Tag: john turturro

  • Crítica | Jogada Decisiva

    Crítica | Jogada Decisiva

    Em 1998 Spike Lee unido ao estúdio Touchstone trouxe à luz uma obra que juntava uma temática que ele estava acostumado a abordar: a emancipação do negro americano junto às dificuldades de se ver livre para fazer o que quer, e o basquetebol, esporte que sempre amou do qual é apaixonado e devoto. Antes mesmo de começar seu drama ele passeia pelas quadras do país, especialmente em lugares carentes, mostrando meninos, meninas, homens e mulheres jogando basquete, em uma apresentação linda, acompanhada da bela música de Aaron Copland, em um exercício de slow motion que emula bem os momentos épicos de Sam Peckinpah.

    A história mostra Jesus, personagem de Ray Allen que se tornaria profissional da NBA, um jovem garoto que no colegial já tem talento o suficiente para chamar a atenção de olheiros das ligas profissionais. Aparentemente o garoto está jogando seu talento fora, graças à rebeldia que seu trágico passado causou – seu pai foi preso, por assassinar sua mãe – e para convencê-lo a jogar pela universidade do estado, a Big State (uma faculdade ficcional), Jake Shuttlesworth é liberado em condicional, tendo uma semana para convencer o filho, mesmo não tendo qualquer relação com ele desde que foi para a prisão.

    O modo como Lee conta sua história passa por ângulos obtusos, a câmera passeia pelos cenários e registra ângulos bem improváveis de seu elenco, em especial quando eles se exercitam, e para isso, não é nem preciso que Allen ou Denzel Washington (que faz Jake) estejam em tela. Essas sensações, sejam na figura do velho ou do novo Shuttlesworth, passam pela música não incidental do Public Enemy, que permeiam o filme inteiro, sobretudo nas disputas e nos créditos finais. Aliás, o modo como o realizador registra o jogo nas quadras de rua assusta. Não só pela poesia das imagens, que em alguns pontos faz tudo parecer um balé no asfalto, como pela plasticidade nos detalhes e closes nos jogadores. Além disso, o cineasta brinca com formatos, evoluindo o quadro de misturar momentos em estilo documentários com quebras da quarta parede, numa espécie de mescla entre seus filmes mais jornalísticos como Kobe Doin’ Work e seu longa de estréia, Ela Quer Tudo.

    Toda a história familiar é bem desenrolada, seus detalhes são escrutinados de maneira positiva em determinado ponto da trama, mas fora esse artifício, o roteiro se desenrola bem no que tange o emocional. Mesmo as questões primordiais do filme, como a rejeição natural que Jesus tem por seu pai são bem desafiadas, já que Jake é uma pessoa fácil de gostar, tão repleto de carisma que se torna irresistível para os que o cercam. Os fantasmas do passado são pesados demais parar serem ignorados.

    As atuações dos personagens de apoio são boas, com destaque positivo para Milla Jojovich, que vive a garota de programa Dakota, e Rosario Dawson, que faz Lala, um dos interesses românticos do rapaz. As descrições dos momentos vividos por essas personagens aparecem como cenas avulsas, coladas em meio a trama do roteiro de Lee como esquetes separadas da trama central, permitindo assim aos intérpretes adicionarem camadas e mais camadas à atuação, fazendo dessa Coney Island palco para um teatro de sonhos e decepções, algumas inerentes à vida comum e outras que fogem completamente do ordinário.

    No apartamento barato que aluga, Jake gasta seu tempo entre receber visita dos policiais corruptos que o pressionam e os treinamentos de domínio com a velha e surrada bola que tem, consistindo basicamente dele jogando a mesma contra parede para afiar seus reflexos de novo, como se precisasse, como se não tivesse mentalmente todas as formas de  ir em direção à cesta, ou de dominar em jogo em suas mãos. O artifício que emprega visa isolar os próprios ouvidos do barulho incômodo do quarto ao lado, e ajuda ele a relaxar para finalmente lidar com seus demônios.

    Todo o número envolvendo a apresentação da Tech University (outra universidade fictícia) é por si só surreal. Desde a apresentação com os veteranos, que são recebidos por dúzias de garotas brancas lindas e dadas, até a conversa com o bizarro treinador Billy Sunday de John Turturro, que brinca entre a sedução do inocente estudante e as rezas dadas à figura mítica e messiânica de Cristo, que estão presentes no nome de batismo do aspirante a jogador. Lee acerta demais ao mostrar o ambiente sedutor e errático das universidades com possíveis jogadores, não só no cunho sexual, como também no aliciamento, e nisso, nem o antigo Blue Chips de William Friedkin ou o mais recente Amador acertam tanto quanto na jornada que Jesus tem.

    Allen tem uma apresentação digna. Até fora de quadra ele atua consideravelmente bem, consegue apresentar uma face dramática intensa e forte quando contracena com a Lala de Dawson, além de fazer um bom dueto com a figura do mentor inesperado. O trágico e deprimido homem que tem pouca consideração sua, transita pelas ruas sujas de Coney Island com roupas de treino de basquete basicamente por não ter nada, a não ser o jogo que tentou ministrar ao seu filho. Algum sucesso ele teve, afinal, já que a grande escolha de Jesus teve a ver com o conselho de seu progenitor.

    O um a um que pai e filho jogam é uma disputa ideológica e familiar pesada, carregada de sentimentos e significados. A carga emotiva certamente acerta em cheio quem visualiza a história, como um chute de três pontos bem dado, na final de um campeonato, semelhantes aos que Allen fez durante sua boa carreira na universidade e na NBA. Mais do que isso, é a prova de que o homem pode evoluir, pode treinar e se aprimorar para melhorar não só a si, mas também os seus. Jake se vê numa posição de ter de alguma forma de liberdade, e os momentos tensos e imediatos antes dos créditos finais brincam com as barreiras metafísicas, dando a pai e filho uma relação mais forte que a realidade tangente.

  • Crítica | Mia Madre

    Crítica | Mia Madre

    Mia Madre 1

    Usando a metalinguagem da feitoria do cinema como referência maior, Mia Madre é a nova aventura cinematográfica de Nanni Moretti – de Habemos Papam e O Crocodilo – que rege um filme focado na personagem Margheritta (Margheritta Buy), uma diretora de cinema, que divide seu parco tempo em três frentes: a realização de uma nova fita, a temível doença de sua mãe e as dificuldades em criar uma filha adolescente.

    Sem qualquer preâmbulo, as cenas gravadas nas locações servem de paralelo para o eterno caos que habita o cotidiano de Margheritta, dialogando de modo incisivo com o espectador, servindo de atalho para a miscelânea de grandes problemas que insistem em cercá-la. Todo e qualquer evento cotidiano se torna parte de uma intensa epopéia, que faz a mulher demonstrar o sofrimento de baques, ainda que não se permita cair a partir das situações limites.

    A luta da protagonista é vista em suas expressões faciais, completamente distante do furor excitante dos que a cercar, inclusive do recém chegado Barry Huggins – John Turturro, em participação especial – que já demonstra sua boêmia ao chegar no aeroporto italiano, repousando sem qualquer contexto com sua posição de antigo astro de cinema. Aos poucos, a sanidade da personagem vai se esgotando, com questões corriqueiras beirando o absurdo, invadindo o mundo ela considera realista. Mesmo um evento simples como o extenso vazamento de água em seu apartamento, é filmado por Moretti sob um ponto de vista fantástico, repleto de objetos cênicos que poluem o ambiente, e que servem de paralelo a bagunça em que está a psiquê da mulher.

    Grande parte do tempo de Margheritta se passa em translados, tendo que conduzir os entes que habitam a sua vida de um ponto ao outro do micro universo que é “aquela” Roma. Sua disposição para completa independência esbarra na sensação de impotência que tenta tomá-la, especialmente pela questão que envolve o acamar de sua mãe. Muito antes da fúria e do desespero tomá-la, já se nota que suas percepções a empurram para a beira do precipício, resultando num colapso comportamental do qual a mulher se recupera rapidamente, ao menos a olhos nus.

    Mia Madre trata dos fatos e perdas inexoráveis, enlaçando tais sentimentos ruins junto as conquistas diárias, juntando tais experiências de um modo interdependente, como se para vencer alguns obstáculos, fosse necessário ter perdas, como parte da clássica jornada de edificação do homem, em torno da feitoria de uma arte.

    A trajetória de Margheritta apesar de ganhar holofotes cinematográficos, representa dramas reais e comuns, onde a arte mais uma vez emula as questões corriqueiras do existir, se assemelhando ao espírito visto em A Pele de Vênus de Roman Polanski, em uma versão claramente menos inspirada, mas ainda assim, bela em sua execução.

  • Top 10 | Filmes para o Dia dos Namorados

    Top 10 | Filmes para o Dia dos Namorados

    Uma das forças de movimento do ser humano, o amor é um dos sentimentos mais arrebatadores e controversos que existe, principalmente, por conta de sua potência e de limites naturais que podem transforma-lo em passado e bruma. Presente na maioria das narrativas, os amantes são figuras primordiais e estão presentes no imaginário popular desde a composição do livro da criação, representados por Adão e Eva. Independentemente de seu fruto, os amantes são sempre um tema rico explorado pela sétima arte e, neste dia dedicado aos enamorados, Marcos Paulo, Doug Olive, Filipe Pereira, o recém-chegado Halan Everson e Thiago Augusto Corrêa se reuniram para compor mais uma lista, dessa vez, direcionada a pares unidos pela ficção (Em tempo, a última vez que a equipe se reuniu para o assunto foi no sexto Vortcast, “Ahhhh, O Amor…“. Porém, até mesmo no imaginário, o amor não é eterno posto que é chama. Uma justificativa que explica porque, dentre a lista desenvolvida, algumas obras são um misto de felicidade e tristeza simultânea. Ainda assim, a aventura de um amor é um dos grandes prazeres humanos. Não a toa a canção do quarteto de Liverpool assume que tudo que precisamos é de amor.

    Ela (Spike Jonze, 2013) – Por Marcos Paulo

    Filme de destaque no ano de 2013, conta com um Joaquin Phoenix irreconhecivelmente frágil no papel de Theodore e Scarlett Johansson como Samantha, sua sedutora assistente virtual. Em um mundo surreal, pessoas criam laços profundos com seres virtuais como solução para perda do sentido de contato e afeição em seu mundo físico. Questões sobre amor, necessidades e aquilo que nos faz humanos, são parte desta fábula criada por Spike Jonze refletindo aquilo que um relacionamento, seja como for, traz de mais especial: pertencer a algo maior.

    Azul é a Cor Mais Quente (Abdellatif Kechiche, 2013) – Por Doug Olive

    Uma grande brincadeira (levada a sério por parte do público) com o atual cinema francês. Um filme onde se opta por esquecer trilha sonora, montagem americana ou a tentação de muitos em definir essa “nova” geração. Ao invés disso, Azul é a Cor Mais Quente nos conquista substituindo o ritmo narrativo oriundo dos quadrinhos pelo nível excepcional de todas as atuações; em especial da protagonista, com seus inúmeros monólogos sem palavras. Cada gemido ou sugada de espaguete é sinal verde para a próxima cena, às vésperas de um novo riso ou choro para nos deixar órfãos da insensibilidade – tudo aflora! No universo sem contexto ou decretos de Adéle, nua do começo ao fim, nada é, mas tudo pode ser intencional transvestido de inofensivo. Um furacão que arrasou Cannes em 2012, e um arco-íris de sensações, pintado no limite entre a lucidez e a explosão emocional; uma homenagem crônica, afinal, à liberdade – la voie, la vérité, la vie, o lema político da França e das democracias pertinentes.

    Amor (Michael Haneke, 2013) – Por Filipe Pereira

    Evocando a fase adulta da terceira idade, como pano de fundo, Michael Haneke faz um verdadeiro filme de horror, exibindo as agruras da vida a dois através do drama de Amor. A história é contada a partir dos olhos de Georges, vivido pelo veterano Jean-Louis Trintignant, que assiste a degradação mental de seu par, Anne ( com a inspirada Emmanuelle Riva) que aos poucos perde a consciência e o controle de seus movimentos e de sua consciência mental, graças a uma variação rara de uma doença mental, além de fazer fortes alusões a proximidade da morte. O começo do filme já revela os momentos do último ato, com a decomposição corporal da pessoa do belo sexo, ainda que o ponto de vista seja absolutamente diferente da ideia “romântica” do que é um namoro/casamento. O modo como Georges trata sua combalida companheira passa por todos os estágios inerentes a uma junção de duas pessoas, mortificando qualquer fetiche de que a vida de um casal é repleta de sexo e desejo carnal mútuo, indo desde o carinho extremo a impaciência e esgotamento emocional, em uma monta russa emocional que não deixa qualquer espectador incólume.

    Essa Noite Você é Minha (David Mackenzie, 2011) – Por Halan Everson

    Tonight-youre-minejpg

    Quando a música é parte essencial da trama de um romance, me soa muito mais agradável querer acompanhar esse tipo de filme porque certamente a música será utilizada além dos mesmos recursos batidos algo diferente do usual. E é nessa pequena pretensão de ser algo diferente que Essa Noite Você é Minha faz uso da fórmula sem ficar engessada nos clichês dela. Dirigido por David Mackenzie (do excelente Sentidos do Amor, também de 2011), acompanhamos uma fábula de romance acontecendo durante um festival de música, que não existem de hoje, mas acredito ser um dos poucos filmes dedicado a ficar exclusivamente nesse mesmo ambiente espiritual do inicio ao fim. Na trama, um líder de uma banda famosa do evento (Adam, Luke Treadaway) é algemado á uma vocalista de outra banda (Morello, Natalia Teña), que está tentando ganhar seu reconhecimento. Simples assim, essa premissa acontece derrepente e você vai junto ou não engole todo o resto. Geralmente esse tipo de filme está relacionado ao ambiente urbano fazendo essa experiência algo diferente. A música é personagem integrante da trama e realça muito dos momentos mais interessantes do filme, tanto de fundo como cantadas incluindo um incrível duo de Tainted Love feito por Teña e Treadaway. É uma excelente forma de fugir da cidade e viver um conto jovial e musical.

    A Bela e a Fera (Gary Trousdale e Kirk Wise, 1991) – Por Thiago Augusto Corrêa

    Bela e a Fera

    Considerado um dos clássicos supremos da Walt Disney Pictures, A Bela e a Fera dá continuidade as histórias adaptadas de fábulas e a trajetória de personagens femininas denominadas popularmente de princesas Disney. Composta por uma bela e simples história, a narrativa tem alcance em adultos e crianças, cada um lendo a obra de maneira diferente, conforme sua experiência. Como fábula, a história é conduzida pelo contraponto entre virtudes e vícios, deixando explícito a moral de nunca julgar pela aparência. A sensibilidade da trama e o crescimento da relação entre as personagens centrais é o principal enlace com o público, uma relação que se modifica na magnífica – e perfeitamente produzida – cena do salão de dança enquanto a canção A Bela e a Fera (Tale As Old As Time) é entoada.

    Namorados Para Sempre (Derek Cianfrance, 2010) – Por Marcos Paulo

    blue_valentine

    Embora seu título original, Blue Valentine, pareça distante de sua tradução, o título é bastante adequado à este anti romance estrelado por Ryan Gosling e Michelle Williams, como o casal Cindy e Dean. Unidos por um acaso, a paixão do amor desintegram-se num relacionamento incapaz de se doar e amadurecer para além de um namoro juvenil, tornando os para sempre namorados. A falta de perspectiva, cobranças ocultas e a insatisfação os tornam amargurados e perdidos entre o que foram e o que gostariam de ser.

    Desencanto (David Lean, 1945) – Por Doug Olive

    desencanto

    Em 2015, o diamante em estado bruto de David Lean completa setenta anos, com o tempo o fazendo cada vez melhor, e mais relevante que nunca, no Olimpo do gênero que representa fácil e esplendorosamente bem, a medida que é lapidado pela evolução do Cinema. A fumaça do trem separando um casal, porém, ainda não abaixou na estação, enquanto os olhos de lua da atriz Celia Johnson aguardam para sempre o eterno amor do passado, naquela mesa de bar, sozinha. Mesmo com Lawrence da Arábia e A Ponte do Rio Kwai, épicos devido a escala de produção, é o sentido mais puro e cru de épico, do tipo que chega a tocar na perfeição, que torna Desencanto, primo tímido de Casablanca, um dos mais sensíveis e amargos romances da Era de Ouro em Hollywood, o testamento supremo de Lean. Chico Buarque, no álbum de 1968, canta no hino. Desencontro a definição perfeita a um dos mais doces e fatalistas romances, onde o preço do amor é cobrado a partir de suas polaridades, valor e capacidade de colorir vidas condenadas ao mundo preto e branco dos desejos não-correspondidos.

    Hoje Eu Quero Voltar Sozinho (Daniel Ribeiro, 2014) – Por Filipe Pereira

    A singela historieta pensada por Daniel Ribeiro, primeiro em seu curta Eu Não Quero Voltar Sozinho, ganha ares de maturidade no belo longa Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, contando a história do duplamente excluído Leonardo (Guilherme Lobo) que, além de cego, começa a explorar vagarosamente sua sexualidade, no apogeu de sua puberdade, eclodindo uma paixão improvável com seu novo amigo, Gabriel (Fabio Audi), que também passa a descobrir os próprios desejo e pulsões de paixão e sexo na prática. A condução de atores tão jovens é belíssima, dá ainda mais sentido para a trama, relembrando filmes semelhantes de descoberta das manifestações de amor, com a obra que alude ao quadrinho de Julie Maroh, Azul é a Cor Mais Quente, ainda que a identidade da fita de Ribeiro seja carregada de brasilidade e identidade visual típica do país, unindo o formato bem urdido com um drama interessante e sensível ao extremo.

    Romances e Cigarros (John Turturro, 2005) – Por Halan Everson

    romances e cigarros

    John Turturro é um cara que é muito mais lembrado por ser coadjuvante. Pode ser por uma dessas que quando ele resolve tomar as rédeas de um projeto saiam peças tão únicas quanto esse belo romance/musical produzido com a ajuda dos Irmãos CoenJames Gandolfini vive o marido infiel de Susan Sarandon que tem um caso com Kate Winslet. É nessa simples trama de adultério que temos excelentes performances musicais dos protagonistas e dos coadjuvantes usando de uma sutil sincronia com as músicas originais enquanto cantam. Obviamente uma ideia que quebra toda a seriedade de uma discussão ou uma briga não poderia se levar a sério, e Turturro faz questão de brincar com o surreal de maneira agradável com aparição de mortos que quebram a quarta parede, conversas aleatórias numa obra e montagens de videoclipe dão o tom mais que divertido para o filme. Ele não perde o compasso entre a seriedade e os momentos de comédia em nenhuma das suas passagens, sabendo dosar cada uma da melhor forma o possível até o final.  Certamente um filme para rever varias vezes.

    Casablanca (Michael Curtiz, 1942) – Por Thiago Augusto Corrêa

    Image: FILE PHOTO: 70 Years Since The Casablanca World Premiere Casablanca

    Presente nas listas de Melhores Filmes de Todos os Tempos, Casablanca também é uma grande história de amor explorando, com a ironia característica de  Rick Blane, a beleza e a amargura de uma relação. O roteiro de Julius J. EpsteinPhilip G. EpsteinHoward Koch é uma das composições mais perfeitas da sétima arte, construindo uma gama de temas profundos sem desequilibrar nenhum aspecto narrativo. A guerra se contrapõe ao amor como metáfora fatalista de afastamento, o par central que se enlaça e se afasta representa a potência da união em contrapartida ao repertório interno de cada ser amado. A personagem de Bogart é tão miserável que é quase impossível não se identificar simultaneamente.

  • Filmografia Comentada: Os Irmãos Coen – Parte 2

    Filmografia Comentada: Os Irmãos Coen – Parte 2

    De Gosto de Sangue a Inside Llewyn Davis, uma análise geral e não-datada sobre as diretrizes da obra de Joel e Ethan Coen. Da parceria primordial com Sam Raimi a dois lugares cativos nas expectativas de crítica e público, feito mais que raro, senão raríssimo. Suas obras são trabalhadas com mãos de pelica juntamente a todas as possibilidades do cinema, em seu estado humilde, para apostar em temas ricos, intentando criar algo inédito, como que com o ímpeto de um fracassado que aposta tudo na única chance de sua vida.

    A moral e a força dessas obras vêm em forma de lenta infiltração atrás da parede da sala, apesar da rápida duração, geralmente, das mesmas. Em um punhado de entrevistas dedicadas a dissecar o que está por trás dos estímulos da filmografia vigente, os cineastas não cedem a surtos didáticos sobre seu caminho no cinema, carregado de marcos em dobro.

    O Homem que Não Estava Lá(2001)

    O expressionismo alemão que não se mostra herdeiro das consequências do passado, mas de uma irrevogável essência dúbia e ambígua da composição do mundo surreal desses realizadores, corajosos por experimentar de tudo, um pouco; formados na fórmula de como se sustentar na corda bamba da criatividade. As sombras do interior de um homem expostas nas calçadas no contra plongée de um enquadramento, na possibilidade do filme ser mudo, sem carência de pantomima, na caricatura de uma história contida, prestes a explodir a qualquer segundo como um dínamo desconfiado. Até onde pode se estender a luz nas sombras do mero ser, quiçá os domínios da técnica numa produção com coração e possibilidade de submersão, além do visual. O Homem Que Não Estava Lá é um convite para o espectador ter a responsabilidade de sentir a história separadamente ao belíssimo arranjo e aquisição do fotógrafo Roger Deakins, o oposto do que as produções bilionárias de Hollywood tentam evocar. É como se os irmãos, através de cada frame e close facial do ator Billy Bob Thornton, levassem o público pelas mãos por um campo já arado, esperando uma semeadura de consciência para algo poder ser colhido dali. É claro que o potencial poético do filme não é de todo renegado, mas desde que a estrutura dialoga em primeira e terceira pessoa, o que é unilateral nos filmes de Joel e Ethan não tem vez.

    O Amor Custa Caro (2003)

    Crises existenciais sempre foram inerentes aos Coen, e aqui, em plena era da infinitamente atrasada igualdade entre os sexos, eles homogeneízam em uma inusitada paleta de cores quentes o que há de bom e ruim no interior humano, na fronteira entre o distinguível e as miragens da neblina moral, no caso, existencial. A ênfase às contradições, revogáveis vistas do lado de fora, da natureza do homem e da mulher são colocadas no microscópio conhecido por Cinema, imagens e sons novamente sob o prisma da interpretação variável. A começar por ser boêmio e não menos que simbólico, há alguns “novamentes” aqui, seja a repetida parceria com Thornton e Clooney ou o raro esforço por não serem tão óbvios no tratamento de um contexto pré-montado, há mais no sorriso de George Clooney e no vermelho de Catherine Zeta-Jones do que sonha nossa vã filosofia. Como nós aceitamos ser guiados por dois seres desprezíveis é cortesia nossa, só nossa, nascida do simples ímpeto de se envolver com uma boa história, humilde sem demais alegorias no fluxo de ideias velhas bem retocadas, num cenário de roupagens e vocabulários requentados; poucos podem ser culpados por tentar a nobre arte da revitalização clássica.

    Matadores de Velhinha (2004)

    O humor universal é o que há de mais caro no gênero. Tudo se assemelha em âmbito cultural e de repente a satisfação se esvai em prol da sede pelo original. Quase não há espaço para a inovação nessa questão, a menos que essa seja obtida por legítimos punhos de aço; um empurrãozinho da sorte, aliás, não faz mal a ninguém. Só nos resta ser o gato à margem da ponte, na cena derradeira de Matadores de Velhinha, filme que se recusa a ir ou a voltar no espaço-tempo: Vaga nesta filmografia como um espectro do que ficou na vontade, e do que os Coen poderiam ter sido na pior instância. O maior risco intelectual dos Coen se concretizou em escorregão, convertido aqui em plena irresponsabilidade no material final: É lugar comum, é a espreguiçada que se dá ao acordar no domingo de manhã. Equívoco que todo cineasta merece e faz bem de cometer para se mostrar hábil o bastante de espantar o pó e seguir de cabeça erguida adiante.

    Onde os Fracos Não Têm Vez (2007)

    E seguiram. Quando um(a) artista, no sentido amplo do termo, chega no auge do exercício almejado com unhas e dentes, ele(a) retorna talvez injustamente ao ponto de partida, pois sente que foi naquele ponto onde sua autenticidade falou mais alto, gritou e berrou ao mundo. Onde os Fracos Não Têm Vez é uma constatação rara que não tem espaço para nada mais do que a maturidade absoluta no ofício do realizador, este que arrisca toda a reputação até aqui conquistada para fazer o que é preciso dentro e fora da conjetura que se equilibra para não arredar o pé, com ou sem esforço. Tipo de peça que toda filmografia deve ter, é o currículo dos Coen falando lado a lado com a história árida e que casa mais que perfeitamente com os fundamentos dos irmãos, na hora certa e com o material certo. Estimulante a qualquer profissional da área, nota-se que, através dos paradoxos psicológicos e do desenvolvimento harmonioso do mosaico de sensações a ser desembrulhado, conforme a projeção se encarrega do próprio desfecho, a adaptação de McCarthy é a mais notável evolução moral desta dupla de mentes. Sua maior proeza extraestrutural é ser denso enquanto flexível, aberto a todo o tipo de interpretação a quem acompanha o cão (Tommy Lee Jones) perseguir o gato (Javier Bardem), que persegue o rato (Josh Brolin) e rata (Kelly Macdonald). De câmera intimista num mundo desesperado por lógica, intenções se desenham em terreno abstrato diante dos olhos; um manifesto imprevisível e amargo contra a violência e a favor do que pode ser ridículo nela. Os irmãos aqui assumem a figura de dois palhaços tristes que sempre nos fizeram rir com signos derivados de tiros a queima roupa e sangue sobre carne, se posicionando desta vez na lateral oposta do mesmo, sem máscaras ou maquiagem, acerca de uma modernidade ainda deficiente de humanidade. Se eles não conseguiram ser pretensiosos aqui na abordagem, por mais ativa que seja, eles certamente não mais poderão ser, pois sem o habitual humor negro, qualquer um morreria sufocado assistindo Onde os Fracos Não Têm Vez.

    Queime Depois de Ler (2008)

    Do veterano roteirista Marshall Brickman: “A mensagem do filme não pode estar no diálogo”, e para quem não tem ideia de onde mais poderia estar, os filmes desses instáveis irmãos chegam a ser uma boa resposta. Infelizmente, sendo uma resposta reflexiva para alguns, fato é que Queime Depois de Ler, dotado de um elenco estelar, faz parte do que já pode ser analisado como a segunda fase dos Coen: A fase que eles não precisam mais provar nada a ninguém, quando o motor do carro para de ranger após subir a colina e chegar ao topo do planalto. É possível descansar nessa hora, esticar as pernas e deixar rolar tudo o que o desejo assim apontar. Instáveis, porém incansáveis, o céu não é o limite para quem anda com a cabeça nas nuvens, e à medida que a câmera desce na abertura do décimo quarto filme da dupla rumo ao foco no teto de uma instalação governamental em Washington, Estados Unidos, é como se o tempo tivesse parado e aquelas comédias, dos tempos de Arizona Nunca Mais, nunca tivessem saído do lugar para alçar voos mais altos. Premissa claramente iniciada do zero, um filme interessante de corroer as bases, morder os princípios ao longo da projeção, por lá estar contido um punhado de estruturas submersas, à tona aos poucos: Um strip-tease ofertado pelas toneladas de relações humanas trágicas apresentadas, terrivelmente familiares para muitos de nós, e em constante impacto quase cármico. Um círculo social de diálogos subversivos vindos de condições, apenas e, sobretudo, masoquistas por excelência. A obra é o picolé de limão mais ácido no dia de verão mais quente, conquistando quem vive a vida real e acha graça nos imprevistos irresistíveis e contínuos. Como Cartola já cantou: “Rir, pra não chorar”. É a vida.

    Um Homem Sério (2009)

    Uma rara metalinguagem não-admitida. Por mais abstratas que sejam suas cognições, Um Homem Sério é um antifilme onde os Coen brincam de ser Deus e se fazem ilegíveis, portanto. O excesso de subjetividade é totalmente proposital, e entre fenômenos naturais improváveis e a lógica matemática que também não chega a lugar nenhum, os irmãos assumem a ironia de o cineasta ser capaz de criar seus mundos, mantê-los e destruí-los quando e como bem quiser, seja através de um divórcio ou de um furacão geológico. Indo além do masoquismo e sendo tão imparcial quanto as constelações nos são, Um Homem Sério não parte mais do pressuposto artístico de investigar os mistérios da vida, mas passa a aceitá-los sem a pretensão de entendê-los, como sugere um personagem em devido momento quando a força do que vem a ser dispensável pontua qualquer julgamento, cético ou não, agnóstico ou não, quanto a confusão que é provável de se formar da abrangência da produção em relação ao tudo e ao nada. Os rostos interrogatórios de todas as figuras no filme promovem signos indecifráveis, embora para com a dupla de cineastas, sempre serenos e donos das verdades que não aceitam compartilhar, no caso, os rabinos desta história que olha para si mesmo e rejeita um final, pois é um retrato do ciclo da vida que só termina quando a montagem exibe os créditos finais e tudo fica escuro, na técnica do fade out. Filosófico sem levantar bandeiras, e bem sucedido enquanto amplo em torno de embalagens melancólicas, como projetos cinematográficos no início foram idealizados a ser, aqui os Coen riem baixinho da vida com as mãos na frente da boca, após gargalharem do caos existencial em Queime Depois de Ler. Logo, a filmografia desses irmãos tem humor negro próprio, caso seja procurado um sentido para cada filme existir.

    Bravura Indômita (2010)

    Silenciar as impressões dos Coen quanto a um gênero não funciona com eles. É tentador imaginar os irmãos na premissa de um terror a seus moldes, assim como era um western visto a temperatura e o fluxo de calor que suas produções são submetidas, de vez em quando, na direção que o gênero imortalizado por LeoneFord e Hawks era inevitável, em uma visão senão mais próxima de Sam Peckinpah, é verdade, se esse fosse adepto de Proust. Se de estereótipos se faz o gênero, os irmãos se aproveitam disso e mostram a jornada da vida através de quem vai, e só não ignora o cenário devido à beleza das pradarias e do céu do meio-oeste dos Estados Unidos captados pela câmera de Roger Deakins, mais uma vez na sua melhor parceria com a dupla criadora. Metáfora sobre a coragem do “fazer humano” reflexiva e caricatural em suas causas, e seus efeitos. O rosto deformado de Jeff Bridges, a bravura cega da jovem figura de Hailee Steinfeld e, principalmente, a ineficiência do personagem de Matt Damon apontam para o fim de um jeito seco, sem conclusões, aqui substituídas pela, artisticamente falando, analogia moral de se realizar a arte que reúne as outras, o cinema, da concepção notória do movimento com ou sem final feliz, tanto faz, na ubiquidade do invólucro narrativo aqui presente até a última cena. Toda a beleza fotografada indica qual beleza? Uma beleza que não se pode ver, apenas ouvida, quiçá pela força dos diálogos, os olhares que dizem tanto? Daí a principal indagação, de dentro pra fora, no frescor da nobre odisseia para prender um bandido. De uma mera vaidade surge a obra mais sábia e onisciente de seu poder de persuadir o espectador desde Onde os Fracos Não Têm Vez, a partir do momento que retira a bravura do título da humildade com que tudo nos é configurado, sem pressa na familiar esquematização cênica dos irmãos que quase nos permite ver seus filmes com nossas avós ao lado, numa dramatização econômica e cirurgicamente precisa, não mais que satisfatória; uma máquina que chega com o manual necessário, porém, obviamente, escrito em uma língua que só as emoções sabem falar. No dia mais escuro, quando os Coen se tornarem objetivos em suas razões então deturpadas, nada mais poderá fazer sentido.

    Inside Llewyn Davis: A Balada de um Homem Comum (2013)

    O folk de Joan BaezDave Van Rock e Bob Dylan é o ritmo que melhor casa com o ritmo dos Coen, se tornando irresistível de representar; o frenesi de discos como The Folkways Years e Highway 61 Revisited exemplificam perfeitamente a semelhança ideológica nas intenções conjuradas em mensagens sociais (e atemporais, como as do folk), oriundas da desconexão com o que e quem essas mensagens pretendem tocar. O músico Llewyn Davis de decadente e ascendente social não tem nada, é apenas um nômade feito com pernas incansáveis, junto a seus sapatos surrados, violão e cabelos despenteados, a materialização do espírito musical em pauta, de uma geração e de um artista. No primeiro musical convencional dirigido em dobro pelos Coen, a predominância do tempo presente é mais uma vez redigida com gosto, uma espécie de limpeza de alma, do poder que a música empresta ao cinema quando esse se habilita em aperfeiçoar melodia com o audiovisual sem perder fatores de fidelidade. Retratar o som em nome da expressão não verbal que A Balada de um Homem Comum termina por ser é tarefa árdua, que aqui parece ser das mais simples, tímida, mas masoquista até a medula. O foco dos diretores continua sendo a potencialidade do que é retratado, num processo de destilação vertiginosa no conteúdo da história, um descobrimento leve do que pode vir a ser – sempre no tempo presente já mencionado – e um polimento do interesse bruto do público. Os Coen aqui assumem que suas zonas de conforto são amplas e seus domínios, largos, e há ainda muito a que se agarrar e discursar em prol daquela visão 360° que eles têm sobre seu terreno, e nos querem fazer ter também.

  • Filmografia Comentada: Os Irmãos Coen – Parte 1

    Filmografia Comentada: Os Irmãos Coen – Parte 1

    De Gosto de Sangue a Inside Llewyn Davis, uma análise geral e não-datada sobre as diretrizes da obra de Joel e Ethan Coen. Da parceria primordial com Sam Raimi a dois lugares cativos nas expectativas de crítica e público, feito mais que raro, senão raríssimo. Suas obras são trabalhadas com mãos de pelica juntamente a todas as possibilidades do cinema, em seu estado humilde, para apostar em temas ricos, intentando criar algo inédito, como que com o ímpeto de um fracassado que aposta tudo na única chance de sua vida.

    A moral e a força dessas obras vêm em forma de lenta infiltração atrás da parede da sala, apesar da rápida duração, geralmente, das mesmas. Em um punhado de entrevistas dedicadas a dissecar o que está por trás dos estímulos da filmografia vigente, os cineastas não cedem a surtos didáticos sobre seu caminho no cinema, carregado de marcos em dobro.

    Gosto de Sangue (1985)

    É o gatilho elencado por toda a cinefilia acumulada antes do primeiro projeto de quem é aspirante a artista e não sabe o que é ser um, mas sabe que é. Gosto de Sangue é uma barca de sushi de boa parte do que já foi produzido no gênero policial, seja das influências das fantásticas décadas de 60 e 70, ainda que oriundas do gênero noir, aqui tudo revisitado, à tona mais uma vez, sem preconceitos ou pudores através de uma visão particular de cinema, em notório, ainda sentindo a necessidade de evolução gradual. No primeiro lance é costumeiro somar a inexperiência do(s) realizador(s) diante daquele gostinho de quero mais, afinal nem todos se chamam Orson Welles ou John Houston (ambos, curiosamente, iniciaram seus passos ao rol das lendas no mesmo ano, 1941). Contudo, em Gosto de Sangue, os irmãos compram a briga dos mais exigentes e tentam assumir calmamente uma maturidade a ser comprovada, jogando com elementos que viriam determinar o “ao longo” da carreira; humor dramático, um constante drama irônico com o humor trágico dos laços humanos (o trágico aqui é literal), e uma violência doméstica indomesticável, satírica e inesperada, cada vez mais requintada daqui em diante. A quem tem olhos de lince, a história apoiada nos conflitos expostos da persona de Frances McDormand já apontava polos distintos enquanto únicos no cenário audiovisual do meio dos anos 80, povoados de inúmeros nortes, é verdade… Todo filme é uma odisseia indiscutível a quem o faz, que seja Ulysses então a melhor analogia a qualquer filme prematuro e experimental.

    Arizona Nunca Mais (1987)

    Sergio Leone imortalizou o homem desconectado da sociedade que vive, sem passado e futuro definidos, lutando para sobreviver no presente. Nicolas Cage se consagrou como a personificação pública do ator desastroso no potencial duvidoso dos filmes que resolve atuar. Antes de protagonizar o cult Coração Selvagem, de David Lynch, Cage, o “melhor pior ator” do mundo, embarcou no mundo das loucuras racionais de Arizona Nunca Mais, a última obra não esquematizada dos Coen, pois corre irresponsável sem críticas sociais, políticas ou artísticas, adiantando o tempo e dando indícios dos quebra cabeças geniais que viriam a seguir, agora com a parceria (nunca reconhecida) de John Goodman. Cheio de momentos impagáveis, Cage faz quiçá outra personificação típica dos irmãos: O desajustado que talha as próprias rugas através dos problemas que não consegue evitar rumo a lugar nenhum, ou melhor: A glória ou a tragédia, sem meios termos. Ponto decisivo na jornada dos cineastas, provando a quem se deixar convencer que sabem ser pop sem vender suas almas no mercado proibido a doutrinas autorais, o que acabou sendo uma verdade, mesmo que, na época, a constatação pareceu ter vindo cedo demais. Aqui, os Coen descobriram que podem ser masoquistas na nutrição de suas crias, e adoraram a satisfação disso!

    Ajuste Final (1990)

    Caso os Coen já tivessem a experiência obtida aqui desde os tempos de Gosto de Sangue, Ajuste Final seria o estopim dos irmãos. Possivelmente, a obra mais pretensiosa dos irmãos, vinda de uma nítida confiança tanto da indústria por eles, quanto deles para eles mesmos. Homenagem explícita a grandes clássicos do gênero que pertence e extravasa com elegância, alternando estilos e funções diferentes de filmagem para uma única proposta com base no cinema de identidade, reflexivo enquanto reflexo do que já foi feito no mural da história da arte. É em Ajuste Final, legítimo “filme de gângster”, em todos os sentidos, que os Coen se mostram de súbito exímios diretores de atores, característica que seria amplamente divulgada pela publicidade oriunda da qualidade de seus trabalhos, não puro marketing. Pop, mas pessoal demais para passar na Tela Quente. Vale uma ressalva: A pretensão aqui se torna positiva através da ambição na escala do projeto, ainda inacessível nos tempos de Gosto. Numa história tipicamente noir, em plena década de 90, o cenário diegético continua avesso a tendências e didatismos falando muito sem dizer especificidades, cebolas em formas de filmes esperando pacientemente o descascar. Além de contar com participações dos amigos Sam Raimi e Steve Buscemi, para quem pergunta o porquê dos Coen terem virado cult, este e o próximo exemplar são as melhores respostas. Eles mereceram.

    Barton Fink: Delírios de Hollywood (1991)

    Há quem diga que em Ajuste Final eles começaram a se levar a sério demais, mas na verdade seu domínio artístico que foi. Viver a vida dependente da promoção artística não é fácil, seja nos subúrbios urbanos ou no cume da montanha de Hollywood. O clímax de Barton Fink sintetiza, por meio de ação, tragédia e conclusão aberta o que é a vida do escritor, do artista que tenta ser um. Os Coen riem da própria desgraça, em um momento que eles podem ser dar a esse luxo sem serem chamados de abusados. O dom de escolher protagonistas indispensáveis segue forte, a soma rica da qualidade dos detalhes simples, a precisão em condensar pequenas ideologias em prática grandiosa sem se apoiar no quilate de superprodução, e o fantástico bom-senso impulsionado pela criatividade pulsante sempre foram exemplares nesta espécie de metalinguagem satírica, no viés da obra do grande Molière. “Eu sou um artista, eu crio mundos na minha cabeça!”, grita a persona introvertida de John Turturro em certo momento, e leva um soco da vida caindo de cara no chão. Quem nunca passou por isso, de qualquer jeito? Todavia, não é só na identificação em âmbito público que Barton Fink se consagra, senão no desnecessário segmento que faz com que Joel e Ethan não precisem se importar em se reinventar, pois têm nas mãos, para todos os estilos, todos os temperos que existem a ser misturados. Eles realmente não precisam se preocupar. Cinema é culinária.

    Na Roda da Fortuna (1994)

    A linha de raciocínio da dupla cineasta continua a mesma: Um personagem que pensa pertencer ao mundo onde permanece por vontade própria, numa metalinguagem sobre o modus operandi da indústria do entretenimento. Em uma entrevista de 2013, os irmãos deixaram claro que não assistem a seus próprios filmes após o cansativo trabalho requerido de pós-produção. Antes disso, o mesmo entrevistador aponta o quão sadio é rever suas produções, dar uma segunda olhada do ponto de vista de quem ainda precisa garimpar os pontos de quem já possui uma visão 360º de tudo. Na Roda da Fortuna inaugura esta prática na filmografia deles, pois é o típico camaleão que se camufla em uma mera diversão ainda que muito bem construída (com estereótipos inofensivos) a quem não está voltado, por exemplo, às vértices que apontam a uma análise capitalista no mercado da publicidade predatória americana – global, hoje em dia. Considerando que seria fácil demais empunhar escudos críticos em um terreno como este, os Coen definitivamente se especializam aqui no que se tornaram mestres nos próximos trabalhos: Polvilhar interrogações onde só poderiam haver pontos finais, ou pior, somente exclamações! Uma aventura descontraída no mundo dos efeitos especiais, o filme segue sendo o de mais fácil acesso dos irmãos, agradável a gregos e troianos em sua proposta de fácil adaptação pública e midiática (é extremamente fácil de imaginar uma montagem teatral à história). Ao mesmo tempo, Na Roda da Fortuna contém a oferta de enxergamos mais do que realmente existe em uma obra – na ótica de Guy Debord, os Coen seriam anarquistas. Graças a Deus.

    Fargo: Uma Comédia de Erros (1996)

    Como sinônimo de atestado de qualidade, no decorrer do balado prêmio Oscar houveram três comédias as quais realmente mereceriam a premiação máxima: Jejum de Amor (1940), de Howard Hawks, Annie Hall (1977), de Woody Allen, e Fargo. Fato é que o gênero ganhou novos fôlegos, relativamente, após a estreia e dissipação das influências dessas três obras vitais para uma revitalização da satiricidade na sétima-arte, até o presente momento, é claro. Ao realizar um produto cínico e lenitivo a todos os males do mundo, os Coen, dupla naturalmente voyeur, que assiste sem se envolver, sabiam que tinham muito a falar, e conscientes do poder da narrativa entre imagens deixaram a história discursar por si mesma, em total exatidão nas segundas, terceiras e quartas intenções implícitas nos matizes de sangue, gelo e implicações sociais, como de praxe. Talvez o melhor verbete para ilustrar Fargo e suas tramas paralelas seja esse, “exatidão”, pois quem o assiste pela primeiríssima vez não se dá conta disso. É como se Jerry Seinfeld parasse de ser um bom menino e tomasse as rédeas do jogo nesta que pode ser considerada peça-chave, ou pelo menos eficiente, no processo de desconstrução criativa que consiste na definição crítica de um filme. Uma dica: A neblina que abre o sexto filme dos Coen esconde exatamente o que é sentido até o final, mas muito mais do que toda a magnitude que já foi mostrada.

    O Grande Lebowski (1998)

    Um estudo duplo de personagens que só poderia ser tramado pela mente duplicada dos cineastas, aqui encarnando as figuras icônicas de Jeff Bridges e Goodman num tour de force do cinema independente americano com nítidos ares predominantes de um monopólio libertador, sob o manto da criatividade, resvalando no ato vulgar da libertinagem, por pouco. Tudo cresce ao redor da colcha de retalhos desenvolvida, como se a pretensão germinasse em solo fértil a tanto e fosse tão bem cultivada quanto poderia ser. Os Coen continuam rindo de seus propósitos, e chamam todos para rir junto desta vez. O Grande Lebowski é um manifesto que acontecerá mais vezes na história do cinema, e cada um será oriundo da representação de uma geração que envelhece, finalmente, e quer ver suas representações temporais retratadas na arte do enquadramento. Isso, sem esquecer-se do gosto agridoce da ironia que vem da reprodução de certos elementos atemporais, como o Jesus Quintana de John Turturro, de longe a criação mais nonsense dos realizadores. De descobrimento, crítica e análise o filme não tem nada, além do masoquismo inseparável do DNA dos Coen: É um puro acerto de contas com o espírito de uma época, sem um pingo de ego na mistura, “but well, it’s just like, my opinion, man”.

    E Aí, Meu Irmão, Cadê Você (2000)

    A filosofia sensorial sóbria dos irmãos, cultivada desde os idos da Universidade de Cinema de NY, perturba com êxito o marinheiro de primeira viagem em águas serenas de tubarões invisíveis, mas há o que falar quem essas águas ainda faz afundar e revisitar, logo após sobreviver do último mergulho. Logo, E Aí, Meu Irmão, Cadê Você? segue como um tiro pela culatra, em forma mais de ensaio que um verdadeiro filme dos Coen, nos moldes tradicionais da filmografia vigente. Ao adaptar o intrincado e vasto poema de Homero, fica a impressão de tentativa válida, contudo jamais páreo para os outros trabalhos da dupla. Os irmãos compreenderam que o que tinham em mãos era uma metáfora com suas criações, e simplificaram em suas decisões o material original na forma de uma belíssima fotografia que salta aos olhos, e nas expressões faciais conflituosas, basicamente, do trio de condutores deste “road-movie” frio, incomunicável nas suas ondas de sintonia que se chocam simultaneamente. Uma obra que tem vergonha de ser tudo o que poderia ser, de emoções abafadas por uma espécie de legitimidade que não chega a lugar nenhum em belos compostos cênicos, como fragmentos de uma contradição. O aperfeiçoamento prático da sabedoria pessoal dos contadores da história, todavia, são tão legíveis quanto o instinto humano de sobrevivência e de autodestruição, aqui retratados pela visão particular dos Coen, nem tanto, pela primeira vez. Na falta de experiências realmente construtivas no pacote encabeçado por Clooney, Turturro e Tim Blake Nelson, fica na memória uma cena memorável da Ku Klux Klan, e a certeza de que os irmãos Coen entram de vez na sua fase adulta deste ponto em diante.

  • Crítica | Amante a Domicílio

    Crítica | Amante a Domicílio

    fading gigolo poster1

    O filme começa com uma filmagem em Super 8, de aspecto bem caseiro, simbolizando um tom amadorístico, prenunciando a profissão que Fioravante – ou Virgil – teria. Também é possível interpretar isto como uma referência a carreira de diretor de John Turturro, com apenas cinco filmes, pouco se comparado a seu currículo como ator – que soma quase uma centena de obras. Quase tudo no roteiro de Fading Gigolo é carregado de mensagens ocultas.

    A direção de Turturro está muito mais madura, ele parece ter aprendido muito com seus amigos, em especial Joel Cohen. Seus ângulos são precisos e capturam todos os sentimentos em volta, a fragilidade, a dificuldade em se viver só, o humor característico e quase sempre racial, e é claro a sensualidade – aliás, o elenco feminino é de primeira qualidade, com destaque para a veterana Sharon Stone (passável, se comparada às bombas recentes) e a maravilhosa Sofia Vergara.

    A história é focada em dois amigos, Fioravante – o próprio diretor, numa demonstração de desapego sem igual visto com quem é obrigado a atuar – e o judeu Murray, interpretado por Woody Allen de várzea, engraçadíssimo, com toda a afetação, comportamento gestual exagerado e verborragia típica de seus papéis clássicos. Após ser obrigado a fechar o seu antiquário, Murray logo nos primeiros minutos faz uma proposta bastante incomum para que o amigo, um homem de meia idade e sem muitos atrativos físicos, participe de um ménage, e para isto seria pago e então ele se vê diante de uma “nova carreira”.

    Com o tempo, Fioravante pega gosto pelo ofício, e passa de um estado tímido e avergonhado a de um profissional decidido e à vontade com o seu trabalho. Não é só a direção que é excepcionalmente caprichosa, há um enorme cuidado também com a fotografia e departamento de  arte – com cores mais vivas nos quartos femininos e tons escuros no subúrbio judeu, onde há toda uma comunidade. A regência de atores também é primorosa, e o esmero com a parte visual não é um pretexto para descuidar da trama, que tem em si muito pouco moralismo. Seus discursos fogem da banalidade do complexo de bom mocismo.

    Na parte final acontece um evento emblemático, que pode ser encarado como a recusa ao chamado da aventura. A virilidade de Virgil, o gigolô, falha na eminência do “amor verdadeiro” que jamais se cumpre. Há uma análise do papel de submissão da mulher na religião judaica onde se contesta se a tradição deve passar por cima das necessidades humanas. Virgil se apaixona pela única pessoa que o recusa. Tal coisa o faz repensar sua vida, ainda que a história dê a entender que tal mudança é apenas temporária, como se a inexorabilidade fosse um fato consumado. Fading Gigolo é uma comédia de incômodos que estuda até onde é válido explorar a vulnerabilidade das pessoas.

  • Crítica | E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?

    Crítica | E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?

    o_brother_where_art_thou_ver1_xlg

    Os Irmãos Coen são conhecidos por criarem exóticos personagens em meio ao retrato realista de um determinado local ou época, como podemos ver em Fargo, O Grande Lebowski e principalmente Arizona Nunca Mais. Em E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?, voltamos ao sul dos EUA, no período da Grande Depressão, quando três presidiários, Everett Ulysses McGill (George Clooney), Delmar (Tim Nelson) e Pete (John Turturro), fogem da cadeia rumo a uma missão de resgatar o tesouro que Everett havia roubado e escondido.

    Logo no início do filme, somos avisados que o roteiro é baseado n’A Odisseia de Homero. Como em Fargo os Coen já haviam pregado uma peça no espectador ao dizerem que o filme se baseava em uma história real, todo cuidado é pouco na hora de levá-los muito a sério. Porém, o que vemos é que o filme realmente se utiliza de elementos da narrativa do clássico grego, mesmo no nome do personagem principal, até mesmo nos confrontos e sucessivas confusões que os protagonistas se deparam, como o “Ciclope” Big Dan Teague (John Goodman), as três sereias no rio e a urgência de se chegar em casa antes que a esposa de Everett se casasse com outro homem.

    O filme tem tons de comédia pastelão, em homenagem ao cinema da época, com frases feitas e situações bobas, mas nunca gratuitas. Os três protagonistas se completam, cada um dentro de sua atuação, personificando um estereótipo da época: o bandido sulista malvado clássico, o bandido culto e o bandido de bom coração. A fotografia do sul do Mississipi, com seus pântanos e florestas quentes e densas, é bem utilizada em cada sequência, nos fazendo sentir que estamos naqueles locais, pois cada tomada tem um propósito singular de servir unicamente à história.

    Outro destaque é a trilha sonora, composta por canções folk do sul norte-americano muito bem executadas, e que são um personagem à parte na história, pois fazem os bandidos virarem astros de uma pré-indústria cultural quase de forma nativa, em uma alusão ao fato de que a musicalidade é inata ao sulista, tão forte é esta característica na região. Destaque também para o sotaque sulista, em que podemos ver, assim como em Arizona, a entonação perfeita de cada palavra e letra da forma simpática que os sulistas fazem. Isso infelizmente perde-se um pouco na tradução do título original para o português; “Ó Irmão, Onde Estarás?” ficaria mais fiel à proposta original.

    Outros pontos mais polêmicos são abordados, como política e racismo: há uma disputa política entre dois figurões da cidade que concorrem ao cargo de governador do estado, e apesar de nos ser mostrado desde o início que um seria ruim e outro bom, logo essa falsa crença é desmontada ao colocar a figura que supostamente iria renovar a política em um encontro da KKK, também tratada da forma como deve ser, a de uma interpretação simplista e falsa da complexa realidade local.

    Em meio a tantas informações subjetivas que temos de absorver, a história principal acaba ficando em segundo plano, assim como alguns personagens que poderiam ser mais desenvolvidos, como Tommy (Chris Thomas King), um músico que acaba de vender a alma ao diabo para tocar bem o violão, mas que só fica nisso, deixando no ar uma oportunidade perdida de flertar com outro elemento cultural conhecido do sul.

    Apesar de não ter a profundidade de Fargo, E Aí, Meu Irmão, Cadê Você? garante uma boa diversão e uma imersão a um universo fabulesco que garante boas risadas e nos remete a uma época e lugar que poderiam ter sido boas, mesmo que a realidade nos diga o contrário.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | O Grande Lebowski

    Crítica | O Grande Lebowski

    1075692_10201658596766544_2049598462_n

    Que os irmãos Coen são especialistas em criar universos e personagens singulares e que se tornam antológicos não é segredo. Porém, em O Grande Lebowski, de 1999, a dupla se supera. Se em Arizona Nunca Mais ambos já tinham provado sua capacidade de criar protagonistas do sul americano estilizados ao máximo e que conseguiam arrancar risadas do espectador a todo instante, esse estilo atinge outro patamar, que transforma este longa em um dos filmes mais cultuados dos diretores. E não é à toa.

    O Grande Lebowski contra com um grande elenco. Jeff Bridges interpretando magistralmente Jeff Lebowski, ou, como gosta de ser chamado, The Dude (“O Cara”, mas a tradução literal não consegue abarcar o significado genérico do nome, que está ligado ao personagem). Preguiçoso, leniente, com extremas dificuldades em se expressar e com amigos igualmente problemáticos, o excelente Walter Sobchak (John Goodman) e Donny (Steve Buscemi), Dude é daqueles personagens que nos incomoda no início pela dificuldade em terminar uma simples frase, passando até uma falsa ideia de que não seja apto de uma grande inteligência.

    Mas, no desenrolar dos acontecimentos, ele vai se mostrando a figura mais lúcida do filme, que tenta a todo instante trazer as pessoas de volta à realidade. Walter é o amigo do Dude, veterano do Vietnã e com claros problemas de raiva; sua vontade de ajudar só é comparável a sua falta de percepção das coisas. E é justamente essa dificuldade em lidar com as situações com que se depara que garante as melhoras cenas do filme, com falas memoráveis, como “This is what happens when you fuck a stranger in the ass!” ou ”You are entering a world of pain.” Buscemi também fica muito bem no comedido e comportado Donny, que aguenta calmamente as grosserias e cortes de Walter. Detalhe também para a hilária e pequena participação de John Turturro como Jesus, um jogador de boliche rival de Dude, Walter e Donny.

    A jornada do Dude começa quando seu tapete é roubado. Algo tão trivial serve de gatilho para uma série de eventos e confusões que nos remetem ao termo clássico para definir grande parte dos filmes dos Coen, a “comédia de erros”, pois são os erros e interpretações errôneas da situação que garantem a criação de cenas tão engraçadas quanto icônicas.

    Do outro lado, temos o milionário também de nome Jeff Lebowski e sua filha Maude Lebowski (Juliane Moore), que brigam pelo dinheiro de sua falecida esposa e mãe, respectivamente, e ambos veem em Dude a chance para ajudarem em sua empreitada pessoal. Em um terceiro grupo de personagens, há os alemães niilistas, que garantem cenas também engraçadíssimas, retratando de forma satírica o submundo da cultura das grandes cidades alemãs e sua excentricidade.

    Porém, apesar de personagens excelentes, faltou um pouco de tempo para desenvolvê-los, o que acaba prejudicando um pouco a narrativa, que se preocupa muito, em alguns momentos, com a parte estética e com a comédia ao invés de aprofundar as relações dos personagens com o objetivo central da trama, que por vezes fica meio perdida. Mas isto não afeta a ponto de prejudicar a narrativa, que tem o seu ponto forte mais nos personagens do que na história que eles perseguem.

    O Grande Lebowski é daqueles filmes que a gente guarda para citar falas e recriar situações entre os amigos, e somente filmes com personagens tão bons conseguem fazer isso.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Barton Fink: Delírios de Hollywood

    Crítica | Barton Fink: Delírios de Hollywood

    1991-barton-fink-poster2

    Barton Fink é um desses filmes que, em somente uma assistida, não é suficiente para captar toda a profundida da narrativa, seja com os detalhes inseridos na tela ou a complexidade de sua história. Qualquer um que acabe de vê-lo dificilmente consegue escapar de ficar pensando um bom tempo sobre todo o significado do que acabou de experimentar. Infelizmente o título em português Delírios de Hollywood acaba por estragar um pouco dessa experiência ao ter inserido nele um spoiler que está diretamente ligado a uma possível interpretação dos eventos ocorridos.

    O filme conta a história de Barton Fink (John Turturro), um escritor nova-iorquino de peças teatrais que acaba de atingir o sucesso com uma peça cujo tema é seu assunto preferido: o homem comum. Essa obsessão de Fink com o tema acaba gerando ótimas sequências e contradições na história, pois alfineta o escritor burguês e elitizado com sua obsessão por uma realidade concreta, onde a vida é uma batalha diária. Esse escritor, cansado da mesmice das mesmas histórias (simplesmente por não precisar se submeter ao desgastante trabalho do tal “homem comum”) procura nessa realidade uma nova fonte de ideias, conflitos e personagens mais conectados com a realidade. Porém, quando Fink encontra um desses sujeitos ordinários, não lhe dá ouvidos, pois está mais preocupado em ouvir sua própria genialidade do que a trivialidade de seu companheiro.

    Pois bem, Fink é contratado por um estúdio de Los Angeles para escrever um simples roteiro de um filme B de luta. Ele se hospeda de propósito em um hotel de qualidade duvidosa para não perder o contato com a realidade, coisa que os hotéis luxuosos de LA certamente fariam. Apesar de no início acharmos que o filme é sobre um escritor com bloqueio criativo – as cenas da máquina de escrever parada e as folhas de papel amassadas são constantes – logo ele se aprofunda na própria metalinguagem, a respeito das batalhas constantes entre roteiristas e suas ideias com os interesses comerciais de estúdios. Cada atitude e cada exagero dos diálogos, é milimetricamente calculado para mostrar o mundo artificial e paternalista dos estúdios com roteiristas, que supostamente irão trazer idéias novas a um mercado saturado. Da mesma forma que Fink é tratado muito bem no início, é escorraçado no final quando entrega a obra pronta – que não era sobre o que o estúdio queria.

    Mas, o ponto de destaque do filme é para Charlie Meadows (John Goodman), vizinho de quarto do hotel de Fink, que se apresenta como um simples vendedor de seguros, o tal homem comum sonhado por Fink, cuja gentileza e bondade transbordam em cada expressão. Após uma reticência inicial, Fink se rende a amizade com Meadows e ambos desenvolvem uma relação interessante, onde o primeiro está sempre preocupado em falar, mas nunca em ouvir.

    Após dois atos acompanhando a jornada do protagonista na busca pela criatividade, o 3º ato inicia-se com uma mulher morta ao seu lado. Nada mais do que a secretária e amante de W. P. Mayhew, um de seus escritores favoritos e que havia conhecido alguns dias atrás. Ao acordar em desespero, Fink recebe a ajuda de Meadows, que o ajuda de forma misteriosa e desaparece. Fink então recebe uma visita da polícia, afirmando que Meadows era na verdade um assassino com um histórico grande de vítimas, inclusive Mayhew.

    A partir daí, segue-se uma linha de questionamentos que fogem a  racionalidade que o filme estava seguindo. Fink realmente existe da forma como normalmente se pensa? Onde se situa a linha de sua sanidade e insanidade? Meadows realmente existe ou é um produto de sua imaginação mais profunda e sombria? Seria isso uma fuga ou uma forma de ele não ter de se assumir responsável por atos tão atrozes? Texto nenhum faria justiça ao espetáculo visual proporcionado pelos Irmãos Coen, que aqui referenciam Orson Welles a Hitchcock, de pequenas pistas até resolução de cenas com um profundo significado. O caráter da obra chega a flertar com alguns dos produtos de David Lynch.

    Considerado por muitos como o trabalho mais autoral dos irmãos Coen, fica difícil chegar a alguma conclusão sobre a história, os simbolismos, os personagens, e tudo o que o universo criado por eles representa. Extremamente personalista, intimista e subjetivo, Barton Fink (o filme e o personagem) refere-se a essa nossa tentativa de sempre estarmos em contato com o nosso pensamento e o que ele significa na prática, pois como ele cita no longa: “I gotta tell you, the life of the mind… There’s no roadmap for that territory. And exploring it can be painful”.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Ajuste Final

    Crítica | Ajuste Final

    millers_crossing

    Ajuste Final (Miller’s Crossing) destoa do filme anterior dos Coen, a comédia Arizona Nunca Mais, e retorna ao clima sombrio e tenso de Gosto de Sangue. Situado nos EUA durante a proibição do álcool, o filme trata dos problemas de relacionamento entre gangsteres pelas mais diversas razões, em uma trama que no começo parece simples, mas que vai se tornando cada vez mais complexa, até o clímax.

    A história começa nos apresentando Leo (Albert Finney), um gangster irlandês e líder político que comanda o lado leste da cidade com a ajuda de Tom (Gabriel Byrne), seu homem de confiança e conselheiro. Mas seu controle da cidade é desafiado por um ganancioso subchefe italiano, Johnny Caspar (Jon Polito) e seu braço direito Eddie Dane (J.E. Freeman). Com uma bela cena inicial que remete ao O Poderoso Chefão (quando alguém pede um favor a Don Corleone, que senta atrás de uma mesa apenas ouvindo a história), o motivo da discórdia entre Leo e Caspar nos é entregue logo no início, e envolve Bernie (John Turturro), um apostador que está pegando dinheiro indevidamente de Caspar. Bernie é irmão de Verna (Marcia Gay Harden), que é a namorada de Leo, mas que tem um caso com Tom. Parece confuso? E é. Por isso o filme demora um pouco para embalar, mas quando conseguimos acompanhar seu ritmo, ele não falha em momento algum.

    O conselheiro Tom foge totalmente do papel representando por Robert Duvall em “O Poderoso Chefão”, pois se lá o conselheiro era alguém quase infalível e intocável, aqui, ele tem problemas com dívidas de jogo que só vão aumentando, além de se envolver com a mulher do chefe, apanhar em vários momentos e ainda ser enganado, por mais inteligente que seja, por Bernie, em uma excelente cena. Apesar de todos os contratempos, Tom mostra toda sua perspicácia e sagacidade ao manipular as peças do tabuleiro a seu favor, mesmo que isso lhe custe algo no momento. Tudo em prol do objetivo maior. Um estrategista nato, que faz o que pode para conseguir o que quer. E é nele que reside o toque de humor característico dos Coen, que apesar de ser um drama pesado e escuro, ainda consegue encontrar espaço para tiradas sarcásticas extremamente bem colocadas.

    Tecnicamente o filme também é impecável. Lançado em 1990, não é nem um pouco datado. O figurino é excelente, assim como as locações e até os mínimos detalhes, como as armas e seus efeitos sonoros explosivos e como os gângsteres as manejavam, de tão pesadas e violentas que eram. A fotografia também é excelente, com tomadas sempre precisas de cenas belíssimas, como as rodadas no lugar chamado “Miller’s Crossing”, um pedaço de floresta que serve de local de execução e despejo dos corpos (e que dá o título original ao longa), além de retratar, com uma tonalidade escura, uma era extremamente violenta e depressiva. As cenas de execução são de um realismo também impressionante de tão bem executadas.

    Sem os típicos exageros hollywoodianos de corpos explodindo e voando para trás, tudo soa tão real que o mínimo dano parece impactar muito mais, e é essa noção de realidade que permeia todo o filme, pois sabemos que todos são mortais e numa época de extrema violência, lidando com o crime organizado, a morte se torna algo muito próximo.

    Conforme a história vai caminhando, Tom vai costurando tudo a ser favor, e na resolução, fica a dúvida se aquele era realmente seu objetivo ou se foi ajudado por circunstâncias externas, tanto que após tudo aquilo ele resolve não voltar a trabalhar como antes. Além dessa e de outras interpretações, fica a vontade de rever para tentar pegar mais e mais detalhes da história, prova de que ela funciona, e de como os irmãos Coen sabem contar uma história.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.