Tag: Isabelle Huppert

  • Crítica | A Câmera de Claire

    Crítica | A Câmera de Claire

    Filme terno como é típico do cinema recente de Hong Sang-soo, A Câmera de Claire, novamente em parceria com Kim Min-hee, acompanhada dessa vez por Isabelle Huppert.

    O filme se passa nos bastidores do Festival de Cannes, onde uma equipe de produção de cinema da Coréia do Sul apresenta um filme que está em cartaz. As primeiras personagens apresentadas são Manhee (Min-hee), uma assistente de produção e Nam Yanghye (Mi-hee Chang), que por sua vez, acompanha o diretor e beberrão Soo Wansoo (Jin-young Jung). Manhee é demitida sem saber a razão, mas logo se revela o motivo. O ambiente escolhido por Hang-soo para mostrar as rupturas empregatícias são os cafés franceses, que normalmente servem de cenário para confraternizações.

    Logo, a professora Claire (Huppert) aparece utilizando a sua câmera fotográfica instantânea para registrar os sentimentos e estados de espírito de praticamente todos os personagens já citados, além de outro periféricos. A partir desse ponto a linguagem idiomática do filme muda bastante, passando a se utilizar mais o inglês do que a língua mãe dos personagens, fato que evidencia a tentativa de Soo de soar comercial para a platéia dos Estados Unidos.

    A câmera fotográfica que dá nome ao filme é um modelo antigo, semelhante às antigas polaroides. Seu equipamento parece também registrar cópias digitais, uma vez que ela guarda os registros mas sempre dá a foto tirada para o modelo. Essa troca de imagens tem um forte significado por trás, mais profundo do que o sorriso da francesa transparece. Seu discurso de que a pessoa muda sempre que é fotografada não se prova empiricamente, mas em teoria ela está a ponto de se comprovar verdadeira, já que após a sua interferência, todo o trio coreano tem suas jornadas radicalmente mudadas, ainda que não seja ela o catalisador dessas transformações .

    O diretor consegue em apenas 68 minutos fazer um comentário sobre a futilidade que envolve a sétima arte, como também sobre as relações de trabalho decorrentes desta área. A Câmera de Claire traz retratos da intimidade de beleza considerável, mas que ainda assim evita trazer à tona momentos agridoces, repetindo boa parte dos clichês de sua filmografia, ainda que não perca a redundância.

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  • Crítica | O Que Está Por Vir

    Crítica | O Que Está Por Vir

    A França é um país que possui uma produção cultural gigantesca e isto é inegável. É uma verdade irrefutável, através das artes, da história e da ciência – seja esta política ou não -, conceito interpolado e corriqueiramente tocado no filme O Que Está Por Vir, drama franco-alemão dirigido pela francesa Mia Hansen-Løve, um nome expressivo do cinema feminino, em vertentes discursivas e analíticas.

    Discurso e análise, aliás, são dois elementos necessários para a condução da narrativa de Nathalie (Isabelle Hupert), uma renomada acadêmica, professora de filosofia e escritora, que tem uma vida cultuada e intelectual, sempre especulando questões filosóficas, sociais, paralelismos que traduzem situações cotidianas em contextualizações remotas. O filme faz diversas homenagens a ícones contribuintes à filosofia na Europa, como Jacques Rousseau, Adorno, Descartes, justamente reforçando características adotadas em um senso comum da comunidade intelectual parisiense – e europeia, em um plano mais amplo, para criar metáforas em relação aos acontecimentos na vida de Nathalie, principalmente após o divórcio com o marido, também professor e intelectual.

    Em pontos importantes do longa, onde se verifica que o ponto a ser passado é a contextualização social-política – seja do país, da Europa ou do mundo – nota-se características caricatas, sob um ponto de vista superficial e torpe. A juventude socialista sem embasamento teórico, o corpo docente neutro e passivo em meio às pautas sociais, o imaginário conflito entre o que é tomado como ideal próprio e as contestações. O primeiro ato consiste em narrar uma ótica mais construtiva sobre estes tópicos. Entretanto, as falhas e a criação de um aspecto forçado dificultam a apreciação momentânea, infelizmente ainda mais, na personagem de Nathalie.

    A qualidade da obra audiovisual toma um corpo mais sisudo e consistente a partir da implantação das relações familiares e pessoais da protagonista. O elo com a mãe, Yvette (Edith Scob), e com o ex-aluno e amigo Fabien (Roman Kolinka), são chaves que reconfiguram a narrativa em direção a um consenso mais peculiar, sensível e delicado. Parte disto, é a direção de Mia. Transições leves, contemplando o envolvimento das personagens para com os ambientes e cenários – o uso de luz natural em paisagens abertas ou locações com grande abertura de luminosidade do sol evoca uma sensação de conforto e sofisticação – denotam um tom mais sereno e observador para com a crescente interposição dos diálogos.

    A atuação de Huppert, novamente, impressiona pela aquisição da persona. Descreve as características de protagonista com força, evidenciando sua importância em cada cena e sequência, garantindo que toda transição narrativa – ato por ato – só aconteça mediante uma intervenção sua, seja de uma maneira mais ativa ou somente por um ponto de assistência. A partir da metade, há uma evolução notória de suas motivações, a clarividente mensagem de que a ruptura e a perca garantem a possibilidade de um desligamento, uma concentração de foco em objetivos que fogem à regra da casualidade.

    Casualidade é uma classificação que se aproxima a descrição do filme. Apesar de demorar a construir um ritmo, ditar as consequências de acontecimentos e permitir uma naturalidade narrativa, O Que Está Por Vir é um conto sobre um cenário que calca interesses pela mensagem, pelo debate, porém, sente a necessidade do pacifismo, de uma zona de conforto que engrandece uma segurança, um totem que transmite familiaridade e noção de realidade, por mais que ela seja mutável, transferível e inquieta.

    Texto de autoria de Adolfo Molina.

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  • Crítica | O Vale do Amor

    Crítica | O Vale do Amor

    As perdas deixam marcas profundas na trajetória de cada um. Ainda que o tempo traga possível compreensão e maturidade, há perdas densas que causam inicialmente uma ruptura além de qualquer explicação, exceto a dor.

    Retomando uma parceria iniciada em 1980 em Loulou, o filme Vale do Amor, dirigido por Guillaume Nicloux, reúne novamente Gerard Depardieu e Isabelle Huppert em cena. Na trama, o casal Isabelle e Gérard perderam o filho recentemente por suicídio. Vivendo a inevitável dor do luto, o casal recebe uma carta do garoto, enviada por seu namorado, pedindo que viagem ao Vale da Morte, localizado no deserto do Mojave, nos Estados Unidos, para um reencontro familiar.

    O charme da produção é confiar na excelência de seus atores. Em cena, entregam papéis sem recursos cênicos exagerados em que se revela a naturalidade de personagens comuns, um casal que, como diversos outros, se amaram, tiveram uma família, se perderam e agora permanecem apenas como memória um do outro sem reconhecerem os feitos presentes de cada um. Ao evitar nomes próprios fictícios, as personagem tem mesmo os nomes iguais ao dos atores, a trama adquire um tom pessoal e um pouco documental.

    Diante de uma situação-limite, ainda mais em um local diferente da terra-natal, com uma língua distinta – as personagens continuam falando francês, apesar de pequenas intervenções em inglês – o choque por uma mensagem do filho morto se alinha ao natural desgaste de um casal que esteve junto em um momento anterior e que estão juntos nessa jornada improvável rumo ao vazio para realizar o último desejo do filho. Os belos cenários áridos potencializam esse misticismo, ressaltando a solidão dos pais em meio a um local deserto.

    O argumento, porém, causa sua própria armadilha ao ser incapaz de sustentar um desfecho adequado ao enredo. A história tem bom potencial dramático mas ao explorar um fato impossível diante de uma narrativa realista, é necessário um final bem elaborado para que não perca sua força. Nicloux escolhe a saída mais fácil para uma situação difícil em um roteiro, o final aberto em que a interpretação do público é parte do desfecho. Uma saída comum para uma narrativa afetiva sobre o luto e a memória, salvos pela intensidade cênica de Depardieu e Huppert.

  • Crítica | Elle

    Crítica | Elle

    elle

    Paul Verhoeven é um diretor autoral, cuja filmografia possui uma marca de peculiar visceralidade. Foi assim no início de carreira ainda na Holanda, e também na fase em que fez filmes blockbuster americanos. Em todo o tempo a ironia e Inteligência ácida estavam presentes em seu cinema, mesmo nas películas menos inspiradas. Analisar Elle e as situações que envolvem a personagem de Isabelle Huppert sem levar isso em conta é um exercício de futilidade e as intenções do realizador passam exatamente pelo choque e pelo debate a respeito das consequências dos atos humanos mais nefastos.

    Huppert interpreta uma mulher forte. Sua Michèle Leblanc é CEO de uma empresa de videogames, mas sua primeira cena ocorre dentro de sua casa, com a fuga de um malfeitor que abusou sexualmente da mesma. Depois da situação traumática, a mulher busca tentar viver seus dias normais, sem externar para ninguém de seu convívio diário ou esporádico o ocorrido. Sua postura é a de tomar precauções para que a desgraça que lhe ocorreu não se repita, mas não há qualquer instinto de se colocar em posição de fragilidade ou qualquer sensação que o valha.

    O segredo não dura muito, e a mulher finalmente conta para alguns conhecidos o ocorrido. O sendo de gravidade e de receio ocorre nos que orbitam a sua vida, nunca atingem a ela. A digestão da violência que sofreu é executada de um modo sentimental e curioso em absolutamente toda a exploração da dor e das possibilidades, com recorrência da mesma cena em ângulos e tomadas diferentes, que começam a se modificar ligeiramente no início para depois mudar por completo, mostrando ações completamente diversas das cenas originais. O intuito do diretor é o de remeter a maturação do trauma e as reflexões que uma pessoa violentada normalmente tem, incluindo nessas fantasias até a possibilidade de uma reação que supostamente impediria a violação.

    É bastante comum associar ao criminoso o desejo de retornar à cena da contravenção. Isso acontece também com o violador de Michèle, que faz questão de cercar sua vítima, adentrando em sua intimidade não só em vias sexuais, mas também de constrangimento através do trabalho, em situações que soam abusivas também, ainda que em grau menos grave do que os caminhos que usou no início do filme.

    David Birke traduz em seu roteiro a questão de núcleos que também estava presente no livro de Philippe Djian, no qual se baseou o filme. Leblanc não vive somente a sua vida, uma vez que interfere drasticamente na rotina de seus familiares, amigos e conhecidos. O poder está em suas mãos, o tempo todo, se tratando de uma mulher dominadora e consciente de suas capacidades de manipulação, sedução e domínio.

    Os últimos momentos são dedicados a tentar dar uma solução para o embate entre vulnerabilidade, submissão e dominação. Elle possui uma misancene típico dos filmes de Verhoeven, e expõe a óbvio questão de discussão da dissimulação e dos detalhes sociais mais íntimos do ser humano. O uso da mulher como personagem central desta trama macabra faz tudo ficar ainda mais grave, atalhando algumas questões empáticas ainda que não descuide do comentário total a respeito da sociedade e suas mazelas, além de discorrer sobre necessidades básicas de cada um como a carência típica da solidão em contraponto a cautela. A riqueza do argumento inclui também uma interessante desconstrução do conjunto hipocrisias que habitam até boa pensamento progressista, uma vez que traz um assunto caro e grave sem apresentar soluções simples e ordeiras, deixando para o espectador a digestão e conclusão sobre todo o ocorrido, estabelecendo então um rico debate que não deveria ser desconsiderado em momento algum.

  • Crítica | Mais Forte Que Bombas

    Crítica | Mais Forte Que Bombas

    mais-forte-que-bombasIsabelle (Isabelle Huppert) ensinou seu filho Conrad (Devin Druid) a como contar uma história. Como toda a mensagem de uma fotografia que se altera com alguns cortes aqui e zooms ali. Isso, que parece um detalhe pequeno, ainda que óbvio para alguns, mostra-se o caminho chave para o que o filme quer passar. Sobre a própria captura e interpretação de momentos que jamais poderão ser o que foram, o que são. Sentimentos que não podem ser visualizados, lembrados em sua integridade, nem mesmo a partir de uma foto de enterro, ou de um filme.

    Mais Forte Que Bombas é dirigido por Joachim Trier (Começar de Novo e Oslo, 31 de Agosto), também escrito por ele e Eskil Vogt (Oslo, 31 de Agosto e Blind). Trata-se dos efeitos da morte de Isabelle, uma famosa fotógrafa de guerra, e de como sua família, formada pelo marido Gene (Gabriel Byrne) e seus dois filhos Conrad e Jonah (Jesse Eisenberg), lida com a perda da mãe e esposa. O filme então segue, a partir desse ponto e da profissão de Isabelle, lidando com a perda, a memória; a pureza dos sentimentos e como fragmentam-se e desorganizam-se em flashbacks e sonhos.

    A história se passa dois anos após o ocorrido com a ameaça de um artigo do New York Times que falará sobre a vida profissional e morte de Isabelle. Detalhes sobre como ela se foi, por qual motivo; do quê o filho mais novo, Conrad, não foi informado devido à idade à época.

    O filme abre em um hospital, após um parto. As mãos de um pequeno bebê segurando os dedos de Jonah. E graças à fotografia esbranquiçada, o resto do filme parece se manter no hospital. No limiar entre a vida e a morte, o luto e a renovação, a negação e a aceitação. Assim também é a montagem, que alterna entre momentos de um mesmo dia, sonhos, flashbacks e narrações de Isabelle de forma fluida. Com uma trilha sonora concisa, se mostra sentimental quando deve. Na maioria das vezes, efêmera.

    E nesse constante balanço se encontram as personagens. Com atuações maduras e coerentes por parte dos atores. As ondulações melancólicas e distintas entre cada um seguem naturalmente, com exceção de um momento plástico aqui e ali. Foco especial para Huppert, que transpõe da forma mais crua e natural possível o papel de alguém com depressão; alguém que morre de saudade de casa, mas não aguenta ficar nela.

    Trier se interessa pelas sutilezas. As memórias que se misturam com os sonhos e nossas percepções individuais. A forma com que Jonah, por exemplo, retorna a sua casa para ajudar o pai na organização do trabalho de Isabelle, mas acaba voltando mais e se tornando mais o que era. Voltando para como era a mãe. A forma como Gene quer se conectar com o filho mais novo, como Conrad ainda sente os estilhaços de dois anos atrás. O estilhaço de um abraço que nunca mais sentirá ao redor da cintura.

    Acima de tudo, Trier entende até aonde pode ir. Há a compreensão de até onde se pode capturar os movimentos e sentimentos, até onde se pode fazer visíveis as rachaduras. E ainda que, em alguns momentos se pareça plástico, artificial, esses são ínfimos perante tamanho tato para uma questão tão abstrata como a saudade e o luto; a memória e a dor. Por isso é possível sentir tanto dele em Isabelle.

    Isabelle gostava de ficar nas zonas de guerra até depois das tragédias. Era isso que para ela importava. A história daqueles que sofreram com a catástrofe. Os enterros, o reconforto. As marcas que se perpetuarão para sempre, as marcas que são mais fortes que as bombas.

    Texto de autoria de Leonardo Amaral.

  • Crítica | Fique Comigo

    Crítica | Fique Comigo

    fique comigo-minGosta de filmes como Contos de Nova York, de 1989, dirigido por Woody Allen, Martin Scorsese, Francis Ford Coppola? Ou quem sabe a HQ de Will Eisner com crônicas urbanas cotidianas? Não sei se foi intencional mas Fique Comigo, dirigido e roteirizado por Samuel Benchetrit, recolhe o espírito dessa narrativa cotidiana e a mistura com um pouco de nonsense para seu filme.

    Na trama, o filme traça pequenos contos que se passam entre os moradores de um prédio, dando a impressão que vão focar em prioridade o morador do primeiro andar, Sterkowitz (Gustave Kervern), que se recusa a ajudar a pagar um elevador novo para os condôminos e acaba precisando dele mais que todos eles. Também acompanhamos um garoto (Jules Benchetrit) que acaba construindo uma pequena relação com uma nova moradora, interpretada por Isabelle Huppert; além de um astronauta americano na sua rotina monotonamente diária (Michael Pitt) e que por um acidente cai em em cima desse mesmo prédio e é abrigado por uma dona de casa (Tassadit Mandi).

    Se não fosse o pequeno incômodo da tela propositalmente quadrada, a progressão dos primeiros minutos do longa seria sem dúvida a principal barreira para um olhar menos acostumado com o cinema francês. Esse início é lento e não faz questão de manter o interesse imediato dentro de uma possível história, preferindo o silêncio. Apesar disso todas as tramas começam a fisgar um estranho interesse entre os núcleos da película até o fim. O pior dos desenvolvimentos ainda consegue dar pleno suporte a uma narrativa natural, mas esse mesmo cuidado por parecer legitimamente interessante apenas do meio da história em diante também soa proposital, assim como uma trilha sonora que ressoa em cada uma das passagens.

    Quem sabe seja essa a real natureza de Fique Comigo: pequenas histórias individuais que não fazem muito sentido a não ser que você consiga capturar a essência do que exatamente está querendo ser mostrado pelo todo. Eu não consegui, mas é algo familiar.

    Texto de autoria de Halan Everson.

  • Crítica | Dois Lados do Amor

    Crítica | Dois Lados do Amor

    Dois Lados do Amor 2

    O começo do novo filme de Ned Benson começa debochado, em uma conversa descompromissada e humorística entre Conor e Eleanor, um casal apaixonado que se divertiria pregando peças em restaurantes, retirando-se às pressas para não pagar as contas. Um dia, tal espontaneidade teria seu preço, maior do que o simples viver dos sentimentos, e o casal enamorado já não seria mas tão unido, causa justificada por nenhum motivo específico; somente as vicissitudes da vida foram responsáveis pelo gradativo afastamento.

    A narrativa do diretor autoral passaria por mostrar eventos em atos, como em uma peça teatral. O primeiro, após a breve introdução, exibe Eleanor Rigby, caracterizada emocionalmente por uma cada vez melhor Jessica Chastain, que em um momento rotineiro prende a sua bicicleta a uma grade e se joga ao mar, impedida de morrer por um transeunte anônimo, fruto da entropia que se torna menos estranha pela completa ausência de explicações anteriores. A aura de aleatoriedade permeia a existência da personagem e faz com que qualquer diagnóstico torne-se confuso.

    Conor Ludlow, o homem, sente-se mal e responsável por todo o drama que chega a sua casa. James McAvoy é o perfeito sujeito tomado pela responsabilidade do “delito”, digerindo o remorso pelos atos de sua esposa que são piorados, é claro, pela subjetividade inerente ao término da relação e o consequente apartamento das partes, reforçado por um pedido de Eleanor para que a distância permanecesse intacta entre ambos.

    A métrica usada por Benson compreende uma linha temporal dionisíaca, que mostra cada momento específico da relação de acordo com o que o realizador julgar melhor. O fino equilíbrio não é quebrado, e a composição estratégica valoriza o romance perfeito do passado e a amargura de ambos após o fim da relação amorosa, que apesar dos pesares, não perdeu força, tampouco significou a interrupção do sentimento e da atração mútua.

    O lugar que o casal administra é um restaurante, curiosamente o símbolo que demanda amor, lugar onde muitas relações começaram ou simplesmente passaram, mostrando que a intimidade dos personagens é repleta de momentos de exploração da afeição típica de consortes enamorados. Mesmo assim, a sorte dos dois não fez prever o atropelamento que sofreriam, literal ou figurado. Curiosamente, após o rompimento, o estabelecimento é gerenciado somente pelo homem, o que coincide com a vontade de tornar o negócio em um empreendimento unilateral. Ao menos em um nível liminar de pensamento, que somente se manifesta em Conor.

    Após algumas incursões ao consultório psicanalítico da Professora Friedman (Viola Davis), Eleanor enfim percebe que não conseguirá mudar ou evoluir permanecendo no mesmo lugar. A moça tenciona sair da cidade, mas é fortemente aconselhada a não agir tão drasticamente, sugestão dada por sua analista e por todo o corpo de apoio formado pelo belo elenco de coadjuvantes, que conta ainda com Bill Hader em um papel diferente das comédias habituais – emulando o drama já visto em Skeleton Twins – e uma comedida Isabelle Huppert, que faz a matriarca Rigby, prenunciando alguns dos defeitos de introspecção de sua herdeira.

    Quando a melancolia torna-se o norte dos indivíduos em separado é que a real necessidade de estarem juntos aparecem, quando não se pode mais ver qualquer traço de identidade sem enxergar-se duplamente, sendo uno somente quando estão unidos. A maturidade passa por conhecer o momento de parar e tomar rumos opostos. Nesse ponto, a mensagem que Ned Benson produz é muito clara, e curiosamente não é dúbia na questão mais importante da inevitabilidade do des-romance.

  • Crítica | Dois Lados do Amor

    Crítica | Dois Lados do Amor

    Dois Lados do Amor - Poster Brasileiro

    A primeira referência que salta aos olhos do público retoma uma canção dos Beatles, composta por Paul McCartney, presente no álbum Revolver, de 1966. Eleanor Rigby é uma majestosa canção sobre a solidão, composta como uma crônica cotidiana poética e com um belo arranjo orquestral. Uma música que ecoa nesta produção, terceira parte de um projeto idealizado pelo roteirista e diretor Ned Benson.

    Buscando uma alternativa de inovação nas narrativas românticas no cinema, o diretor compôs uma trilogia sentimental sobre uma mesma história com ponto de vistas alternados. As duas primeiras produções lançadas em 2013 contavam o ponto de vista masculino e feminino separadamente. Narrativas que foram lançadas no exterior, mas ainda não chegaram ao país. Os Dois Lados do Amor é a união destas duas histórias anteriores, em uma nova edição que suprime partes dos filmes anteriores, produzindo uma nova cronologia em que conhecemos as duas personalidades da relação.

    O título original, The Disappearance of Eleanor Rigby, remete não só à canção dos Beatles como naturalmente infere a temática da solidão. A cena de abertura com o casal em harmonia é apenas um contraponto à separação de Conor e Eleanor após um acontecimento traumático, que será analisado no decorrer da história.

    Ainda que a personagem feminina tenha uma breve fuga, o desaparecimento é apenas uma metáfora simbólica que representa o transitivo. Neste aspecto, o amor do casal representava um momento anterior que, por escolha ou não, chegou ao fim. As personagens estão recomeçando a vida de maneira primária, reaprendendo como viver sem a presença do ex-amado, retornando a casa dos pais e observando que a percepção do que era concreto – o “para sempre” do amor – agora é parte do passado.

    O roteiro retém a motivação para a separação do casal enquanto demonstra a inadequação de ambos na nova vida. Eleanor tenta retomar a vida de solteira tentando voltar aos estudos; enquanto Conor, que mantém um restaurante estável, parece incapaz de viver sem a companheira e passa a persegui-la à procura de satisfações.

    A trama se constrói entre os espaços do fim e das circunstâncias que levaram a perda de laços dos protagonistas. O amor interrompido ganha maior composição trágica ao descobrimos que a perda de um filho parece o fator primário para o afastamento do casal. Infelizmente, não há aprofundamento que revele os motivos da morte da criança, e muito menos o drama que produziu no amor um sentimento repulsivo que impediria o casal de manter sua relação. Ao mesmo tempo, tais lacunas parecem intencionais para que a história adquira um caráter maior, simbolizando a dificuldade de uma relação a partir de um acontecimento inesperado por si só, sem a necessidade de que os pormenores dramáticos sejam revelados ao público.

    A medida da sensibilidade é um risco razoável para o roteirista e diretor, que depende de maior entrega do espectador para que este leia as entrelinhas inferidas pela obra. James McAvoy e Jessica Chastain demonstram competência ao interpretarem o casal recém separado, ao mesmo tempo que manifestam a ternura ainda existente. É uma obra bonita e reflexiva que mesmo perdendo a composição mais autoral ou audaciosa, apresentando somente um lado da relação como nas histórias anteriores, narra uma relação madura que não envereda nem para o lado excessivamente cômico, nem ao dramático.  Dessa forma, edifica-se a sensação de uma realidade assistida e comum a tantos casais cujo amor já não é residência constante.

  • Crítica | Uma Relação Delicada

    Crítica | Uma Relação Delicada

    A diretora Catherine Breillat frequentemente causa controvérsia devido à forma aberta com que aborda a temática sexual em seus filmes. Sua marca registrada são histórias que exploram a sexualidade feminina com um estilo frio e analítico, sendo explícita de modo pouco usual. Em 2005, Breillat sofreu um AVC que a deixou hemiplégica, com o lado esquerdo paralisado, o que não a impediu de continuar fazendo filmes. Depois de fazer Une vieille maitresse, em 2007, planeja rodar Bad Love, filme escrito especificamente para ter Naomi Campbell como protagonista. Conhece Christophe Rocancourt, um golpista reconhecido, e quer que ele esteja em seu filme, como par de Naomi. O produtor recusa Rocancourt e, por esse e outros motivos, o filme acaba não sendo rodado. Aproveitando-se da debilidade de Breillat, Rocancourt consegue “extrair” dela mais 800 mil euros. Acusado pela diretora em 2009, Rocancourt foi indiciado e julgado culpado de abus de faiblesse (abuso de fraqueza) – aproveitar-se da vulnerabilidade de uma pessoa tendo ciência desse estado vulnerável, exercendo pressão no intuito de levá-la a ter atitudes prejudiciais a ela mesma. No final de 2009, Breillat escreveu o livro Abus de faiblesse, em que relata esses eventos e que serviu de base para o filme.

    No filme, Maud Shainberg (Isabelle Huppert) é a diretora que sofre o AVC; e Vilko Piran (Kool Shen) é o escroque que se aproveita da vulnerabilidade de Maud. A atuação de Huppert é excepcional. Tão verossímil que chega a ser aflitivo ver as tentativas da personagem de se virar sozinha. A empatia causada é tamanha que o espectador se percebe fazendo os mesmos trejeitos da atriz, principalmente com as mãos e lábios. E não apenas isso. É irritantemente incômoda a falta de coordenação da personagem e mais incômoda ainda a percepção de que não deveríamos nos irritar com algo que está fora do controle dela. Não há qualquer dúvida de que Huppert carrega o filme nas costas, transpondo para a tela a personalidade incisiva da diretora. O que fica evidente é que o corpo pode ter sido debilitado pelo AVC, mas a personalidade continua “firme e forte”. E justamente por isso fica difícil para o espectador acreditar que seja possível que uma pessoa tão enérgica – beirando a prepotência – e tão resiliente se deixaria enganar dessa forma por um escroque assumido.

    Em contrapartida, Kool Shen é tão inexpressivo quanto o vigarista promovido a ator que representa. Noveleiros das antigas se lembrarão da atuação “emblemática” de Ricardo Macchi como o cigano Igor, na novela Explode coração. Shen tem uma performance tão carismática quanto Macchi. E o restante do elenco é tão apático, que mal se consegue lembrar quem é quem na história.

    Enquanto o primeiro terço do filme envolve o espectador na recuperação de Maud e na adaptação, nada fácil, à sua nova condição; o restante perde força enquanto vemos Vilko se “infiltrando” na vida de Maud e se aproveitando da fragilidade dela para explorá-la. A falta de empenho da diretora em tornar palpável e crível a situação de abus de faiblesse em que Maud se encontra faz a narrativa perder ritmo e intensidade. Não ser convincente o bastante faz o espectador ficar se perguntando por que diabos alguém inteligente agiria assim – assinando cheque após cheque – em vez de se compadecer dela em sua derrocada.

    Fugindo do seu estilo habitual, o filme talvez permita a Breillat uma espécie de catarse, uma forma de sublimar e deixar para trás o que lhe ocorreu. Contudo, mesmo sendo um filme bem executado, não consegue impressionar o espectador o suficiente para ser lembrado além daquele bate papo pós-sessão.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Huckabees: A Vida é uma Comédia

    Crítica | Huckabees: A Vida é uma Comédia

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    A introdução escolhida para este I Heart Huckabees é um arroubo de insatisfação do ativista ambiental e poeta frustrado Albert Markovski, personagem de Jason Schwartzman, inconformado com a transformação que o pântano vizinho a si sofrera, sendo praticamente dizimado, sobrando uma única rocha – sua insignificância é tão grande que chega a dar pena e não simpatizar com o personagem é praticamente impossível.

    Mais uma vez David O. Russell escolhe um protagonista neurótico e inseguro para ser o herói de sua jornada, mostrando o homem pequeno diante do destino, buscando mais uma vez uma boa razão para existir. Diferente de Procurando Encrenca, onde o personagem principal buscava sua origem, procurando a raiz de sua árvore genealógica, Albert procura a outra ponta de sua vida, tentando entender onde chegaria. A película é ainda mais idílica e surreal que a anterior do realizador, mostrando uma organização que investiga as vicissitudes da vida com uma abordagem lúdica e um tanto nonsense flertando com surrealismo, através de um transe meditativo que eleva a psiquê do paciente a um estágio em que este desconstrói as figuras importantes de sua vida para encontrar a razão de seus problemas.

    A personagem de Naomi Watts é a prova da obsolescência programada do homem dentro do sistema de extremo capitalismo. Ela quase nunca é chamada por seu nome (Dawn Campbell), mas sim por uma alcunha – a voz da Huckabees – mostrando uma demasiada falta de identidade, praticamente inexistente. Seu clamor por atenção é legítimo, já que atrás do sorriso, do corpo perfeito, sem rugas ou imperfeições esconde-se uma alma aflita que vê se avizinhar a velhice e a perda do que a distingue da multidão, sem falar que sua garota propaganda em depressão é algo genial por si só.

    Huckabees fala do mundo corporativo, da impessoalidade que um lugar repleto de empresas que só visam o lucro e de como os homens vivem neste ambiente, perdendo sua individualidade e sendo tratados por meio de estereótipos. Mesmo os ramos que deveriam não se pautar nisto sofrem com competições mil por clientes que deveriam ser únicos e não estereotipados. Artifícios como máquinas de sucção de insegurança e repositores de bons climas mostram o quão mecânico tornou-se o trabalho dos Jaffes. Uma saída plausível seria a junção de Tommy Corn (Mark Wahlberg) a Albert, a fim de que ambos conseguissem a transcendental mudança de perspectiva – outro clichê psicológico de solução por meio de apoio mútuo, associando duas almas igualmente perturbadas e alinhadas com pensamentos pró-ecológicos e até alinhados a esquerda, necessariamente avessos aos pilares de tradição, família e propriedade. Mesmo com esta jogada de sucesso pretensamente garantido, a união não garante lograr êxito, visto que o discurso dos dois é agressivo e não sabe se adequar aos adeptos mais conservadores – a crítica é clara ao problema comum das “minorias”, que tentam defender os marginalizados sem se fazer entender aos incautos.

    A linha de raciocínio dos investigadores do inconsciente defendida por Vivian (Lily Tomlin) e Bernard (Dustin Hoffman) é muito pautada no otimismo, enquanto para Caterine Vauben (Isabelle Huppert), a vida é um conjunto de eventos tragicômicos organizados ao acaso, a disputa é quase como uma luta entre sofistas e niilistas pela atenção do indivíduo à procura do “algo”. Tal embate deixa Albert e Tommy confusos, e cada um embarca de forma diversa na viagem proposta pelos analistas.

    Albert precisa ver o seu nêmese Brad (Jude Law) no momento mais decadente para finalmente ter sua epifania – que serve para si e também para reflexão dos terapeutas rivais. A crise do ser e a autocomiseração são unidas, o ponto de coalizão, o lugar onde os diferentes podem achar suas semelhanças, perceber que não há tanta distinção entre seus estados de espíritos e tornarem-se um. O roteiro de O. Russel e Jeff Baena pode e deve gerar múltiplas interpretações, e as ramificações destas são infinitas, mas a linha guia dele passa pelos incômodos inerentes a vida humana e como cada individuo tende a tratar disto, mesmo os descompensados e os mentalmente desequilibrados.

    Ouça nosso podcast sobre a filmografia de David O. Russel.

  • Crítica | Amor

    Crítica | Amor

    Amour-Poster

    Michael Haneke é um cineasta com um projeto muito claro: colocar na tela aquilo que o espectador preferia não ver. Violência gratuita, perversão sexual e as origens do nazismo já foram seus temas e em Amor, ganhador da Palma de Ouro em Cannes no ano passado, ele realiza o que parece ser seu filme mais íntimo, ao mesmo tempo em que trata de um dos assuntos mais onipresentes do universo: a morte.

    Anne e Georges são um casal idoso que vive em Paris. A sequência inicial do filme nos mostra um casal extremamente próximo, íntimo e independente que vai a concertos ver antigos alunos. Haneke constrói, nos primeiros 15 minutos de seu filme, um breve retrato de um casal em que o marido, aos prováveis 50 anos de casamento, ainda diz como sua mulher é bonita. É breve, mas essencial para que se entenda o que vai ser perdido mais tarde.

    Anne sofre um derrame e a cirurgia que se segue a deixa com a perna e o braço esquerdos paralisados. A perda de movimentos parece pequena; no entanto, Anne deixa de ser um ser humano independente, deixa de ser dona de suas vontades e, mais do que isso, traz para o casal a consciência da morte. Algo ali se quebra assim que Anne volta, e Haneke faz questão de demonstrar isso visualmente: o escritório onde o casal passa seus dias é todo decorado em cores quentes, tons de amarelo e laranja; a iluminação usada acentua esses tons e as vestimentas de todos os personagens que passam por ali são sempre em tons de marrom, exceto as de Anne, sempre em cores frias, como se já não pertencesse ao lugar onde a vida se dá.

    O derrame de Anne anuncia a morte, e o filme anuncia seu segundo capítulo com a visita de um ex-aluno. Ele chega de preto, de surpresa, e sua visita lembra a personagem de sua idade, de tudo de que ela já não lembra e do início de sua decomposição. Pouco depois ela tem um segundo ataque e começa uma espécie de segundo ato.

    Nessa segunda parte o que vemos é um ser humano que definha, morre devagar e dolorosamente em uma tela de cinema. Progressivamente Anne perde a dignidade, a personalidade e passa a ser tratada como uma coisa, um corpo doente e nada mais. Ao mesmo tempo, Haneke discute o próprio filme, ao opor a recusa feroz  da filha de Anne e seu marido a aceitar a morte da mãe à conformidade de Georges. Eva, a filha, está no lugar do espectador que preferia não entender aquilo que o personagem, e o cineasta, insistem em dizer que é inevitável.

    Amor é um filme claustrofóbico: ele se passa inteiro em um apartamento, os planos são fechados e são feitos muitos closes dos rostos dos personagens. Ao mesmo tempo, esse apartamento é decorado de forma agradável, íntima, e a luz quente e difusa aumenta a sensação de conforto. É um pouco como o longa: duro, contido, cruel, mas cheio de momentos de ternura e graça.

    Perto de A Fita Branca, seu trabalho anterior, Amor a princípio parece um filme menor e menos ousado. Mas, conforme ele se desenrola, a honestidade de Haneke mostra que o minimalismo ali fala muito. Amor é essencialmente sobre o que nos faz humanos: a morte, a resistência a ela, o amor como forma de aceitação e, finalmente, os limites desse amor. É profundo e visceral e confirma Haneke como um dos maiores cineastas em atividade.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.