Tag: Joachim Trier

  • Crítica | Thelma

    Crítica | Thelma

    Dirigido por Joachim Trier, diretor dinamarquês dos aclamados Mais Forte Que Bombas e Oslo, 31 de Agosto, Thelma é focado na personagem título interpretada por Eili Harboe, uma jovem tímida que deixa a casa de seus pais para estudar na cidade grande. Enquanto segue seus estudos normalmente, fenômenos ocorrem com ela perdendo controle sobre seu corpo.

    Thelma vivia em um ambiente controlador e opressor em seu passado, é natural que lembranças ruins a acometam, bem como a sensação de errar por não ficar próximo da sua família. O roteiro trata com ambiguidade a razão dessas manifestações estranhas ocorrerem, mostrando que talvez haja ali uma razão espiritual e religiosa para isso ocorrer, uma vez que a menina e sua família são bastante crédulos.

    A realidade no entanto mostra que os infortúnios acontecem basicamente quando ela dá vazão a situações que não “alimentam” seu lado espiritual. É como se houvesse em Thelma uma trava, toda vez que ela bebe, sai com meninos de sua idade, ou simplesmente estuda as matérias lecionadas. A repressão de sua libido e de seus instintos básicos é tão forte que quando acontecem suas primeiras descobertas sexuais ou quando ocorrem sonhos da mesma chegando perto de manifestar tais práticas, os elementos oníricos que prevalecem são ligados a figuras animalescas, quase sempre com serpentes, numa representação claro do maligno segundo a religião judaico-cristã..

    O comentário social que Trier propõe é cirúrgico, no sentido de desvelar a hipocrisia presente no pensamento comum do religioso ocidental conservador. A mentalidade que habita as cabeças de toda a parentela de Thelma revela uma predileção quase teatral pela tragédia repressora e castradora, algo comum não só no discurso dos pastores celebridades neopentecostais do Brasil, ainda que aqui essa situação seja mais sutil e comedida do que a gritaria que toma as tardes e horários da madrugada da televisão aberta. A mente da personagem-título é pulverizada pela possibilidade genética de ter herdado alguns dos defeitos de seus parentes já mortos, mas também é influenciada claramente pela educação superprotetora e reacionária de seus familiares, resgatando assim elementos da literatura que vai desde William Shakespeare à Nelson Rodrigues.

    A libertação de Thelma ocorre em níveis de mente e de alma, com uma manifestação de seus desejos mais profundos, ocorrendo primeiro no subliminar para depois ser transportado no campo físico. Mais uma vez Trier consegue trazer um filme sensível e urgente, dessa vez, falando sobre o quão terrível pode ser a ignorância a respeito das doenças de ordem psíquicas.

    Tendo esse conjunto de dramas fortificados pela entrega ímpar de Harboe ao papel da protagonista, claro, Thelma é muito forte na defesa de seu ponto e mostra uma predileção do diretor em falar sobre vícios e abstinência, seja ele em entorpecentes como em Oslo, 31 de Agosto, relacionamentos em Mais Forte Que Bombas, ou nesse caso, a fé.

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  • Crítica | Mais Forte Que Bombas

    Crítica | Mais Forte Que Bombas

    mais-forte-que-bombasIsabelle (Isabelle Huppert) ensinou seu filho Conrad (Devin Druid) a como contar uma história. Como toda a mensagem de uma fotografia que se altera com alguns cortes aqui e zooms ali. Isso, que parece um detalhe pequeno, ainda que óbvio para alguns, mostra-se o caminho chave para o que o filme quer passar. Sobre a própria captura e interpretação de momentos que jamais poderão ser o que foram, o que são. Sentimentos que não podem ser visualizados, lembrados em sua integridade, nem mesmo a partir de uma foto de enterro, ou de um filme.

    Mais Forte Que Bombas é dirigido por Joachim Trier (Começar de Novo e Oslo, 31 de Agosto), também escrito por ele e Eskil Vogt (Oslo, 31 de Agosto e Blind). Trata-se dos efeitos da morte de Isabelle, uma famosa fotógrafa de guerra, e de como sua família, formada pelo marido Gene (Gabriel Byrne) e seus dois filhos Conrad e Jonah (Jesse Eisenberg), lida com a perda da mãe e esposa. O filme então segue, a partir desse ponto e da profissão de Isabelle, lidando com a perda, a memória; a pureza dos sentimentos e como fragmentam-se e desorganizam-se em flashbacks e sonhos.

    A história se passa dois anos após o ocorrido com a ameaça de um artigo do New York Times que falará sobre a vida profissional e morte de Isabelle. Detalhes sobre como ela se foi, por qual motivo; do quê o filho mais novo, Conrad, não foi informado devido à idade à época.

    O filme abre em um hospital, após um parto. As mãos de um pequeno bebê segurando os dedos de Jonah. E graças à fotografia esbranquiçada, o resto do filme parece se manter no hospital. No limiar entre a vida e a morte, o luto e a renovação, a negação e a aceitação. Assim também é a montagem, que alterna entre momentos de um mesmo dia, sonhos, flashbacks e narrações de Isabelle de forma fluida. Com uma trilha sonora concisa, se mostra sentimental quando deve. Na maioria das vezes, efêmera.

    E nesse constante balanço se encontram as personagens. Com atuações maduras e coerentes por parte dos atores. As ondulações melancólicas e distintas entre cada um seguem naturalmente, com exceção de um momento plástico aqui e ali. Foco especial para Huppert, que transpõe da forma mais crua e natural possível o papel de alguém com depressão; alguém que morre de saudade de casa, mas não aguenta ficar nela.

    Trier se interessa pelas sutilezas. As memórias que se misturam com os sonhos e nossas percepções individuais. A forma com que Jonah, por exemplo, retorna a sua casa para ajudar o pai na organização do trabalho de Isabelle, mas acaba voltando mais e se tornando mais o que era. Voltando para como era a mãe. A forma como Gene quer se conectar com o filho mais novo, como Conrad ainda sente os estilhaços de dois anos atrás. O estilhaço de um abraço que nunca mais sentirá ao redor da cintura.

    Acima de tudo, Trier entende até aonde pode ir. Há a compreensão de até onde se pode capturar os movimentos e sentimentos, até onde se pode fazer visíveis as rachaduras. E ainda que, em alguns momentos se pareça plástico, artificial, esses são ínfimos perante tamanho tato para uma questão tão abstrata como a saudade e o luto; a memória e a dor. Por isso é possível sentir tanto dele em Isabelle.

    Isabelle gostava de ficar nas zonas de guerra até depois das tragédias. Era isso que para ela importava. A história daqueles que sofreram com a catástrofe. Os enterros, o reconforto. As marcas que se perpetuarão para sempre, as marcas que são mais fortes que as bombas.

    Texto de autoria de Leonardo Amaral.

  • Crítica | Oslo, 31 de Agosto

    Crítica | Oslo, 31 de Agosto

    V2Wo0

    O segundo longa do norueguês/dinamarquês Joachim Trier (de Começar de Novo) começa como um rememorar, uma experiência de retorno a experiências passadas e a boas memórias, em detrimento do presente um tanto conturbado de Anders (Anders Danielsen Lie) o personagem principal da jornada. A tentativa em mudar sua condição de ex-dependente químico para um ser autônomo na sociedade parece árdua e difícil, e obviamente cheia de percalços e agruras.

    A variação do que Joseph Campbell explana em Herói de Mil Faces tem no lugar comum (Oslo) o chamado a aventura para Anders. Encarar a sua antiga rotina, seus entes queridos e entidades pretéritos é o desafio pelo qual ele deve passar. A possibilidade de se reviver os acontecimentos do passado, mesmo os mais ternos, algo doloroso para Anders, por fazê-lo lembrar das vezes em que obtinha heroína, ecstasy e outras substâncias ilegais. A aproximação das sensações mexe com o seu ímpeto e o devasta pela simples menção.

    O intuito do retorno a cidade seria uma entrevista de emprego, muito pautada, ainda que inconscientemente, na tentativa de Anders em provar para si mesmo que é capaz de recomeçar sua vida, mesmo sendo um ex-adicto, com 34 anos e com um potencial pouco explorado até então, ao contrário do que declarara ao seu “simpático” cunhado (na verdade um mala, apesar de ser bom ouvinte), ele guarda boas expectativas quanto a voltar a escrever e a se sentir útil novamente. A dificuldade que ele apresenta em receber reprimendas ou palavras negativas é bem condizente com a realidade de quem luta contra uma condição tão extrema como um vício ainda em processo de cura.

    A erudição, aprendida de berço, o ajudou a compor suas ideias sobre democracia, arte, escrita e o auxiliou a escolher seu ofício. O elitismo em que estava acostumado colaborou para o seu isolamento, mas não foi de forma alguma o fator preponderante para sua entrega ao vício. O contato com chegados do passado reabre nele algumas feridas, e o faz “desejar” uma recaída – que até fica em vias de ocorrer, e esta somente é impedida graças ao auto-freio do protagonista.

    Mais do que fomentar a discussão, a película de Joachim Trier busca mostrar  a faceta real de um drama infelizmente muito frequente na contemporaneidade, sem mostrar gratuidades ou fazer os caracteres de vítimas da sociedade, ao contrário, encara a questão de frente e apresenta um ponto de vista plausível e uma alternativa de vida baseado na dignidade de um ex-adicto, que busca forças para manter-se distante de seus demônios. Ao final a lente tenta evocar o otimismo ao ser reticente em mostrar a movimentação dele, mas ao consumá-la, ela se afasta, como se fosse repelida, graças as ações do combalido personagem. Antes dos anúncios de créditos, Trier aproveita para mostrar uma variação da lei da semeadura, claro, sem a mínima complacência com o espectador.