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  • Sai de Cena aos 89 anos a atriz francesa Emmanuelle Riva

    Sai de Cena aos 89 anos a atriz francesa Emmanuelle Riva

    Emmanuelle Riva faleceu em Paris aos 89 anos, no dia 27 de janeiro, em consequência de um câncer, que apesar de diagnosticado a algum tempo, a atriz francesa manifestou o desejo de continuar trabalhando nos filmes que lhe trouxessem prazer e alegria

    Riva possui uma extensa carreira não só no cinema francês, sendo bastante difícil falar de cinema sem ao menos mencioná-la. A atriz ficou marcada no clássico Hiroshima, Meu Amor, de Alain Resnais, e mais recentemente, no premiado Amor, de Michael Haneke. Além dos já citados, Riva trabalhou com grandes cineastas como Gillo Pontecorvo, Krzysztof Kieslowski, Marco BellocchioJean-Pierre Améris, Julie Delpy, entre outros.

    Em 2016, a atriz veio a trabalhar em Roma, num espetáculo de teatro, ainda rodou um filme na Islândia e seguia analisando propostas, segundo informou o jornal francês Le Monde. Seu último filme está em pós-produção e deve ser lançado ainda neste ano.

  • Top 10 | Filmes para o Dia dos Namorados

    Top 10 | Filmes para o Dia dos Namorados

    Uma das forças de movimento do ser humano, o amor é um dos sentimentos mais arrebatadores e controversos que existe, principalmente, por conta de sua potência e de limites naturais que podem transforma-lo em passado e bruma. Presente na maioria das narrativas, os amantes são figuras primordiais e estão presentes no imaginário popular desde a composição do livro da criação, representados por Adão e Eva. Independentemente de seu fruto, os amantes são sempre um tema rico explorado pela sétima arte e, neste dia dedicado aos enamorados, Marcos Paulo, Doug Olive, Filipe Pereira, o recém-chegado Halan Everson e Thiago Augusto Corrêa se reuniram para compor mais uma lista, dessa vez, direcionada a pares unidos pela ficção (Em tempo, a última vez que a equipe se reuniu para o assunto foi no sexto Vortcast, “Ahhhh, O Amor…“. Porém, até mesmo no imaginário, o amor não é eterno posto que é chama. Uma justificativa que explica porque, dentre a lista desenvolvida, algumas obras são um misto de felicidade e tristeza simultânea. Ainda assim, a aventura de um amor é um dos grandes prazeres humanos. Não a toa a canção do quarteto de Liverpool assume que tudo que precisamos é de amor.

    Ela (Spike Jonze, 2013) – Por Marcos Paulo

    Filme de destaque no ano de 2013, conta com um Joaquin Phoenix irreconhecivelmente frágil no papel de Theodore e Scarlett Johansson como Samantha, sua sedutora assistente virtual. Em um mundo surreal, pessoas criam laços profundos com seres virtuais como solução para perda do sentido de contato e afeição em seu mundo físico. Questões sobre amor, necessidades e aquilo que nos faz humanos, são parte desta fábula criada por Spike Jonze refletindo aquilo que um relacionamento, seja como for, traz de mais especial: pertencer a algo maior.

    Azul é a Cor Mais Quente (Abdellatif Kechiche, 2013) – Por Doug Olive

    Uma grande brincadeira (levada a sério por parte do público) com o atual cinema francês. Um filme onde se opta por esquecer trilha sonora, montagem americana ou a tentação de muitos em definir essa “nova” geração. Ao invés disso, Azul é a Cor Mais Quente nos conquista substituindo o ritmo narrativo oriundo dos quadrinhos pelo nível excepcional de todas as atuações; em especial da protagonista, com seus inúmeros monólogos sem palavras. Cada gemido ou sugada de espaguete é sinal verde para a próxima cena, às vésperas de um novo riso ou choro para nos deixar órfãos da insensibilidade – tudo aflora! No universo sem contexto ou decretos de Adéle, nua do começo ao fim, nada é, mas tudo pode ser intencional transvestido de inofensivo. Um furacão que arrasou Cannes em 2012, e um arco-íris de sensações, pintado no limite entre a lucidez e a explosão emocional; uma homenagem crônica, afinal, à liberdade – la voie, la vérité, la vie, o lema político da França e das democracias pertinentes.

    Amor (Michael Haneke, 2013) – Por Filipe Pereira

    Evocando a fase adulta da terceira idade, como pano de fundo, Michael Haneke faz um verdadeiro filme de horror, exibindo as agruras da vida a dois através do drama de Amor. A história é contada a partir dos olhos de Georges, vivido pelo veterano Jean-Louis Trintignant, que assiste a degradação mental de seu par, Anne ( com a inspirada Emmanuelle Riva) que aos poucos perde a consciência e o controle de seus movimentos e de sua consciência mental, graças a uma variação rara de uma doença mental, além de fazer fortes alusões a proximidade da morte. O começo do filme já revela os momentos do último ato, com a decomposição corporal da pessoa do belo sexo, ainda que o ponto de vista seja absolutamente diferente da ideia “romântica” do que é um namoro/casamento. O modo como Georges trata sua combalida companheira passa por todos os estágios inerentes a uma junção de duas pessoas, mortificando qualquer fetiche de que a vida de um casal é repleta de sexo e desejo carnal mútuo, indo desde o carinho extremo a impaciência e esgotamento emocional, em uma monta russa emocional que não deixa qualquer espectador incólume.

    Essa Noite Você é Minha (David Mackenzie, 2011) – Por Halan Everson

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    Quando a música é parte essencial da trama de um romance, me soa muito mais agradável querer acompanhar esse tipo de filme porque certamente a música será utilizada além dos mesmos recursos batidos algo diferente do usual. E é nessa pequena pretensão de ser algo diferente que Essa Noite Você é Minha faz uso da fórmula sem ficar engessada nos clichês dela. Dirigido por David Mackenzie (do excelente Sentidos do Amor, também de 2011), acompanhamos uma fábula de romance acontecendo durante um festival de música, que não existem de hoje, mas acredito ser um dos poucos filmes dedicado a ficar exclusivamente nesse mesmo ambiente espiritual do inicio ao fim. Na trama, um líder de uma banda famosa do evento (Adam, Luke Treadaway) é algemado á uma vocalista de outra banda (Morello, Natalia Teña), que está tentando ganhar seu reconhecimento. Simples assim, essa premissa acontece derrepente e você vai junto ou não engole todo o resto. Geralmente esse tipo de filme está relacionado ao ambiente urbano fazendo essa experiência algo diferente. A música é personagem integrante da trama e realça muito dos momentos mais interessantes do filme, tanto de fundo como cantadas incluindo um incrível duo de Tainted Love feito por Teña e Treadaway. É uma excelente forma de fugir da cidade e viver um conto jovial e musical.

    A Bela e a Fera (Gary Trousdale e Kirk Wise, 1991) – Por Thiago Augusto Corrêa

    Bela e a Fera

    Considerado um dos clássicos supremos da Walt Disney Pictures, A Bela e a Fera dá continuidade as histórias adaptadas de fábulas e a trajetória de personagens femininas denominadas popularmente de princesas Disney. Composta por uma bela e simples história, a narrativa tem alcance em adultos e crianças, cada um lendo a obra de maneira diferente, conforme sua experiência. Como fábula, a história é conduzida pelo contraponto entre virtudes e vícios, deixando explícito a moral de nunca julgar pela aparência. A sensibilidade da trama e o crescimento da relação entre as personagens centrais é o principal enlace com o público, uma relação que se modifica na magnífica – e perfeitamente produzida – cena do salão de dança enquanto a canção A Bela e a Fera (Tale As Old As Time) é entoada.

    Namorados Para Sempre (Derek Cianfrance, 2010) – Por Marcos Paulo

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    Embora seu título original, Blue Valentine, pareça distante de sua tradução, o título é bastante adequado à este anti romance estrelado por Ryan Gosling e Michelle Williams, como o casal Cindy e Dean. Unidos por um acaso, a paixão do amor desintegram-se num relacionamento incapaz de se doar e amadurecer para além de um namoro juvenil, tornando os para sempre namorados. A falta de perspectiva, cobranças ocultas e a insatisfação os tornam amargurados e perdidos entre o que foram e o que gostariam de ser.

    Desencanto (David Lean, 1945) – Por Doug Olive

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    Em 2015, o diamante em estado bruto de David Lean completa setenta anos, com o tempo o fazendo cada vez melhor, e mais relevante que nunca, no Olimpo do gênero que representa fácil e esplendorosamente bem, a medida que é lapidado pela evolução do Cinema. A fumaça do trem separando um casal, porém, ainda não abaixou na estação, enquanto os olhos de lua da atriz Celia Johnson aguardam para sempre o eterno amor do passado, naquela mesa de bar, sozinha. Mesmo com Lawrence da Arábia e A Ponte do Rio Kwai, épicos devido a escala de produção, é o sentido mais puro e cru de épico, do tipo que chega a tocar na perfeição, que torna Desencanto, primo tímido de Casablanca, um dos mais sensíveis e amargos romances da Era de Ouro em Hollywood, o testamento supremo de Lean. Chico Buarque, no álbum de 1968, canta no hino. Desencontro a definição perfeita a um dos mais doces e fatalistas romances, onde o preço do amor é cobrado a partir de suas polaridades, valor e capacidade de colorir vidas condenadas ao mundo preto e branco dos desejos não-correspondidos.

    Hoje Eu Quero Voltar Sozinho (Daniel Ribeiro, 2014) – Por Filipe Pereira

    A singela historieta pensada por Daniel Ribeiro, primeiro em seu curta Eu Não Quero Voltar Sozinho, ganha ares de maturidade no belo longa Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, contando a história do duplamente excluído Leonardo (Guilherme Lobo) que, além de cego, começa a explorar vagarosamente sua sexualidade, no apogeu de sua puberdade, eclodindo uma paixão improvável com seu novo amigo, Gabriel (Fabio Audi), que também passa a descobrir os próprios desejo e pulsões de paixão e sexo na prática. A condução de atores tão jovens é belíssima, dá ainda mais sentido para a trama, relembrando filmes semelhantes de descoberta das manifestações de amor, com a obra que alude ao quadrinho de Julie Maroh, Azul é a Cor Mais Quente, ainda que a identidade da fita de Ribeiro seja carregada de brasilidade e identidade visual típica do país, unindo o formato bem urdido com um drama interessante e sensível ao extremo.

    Romances e Cigarros (John Turturro, 2005) – Por Halan Everson

    romances e cigarros

    John Turturro é um cara que é muito mais lembrado por ser coadjuvante. Pode ser por uma dessas que quando ele resolve tomar as rédeas de um projeto saiam peças tão únicas quanto esse belo romance/musical produzido com a ajuda dos Irmãos CoenJames Gandolfini vive o marido infiel de Susan Sarandon que tem um caso com Kate Winslet. É nessa simples trama de adultério que temos excelentes performances musicais dos protagonistas e dos coadjuvantes usando de uma sutil sincronia com as músicas originais enquanto cantam. Obviamente uma ideia que quebra toda a seriedade de uma discussão ou uma briga não poderia se levar a sério, e Turturro faz questão de brincar com o surreal de maneira agradável com aparição de mortos que quebram a quarta parede, conversas aleatórias numa obra e montagens de videoclipe dão o tom mais que divertido para o filme. Ele não perde o compasso entre a seriedade e os momentos de comédia em nenhuma das suas passagens, sabendo dosar cada uma da melhor forma o possível até o final.  Certamente um filme para rever varias vezes.

    Casablanca (Michael Curtiz, 1942) – Por Thiago Augusto Corrêa

    Image: FILE PHOTO: 70 Years Since The Casablanca World Premiere Casablanca

    Presente nas listas de Melhores Filmes de Todos os Tempos, Casablanca também é uma grande história de amor explorando, com a ironia característica de  Rick Blane, a beleza e a amargura de uma relação. O roteiro de Julius J. EpsteinPhilip G. EpsteinHoward Koch é uma das composições mais perfeitas da sétima arte, construindo uma gama de temas profundos sem desequilibrar nenhum aspecto narrativo. A guerra se contrapõe ao amor como metáfora fatalista de afastamento, o par central que se enlaça e se afasta representa a potência da união em contrapartida ao repertório interno de cada ser amado. A personagem de Bogart é tão miserável que é quase impossível não se identificar simultaneamente.

  • Resenha | Desejo – Elfriede Jelinek

    Resenha | Desejo – Elfriede Jelinek

    desejo-Elfriede-Jelinek

    A obediente Gerti é casada com Hermann, diretor de uma fábrica de papel que usa a mulher para satisfazer sua tantalizante obsessão sexual. O filho do casal, ainda uma criança, testemunha com curiosidade perversa os abusos sofridos pela mãe. Está também sob o jugo controlador do pai, por quem é tratado como presa, e revida ao mundo com violência, saboreando a inveja das crianças pobres do bairro.
    (fonte: primeira orelha do livro)

    Desejo, escrito por Elfriede Jelinek, deu à autora o Nobel de Literatura de 2004. Autora de A pianista – que virou filme pelas mãos de Michael Haneke – ganhou todas as premiações mais importantes de literatura em idioma alemão. Este é o segundo romance da autora publicado no Brasil.

    Polêmico, causou certo escândalo ao ser lançado. Há sexo em abundância, em praticamente todas as páginas. Contudo, como adequadamente afirmou a imprensa austríaca quando do lançamento do livro, o texto é antes de mais nada anti-pornográfico. Mesmo descrevendo o sexo com todos os detalhes e todas as palavras possíveis, não há absolutamente nada de erótico nessas cenas. Principalmente porque Jelinek entrelaça a elas associações entre a submissão da mulher – como gênero – e o capitalismo, dando ênfase ao consumismo desenfreado e à condição social dos operários. Quer algo menos sensual que isso?

    “As mulheres, enxertadas de esperanças, vivem da lembrança; os homens, entretanto, vivem do momento, que lhes pertence e, se cuidadosamente cultivado, se deixa compor e formar um montinho de tempo, que igualmente lhes pertence.”
    (p.23)

    O livro estilisticamente é ainda mais difícil de “encaixar”. Trazendo para a realidade literária brasileira, a grosso modo seria possível descrever como sendo uma mistura de Guimarães Rosa – com neologismos e construções inovadoras – e Clarice Lispector – com digressões e fluxos de consciência. Parece estranho. E é mesmo. É difícil de acompanhar a princípio, enquanto a autora alterna entre sexo explícito e crítica social. E, honestamente, não há como se habituar a isso. Talvez tenha sido essa mesma a intenção da autora.

    “Incômoda” talvez seja o adjetivo mais suave que se aplica a esta obra degradante, implacável e violenta. Tanto a forma quanto o conteúdo causam um desconforto durante a leitura, que demora a se dissipar mesmo depois de chegar ao fim do livro. Em alguns trechos, é insuportável acompanhar a narrativa, ver o modo como Gerti é subjugada e humilhada pelo marido, sua tentativa de fuga da realidade abrigando-se na bebida alcoólica, a perversão do filho, um pequeno voyeur que se delicia observando a situação. Desconcertante.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Amor

    Crítica | Amor

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    Michael Haneke é um cineasta com um projeto muito claro: colocar na tela aquilo que o espectador preferia não ver. Violência gratuita, perversão sexual e as origens do nazismo já foram seus temas e em Amor, ganhador da Palma de Ouro em Cannes no ano passado, ele realiza o que parece ser seu filme mais íntimo, ao mesmo tempo em que trata de um dos assuntos mais onipresentes do universo: a morte.

    Anne e Georges são um casal idoso que vive em Paris. A sequência inicial do filme nos mostra um casal extremamente próximo, íntimo e independente que vai a concertos ver antigos alunos. Haneke constrói, nos primeiros 15 minutos de seu filme, um breve retrato de um casal em que o marido, aos prováveis 50 anos de casamento, ainda diz como sua mulher é bonita. É breve, mas essencial para que se entenda o que vai ser perdido mais tarde.

    Anne sofre um derrame e a cirurgia que se segue a deixa com a perna e o braço esquerdos paralisados. A perda de movimentos parece pequena; no entanto, Anne deixa de ser um ser humano independente, deixa de ser dona de suas vontades e, mais do que isso, traz para o casal a consciência da morte. Algo ali se quebra assim que Anne volta, e Haneke faz questão de demonstrar isso visualmente: o escritório onde o casal passa seus dias é todo decorado em cores quentes, tons de amarelo e laranja; a iluminação usada acentua esses tons e as vestimentas de todos os personagens que passam por ali são sempre em tons de marrom, exceto as de Anne, sempre em cores frias, como se já não pertencesse ao lugar onde a vida se dá.

    O derrame de Anne anuncia a morte, e o filme anuncia seu segundo capítulo com a visita de um ex-aluno. Ele chega de preto, de surpresa, e sua visita lembra a personagem de sua idade, de tudo de que ela já não lembra e do início de sua decomposição. Pouco depois ela tem um segundo ataque e começa uma espécie de segundo ato.

    Nessa segunda parte o que vemos é um ser humano que definha, morre devagar e dolorosamente em uma tela de cinema. Progressivamente Anne perde a dignidade, a personalidade e passa a ser tratada como uma coisa, um corpo doente e nada mais. Ao mesmo tempo, Haneke discute o próprio filme, ao opor a recusa feroz  da filha de Anne e seu marido a aceitar a morte da mãe à conformidade de Georges. Eva, a filha, está no lugar do espectador que preferia não entender aquilo que o personagem, e o cineasta, insistem em dizer que é inevitável.

    Amor é um filme claustrofóbico: ele se passa inteiro em um apartamento, os planos são fechados e são feitos muitos closes dos rostos dos personagens. Ao mesmo tempo, esse apartamento é decorado de forma agradável, íntima, e a luz quente e difusa aumenta a sensação de conforto. É um pouco como o longa: duro, contido, cruel, mas cheio de momentos de ternura e graça.

    Perto de A Fita Branca, seu trabalho anterior, Amor a princípio parece um filme menor e menos ousado. Mas, conforme ele se desenrola, a honestidade de Haneke mostra que o minimalismo ali fala muito. Amor é essencialmente sobre o que nos faz humanos: a morte, a resistência a ela, o amor como forma de aceitação e, finalmente, os limites desse amor. É profundo e visceral e confirma Haneke como um dos maiores cineastas em atividade.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.