Tag: Jack Huston

  • Crítica | Casa Gucci

    Crítica | Casa Gucci

    Crítica Casa Gucci

    Casa Gucci é o filme que traz Ridley Scott de volta as cinebiografias. A obra se baseia no livro Casa Gucci: Uma história de glamour, ganância, loucura e morte de Sara Gay Forden e traz a controversa história do casal formado por Patrizia Reggiani e Maurizio Gucci. A trama se passa ao longo das décadas, e tem por base três períodos distintos, exibindo uma história de amor, ressentimento e ganância.

    O Último Duelo, filme anterior de Scott bastante elogiado, portanto, havia uma grande expectativa em relação à produção de seu novo longa, seja por conta dos bastidores de um império da moda, como pelo elenco, desde o casal de protagonistas composto por Lady Gaga, que vinha de uma atuação elogiadíssima em Nasce Uma Estrela, e o sempre elogiado Adam Driver, como pelos coadjuvantes que incluía Al Pacino, Jeremy Irons, Jared Leto (em outra participação hilária e melancólica), Salma Hayek e Jack Huston.

    Na primeira hora do filme acompanhamos o relacionamento do casal, totalmente baseado no amor, que aparenta ser verdadeiro e completamente puro. Chega a ser estranho, pois até a parcela da família Gucci que compreende Maurizio parece de fato ter uma relação próxima. Em paralelo a isso o mercado da moda é mostrado como algo bastante semelhante à máfia. Com o desenrolar dos anos, acompanhamos uma série de reviravoltas e traições.

    Até se aproximar da metade, o filme é acertado, ainda que existam conveniências de roteiro. Os personagens são erráticos, repletos de tridimensionalidade e carisma. Infelizmente a metade final é bastante irregular. Nos anos finais o que mantém o espectador atento é a curiosidade de como a história se encerrará. Em alguns pontos, o filme parece uma minissérie biográfica com orçamento vultuoso.

    Os momentos finais comprometem bastante os bons momentos do filme. O cineasta repete boa parte dos erros de Todo o Dinheiro do Mundo, embora Casa Gucci tenha um roteiro mais interessante. No final das contas, o longa servirá para tentar angariar uma ou outra indicação ao Oscar e, possivelmente, uma estatueta ou outra para categorias técnicas como maquiagem, figurino e melhor atriz.

  • Crítica | Ben-Hur (2016)

    Crítica | Ben-Hur (2016)

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    O cinema é uma arte peculiar, que permite aos seus realizadores a possibilidade de sempre se reinventar, de expor ideias, técnicas e modos de registro novas. Na contramão desta condição, há a terrível exploração das refilmagens, que ganharam ainda mais popularidade nos últimos anos com a elevação do posto, uma vez que os antigos remakes eram normalmente relegados à condição de filme B e, hoje, são blockbuster. O filme de Timur Bekmambetov consegue ser um misto das duas classificações, com um orçamento astronômico e uma sofrível qualidade, semelhante aos filmes que imitam as produções mais caras.

    Ben-Hur traz Jack Huston como seu personagem-título, o mesmo ator que ficou marcado por ser um ex-soldado deformado e mascarado em Boardwalk Empire. A sorte do intérprete não parece muito grande, uma vez que sua chance de brilhar ocorreu finalmente em um filme tão complicado e mal construído. A primeira hora do épico soa interessante: é explícita e deixa claro para o seu espectador as relações familiares e íntimas de Judah (Huston) e seu irmão adotivo Messala Severus (Toby Kebell, outro artista que precisa urgentemente rever seus projetos, a exemplo do fracasso em Quarteto Fantástico), estabelecendo ali que estes são nobres em meio a uma Judeia muito humilde.

    Cada um dos fraternos tem sua própria versão de amor proibido, mas a atitude diante dessa condição é diferente, com Judah permanecendo em sua terra e o jovem romano tentando provar a si mesmo, e aos outros, que a péssima fama de sua família não corresponde à realidade. Esse pedaço em específico é inteligente em termos textuais, pois consegue deixar claro a relação entre a origem dos personagens – ambos perdidos entre mundo e ideologia – e o poder provindo do império romano, opressor, cruel e sedento por sangue. O grave problema começa nas viradas de roteiro.

    O advento da figura de Jesus, vivido pelo brasileiro Rodrigo Santoro, é bastante atrapalhado. O ator não compromete na figura do Divino, mas a falta de sutileza em todos os seus discursos e atitude revelam uma dramaturgia de extrema pobreza, que passa a declinar ainda mais quando finalmente ocorre um conflito entre os eternos amigos. Apesar de justificar de modo mais detalhado os fatores que fizeram Ben-Hur se rebelar contra Roma, a condução dos fatos é terrível, apelando não só para clichês comuns aos filmes épicos, mas também seguindo uma série de eventos que não fazem qualquer sentido em termos de roteiro.

    O exílio pelo qual o herói passa mostra-o como um homem predestinado, mas seus atos não condizem em momento nenhum com o de um homem que é escolhido por Deus para ser um herói. Hur, em vez de ser um homem honrado, é somente um vingador, um sujeito cego pela vontade de cometer uma revanche. Nem a adição do personagem de Ilderim (Morgan Freeman) consegue frear esse equívoco argumentativo.

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    A construção da figura de mentor presente em Iderim é digna de nota por sua extrema falta de qualidade. Freeman consegue reunir o clichê do mentor invencível sem causa ou motivo algum, de benevolência infinita, de negro místico e de artigo ex machina, uma vez que ele tem penetração em todos os bastidores do Império. Surpreende que o mesmo não consiga trazer o Cesar magicamente até Jerusalém para assistir aos jogos e, claro, para matar o tirano. O sujeito consegue transitar até em meio a corridas de bigas, em um lugar onde só os escravos da coroa conseguiam penetrar, tendo as manhas para desviar inclusive dos corredores, mesmo sendo um homem de idade avançada. Nada que o cerca faz sentido.

    Esta refilmagem de 2016 é reduzida, não só em relação ao tempo de duração quando comparada com o clássico de 1959, mas também em história e cinema. O argumento de Keith R. Clarke e John Ridley consegue piorar a cada passagem de tempo (e são muitas, ao longo dos 124 minutos de duração do filme) trazendo personagens que estariam supostamente mortos, para logo depois estas mesmas pessoas surgirem como amaldiçoadas, com um destino pior que a morte. Após todo o confronto entre os irmãos, o arrependimento de Judah é patético e gratuito, não há arco dramático que justifique a mudança de suas atitudes, e tampouco há justiça na reunião entre os entes no final.

    A conclusão é tão digna de pena que se faz perguntar qual era o objetivo dos produtores e realizadores ao darem à luz um produto tão mal pensado e piegas quanto esta versão. Nem mesmo uma versão cega e tola da fé extrema justifica o conjunto de tropeços otimistas e irreais que a trama segue. Ao ver o Jesus de Santoro se entregando, Judah chorou e, vendo o resultado dessa adaptação de Lew Wallace, é a reação mais acertada mesmo, de lamento por tal ocorrência ter chegado ao grande público.

  • Crítica | Versos de Um Crime

    Crítica | Versos de Um Crime

    Versos de Um Crime

    Presente desde eras anteriores à palavra, a angústia foi definida e analisada como conceito somente nos últimos séculos. Atribui-se à modernidade a culpa pela sensação de urgência em que o indivíduo, diante de um mundo plural, torna-se incapaz de identificar-se com o exterior e compreender seu valor em sociedade. Um mundo novo que negava as tradições anteriores e fazia da razão um dos papéis centrais. Neste espaço de avanços filosóficos, científicos e tecnológicos, além das grandes guerras que assolaram o começo do século, nasce o homem fragmentado.

    Em detrimento das tradicionais biografias cinematográficas que apresentam as personagens em sua totalidade, Versos de um Crime, de John Krokidas, traça a história de uma geração de jovens que viveu sob a incerteza e a angústia da guerra, reconhecendo-se na figura de homens fragmentados.

    Centrado no escritor Allen Ginsberg, a trama acompanha o autor em sua jornada pela faculdade, inicialmente vista como um local primordial de aprendizado mas que, aos poucos, torna-se um espaço formulaico onde o conhecimento não busca a iluminação. Negando seus estudos, Ginsberg encontra um grupo de escritores com o qual pode dividir sua angústia e a urgência em fazer arte numa época em que o conceito artístico parecia desgastado.

    Grande parte da jornada de um escritor divide-se na dúvida primordial de seguir a tradição que lhe é imposta ou rompê-la. Ginsberg e os não menos notáveis William Burroughs e Jack Kerouac, ao lado do amigo Lucien Carr, são jovens de família bem-sucedidas que, embora aceitem a condição em que vivem, sentem-se entediados pelo ambiente ao redor e buscam romper na literatura as amarras de seu tempo.

    Em companhia de seus pares, os escritores retomam grandes poetas transgressores do passado à procura de uma própria forma de romper as estruturas vigentes. Recorrem ao poeta W. B. Yeats, utilizando-o como fruto de inspiração para fundar a própria história, e criam um manifesto que ia contra o conceito literário da época. Um passo importante para demostrar que as regras seriam pervertidas e quebradas.

    A angústia sentida pelas personagens está atrelada à sua própria arte. É necessário entender o deslocamento que vivem para ter a experiência que dará densidade à escrita. Um senso que compreende o passado para também aceitá-lo ou quebrá-lo. Elementos primordiais que definem a própria modernidade, fazendo desta produção uma narrativa metaficcional sobre a própria literatura.

    Reforçando a sensação de ruptura, diversas cenas simbolizam esta metáfora de maneira poética. Vemos escritores bêbados ou afetados por alguma droga à procura de uma nova consciência, rasgando livros clássicos como uma fogueira que pulveriza as tradições. Nada mais justo do que uma história que apresenta grandes poetas da geração beatnik, movimento que fundariam.

    No interior dessas curvas, entre autoconhecimento e negação, um dos personagens assassina um homem mais velho tido como mentor. A morte real de David Kammerer causa naturais cisões no grupo, mas é também o caminho para que Kerouac, Ginsberg e Burroughs encontrem o melhor de seu estilo literário.

    Ainda que a morte tenha sido baseada em fatos reais, ela não deixa de ser funcional como uma metáfora da citada ruptura entre o novo e o velho. Na figura de Kammerer, Michael C. Hall interpreta um homem apaixonado pelo efebo Lucien Carr, e, diante de um amor não correspondido, a personagem se torna obcecada pelo jovem, um caso que ganha trágico desfecho.

    O desejo também é parte da questão de identidade que atravessa as personagens; Ginsberg também sente-se atraído pelo garoto, dando indícios de que este seria um dos primeiros traços de sua homossexualidade. Mais um elemento que seria definidor na carreira do poeta.

    A produção de Versos de um Crime – com péssima tradução do título Kill Your Darlings, parecendo um título de Terror B – demorou cerca de dois anos para ser finalizada. A princípio, por falta de verbas; depois, pela perda de seu ator principal, Daniel Radcliffe que, além de interpretar um dos bruxos mais famosos da nova literatura, sustenta bem o difícil papel do poeta. Demonstrando a dúbia maturidade da personagem, observamos o tédio em que as personagens viviam para, enfim, compreendermos a criação do movimento beat.

    Ao fazer um pequeno recorte histórico que se finda na morte de Kammerer, a produção foge da situação de perfeição de seus biografados e amplia a densidade da angústia que ainda reside no homem contemporâneo, que, após tantas margens e tabus aniquilados, encontra-se à margem de um vazio sem saber sua motivação. Assim como no poema de Yeats no qual os poetas se baseiam para fundar seu manifesto, muitas vezes o tempo é circular. Parte da compreensão do mundo atual deve ser feita retornando ao passado. A vida como meta ficção.

  • Crítica | Trapaça

    Crítica | Trapaça

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    Trapaça trata de um grupo marginal de trambiqueiros com um nível de atuação modesto a princípio, visto o perigo que os acomete a todo momento. O caminho da quadrilha é atravessado por um agente da lei, que após idas e vindas (e trocas amorosas), decide por unir forças a fim de pegar peixes maiores para sua rede – por parte do agente – e livrar a própria cara – por parte do bando.

    O “cabelo” bagunçado e colado no topo da cabeça de Irving Rosenfeld (Christian Bale) prenuncia os percalços que seu personagem sofrerá a frente da operação. O exercício de contenção que ele faz ao ter o topete desarrumado é impagável e serve inclusive para demonstrar a tensão dentro do ramo que escolheu e o quanto de cautela é necessário para ter uma longa subsistência.

    David O. Russell sabe como ninguém trabalhar a imagem de Amy Adams. Todo filme que ele a dirige, a atriz parece ficar ainda mais bela se comparada a outras produções, sem falar que sua atuação só ascende quando contrastada com trabalhos de outros realizadores (exceção, claro, de O Mestre, de Paul Thomas Anderson). Graças ao seu cuidado, inteligência para os negócios e aos seus talentos dramatúrgicos, Sidney Prosser (ou Edith) constitui o par perfeito para os ardis e mirabolantes planos de Irving, fazendo-o praticar algo inédito para si: utilizar-se de sinceridade com uma mulher. A sensualidade que a ruiva passa para tela é absurda e é de causar frisson em senhores que não se acham mais viris. Grande parte disso deve-se a atuação, uma dos elementos mais acertados do filme, a outra boa parte é graças aos seus belíssimos predicados.

    A movimentação de Richard DiMaso (Bradley Cooper) ainda no início da película reconfigura os papéis apresentados, mostrando um poder de adaptação ímpar por parte dos personagens. A narração de alguns deles garante multiplicidade de óticas relativas ao golpe que será aplicado e lembra a abordagem escolhida por Scorsese em Cassino. Não que isto seja um problema, longe disso.

    A predileção do cineasta por relacionamentos fracassados e baseados em infidelidade ganha mais um capítulo nesta produção. A associação da incorreção conjugal à charlatanice repete o que foi visto em Huckabees: A Vida é uma Comédia, jogando os pecados de “integridade honrosa” no mesmo caldeirão, ainda que, dessa vez, a criminalidade, de fato, faça parte da equação. A diferença básica é que neste roteiro a poligamia é uma bandeira levantada: sua validade não é muito discutida, mas a situação é real e tratada como só mais uma forma de relação entre os homens, sem escolher um partido ou mensagem moral.

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    Victor Tellegio é um ótimo retorno de Robert De Niro a um de seus papéis mais confortáveis. O ator é magistral mesmo aparecendo durante pouco tempo na tela, tirando a má impressão após sua decepcionante participação em A Família, de Luc Besson.  Outros coadjuvantes com presenças diminutas se destacam, como Jack Huston fazendo um mafioso que, ao contrário de seu personagem em Boardwalk Empire, não usa máscara, mas que rouba a cena sempre que a câmera o enquadra. Destaque também para Louie C. K. que melhora a cada participação em longas-metragens.

    Obviamente que as atenções (ainda) estão voltadas para Jennifer Lawrence. Sua personagem é uma das mais imprevisíveis, não é a melhor coisa do filme, evidentemente – nem é a melhor atuação, se comparada a de Amy Adams – mas, ainda assim, sua caracterização guarda boas surpresas e evoca alguns dos bons twists da história. As desventuras da beldade de orgulho ferido garantem situações das mais curiosas e interessantes do roteiro.

    O trâmite do plano final é tão dúbio que chega a ludibriar até o espectador mais atento, visto que é complicado tentar prever os próximos passos do grupo de Irving graças à imprevisibilidade e raciocínio caótico de seu líder.  O nível de envolvimento de cada personagem só é comprovado após o desfecho, e, mesmo com os destinos finais, os que (aparentemente) têm um bom fim, não o têm sem questões incômodas; a perfeição passa longe de suas vidas. O roteiro de Russell e Eric Warren Singer é finalizado com uma mensagem aparentemente idílica e otimista, mas não tão clara, mais uma vez emulando Martin Scorsese (e Nicholas Pileggi) em Os Bons Companheiros. Trapaça é uma ode ao cinema de Scorsese, especialmente à filmografia ligada à temática da criminalidade, e é reverencial, em suma. Portanto, não desrespeita suas referências, ao contrário, as idolatra e lhes dá um tempero de atualidade e contemporaneidade sem maiores complicações.

    Ouça nosso podcast sobre a filmografia de David O. Russel.