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  • Crítica | King Kong (2005)

    Crítica | King Kong (2005)

    Peter Jackson é um diretor diferenciado, na época em que fazia filmes B na Nova Zelândia como Trash: Náusea Total ou Fome Animal ele mostrava um grande amor pelos filmes de terror de baixo investimento e frutos do exploitation, o mesmo ocorre quando adaptou os romances de J.R.R. Tolkien, demonstrando um apreço ao texto original. Quando ele decidiu lançar a sua versão de King Kong, também foi assim. As críticas em volta da sua produção foram muitas, mas é indiscutível que existe um esforço para expandir a trama e a abordagem do King Kong de 1933.

    Quando foi lançado para o cinema, o longa já era muito extenso, e ao ser lançado para o mercado caseiro ainda teve o acréscimo de 14 minutos adicionais no que foi conhecido como a Versão Estendida do diretor. O filme é uma ode ao cinema, seja na apresentação que transforma o logo da Universal no que era comum em 1933 ou nas referências que o Carl Denham de  Jack Black faz a um certo Cooper, na verdade Merian C. Cooper, produtor e diretor do primeiro filme, além disso, o nome do navio é Venture Surabaya, em atenção ao cenário do começo de King Kong de 1976, que teve uma estratégia diferente em contar sua história.

    O roteiro Jackon, Fran Walsh e Philippa Boyens expande e dá substância ao universo criado, além de tempo de tela e propósito para os personagens humanos, de um modo que as outras encarnações não deram. As tramas humanas não são meros pretextos para ludibriar o macaco ou o público, embora passem longe de serem perfeitas, pois todos eles acabam com envolvimentos sentimentais em demasia, fazendo com que o filme soe melodramático em excesso.

    Da parte do elenco, não há muito o que reclamar. Por mais artificial que alguns diálogos pareçam (especialmente os da tripulação do Venture), Black, Adrien Brody, Naomi Watts, Thomas Kretschmann, Colin Hank, Jamie Bell e Kyle Chandler tem desempenhos assertivos. O design de produção unido ao esforço dramático dos atores criam uma atmosfera única, as vezes sabotada pelos maneirismos que Jackson emprega e pela falta de lógica no comportamento de criaturas selvagens.

    O macaco é visualmente impressionante. Os pelos, textura e tamanho aliado a atuação que Andy Serkis emprega dá peso e realidade ao personagem. Se Kong deveria agir como um gorila gigante ou como um outro passo evolutivo da espécie é uma discussão válida, mas dentro da escolha narrativa que Jackson faz, Serkis entrega um desempenho excelente, esforço que reforça a ideia de que natureza intocada é algo belo e harmônico, que só se mostra destrutiva quando ocorre a ação do homem, supostamente, civilizado.

    As cicatrizes, os dentes quebrados e o caráter arredio são mostras de que Kong lutou muito para sobreviver. O cuidado em tornar uma criatura digital lidar com o mundo selvagem e urbano foi bem retribuído, e são poucas as cenas em que os efeitos digitais parecem falsos. Na parte da cidade, o filme segue com os mesmos problemas ligados a pieguice. Certamente, King Kong de Peter Jackson é repleto de boas intenções e poderia ser tão querido quanto as encarnações de John Guillermin e Cooper foram na sua época, mas acabou se tornando o primeiro de vários filmes do diretor neozelandês que foram encarados como enfadonhos, ainda que seja repleto de méritos.

  • Crítica | O Castelo de Vidro

    Crítica | O Castelo de Vidro

    Você já teve a oportunidade de assistir o filme Short Term 12? Se não, assista, é um filme de 2013 lindamente escrito e dirigido por Destin Daniel Cretton e entrega uma atuação de Brie Larson superior até do que sua atuação em O Quarto de Jack, que a rendeu o Oscar. Os dois, Destin e Brie, refizeram a parceria no ano passado em O Castelo de Vidro e o resultado não poderia ter sido mais decepcionante.

    O filme é baseado no livro escrito por Jeannette Walls (personagem de Larson) e conta sua história real (pode ser encontrado aqui ou aqui). Revezando entre o início da década de 90 e flashbacks de sua infância, acompanhamos Jeannette, suas duas irmãs e um irmão e a relação com seus pais nômades e disfuncionais, a mãe é uma artista frustrada e o pai, grande centro da história, é um alcoólatra.

    O longa é mais do que qualquer coisa um filme confuso, enquanto a temática vai se revelando cada vez mais pesada e complexa, o longa faz questão de ir jogando panos quentes e evitando que determinadas vertentes não sejam tão aprofundadas ou tenham o espaço suficiente para serem notadas pelos olhos mais desatentos. Rex, o pai da família e interpretado por Woody Harrelson, é um personagem detestável e esse é o maior gás do filme, são as ações controversas desse pai de família que fazem a história de Jeannette tão interessante, e o próprio ator entendeu isso muito bem e entrega uma das suas maiores atuações da carreira, mas isso acaba sendo invisibilizado pelo melodrama barato que o diretor injeta nessa problemática.

    A mãe, que é interpretada por Naomi Watts, não chega nem a ser de fato uma personagem, ela está sempre nos fundos, reagindo ás coisas e soando cada vez mais caricata, até a maquiagem feita em Watts para lhe fazer parecer mais velha é caricata. O trabalho da atriz é o pior de sua carreira e não que isso seja total culpa sua, é clara a falta de interesse que o roteiro tem em tridimensionar a personagem, assim como outros personagens e temas. Ela só não fica atrás do noivo de Jeannete, que além de ser outro personagem caricato, é sem personalidade e protagoniza as cenas mais vergonhosas e desinteressantes do longa.

    Assim como Harrelson, a protagonista também entendeu sua personagem mais do que o diretor e entrega bons momentos, mas absurdamente prejudicada pela direção não inspirada de Destin. Direção essa que faz bem em retratar várias fases do espírito norte-americano, é notável o objetivo do cineasta em recriar ideais norte-americanos através das décadas, ainda mais quando se fala em polaridade, mas ele falha quando vai contar a história de seus personagens.

    O Castelo de Vidro entretém, pode se relacionar com muitos filhos e pais e até emocionar, mas é o tipo de filme que precisava de um olhar minucioso e responsável, não que o filme não possa ser inspirador ou “bonito”, mas que faça isso de forma coerente, não é te forçando a gostar de um personagem que você acabou de ver deixar os filhos três dias sem comida, ainda mais sem dar mais camadas a ele. Faltou coragem e uma mão firme para contar essa história, o final tenta triunfar ao falar sobre perdão e legado, mas sabe-se que nada disso funciona quando o caminho até ali não foi bem construído. Então repito, se quer ver um bom filme, que trate de temas complexos, perdão e família, deixe este filme de lado e dê uma chance a Short Term 12.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

  • Crítica | Senhores do Crime

    Crítica | Senhores do Crime

    Com roteiro de Steven Knight, esta é mais uma parceria de David Cronenberg e Viggo Mortensen que, a exemplo de Marcas da Violência, deu certo. Tanto a direção de Cronenberg como a atuação de Mortensen estão impecáveis. Uma ótima explanação sobre como construir uma narrativa concisa e estruturar um personagem excepcionalmente crível. É perceptível a evolução de ambos, em comparação ao anterior.

    Assim como Marcas da Violência, o filme se inicia com cenas fortes, perturbadoras. Mal tendo tempo se ajeitar na poltrona, o espectador assiste a um acerto de contas bastante sangrento em uma barbearia e a um parto – igualmente trágico – de uma adolescente que morre ao dar à luz. As sequências dão início às duas linhas narrativas da trama: uma vingança familiar envolvendo a máfia russa de Londres e o destino de uma jovem imigrante sob a proteção de um clã, cuja trajetória será revelada aos poucos através da tradução de seu diário.

    A crueza e a violência não são gratuitas. A direção segura de Cronenberg não deixa que descambe para a banalidade. Apesar de o espectador saber desde o início que a trama envolve a versão russa da Cosa Nostra ou da Yakuza, a Vory v Zakone, fica difícil categorizar o longa-metragem. Os detalhes da estória e do caráter de cada personagem são revelados aos poucos, causando certa inquietação enquanto assistimos. Não há como prever o que virá a seguir.

    O estranhamento causado pelos temas escolhidos para seus filmes se encontra presente, não tão explícito, mas mesmo assim inconfundível. Percebe-se, pelas gargantas cortadas, pelos dedos decepados, pelas peles tatuadas, a obsessão orgânica do diretor, tão evidente em Gêmeos: Mórbida Semelhança, de 1988. Mas aqui está contrabalançada por outras questões não menos vigorosas. Destaque para a solidão sistemática dos personagens centrais: o filho psicopata marginalizado (Vincent Cassel), a parteira em busca de respostas (Naomi Watts), o motorista enigmático (Viggo Mortensen), a jovem prostituta sem esperanças (Sarah-Jeanne Labrosse).

    Mortensen mais uma vez se transforma. A interpretação concisa e contida é hipnótica. Nitidamente dedicado à mesma técnica de caracterização que Robert De Niro, Marlon Brando e Al Pacino, veste o personagem como se fosse uma segunda pele. “O diabo está nos detalhes”. As tatuagens, o sotaque, os maneirismos parecem pertencer a ele, não ao personagem.

    Armin Mueller-Stahl, Watts e Cassel também estão muito bem em seus papéis. O personagem de Mueller-Stahl, Semyon, chega a lembrar um pouco Don Corleone. Como se não bastasse, a trama é envolvente, a fotografia é primorosa – vide a nítida diferença entre os ambientes da Vory e de Anna. E a trilha sonora – sensatamente silenciada em alguns momentos – é bastante competente.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | A Série Divergente: Convergente

    Crítica | A Série Divergente: Convergente

    Convergente

    Seguindo o comportamento adotado por 9 entre 10 franquias que conquistaram algum sucesso nas telonas, A Saga Divergente – Convergente também optou por dividir o seu final em duas partes. O curioso é que, ao contrário dos pioneiros dessa prática, o longa-metragem dirigido por Robert Schwentke consegue estabelecer um arco dramático com início, meio e fim dentro da primeira metade deste último episódio da saga, dando até mesmo a sensação de que aquele poderia ser um ponto final digno para a história. O feito alcançado pelo diretor justifica um final em duas partes com honestidade, sem primar apenas pelo retorno financeiro decorrente das bilheterias.

    A trama leva o espectador de volta a Chicago, onde forças internas e externas influenciam os protagonistas a extrapolar os muros da cidade e tentar entender do que exatamente se trata esse mundo pós-apocalíptico em que vivem. Tris, interpretada por Shailene Woodley, reúne seu ‘grupo’ e, contra a vontade da liderança local, decide explorar o mundo além do muro. O que a coloca como inimiga de sua própria cidade e, ao mesmo tempo, uma intrusa no mundo exterior.

    É interessante chamar atenção aqui para os recursos visuais muito bem utilizados pela equipe de efeitos para ambientar esse universo. A realidade ‘fim do mundo’ da saga mistura ruínas e tecnologia de uma maneira muito crível, sobretudo levando em consideração o baixo orçamento do filme. Trata-se de um misto de CGI e efeitos mais práticos que compõe com eficácia o mapa da região. Uma Chicago em ruínas circundada por um deserto vermelho e inóspito.

    O primeiro ato do filme é quase que inteiramente dedicado a relembrar o contexto herdado do episódio anterior. E aí está um problema: perde-se muito tempo nessa ambientação, que poderia ser sanada de maneira assertiva em menos de dez minutos. Mais uma vez, a escolha aqui foi partir do pessoal para o coletivo, do psicológico para o tátil. Assim, a trama inicia com Tris tentando lidar com seus dilemas e buscando algum parâmetro para a nova ética e senso de justiça empregados pelo ‘governo’ vigente. Demora bastante até entendermos quando a história se inicia de fato e isso compromete o envolvimento do espectador.

    Ainda que em decorrência da pouca presença de suas personagens no texto original, é triste ver atrizes maravilhosas como Octavia Spencer e Naomi Watts subaproveitadas. Mas as atuações do filme variam de medianas a boas, sobretudo por conta da protagonista e de Miles Teller (Whiplash – Em Busca da Perfeição). Já Theo James, que interpreta o rebelde Four, não conseguiu convencer como ator nos filmes anteriores e repete o mesmo feito nesta sequência. Os coadjuvantes entregam desempenhos honestos e conseguem sustentar o drama num bom nível.

    A ação em Convergente soa bastante rasa, quase pueril. Não são poucas as cenas, por exemplo, em que os personagens desenvolvem romances em meio a pontos clímax da história, aumentando o aspecto surreal – e isso não é um elogio – daquilo que está acontecendo na tela. Algumas tomadas parecem ser pensadas para agradar aos fãs, repetindo quase que ipsis litteris os conteúdos do livro que dá origem a trama (o famoso fan service). Justo, em se tratando de uma saga literária tão famosa, mas causa certo incômodo a partir do momento que atrapalha o andamento compassado da obra.

    A Saga Divergente – Convergente – tem inúmeros acertos em relação aos seus ‘concorrentes’, sobretudo Jogos Vorazes, que não conseguiu manter a mesma mescla de entretenimento e cunho político em seus quatro episódios. Embora a história aqui seja relativamente mais simples que a da série de filmes baseada nos livros de Suzanne Collins, os roteiristas conseguiram moldar com bastante habilidade as tramas e subtramas, criando um longa-metragem competente, ainda que lhe sobre didatismo e falte contundência.

    Texto de autoria Marlon Eduardo Faria.

  • Crítica | Insurgente

    Crítica | Insurgente

    Divergente - Insurgente- poster

    Segunda parte da trilogia escrita por Veronica Roth, a sequência de Divergente, lançado há apenas um ano, chega aos cinemas revelando a urgência de produções-pipoca com bilheteria garantida, mesmo que uma trama sem fôlego seja um ponto crítico.

    Como resumo dos fatos anteriores, um vídeo institucional em que a líder, Jeanine Matthews (Katie Winslet), apresenta ao povo, pontua os preceitos básicos desta série distópica na qual a sociedade é divida em facções de acordo com os dominantes psicológicos de cada um: altruísmo (abnegação), amizade (generosidade), audácia (coragem), franqueza (sinceridade) e inteligência (erudição). Entre eles, há quem não se encaixe em nenhuma destas categorias: são os Divergentes, considerados párias por não se adequarem às divisões da sociedade, e por isso são retirados do sistema.

    A trajetória de Tris segue em Insurgente com maior pressão psicológica pelos fatos sucedidos anteriormente. A personagem compreende que representa uma exceção dentro de seu universo, mas não sabe como agir de fato para modificá-lo. Difícil não equipar esta heroína com a personagem central de Jogos Vorazes, Katniss Everdeen. Afinal, narrativas contemporâneas focadas em futuros distópicos com jovens como grandes salvadores têm sido uma tendência literária e, por consequência, cinematográfica. Katniss e Tris possuem personalidades distintas, mas a composição de Tris é feita de maneira menos intensa do que a da outra franquia, resultando em uma empatia proporcional ao carisma e urgência que a atriz Shailene Woodley trabalha em seu papel.

    Tris não soa como uma ameaça urgente ao sistema de governo como Katniss, bem como seu povo parece satisfeito com o sistema de facções. Sendo assim, uma eventual mudança parece seguir mais a vontade interior da garota e do grupo de Divergentes do que um aclame geral da população. Reconhecendo que a personagem central tem pouco carisma, Roth e, consequentemente, os roteiristas Brian Duffield, Akiva Goldsman e Mark Bomback desenvolvem uma intriga sobre um artefato antigo que traria uma mensagem dos fundadores. Porém, para abri-lo é necessário a presença de um divergente. É natural que a única pessoa capaz de abrir o dispositivo seja Tris. O elemento de predestinação é mais um argumento que prova a falta de força desta história que precisa de um incentivo extra para criar conflitos entre os supostos bandidos e mocinhos.

    Mesmo este conflito com uma possível mensagem reveladora é estranho, pois a princípio a garota deseja destruir o artefato e depois desvendá-lo, mesmo que para isso quase perca a vida. Além do argumento frágil, as cenas de ação são bem simples, sem nenhum bom aproveitamento do recurso da terceira dimensão, além dos óbvios e já intoleráveis ângulos de cena que explicitam a imersão com objetos indo de encontro a tela. Mesmo com uma boa verba para produção, nenhuma cena de ação se destaca, e a bonita e potencialmente interessante cena do pôster nem mesmo está presente, sendo uma provável boa cena cortada da produção.

    De qualquer maneira, a última parte está em fase de adaptação para os cinemas e, seguindo a tendência atual, será dividida em duas partes, exibidas uma a cada ano. Difícil saber se haverá tanta história necessária para a produção de mais dois filmes, visto que nesta segunda parte há um vazio que enfraquece ainda mais a trajetória da personagem principal e seu grupo divergente.

  • Crítica | Enquanto Somos Jovens

    Crítica | Enquanto Somos Jovens

    Enquanto Somos Jovens 1

    Citando a peça de Henrik Ibsen, a comédia errática de Noah Baumbach tem sua sutileza notada já no início, que brinca com o paradigma da paternidade sob os olhos atentos de Josh e Cornelia, que assim como seus intérpretes, Ben Stiller e Naomi Watts, já estão bastante distantes da beleza jovial, a qual predominou na carreira de ambos os atores. Enquanto Somos Jovens faz alusão ao receio de ter a vida modificada pelo padrão de vida adulto, com o gradativo aumento da distância dos seres de meia-idade da juventude presente nas ações dos intemperados e juvenis personagens, analisados mais adiante.

    O estudo humano, típico da filmografia do realizador, se dá de modo metalinguístico. Aludindo ao gênero cinematográfico de documentários e ao formato em exibir dramas reais, com um escopo de extrema verossimilhança, uma de suas bases caracteriza-se pelo extremo desapego emocional da própria geração.

    O chamado à aventura ocorre com Josh e Cornelia, quando estes conhecem a dupla de namorados – e inspirados – Jamie (Adam Driver) e Darby (Amanda Seyfried), que, do alto de sua tranquilidade jovial, pratica um estilo de vida completamente diferente do praticado pela dupla de entediados e rotineiros membros da classe criativa nova-iorquina. Aos poucos, a cobiça ao casal mais moço dá lugar à necessidade de transformar-se no ideal de vida sem maiores preocupações.

    Após experimentar as sensações típicas da nova geração, todo o cotidiano de meia-idade passa a ser enfadonho para os protagonistas. O conflito entre a amálgama de rugas e tecnologia tem um entrave enorme com a espontaneidade vintage de Jamie e Darby, seres muito mais antenados com as manifestações humanas artísticas. As diferenças da vida real da velhice ficam mais evidentes com a alegria forçada de músicas infantis, que causam claustrofobia na personagem de Cornelia. A personagem cada vez menos fica à vontade com o costumeiro status quo dos homens e mulheres de quarenta e poucos anos. Ainda que os corpos dos seres mais velhos respondam de modo diferente, e poético, os muitos defeitos da idade.

    Como Baumbach fez em Frances Ha e O Solteirão, Enquanto Somos Jovens investiga a identidade humana através da falta de espontaneidade, tanto de Josh, que não consegue escolher a quem abraçar e a quem ignorar, como também dos frutos da virada espiritual que ocorre da metade para o final. O roteiro se vale de elementos sonoros extremos para contar as experiências do frustrado homem, seja pelo silêncio no escritório de um possível colaborador financeiro, seja através do nervosismo e ansiedade metaforizados no barulho da chaleira apitando na casa do mentor e personificados por  Leslie Breitbart, vivido pelo veterano Charles Grodin.

    O enlace exibe twists interessantes que fazem discutir quais são os maiores méritos do cinema de Baumbach. Uma juventude que não enxerga seus próprios erros e manias, com discussões sobre éticas que denunciam a pieguice presente na exacerbação do ethos. O maior embate de Enquanto Somos Jovens não é a guerra entre gerações, e sim o conflito entre a honestidade e a malícia necessária para se fazer sucesso em um meio tão complicado quanto do cinema documental.

    Em análises mais frias, o gênero mostra a dissimulação como fator principal dentro do meio. Revela-se, portanto, que quase tudo é vaidade. Continua incompleto o exame se ignorássemos a clara crítica do diretor, tanto à indústria quanto aos seus membros, os quais validam mais a forma ao conteúdo, tanto em relação ao diagnósticos das obras quanto dos artistas.

  • Crítica | Um Santo Vizinho

    Crítica | Um Santo Vizinho

    Um Santo Vizinho 1

    Politicamente incorreto, Um Santo Vizinho, do diretor Theodore Melfi, conta a biografia de Vincent de Van Nuys, um veterano de guerra que, habitando um bairro suburbano, vive uma rotina distante da de um comum homem sexagenário. Sua condição financeira precária ajuda a formar a imagem de completa decadência, de espírito, corpo e alma, motivo que justificaria a completa ausência de educação, sensibilidade ou mísero esforço em ser uma pessoa aceitável em comunidade.

    Bill Murray consegue imprimir em seu personagem uma antipatia quase automática. Seu modo de tratar as pessoas é odioso, mas compreensivo, possivelmente fruto de um desprezo constante a sua condição de ex-combatente ignorado pelo governo, a quem serviu. Suas relações não passam da frivolidade. A ausência de seres humanos que o cercam não por obrigação – destacando-se a prostituta Charisse (Naomi Watts) que o satisfaz – o faz ser rude com qualquer ser que o orbita, incluindo sua nova vizinha Maggie (Melissa McCarthy), a qual acaba conhecendo a pior parte do carisma do ancião, após um acidente de mudança.

    Maggie é mãe de Oliver (Jaeden Lieberher), uma criança de infância conturbada, fruto do divórcio de seus pais e da responsabilidade de habitar uma escola nova, em uma cidade nova, sem nenhum conhecimento prévio ou habilidade maior de socialização. Após esquecer as chaves de casa, o menino acaba inconvenientemente invadindo a privacidade do homem velho, que o recebe a contragosto em sua casa, fazendo as vezes de uma nada apropriada babá.

    O roteiro de Melfi explora a multiplicidade de comportamentos, revelando universos completamente distintos de uma família um tanto carente e de um homem que não se importa com ninguém além de própria rabugice. Apesar da premissa repetida, é o carisma – ou a completa falta do sentimento – que faz com que as personagens sejam abraçáveis pelo público. Personas antissociais e com dificuldade de interação tornam-se cada vez mais comuns ao gosto geral, visto que os ditos inapropriados ao convívio diário saíram de suas cavernas, exigindo ser representados em tela, não mais somente por anti-heróis mal encarados, mas também por cidadãos ordinários.

    Apesar de se afeiçoar ao menino, claro, de modo lento, os problemas de Vincent não somem automaticamente: ele continua em sua jornada rumo ao suicídio gradativo, qualidade negativa que se assemelha ao drama de Maggie em tentar manter a guarda de seu filho, mesmo com seus crescentes problemas financeiros. Na prática, os dois personagens adultos têm a mesma característica, que é a carência de espírito, manifestada em Maggie como o medo de perder seu motivo de viver, tendo no comportamento odioso a parte de Vincent. O menino, peça inocente na equação, também guarda enormes problemas de aceitação, semelhança que cada vez mais une o incompreendido trio.

    A ternura da fita é presente em avatares estranhos. Enquanto a relação entre um velho misantrópico e um menino inocente é carregada de brandura e doçura, o papel da igreja e religião é discutido além da crença comum no Divino, com o cuidado do texto em não vilanizar a instituição enquanto a critica.

    Ao contrário do que a trajetória do herói normalmente revela, a evolução do quadro em Um Santo Vizinho não tem nada de edificadora, especialmente em relação ao julgamento da custódia de Oliver. Ao descobrir os lugares onde Vinny levava o garoto, ela o confronta, em uma cena que visualmente distingue ambas rotinas, com a câmera posicionada em plano aberto, onde seu meio divide as propriedades dos vizinhos, exibindo uma cerca de arame que separa o quintal árido do sexagenário e o verde lar da enfermeira cuidadosa. Dois lugares distintos, cuja interseção humana – Oliver – une-os de maneira inexorável.

    A falida moralidade é fortemente reprovada, assim como a individualidade exacerbada dos que não têm qualquer crença maior, como é o caso de Vincent. A paralisia na fala, que o personagem sofre na metade final do filme, ajuda a retratar o quão retrógrado é seu modo de vida e o quanto isso faz mal a todos à sua volta, especialmente a ele próprio, num modo de existir absolutamente triste.

    A beatificação do personagem título ocorre a despeito de todas as trapaças que ele cometeu ao longo de sua existência, numa mostra de que a redenção pode chegar mesmo após longos anos de completo desdém geral. Oliver se esforça para produzir um belo discurso que glorifica os feitos do passado e do presente de Vincent, destacando suas qualidades, indo na contramão do que a opinião pública diria. A possibilidade de queda por motivo de depressão é concluída com maestria pelo pequeno rapaz, que, mesmo em sua ingenuidade infantil, consegue enxergar além das óbvias aparências. O modo leve com que a fita é levada contradiz a postura de seu protagonista, mas condiz com cada aspecto sensível do texto dramático, exibindo um final surpreendente para a jornada do rabugento vizinho, que segue sua existência sem ser complacente com o conservadorismo ou com o politicamente correto, mas conseguindo, ao seu modo, se aproximar da felicidade.

  • Crítica | Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)

    Crítica | Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)

    birdman 2

    Como é bonito ver uma câmera de Cinema, sendo que só ela atinge a magia a seguir, flutuando do palco aos bastidores num balé muito mais que espacial entre duas nebulosas paralelas – de certa maneira, após uma reflexão de ônibus – bastante inconfundíveis. Talvez seja o teatro, bom e velho reino que suporta e abranda, com uma concordância mais segura sobre todas as outras bases, a alma de um artista posto que venha a ser o que for, numa relação de amor e ódio, concebível e perpétua, refletindo a atração e a repulsa que, seja a vida, seja a arte, sente pelo oposto de cada uma desde eras paleolíticas. Se o Cinema não aguentou ficar no preto e branco e teve que buscar os matizes expansivos do CinemaScope em testamentos revolucionários (tal Os Sapatinhos Vermelhos (1948), um marco histórico de Michael Powell do uso colorido do sentido visual e inspiração de influências soberbas, tipo Os Amores de Pandora (1951), Delírio de Loucura (1956), A Balada de Narayama (1958), ou Yimou Zhang e seu quente O Sorgo Vermelho (1987), primeira empresa do artista chinês), que dirá quanto o artista, seja ela fotógrafo, seja ele músico ou um gari de sítio público, digno sempre de ser maior que sua arte: sua vil e incorruptível semelhança sempre à prova – sempre. Primeiro, à mercê da fome de se tornar artista, aprender o aflito equilíbrio na margem da dúvida se de dia ou se de noite, cedo ou tarde, irá ou não padecer na triste analogia ao conto de Franz Kafka; ser alguém na vida é difícil, mas na arte é delírio de amantes. É a loucura de abrir a caixa de Pandora e espiar com uma lupa o conteúdo do seu plexo solar em noites quentes, em especial de lua cheia. Ser arteiro é a inadvertida sentença de ser o que é.

    Eu queria ser Michael Keaton, ou melhor, o Batman. Eu queria ser o Keaton com a roupa do Batman ganhando aquele beijo (no mínimo) de Pfeiffer e sua clássica Catwoman nos longínquos anos 90 – e também para trabalhar com Tim Burton quando ele sabia usar o taco. Porque, sério, nem o Batman é tão legal quanto Keaton, tanto quanto a pele por trás da máscara. Pele, crise e humanidade a atormentar a intolerância do Coringa que vive em todos nós, dividido em psicanálise e danação para a carga ser mais leve.

    Após assistir à obra de Alejandro Inãrrìtu, a versão talvez mais próxima que o Cinema já chegou dos quadrinhos de Watchmen, todo mundo quer descobrir A Inesperada Virtude da Ignorância, procurando, assim e a partir disso, o sentido por trás dessa metalinguagem galopante e infinita de um teatro e adjacências em Nova York, cheia de seres que precisam se esforçar para serem humanos, às vezes. Lá, onde encontramos o símbolo e os sons simbólicos, a alegoria contextual e o frisson de adentrar um filme que não se sabe o que fala mais alto, se são as palavras ou as ações, pois, afinal, é Iñárrítu. Birdman, o alterego do verdadeiro herói, pouco importa, pois se Federico Fellini focou no Guido, homem e artista (em )Billy Wilder na Norma, mulher e artista (em Crepúsculo dos Deuses), e Werner Herzog e Klaus Kinski além do doméstico e cênico, já nascidos sob aquela sentença, então que mal faz a ambição aos holofotes, quando regidos por quem refina a luz de meia dúzia de vórtices ambulantes?

    O que concluir quanto ao sentimento inesquecível de uma cena inesquecível, em prol de Keaton, homem, ator e personagem, diante de seu esquecimento e agora retorno ao apogeu de Hollywood, quando encontra um ator amador na rua, persona síntese de seu céu e inferno, sendo livre como o ator não se permite ser, sereno em exercício como a pessoa do ator não se deixa, aliás, nem diante de sua imagem num espelho qualquer. Iñárrítu é o típico cineasta masoquista com os arquétipos de suas histórias, mas em seu melhor filme reconhece que a vida já é canalha demais e parte para juiz da partida, impedindo apenas que tudo fique ainda pior, já que o abismo que surge da colisão entre a Vida e a Arte mais inerente não pode ficar. Não é uma questão de profundidade, isso vai de cada um. É pavimentar o terreno, para tanto, com tudo o que há de melhor e conceitual a favor da reciclagem de valores e experimentações de causas epifânicas, sejam quais forem, deliberada a pluralidade de intenções que superam qualquer outra obra do cineasta. Tudo oriundo de uma simplicidade existencial em forma de incógnita quântica. É preciso saber assistir à obra.

    Uma vez que o bendito travelling é uma questão de moral, o “plano-sequência” é do quê? De ética? Precisamos ser tão previsíveis assim? É claro que não. A vida não para. Hoje se está lá, amanhã no purgatório e depois, no espaço. A virtude da grande sequência de consequências na qual Birdman é conjurado, com ótimos e poucos cortes de cena, não só remete à hipnose provocada pela continuidade sensorial no Cinema e Teatro, verdadeira homenagem objetiva aos nobres fundamentos das artes em seu porão compartilhado, mas sobretudo: 1) respira na metáfora intervisual do ritmo urbano moderno; 2) na própria visão continuada do real para a ficção de um preciso artesão artístico; e ainda: 3) na proporcionalmente irônica conexão entre a vontade de se perder para enfim se achar – no desabafo em um bar com uma crítica teatral, ou no enfrentamento ou suplício carnal, como aspectos do natural em um mundo de fantasia, tão almejada como irresistível.

    Em suma: Iñárrítu, mais bem-sucedido do que nunca, apresentando a bússola de orientação de homens e mulheres num cenário de pura desorientação, de fato não poderia ter achado técnica mais certeira que a sequência infinita pelas escadas e camarins onde lirismo e pressão comercial vivem juntos, muito mal, obrigado, como todo jogo de interesses nada pequenos. Birdman é de uma atuação espetacular enquanto coletivo de atores pulsante e inebriante. Obra livre, pássaro livre de qualquer explicação singular. Não é um filme completo, mas é um dos poucos filmes americanos recentes que são tão completos e interessantes de se revisar quanto poderia, por fim, se impor e vir a calhar a algo ou a alguém.

  • Crítica | Diana

    Crítica | Diana

    Diana 1

    O fingido e delicado sorriso de Diana, cercada de paparazzi, membros da imprensa e de súditos, é o símbolo da hipócrita atitude que predominava em seu cotidiano. A princesa, vivida por Naomi Watts, mostrava-se incômoda, cansada das inconveniências do cargo que exercia, da completa falta de privacidade, além das claras rugas que saltavam em seu rosto, fatores que agravavam seu estado de espírito, aproximando-se cada vez mais da depressão.

    O improviso e o acaso fazem uma contraposição na regulação extrema da vida da princesa recém-divorciada com a aparição do doutor Hasnat Khan (Naveen Andrews), única pessoa capaz de fazer a realeza sorrir em meio a tempos de crise e de perseguição irritante dos fotógrafos, algo tão inconveniente para a moça quanto para o público, que sente o enfado de ver o argumento deste aspecto particular da vida da Princesa de Gales repetido tantas vezes em tela. A solução, pensada pelo novo affair da soberana, é esconder a sua identidade utilizando uma peruca, que obviamente não cobre todo o semblante da alteza, mas que causa nela uma estranha sensação de segurança e anonimato.

    A popularidade e carisma de Diana fazem dela um personagem trágico, uma figura amada por seu povo mas com possibilidades mínimas de ascender ao trono. Os discursos que ela faz à imprensa passam pela bajulação ao povo britânico, assim como pela posição de assumir um papel de vitimada, de alguém injustiçada unicamente por viver segundo os próprios instintos, fugindo da preconizada figura canonizada e perfeita de uma rainha para aproximar-se da plebe, do homem e da mulher comum.

    O motivo preponderante para que o romance ocorresse foi o modo como Hasnat tratou a mulher, sem reservas respeitosas a sua condição real, interagindo com ela de modo normal. O texto de Stephen Jeffreys destaca pontos de extrema obviedade, constrangendo quem assiste à obra em razão do didatismo exercido no drama particular.

    Watts é exibida na indiscreta câmera de Oliver Hirschbiegel como um ser de fragilidade extrema, vulnerável como a realidade de sua biografada. Em alguns momentos, a abordagem lembra demais o método utilizado por Michelle Williams em Sete Dias com Marilyn, obra na qual a faceta não oficial de uma diva também é mostrada, sem medo de se exporem defeitos e imperfeições dos objetos de análise dos realizadores. Hirschbiegel já tinha feito algo parecido com A Queda, ainda que Hitler seja uma figura muito mais fácil de criticar do que a britânica.

    Os afazeres da Lady variam entre eventos beneficentes, a luta por um maior combate à disparidade social, à fome e a proliferação de doenças na África, e, claro, a condução de seu romance que se tornou público, revelando o péssimo humor e recepção de Hasnat. Curioso como um elenco estrelado e formado por pessoas talentosas não consegue garantir tantas nuances quanto as personas exigem, culpa mais uma vez do preguiçoso roteiro, que se atrela a demasiadas soluções fáceis. A preocupação com o aspecto visual da película assinala ainda mais as muitas incongruências do texto, fazendo com que a fita pareça-se com um teatro mal executado em determinados momentos. Só faltavam placas indicando “uma tragédia se aproxima”, e por pouco nelas também estaria a inscrição “e com fotógrafos”.

    A balela que predomina na realização de Diana busca resgatar a falsidade dos dias de Lady Di, especialmente nos namoros fake que protagonizava, para desviar a atenção dos seus reais sentimentos. O excesso destes eventos constitui mais um momento de cansaço extremo. Como era de se esperar, a despedida da princesa é sentimental, carregada de romantismo e idealização por parte do povo inglês. Apesar de não ter um cunho chapa-branca, o filme erra demais, exagerando na longa duração e na repetição de plots, e é inferior, e muito, às adaptações recentes de histórias que envolvem grandes personalidades, como J. Edgar, A Dama de Ferro, Lincoln e outros, fazendo de uma figura pública um objeto de um simples amor que não pôde ser plenamente concebido, caindo em uma armadilha desnecessariamente piegas.

  • Crítica | Huckabees: A Vida é uma Comédia

    Crítica | Huckabees: A Vida é uma Comédia

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    A introdução escolhida para este I Heart Huckabees é um arroubo de insatisfação do ativista ambiental e poeta frustrado Albert Markovski, personagem de Jason Schwartzman, inconformado com a transformação que o pântano vizinho a si sofrera, sendo praticamente dizimado, sobrando uma única rocha – sua insignificância é tão grande que chega a dar pena e não simpatizar com o personagem é praticamente impossível.

    Mais uma vez David O. Russell escolhe um protagonista neurótico e inseguro para ser o herói de sua jornada, mostrando o homem pequeno diante do destino, buscando mais uma vez uma boa razão para existir. Diferente de Procurando Encrenca, onde o personagem principal buscava sua origem, procurando a raiz de sua árvore genealógica, Albert procura a outra ponta de sua vida, tentando entender onde chegaria. A película é ainda mais idílica e surreal que a anterior do realizador, mostrando uma organização que investiga as vicissitudes da vida com uma abordagem lúdica e um tanto nonsense flertando com surrealismo, através de um transe meditativo que eleva a psiquê do paciente a um estágio em que este desconstrói as figuras importantes de sua vida para encontrar a razão de seus problemas.

    A personagem de Naomi Watts é a prova da obsolescência programada do homem dentro do sistema de extremo capitalismo. Ela quase nunca é chamada por seu nome (Dawn Campbell), mas sim por uma alcunha – a voz da Huckabees – mostrando uma demasiada falta de identidade, praticamente inexistente. Seu clamor por atenção é legítimo, já que atrás do sorriso, do corpo perfeito, sem rugas ou imperfeições esconde-se uma alma aflita que vê se avizinhar a velhice e a perda do que a distingue da multidão, sem falar que sua garota propaganda em depressão é algo genial por si só.

    Huckabees fala do mundo corporativo, da impessoalidade que um lugar repleto de empresas que só visam o lucro e de como os homens vivem neste ambiente, perdendo sua individualidade e sendo tratados por meio de estereótipos. Mesmo os ramos que deveriam não se pautar nisto sofrem com competições mil por clientes que deveriam ser únicos e não estereotipados. Artifícios como máquinas de sucção de insegurança e repositores de bons climas mostram o quão mecânico tornou-se o trabalho dos Jaffes. Uma saída plausível seria a junção de Tommy Corn (Mark Wahlberg) a Albert, a fim de que ambos conseguissem a transcendental mudança de perspectiva – outro clichê psicológico de solução por meio de apoio mútuo, associando duas almas igualmente perturbadas e alinhadas com pensamentos pró-ecológicos e até alinhados a esquerda, necessariamente avessos aos pilares de tradição, família e propriedade. Mesmo com esta jogada de sucesso pretensamente garantido, a união não garante lograr êxito, visto que o discurso dos dois é agressivo e não sabe se adequar aos adeptos mais conservadores – a crítica é clara ao problema comum das “minorias”, que tentam defender os marginalizados sem se fazer entender aos incautos.

    A linha de raciocínio dos investigadores do inconsciente defendida por Vivian (Lily Tomlin) e Bernard (Dustin Hoffman) é muito pautada no otimismo, enquanto para Caterine Vauben (Isabelle Huppert), a vida é um conjunto de eventos tragicômicos organizados ao acaso, a disputa é quase como uma luta entre sofistas e niilistas pela atenção do indivíduo à procura do “algo”. Tal embate deixa Albert e Tommy confusos, e cada um embarca de forma diversa na viagem proposta pelos analistas.

    Albert precisa ver o seu nêmese Brad (Jude Law) no momento mais decadente para finalmente ter sua epifania – que serve para si e também para reflexão dos terapeutas rivais. A crise do ser e a autocomiseração são unidas, o ponto de coalizão, o lugar onde os diferentes podem achar suas semelhanças, perceber que não há tanta distinção entre seus estados de espíritos e tornarem-se um. O roteiro de O. Russel e Jeff Baena pode e deve gerar múltiplas interpretações, e as ramificações destas são infinitas, mas a linha guia dele passa pelos incômodos inerentes a vida humana e como cada individuo tende a tratar disto, mesmo os descompensados e os mentalmente desequilibrados.

    Ouça nosso podcast sobre a filmografia de David O. Russel.

  • Crítica | O Impossível

    Crítica | O Impossível

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    Ler que um filme é baseado em fatos reais em sua introdução sempre é um diferencial para o espectador na forma como ele enxerga a história ao longo da projeção. O Impossível, dirigido por Juan Antonio Bayona, vai contar o drama do casal espanhol María Belón e Enríque Alvarez – que no filme são interpretados como um casal inglês – que sobreviveram, junto de seus três filhos pequenos, ao tsunami que devastou a Ásia em 26 de dezembro de 2004.

    Filmes que contam histórias de catástrofe geralmente seguem um padrão de quererem explorar as calamidades em si. O diferencial de “O Impossível” é tratar mais proximamente das consequências do tsunami e, principalmente, das emoções passadas pelas vítimas. Isso por si só traz uma carga dramática mais expressiva à narrativa – e em nenhum momento de maneira forçada -, tendo em vista que o espectador vai basicamente acompanhar os protagonistas a superar seus limites físicos e emocionais, buscando pelos seus entes queridos e por salvação em meio ao caos e a destruição deixada pela natureza. Ao longo da trama somos apresentados a dramas de personagens secundários, que ajudam a imergir ainda mais o sentimento deixado pela catástrofe.

    Ewan McGregor e Naomi Watts são os grandes destaques do filme, interpretando o casal protagonista. Ambos demonstram uma atuação excelente ao passar a intensidade dos sentimentos vividos pelos personagens no contexto. O Impossível se demonstra um excelente drama e que garante emocionar a maior parte do público.

    Texto de  autoria Pedro Lobato.