Tag: Mia-Hansen Love

  • Crítica | O Que Está Por Vir

    Crítica | O Que Está Por Vir

    A França é um país que possui uma produção cultural gigantesca e isto é inegável. É uma verdade irrefutável, através das artes, da história e da ciência – seja esta política ou não -, conceito interpolado e corriqueiramente tocado no filme O Que Está Por Vir, drama franco-alemão dirigido pela francesa Mia Hansen-Løve, um nome expressivo do cinema feminino, em vertentes discursivas e analíticas.

    Discurso e análise, aliás, são dois elementos necessários para a condução da narrativa de Nathalie (Isabelle Hupert), uma renomada acadêmica, professora de filosofia e escritora, que tem uma vida cultuada e intelectual, sempre especulando questões filosóficas, sociais, paralelismos que traduzem situações cotidianas em contextualizações remotas. O filme faz diversas homenagens a ícones contribuintes à filosofia na Europa, como Jacques Rousseau, Adorno, Descartes, justamente reforçando características adotadas em um senso comum da comunidade intelectual parisiense – e europeia, em um plano mais amplo, para criar metáforas em relação aos acontecimentos na vida de Nathalie, principalmente após o divórcio com o marido, também professor e intelectual.

    Em pontos importantes do longa, onde se verifica que o ponto a ser passado é a contextualização social-política – seja do país, da Europa ou do mundo – nota-se características caricatas, sob um ponto de vista superficial e torpe. A juventude socialista sem embasamento teórico, o corpo docente neutro e passivo em meio às pautas sociais, o imaginário conflito entre o que é tomado como ideal próprio e as contestações. O primeiro ato consiste em narrar uma ótica mais construtiva sobre estes tópicos. Entretanto, as falhas e a criação de um aspecto forçado dificultam a apreciação momentânea, infelizmente ainda mais, na personagem de Nathalie.

    A qualidade da obra audiovisual toma um corpo mais sisudo e consistente a partir da implantação das relações familiares e pessoais da protagonista. O elo com a mãe, Yvette (Edith Scob), e com o ex-aluno e amigo Fabien (Roman Kolinka), são chaves que reconfiguram a narrativa em direção a um consenso mais peculiar, sensível e delicado. Parte disto, é a direção de Mia. Transições leves, contemplando o envolvimento das personagens para com os ambientes e cenários – o uso de luz natural em paisagens abertas ou locações com grande abertura de luminosidade do sol evoca uma sensação de conforto e sofisticação – denotam um tom mais sereno e observador para com a crescente interposição dos diálogos.

    A atuação de Huppert, novamente, impressiona pela aquisição da persona. Descreve as características de protagonista com força, evidenciando sua importância em cada cena e sequência, garantindo que toda transição narrativa – ato por ato – só aconteça mediante uma intervenção sua, seja de uma maneira mais ativa ou somente por um ponto de assistência. A partir da metade, há uma evolução notória de suas motivações, a clarividente mensagem de que a ruptura e a perca garantem a possibilidade de um desligamento, uma concentração de foco em objetivos que fogem à regra da casualidade.

    Casualidade é uma classificação que se aproxima a descrição do filme. Apesar de demorar a construir um ritmo, ditar as consequências de acontecimentos e permitir uma naturalidade narrativa, O Que Está Por Vir é um conto sobre um cenário que calca interesses pela mensagem, pelo debate, porém, sente a necessidade do pacifismo, de uma zona de conforto que engrandece uma segurança, um totem que transmite familiaridade e noção de realidade, por mais que ela seja mutável, transferível e inquieta.

    Texto de autoria de Adolfo Molina.

    Acompanhe-nos pelo Twitter e Instagram, curta a fanpage Vortex Cultural no Facebook, e participe das discussões no nosso grupo no Facebook.

  • Crítica | Eden

    Crítica | Eden

    Eden 1

    Remontando à geração French Touch, iniciada em 1992 e viva até hoje, responsável pelo advento musical do estilo eletrônico house, Eden, da diretora Mia-Hansen Love, se propõe a ser o retrato de uma época. A câmera segue os passos do iniciante DJ Paul Vallée (Félix de Givry), que busca um modo de se sustentar e de planejar seu futuro na arte, usando o tempo vago que dispõe para planejar novas apresentações, ouvir músicas e discutir com seus parceiros o rumo de seus trabalhos.

    O uso irrestrito da intimidade de Paul tem a função de desenhar o destino de grande parte de seus fraternos, que passam demasiado tempo trabalhando no entretenimento alheio, vivendo uma árdua rotina, quase sem intervalos. A entrega de corpo e alma é praticamente integral, em uma jornada de busca ao som e batida mais acurados possíveis. As atuações dos Cheers passam a ser mais frequentes, reunindo cada vez mais gente ao seu redor.

    A acirrada discussão a respeito da plausibilidade de Showgirls – filme controverso e fracasso comercial de Paul Verhoeven – é o catalisador para a pouca paciência de Paul, claramente mais exaltado que todos os presentes na reunião de amigos, sentimento este fruto da extrema ansiedade que sofre e da abstinência de não estar em sua ilha, trabalhando. Sua satisfação só ocorre quando está em ação, e mesmo as frivolidades, como a discussão a respeito de um filme que divide opiniões, parecem de um enfado sem tamanho.

    O nome original da obra foi preservado na versão brasileira sabiamente, uma vez que seu significado vai muito além da referência cristã. Como é sabido na cultura popular, o Jardim do Éden era um local paradisíaco, onde o deus cristão pôs sua obra-prima em forma de carne, o homem, que só saiu daquele lugar motivado pela ingratidão do pecado, que o fez separar. A busca por retornar às bem-aventuranças e ao lugar idílico, onde sonhos e realidade dividem o mesmo espaço, é comum à trajetória das personagens.

    No entanto, falta envolvimento do espectador com o drama das pessoas retratadas em tela. A trilha sonora, apesar de competente, não tem o poder de envolver o público, por ser a intenção de seus realizadores: emular através da câmera a frieza e extrema solidão que atravessam o caminho dos Cheers e que permeiam a existência deles.  Mostrando que há muito mais do que somente cor, batida, drogas e pessoas bonitas dançando, na vida de um clubber, a obra problematiza o conceito de que, mesmo cercada de muitas festas, a existência de um ser pode ser também muito miserável. Apesar de sua bela fotografia e edição, Éden não se destaca demasiado de seus pares, caindo na irresistível fórmula de frivolidade presente nas boates que servem de cenário para a miniepopeia.