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  • Crítica | Joy: O Nome do Sucesso

    Crítica | Joy: O Nome do Sucesso

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    Cinebiografia baseada na história da empresária e inventora Joy Mangano, a nova produção de David O. Russell em parceria com Jennifer Lawrence traz à vida a oscarizada atriz no papel-título, apresentando a si um novo desafio: encarar o papel de uma senhora empreendedora bem mais velha que seus vinte e poucos anos, no árduo caminho que fez até tornar suas marcas Miracle Mop e Huggable Hangers em sinônimo de um resultado glorioso.

    O lugar comum de Joy envolve uma conturbada relação com seu ex-marido Tony (Edgar Ramirez), que vive em seu porão, juntando a isto a chegada de seu pai Rudy (Robert DeNiro), fato que desconfigura completamente sua já atrapalhada rotina. De início, a história de Russell e Annie Mumolo (atriz e co-roteirista de Missão Madrinha de Casamento) estabelece uma conversa metalinguística com um programa televisivo, antecipando acontecimentos reais da vida da biografada, ainda que o escopo neste se assemelhe demais as novelas mexicanas vinculadas a Televisa, repletas de um dramalhão exagerado e pouco condizente com a realidade.

    A principal crítica negativa relativa a personificação de Lawrence é até aludida em um dos diálogos, com o xingamento de uma cliente a Joy, afirmando que ela não aparenta ser jovial. O gracejo serve basicamente de resposta bem humorada, por parte do cineasta, em prol da defesa de sua colaboradora recorrente. Tudo em Joy parece servir de degraus para mais premiações e reconhecimentos ao esforço dramatúrgico da estrela, uma vez que até os momentos fantasiosos do argumento são semelhantes aos clichês de contos de fadas, alguns mais acertados do que outros, o que demonstra certa irregularidade na exploração deste recurso.

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    A forma de abordagem do tema se assemelha bastante a outro momento da filmografia de Russell, como visto em O Lado Bom da Vida. A pecha de resolução positivista de empreendedorismo que se esperava dá lugar a um caminho com alguns agressivos argumentos de auto ajuda, em especial após a primeira meia hora de duração, que é quando a personagem apresenta sua ideia de esfregão super poderoso. O fato de situar a protagonista em meio a uma família disfuncional assemelha mais ainda este ao filme de 2012 sobre depressão, mas neste, mais parece uma muleta emotiva na maior parte das vezes,  soando frívolo e redundante.

    Há uma queda vertiginosa de qualidade entre um período e outro de filme. Toda a publicidade em volta do novo produto e estratégias de venda soam toscas e baratas, semelhantes aos folhetins televisivos latinos. Até a aparição de Neil Walker (Bradley Cooper) soa falsa e repentina. Outro pedaço da história que não faz sentido é a tentativa de embelezar a figura de Joy, que já está claramente bem apessoada com as feições e curvas de J-Law.

    Os méritos de Russell passam por sua direção e nos takes diretos. O uso extensivo de super closes é certeiro, a esse aspecto é somado um movimento de câmera acelerado, emulando a velocidade de um disparo de pólvora, evidentemente referenciando a questão do pioneirismo da mulher biografada.

    O desequilíbrio entre uma direção inventiva e um roteiro com alguns tropeços piegas é evidente, o que faz o saldo de Joy O Nome do Sucesso ser menos positivo do que A Trapaça e O Vencedor, ao mostrar uma trajetória demasiada adocicada sob um escopo agridoce, focando quase exclusivamente no período em que Magano era anônima, tendo em seu currículo apenas sua vontade de vencer os obstáculos que se punham a frente e claro, a luta por sobreviver em um ambiente familiar hostil e controverso, como é praxe da filmografia de Russell.

  • Crítica | Três Reis

    Crítica | Três Reis

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    Três Reis começa como um sinal de mudança de tempos, anunciando a metamorfose da era belicista americana, retratando a Guerra do Golfo sob uma ótica singular e engraçada. A maneira jocosa, totalmente diversa de como era retratada o conflito pela imprensa (a época) e mais diferenciada ainda da cobertura que fora realizada na guerra americana anterior: Vietnã – foi uma boa maneira de David O. Russell mostrar que os tempos eram outros, esta era a Guerra da Mídia, em Nam a opinião pública derrubou os EUA, e este erro teria de ser evitado a todo custo.

    A aventura com premissa escapista joga o trio de protagonistas numa curiosa caça ao tesouro, repaginando os filmes de pirata, atualizando-o não só na linguagem textual, mas também nos cenários, saindo os sete mares para explorar o desértico cenário do Oriente Médio e tirando os estereótipos de piratas desregrados e maltrapilhos, pondo militares porra loucas no lugar.

    A obstinação da repórter Adriana Cruz (Nora Dunn) em busca do furo é digna de nota, especialmente se comparada as atitudes de sua rival (Cathy Deitch, feita pela já maravilhosa Judy Greer), dois lados da investigação jornalística são mostradas e suas procuras pelo sucesso ajudam a compor o quadro louco da trama proposta pelo roteiro.

    A edição do filme privilegia o tema da comédia, mostrando a caça pelo ouro e a tentação dos soldados em embolsar os valores, mas a história transita entre isso e demonstrações de maus tratos aos cidadãos iraquianos. O propósito dessas transições é mostrar humoristicamente o quão ambígua é a relação entre o povo e seu ditador, revelando o pouco apoio da plebe a imposta e autodeclarada autoridade local. Mesmo os “bravos” yankees não são unânimes quanto ao nível de interferência que deveriam empregar na situação. Em muitos momentos a comédia é posta de lado, fazendo do filme um filhote de Dr. Fantástico de Stanley Kubrick, abusando do humor negro para provar seu ponto. As cenas violentas são registradas numa velocidade diferente, truncada, quase como se Russell estivesse registrando-as a contragosto – a guerra é impessoal, é devastadora com quem está envolvido nela.

    O foco, depois da captura de Troy Barlow (Mark Wahlberg) muda, a câmera na mão prevalece em detrimento das cenas em terceira pessoa, a intenção é imergir o público na incomoda sensação da captura e na transformação, de um caçador de um baú lotado de opulência para o estado miserável de um simples refém. Nesse estágio, o roteiro permanece repleto de situações engraçadas, mas as piadas são não mais os percalços da procura pela riqueza e sim as promessas infundadas de que o governo de Bush Primeiro auxiliaria a castigada escuma iraquiana.

    As cenas que mostram os órgãos internos sendo alvejados pode ser encarado como uma alegoria as feridas dos militares retratados, que superficialmente parecem bem e motivados, mas que por dentro estão apodrecendo, graças a situações que se meteram graças a sua cobiça desmedida. A motivação de Elgin (Cube), Gates (Clooney) e Barlow muda e a frustração por não conseguir prosseguir com a sua missão é maior que sua fome pelo ouro. A nobreza dita no título se manifestaria nas atitudes do trio, que após a odisseia mudaram sua postura a fim de se diferenciar dos seus superiores engravatados, o desfecho pode ser encarado como piegas, especialmente graças a mensagem edificante, mas também pode ser visto como uma evolução na jornada dos personagens, e neste ponto, o trabalho de David O. Russell é competentíssimo.

    Ouça nosso podcast sobre a filmografia de David O. Russel.

  • Crítica | Huckabees: A Vida é uma Comédia

    Crítica | Huckabees: A Vida é uma Comédia

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    A introdução escolhida para este I Heart Huckabees é um arroubo de insatisfação do ativista ambiental e poeta frustrado Albert Markovski, personagem de Jason Schwartzman, inconformado com a transformação que o pântano vizinho a si sofrera, sendo praticamente dizimado, sobrando uma única rocha – sua insignificância é tão grande que chega a dar pena e não simpatizar com o personagem é praticamente impossível.

    Mais uma vez David O. Russell escolhe um protagonista neurótico e inseguro para ser o herói de sua jornada, mostrando o homem pequeno diante do destino, buscando mais uma vez uma boa razão para existir. Diferente de Procurando Encrenca, onde o personagem principal buscava sua origem, procurando a raiz de sua árvore genealógica, Albert procura a outra ponta de sua vida, tentando entender onde chegaria. A película é ainda mais idílica e surreal que a anterior do realizador, mostrando uma organização que investiga as vicissitudes da vida com uma abordagem lúdica e um tanto nonsense flertando com surrealismo, através de um transe meditativo que eleva a psiquê do paciente a um estágio em que este desconstrói as figuras importantes de sua vida para encontrar a razão de seus problemas.

    A personagem de Naomi Watts é a prova da obsolescência programada do homem dentro do sistema de extremo capitalismo. Ela quase nunca é chamada por seu nome (Dawn Campbell), mas sim por uma alcunha – a voz da Huckabees – mostrando uma demasiada falta de identidade, praticamente inexistente. Seu clamor por atenção é legítimo, já que atrás do sorriso, do corpo perfeito, sem rugas ou imperfeições esconde-se uma alma aflita que vê se avizinhar a velhice e a perda do que a distingue da multidão, sem falar que sua garota propaganda em depressão é algo genial por si só.

    Huckabees fala do mundo corporativo, da impessoalidade que um lugar repleto de empresas que só visam o lucro e de como os homens vivem neste ambiente, perdendo sua individualidade e sendo tratados por meio de estereótipos. Mesmo os ramos que deveriam não se pautar nisto sofrem com competições mil por clientes que deveriam ser únicos e não estereotipados. Artifícios como máquinas de sucção de insegurança e repositores de bons climas mostram o quão mecânico tornou-se o trabalho dos Jaffes. Uma saída plausível seria a junção de Tommy Corn (Mark Wahlberg) a Albert, a fim de que ambos conseguissem a transcendental mudança de perspectiva – outro clichê psicológico de solução por meio de apoio mútuo, associando duas almas igualmente perturbadas e alinhadas com pensamentos pró-ecológicos e até alinhados a esquerda, necessariamente avessos aos pilares de tradição, família e propriedade. Mesmo com esta jogada de sucesso pretensamente garantido, a união não garante lograr êxito, visto que o discurso dos dois é agressivo e não sabe se adequar aos adeptos mais conservadores – a crítica é clara ao problema comum das “minorias”, que tentam defender os marginalizados sem se fazer entender aos incautos.

    A linha de raciocínio dos investigadores do inconsciente defendida por Vivian (Lily Tomlin) e Bernard (Dustin Hoffman) é muito pautada no otimismo, enquanto para Caterine Vauben (Isabelle Huppert), a vida é um conjunto de eventos tragicômicos organizados ao acaso, a disputa é quase como uma luta entre sofistas e niilistas pela atenção do indivíduo à procura do “algo”. Tal embate deixa Albert e Tommy confusos, e cada um embarca de forma diversa na viagem proposta pelos analistas.

    Albert precisa ver o seu nêmese Brad (Jude Law) no momento mais decadente para finalmente ter sua epifania – que serve para si e também para reflexão dos terapeutas rivais. A crise do ser e a autocomiseração são unidas, o ponto de coalizão, o lugar onde os diferentes podem achar suas semelhanças, perceber que não há tanta distinção entre seus estados de espíritos e tornarem-se um. O roteiro de O. Russel e Jeff Baena pode e deve gerar múltiplas interpretações, e as ramificações destas são infinitas, mas a linha guia dele passa pelos incômodos inerentes a vida humana e como cada individuo tende a tratar disto, mesmo os descompensados e os mentalmente desequilibrados.

    Ouça nosso podcast sobre a filmografia de David O. Russel.

  • Crítica | Procurando Encrenca

    Crítica | Procurando Encrenca

    flirting with disaster

    O texto de Procurando Encrenca é iniciado de forma nonsense, com uma discussão sobre a descoberta da verdadeira mãe de Mel Coplin, personagem de Ben Stiller. O método escolhido e a série de eventos que ocorre logo após isso é uma ótima forma de demonstrar o quão bagunçada é a vida do personagem e justifica toda a sua neurose, insegurança e conservadorismo em relação ao sexo. A inserção por parte do público é automática.

    O elenco semi-estelar a época – com Tea Leoni, Patricia Arquette, Josh Brolin, etc – não esconde o caráter artesanal e barato da produção, tampouco o clima de comédia de situação, pervertida em muitos pontos, mas que transpira naturalidade e lugar comum: toda essa familiaridade aumenta o escopo do inesperado e faz as piadas inesperadas funcionarem ainda melhor.

    Tudo é tosco, até a forma de Mel flertar com outrem é rudimentar e grosseira, além disto, as indiscrições ocorrem nos locais menos apropriados possíveis. Além do caráter proibitivo do namorico em primeira instância, o evento ainda é feito de forma agressiva e desmoderada – os filmes de Russell neste início de carreira têm uma temática em comum, grifando demais as tensões sexuais entre “entes proibidos”.

    A busca de Mel por sua origem genética é uma manifestação da avidez que sente por fugir de sua antiga vida, repleta de neuroses e algumas outras anomalias mentais, mas nada poderia prepará-lo para a odisseica aventura que sofreria ao atravessar o país atrás de seus pais. Os múltiplos enganos ao tentar achar a real identidade de seus genitores é confusa, mas não é nada comparada ao road movie carnavalesco de relacionamentos ilícitos e inter-sexuais, a maneira como cada uma das pontas do “pentângulo” amoroso reage é diversa, mas o tom de quase todas elas é muito regado de cinismo e desfaçatez. O curioso é que o grito de moralidade que ocorre dentro dessa situação é de Paul (Richard Jenkins), um personagem que deveria ser a antítese disto, visto que é um homossexual que vive dentro de seu armário e que tem muito receio de se expor graças a profissão que exerce como policial – o que demonstra que apesar de sua orientação sexual, não é muito diferente de seus colegas de farda quanto ao conservadorismo em relação a questões ligadas a monogamia.

    Os Schliting, verdadeiros pais de Mel – feitos pelos ótimos Alan Alda e Lily Tomlin – são absolutamente desequilibrados. A capa de superficial felicidade familiar esconde um passado marginal e uma rotina ainda pautada na ebriedade, no ácido, boemia e falta de lucidez mesmo nas atividades corriqueiras. O desequilíbrio que impera na vida de seus progenitores reflete nas atitudes de Mel, mesmo sem ter tido contato com eles durante sua vida, a insanidade parece estar impressa no DNA deles e cada um dos indivíduos enfrenta isso a sua maneira.

    Ao final, a mãe adotiva de Mel vê com maus olhos a possibilidade de um casal gay criar uma criança, argumentando que tal cópula traria um conjunto de neuroses desnecessárias para um infante – o que é no mínimo curioso, diante do desequilíbrio emocional que ocorre com a matriarca dos Coplin. O tempo todo David O. Russell brinca com os estereótipos familiares e critica a hipocrisia ocidental, especialmente quando comparados os homens de família com os ditos desajustados. O guião comprova que a pretensa normalidade pregada pelo americano médio não garante uma psiquê saudável e livre das inconveniências da insanidade “moderada”.

    Ouça nosso podcast sobre a filmografia de David O. Russel.

  • Crítica | A Mão do Desejo

    Crítica | A Mão do Desejo

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    O jovial primeiro filme de David O. Russell como diretor se inicia focando em Ray Albelli (Jeremy Davies), um universitário comum com aparência mais jovem do que realmente é e que viaja de ônibus em direção a casa de seus pais. Os problemas que o incomodam enormemente são ligados aos seus genitores, que parecem viver seu próprio inferno astral e fazem questão de incluir o rebento nestas crises. A introdução é perfeita em ambientar o personagem, em cinco minutos a empatia pelos dramas do rapaz é plenamente alcançada, o público torna-se capaz de entender suas agruras.

    Os anseios de Ray são os mais normais e ordinários possíveis, seu habitual mundinho teenager é inconvenientemente invadido pela condição fracassada de suicida de sua mãe, e no lugar de um sentimento de compaixão por ela,  ele se mostra o tempo todo incomodado com a situação. A nova rotina dele transpira inadequação, seja nos banhos que é obrigado a dar na matriarca ou pelo carente cachorro, que o atrapalha sendo um voyeur inesperado e inoportuno quando este decide “socar o macaco” e aliviar suas tensões – o tempo inteiro ele está aflito e apreensivo.

    A notícia de que Raymond finalmente iria para Washington, ingressar no seu estágio e logicamente começar a traçar sua vida adulta abala a convivência (após muito esforço) prazerosa entre ele e sua mãe, interpretada por uma provocante Alberta Watson. A tratativa entre os dois transita entre muitos estágios, desde as cobranças comuns até outras obsessões motivadas, entre outras coisas graças a obsessão pelo gozo jamais consumido de Ray.

    Quando a família volta a estar composta por inteiro, na casa, as coisas ficam ainda mais confusas. Há uma clara aversão entre os cônjuges e com o passar do tempo isto parece irreversível e a situação pecaminosa evolui, deixando a possibilidade de um deslize movido pelo álcool de lado, para se caracterizar cada vez mais com uma aventura proibida, ciumenta, taxativa e repleta de cobranças exclusivistas.

    A situação torna-se insustentável para Raymond, ao ponto dele tentar alternativas externas, para finalmente resolver os imbróglios que se apresentam a ele. Sua atitude ainda não condiz com a de um adulto mas suas reações tem uma plausibilidade razoável analisando-se a situação como um todo, especialmente considerando o quão entrópica é a série de eventos que ocorreram consigo desde que retornara  ao seu antigo lar.

    A vontade de não mais existir ocasiona sua tentativa de fuga, num rompante de tentar viver uma vida diferente da que levara anteriormente, talvez não exitosa ou cheia de esperanças de um futuro próspero como era antes, mas sem os demônios que tanto afligiam aquele Ray Albelli. A estreia de David O. Russell como realizador autoral é interessante, e desde já toca em temas espinhosos, sem muito receio em chocar o público, mas sem parecer desrespeitoso aos olhos de espectador menos afeito a temáticas mais querelas no âmbito da família americana.

    Ouça nosso podcast sobre a filmografia de David O. Russel.

  • Crítica | Trapaça

    Crítica | Trapaça

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    Trapaça trata de um grupo marginal de trambiqueiros com um nível de atuação modesto a princípio, visto o perigo que os acomete a todo momento. O caminho da quadrilha é atravessado por um agente da lei, que após idas e vindas (e trocas amorosas), decide por unir forças a fim de pegar peixes maiores para sua rede – por parte do agente – e livrar a própria cara – por parte do bando.

    O “cabelo” bagunçado e colado no topo da cabeça de Irving Rosenfeld (Christian Bale) prenuncia os percalços que seu personagem sofrerá a frente da operação. O exercício de contenção que ele faz ao ter o topete desarrumado é impagável e serve inclusive para demonstrar a tensão dentro do ramo que escolheu e o quanto de cautela é necessário para ter uma longa subsistência.

    David O. Russell sabe como ninguém trabalhar a imagem de Amy Adams. Todo filme que ele a dirige, a atriz parece ficar ainda mais bela se comparada a outras produções, sem falar que sua atuação só ascende quando contrastada com trabalhos de outros realizadores (exceção, claro, de O Mestre, de Paul Thomas Anderson). Graças ao seu cuidado, inteligência para os negócios e aos seus talentos dramatúrgicos, Sidney Prosser (ou Edith) constitui o par perfeito para os ardis e mirabolantes planos de Irving, fazendo-o praticar algo inédito para si: utilizar-se de sinceridade com uma mulher. A sensualidade que a ruiva passa para tela é absurda e é de causar frisson em senhores que não se acham mais viris. Grande parte disso deve-se a atuação, uma dos elementos mais acertados do filme, a outra boa parte é graças aos seus belíssimos predicados.

    A movimentação de Richard DiMaso (Bradley Cooper) ainda no início da película reconfigura os papéis apresentados, mostrando um poder de adaptação ímpar por parte dos personagens. A narração de alguns deles garante multiplicidade de óticas relativas ao golpe que será aplicado e lembra a abordagem escolhida por Scorsese em Cassino. Não que isto seja um problema, longe disso.

    A predileção do cineasta por relacionamentos fracassados e baseados em infidelidade ganha mais um capítulo nesta produção. A associação da incorreção conjugal à charlatanice repete o que foi visto em Huckabees: A Vida é uma Comédia, jogando os pecados de “integridade honrosa” no mesmo caldeirão, ainda que, dessa vez, a criminalidade, de fato, faça parte da equação. A diferença básica é que neste roteiro a poligamia é uma bandeira levantada: sua validade não é muito discutida, mas a situação é real e tratada como só mais uma forma de relação entre os homens, sem escolher um partido ou mensagem moral.

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    Victor Tellegio é um ótimo retorno de Robert De Niro a um de seus papéis mais confortáveis. O ator é magistral mesmo aparecendo durante pouco tempo na tela, tirando a má impressão após sua decepcionante participação em A Família, de Luc Besson.  Outros coadjuvantes com presenças diminutas se destacam, como Jack Huston fazendo um mafioso que, ao contrário de seu personagem em Boardwalk Empire, não usa máscara, mas que rouba a cena sempre que a câmera o enquadra. Destaque também para Louie C. K. que melhora a cada participação em longas-metragens.

    Obviamente que as atenções (ainda) estão voltadas para Jennifer Lawrence. Sua personagem é uma das mais imprevisíveis, não é a melhor coisa do filme, evidentemente – nem é a melhor atuação, se comparada a de Amy Adams – mas, ainda assim, sua caracterização guarda boas surpresas e evoca alguns dos bons twists da história. As desventuras da beldade de orgulho ferido garantem situações das mais curiosas e interessantes do roteiro.

    O trâmite do plano final é tão dúbio que chega a ludibriar até o espectador mais atento, visto que é complicado tentar prever os próximos passos do grupo de Irving graças à imprevisibilidade e raciocínio caótico de seu líder.  O nível de envolvimento de cada personagem só é comprovado após o desfecho, e, mesmo com os destinos finais, os que (aparentemente) têm um bom fim, não o têm sem questões incômodas; a perfeição passa longe de suas vidas. O roteiro de Russell e Eric Warren Singer é finalizado com uma mensagem aparentemente idílica e otimista, mas não tão clara, mais uma vez emulando Martin Scorsese (e Nicholas Pileggi) em Os Bons Companheiros. Trapaça é uma ode ao cinema de Scorsese, especialmente à filmografia ligada à temática da criminalidade, e é reverencial, em suma. Portanto, não desrespeita suas referências, ao contrário, as idolatra e lhes dá um tempero de atualidade e contemporaneidade sem maiores complicações.

    Ouça nosso podcast sobre a filmografia de David O. Russel.

  • Crítica | O Lado Bom Da Vida

    Crítica | O Lado Bom Da Vida

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    No brasileiro Lisbela e o Prisioneiro, a mocinha interpretada por Débora Falabella, entusiasta de histórias românticas no cinema, faz uma afirmação que determina os princípios deste estilo de narrativa. Diz ela que normalmente o desenlace é previsível, importando a maneira como a história é conduzida.

    Em breves linhas, uma história de amor sustenta-se em dois possíveis finais: o viveram felizes para sempre, a maneira cinematográfica de demonstrar que a história deu certo; ou a desilusão amorosa que comumente ainda é otimista, visando uma recuperação breve da personagem.

    Talvez a simplicidade narrativa deixe mais aparente a sensação de repetição em diversas tramas semelhantes. Ainda é cedo para afirmar, mas observo uma nova tendência na narrativa americana de romance, inserindo uma história além da composição amorosa para aprofundar a carga dramática. Motivo pelo qual não tive empatia por Procura-se Um Amigo Para o Fim do Mundo, que, apesar do fundo de destruição mundial, não passa de uma história de duas personagens à procura de preencher seu vazio existencial.

    Em O Lado Bom da Vida, Pat e Tiffany são duas personagens que tentam se reintegrar à sociedade. Pat esteve oito meses em uma clínica psiquiátrica após flagrar sua esposa com um amante. Tiffany sofre a perda do marido com um pequeno colapso que a fez se entregar para diversos homens tentando preencher sua tristeza.

    A intenção da trama é apresentar duas personagens com cisões internas e de frágil psicologia que, por um passado problemático em comum, se aproximam. Mas, além de desenvolver este pano de fundo, não há a intenção de utilizá-lo como carga dramática no interior da história para que o público compreenda como é trabalhosa e difícil a recuperação de uma crise de nervos e de outros problemas psicológicos.

    Tem-se a impressão de que, em diversos momentos, as próprias personagens se esquecem dos infortúnios de seu passado. Como se tais artifícios estivessem presentes somente para mascarar a falta de criatividade ou justificar algumas ações exageradas em uma narrativa que o público sabe como termina.

    Pela fragilidade de tais elementos, a trama recorre a personagens secundárias para se sustentar, espaço preenchido pela família de Pat, com um Robert De Niro fanático por esportes e apostador profissional. É este o núcleo que sustenta parte da história até o início da inevitável aproximação amorosa.

    Bradley Cooper e Jennifer Lawrence trabalham bem em seus papéis de demonstrar talento para sustentar uma produção. Mas focam a sensibilidade emotiva somente para o romance visto em cena, parecendo-nos evidente que o passado psicológico é funcional somente para gastar tempo em cena, como uma ponta solta que, se cortada, daria mais força ao romance, que trabalha de maneira ineficaz um argumento potencialmente bom.

    Ouça nosso podcast sobre a filmografia de David O. Russel.