítica | O Grande Herói

    Crítica | O Grande Herói

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    A intenção do filme de Peter Berg é notada logo em seu título, tanto na versão original – com Lone Survivor – mostrando um sobrevivente solitário, como em toda a pompa do nome brasileiro: O Grande Herói. A história real de um combatente que foi ao Afeganistão atrás de um dos principais asseclas de Osama Bin Laden, tenta pegar carona nos sucessos de bilheteria recentes, que focam a caça aos inimigos mundiais, realizados por Kathryn Bigelow, como Guerra Ao Terror e A Hora Mais Escura. A mesma superação do indivíduo está presente na fita que tem como protagonista o produtor executivo Mark Wahlberg, além de ser claramente uma tentativa de um suspiro por dias melhores por parte do diretor de “sucessos” como Hancock e Battleship: A Batalha dos Mares, tentando emular os melhores momentos do gênero, com uma clara influência de Três Reis, Falcão Negro em Perigo e um ânimo que remete a Platoon.

    Filmes militares edificantes são um sub-gênero clichê e com uma enorme propensão a repetir lugares-comum. O cotidiano dos combatentes residentes no Oriente Médio é muito parecido com o dos filmes que influenciaram Berg. Nas instalações militares prevalece a companhia exclusivamente masculina, o isolamento dos acontecimentos da terra natal dos alistados, armamento de primeira linha, e, obviamente, muitíssimo prolífico e claro, como se todos fossem fiéis ao deus islâmico, barbas bem cultivadas.

    A câmera de Peter Berg registra de forma assaz curiosa a rotina da caça ao terrorista subversivo, mostrando uma evolução visual muito grande por parte do realizador. As partes que mostram a espera pelo melhor momento para o grupo armado dar o bote são muito equilibradas em mostrar o tédio sonolento dos soldados enquanto aguardam a hora H, como também mostra o suspense amedrontador ao menor sinal de que algo pode ou não dar errado para eles, mostrando a tocaia tanto sob os olhos dos orientais possivelmente ligados ao Talibã como dos yankees camuflados na mata. A espera pela solução da questão referente a perseguição do alvo primário é muitíssimo sufocante e agorafóbica e piora quando surge a dúvida entre a libertação ou não dos reféns que aparentavam não ser hostis. O resultado final da discussão deixa em aberto outro debate, o da diferenciação de como identificar quais tipos de civis fazem parte do esforço de guerra inimigo.

    A atmosfera de caça toma conta do filme e a fotografia de Tobias A. Schliessler (que já havia trabalhado antes com Berg e também em Dreamgirls: Em Busca de um Sonho) é excelente pois consegue capturar a essência das trocas de tiros entre os lados distintos. Quase dá para sentir a areia voando após os projéteis acertarem o chão. A mixagem de som, por conta de Andy Koyama, Beau Borders e David Brownlow não foi indicada ao Oscar à toa. Também é um esforço descomunal de execução que beira a perfeição, aumentando a sensação de perigo do espectador junto aos aventureiros da jornada, aliada, é claro, a edição de som de Wylie Stateman.

    A edição de vídeo também é um primor. As escolhas de plano sequência são pontuais e constituem no melhor aspecto da película, sem dúvida, pois o apuro visual nas cenas próximas ao fim do conflito são de tirar o fôlego e qualquer traço de discordância entre o público e os personagens cai por terra, o observador mais atento pode até discutir os motivos dos militares de alta patente, mas não duvidam da motivação dos que sofrem no campo de batalha, pois a empatia é automática e impossível de ignorar.

    O pós-combate é ainda mais impressionante graficamente do que o entrave em si, graças a maquiagem e direção de arte. Os hematomas e feridas abertas desfiguram todos os atores fazendo-os irreconhecíveis até mesmo para as suas mães. A sucessão de infortúnios que invadem a vivência dos sobreviventes ganha proporções homéricas e os combatentes sofrem o diabo. No desespero da troca de chumbo, a técnica dos fuzileiros não faz tanto efeito quanto o esperado e os melhores resultados dos seus esforços são por meio das atitudes movidas pela bravura que pouco calcula riscos e que se vale muito mais de ações voluntariosas do que por escolhas mais sábias e mais pensadas. É até curioso que o socorro por parte dos militares fora de combate somente vem através de um protocolo e de um movimento absolutamente burocrático de informação de coordenadas, composta por um número de dez dígitos. Em que mundo perfeito haveria um desesperado oficial do exército sendo baleado e conseguindo falar de cor a sua localização entre latitude e longitude? Somente em um mundo utópico.

    Uma cena em particular mostra toda a excelência e grandiosidade visual de O Grande Herói, a vista interna do helicóptero atingido pelo míssil RPG sendo destroçado no ar e explodindo no impacto com a superfície é uma das cenas mais impressionantes do cinema de guerra mundial, e presa muito pelo realismo de todos os elementos que a envolvem.

    Quando o personagem principal Marcus Luthrell  se vê voando sozinho e é encarado pelos possíveis inimigos, o ator Mark Wahlberg  passa a apresentar uma atuação lúcida e verídica como há muito não fazia. Seu esforço talvez só iguale à sua participação em Infiltrados. Os sacrifícios físicos mostram um sofrimento sem igual e a dor que ele sente ao ter de se ferir para conseguir sobreviver é gráfica e calamitosa.

    A sua postura à la Rambo nos vinte minutos finais faz perguntar o quanto de toda esta história é de fato algo real, mas até os exageros narrativos são passíveis de perdão graças a todo o esforço em contar a história de Marcus Luthrell por meio de imagens e com pouquíssimo discurso político imperialista, mesmo com a fala final valorizando o esforço dos fuzileiros. Antes dos créditos finais, são mostrados fotos dos militares executados em serviço, algumas vezes acompanhando a sua vida civil. Involuntariamente o guião discute a necessidade belicista dos EUA mostrando grande parte do seu esforço militar perecer tão longe de casa, claro, com pouco pedantismo perto do que poderia ser e ainda contém referências ao Pashtunwali, prática corajosa do povo afegão em proteger um sujeito indefeso mesmo quando isto vai contra os interesses do regime Talibã.

  • Crítica | 360

    Crítica | 360

    360

    Fernando Meirelles ganhou projeção mundial em 2002, quando Cidade de Deus tornou-se um relativo sucesso de bilheteria na França e foi indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Depois disso, o diretor se focou em co-produções entre sua produtora brasileira e estúdios de Hollywood; 360 é resultado de um desses esforços conjuntos.

    O filme apresenta vários núcleos localizados em diferentes partes do mundo, que se entrelaçam formando uma espécie de ciclo de relações humanas. Há a moça eslovaca que se prostitui, o casal inglês em que a mulher tem um caso com um fotógrafo brasileiro, a namorada do fotógrafo que o abandona e volta para o Brasil e o senhor em busca da filha desaparecida.

    À primeira vista o filme se parece incomodamente com Babel, mas Meirelles, ao ser menos pretensioso, acerta mais do que Iñárritu. As histórias contadas aqui não falam de grandes eventos ou questões mundiais, mas são o retrato de pessoas comuns, narrativas íntimas e delicadas que se entrelaçam de forma natural. A estrutura do filme, que apresenta cada núcleo como um episódio ao invés de ir e voltar várias vezes entre eles, também funciona melhor.

    O cinema de Meirelles sempre olhou para o cinema marginal brasileiro e a nouvelle vague francesa, e essas referências se manifestam aqui na simpatia por alguns personagens do “submundo”, na fotografia granulada e no ambiente cru que abrem o filme e, principalmente, em alguns recursos de câmera e montagem. Mas, para um diretor que vem de movimentos que romperam de forma tão forte com o cinema clássico, falta ousadia em 360. Desde a beleza da fotografia até a resolução das histórias, tudo parece correto demais, higiênico e bem resolvido demais; falta no próprio filme o caos que ele busca retratar.

    360 fala de pessoas quebradas, angustiadas, de partes que faltam, e de busca. Cada um dos personagens tem o sentimento de algo perdido e os encontros raramente acontecem como esperado. No entanto, essa sensação de um mundo desencontrado e um pouco fora do eixo não se traduz no filme – nem esteticamente, nem no tratamento da narrativa. Falta o encontro entre tema e forma que Meirelles alcançou em Cidade de Deus e mesmo em O Jardineiro Fiel.

    Além disso, as histórias são irregulares: a das moças eslovacas é consideravelmente melhor explorada e desenvolvida que as outras. Algumas ficam soltas, outras um pouco sem sentido porque falta profundidade e sutileza. No caso do núcleo protagonizado por Anthony Hopkins e Maria Flor, a atuação fraca dela prejudica o que poderia ser o melhor momento do filme.

    360 não é um filme ruim: é um filme bom nos seus melhores momentos e regular quando erra, mas é um filme esquecível. O conceito é interessante e funciona, a fotografia é excelente e a direção de Meirelles é eficiente, mas falta algo que impressione e marque o espectador.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.