Tag: Bill Hader

  • Crítica | Descompensada

    Crítica | Descompensada

    Descompensada começa na infância da personagem Amy Townsend. Ela ao lado da irmã conversam com o pai, um homem que tenta explicar a crise em seu casamento com uma comparação esdrúxula, contrapondo as brincadeiras com bonecas no mesmo pé de igualdade com as traições conjugais que cometeu. Isso a marca de tal forma que mesmo adulta, já vivida por Amy Schumer, segue desacreditando por completo na monogamia de modo que ela não consegue manter uma relação por muito tempo.

    Judd Apatow faz mais uma comédia de situações bizarras. Já havia abordado os celibatários veteranos em O Virgem de 40 Anos, a gravidez indesejada em Ligeiramente Grávidos, a crise de meia idade em Bem-Vindo aos 40 e aqui usa a figura desconstruída de Schumer (também roteirista do longa) para brincar com a inadequação que algumas mulheres tem em lidar com o sexo casual, embora para ela a melhor opção seja não ter um par fixo. Obviamente a condição muda com o tempo, afinal, cinema é conflito. Mas o modo como ela encontra Aaron Conners (Bill Hader) que pode ser seu “outro alguém” é bastante bizarro e curioso. Amy é escalada para escrever uma matéria com um médico esportivo. Mesmo considerando os esportes como um modo de entretenimento inferior, sua possível promoção depende dessa matéria.

    Por mais que Schumer não varie tanto seus papeis, Townsend é bem diferente dela. Uma personagem hilária, humana, espirituosa e de espírito indomável, passiva em vários momentos (sobretudo os que envolvem seus familiares) e com um senso de humor único. Ela está sempre entediada, e seu incômodo produz momentos ótimos. As cenas humorísticas variam entre a sua dificuldade em se relacionar e momentos peculiares de seu trabalho como quando ela vomita ao assistir uma operação. Boa parte dessas piadas são mudas, Apatow sabe utilizar bem os dotes da humorista.

    A relação entre Aaron e Amy se desenrola muito bem, por mais que tenham personalidades e modos de encarar a vida bem diferentes, eles formam um belo par, e se relacionam de maneira interdependente, em que ambos se doam, a sua maneira, para suprir a carência e as necessidades um do outro, mesmo que estarem juntos fosse algo improvável.

    Os personagens secundários, mesmo com pouco tempo de tela, tem algum destaque, como Kim, irmã da protagonista, interpretada por Brie Larson. Ou um sujeito fanático por alimentação saudável e malhação, interpretado por John Cena, que fica com Kim. Alias, envolvendo essa relação, as cenas de sexo são bem feitas, tão constrangedoras como as de O Virgem de 40 Anos e em outros momentos da filmografia do diretor.

    O filme possui a participação especial de LeBron James, o jogador de basquete à época no Cleveland Cavaliers, que interpreta a si mesmo, tal qual Kevin Garnett fez em Joias Brutas. Aqui ele é um paciente de Aaron e um amigo super protetor dele, sendo até conselheiro amoroso do médico, além de muito preocupado com o parceiro. Os momentos entre eles beiram o genial, os dois tem um bom entrosamento, seja nas discussões ou nas disputas dentro de quadra.

    Descompensada é uma boa comédia sobre inadequações e sobre a dificuldade em aceitar a si mesmo, em que seus personagens não tem qualquer receio em fazer piada de suas próprias tristes figuras, fundamentando-se bem na dupla de protagonistas, dois bons atores de comédia que estão bem entrosados.

  • Review | Barry – 2ª Temporada

    Review | Barry – 2ª Temporada

    A segunda temporada de Barry começa com um título de capítulo ótimo, The show must go on probably, não só pela referência teatral básica que o show deve continuar, como também dá vazão ao season finale da temporada anterior. Bill Hader continuar desempenhando o homem em conflito, e todos os roteiros que ele e seu parceiro Alec Berg produzem são baseados nisso.

    Uma das tramas secundárias da primeira temporada se desenvolve ainda mais, a antiga rivalidade entre os bolivianos e os chechenos se finda, e seus líderes, Cristobal (Michael Irby) e NoHo (Anthony Carrigan) se tornam parceiros. O roteiro antecipa que começará a utilizar experiências dele como exercícios de “improviso”, e isso é só uma das demonstrações do quanto esse ano será muito mais nonsense que o anterior. Hader consegue brilhar muito nas piadas físicas, e isso casa bem com sua faceta mais calada e atrapalhada.

    Ao mesmo tempo que Barry tem um estalo de que na sua preparação para papéis se identifica como um assassino frio, há também a percepção de que as travas que a maioria dos intérpretes têm, inexistem nele, pois a maioria das fortes emoções buscadas na hora de montar um personagem ele já viveu de maneira literal. A escolha por substituir as ilusões de uma vida adocicada pelas lembranças que o fizeram aderir a função de matador de aluguel são ótimas, ajudam a ressignificar o personagem e o aproximam ainda mais da história em quadrinhos, Justiceiro: Nascido Para Matar, de Garth Ennis , além de fazer com que ele pareça o anti-herói de De Volta ao Jogo, como um John Wick menos sério e com mais problemas existenciais.

    Carrigan e Root estão hilários e exploram um tipo de humor baseado no desespero e falta de opção de vida, cada um a seu modo, e acabam compensando de certa forma o modo anestesiado que Barry tem sofrido. Hader por sua vez adere mais camadas ao personagem que criou com Berg, e o fato de dirigir menos episódios o ajuda nessa composição. Uma das questões mais bem trabalhadas aqui é a ojeriza que Barry desenvolve por matar, e o modo como até isso é subvertido beira o sensacionalismo, mas também muito bem encaixado. O desfecho é violento e repleto de um espírito vingativo inexorável, onde seus antigos aliados se mostram capazes de ceder à sua vaidade, onde o anti-herói encontra seu velho eu e vê que sua nova vida dificilmente seguirá a mesma.

    https://www.youtube.com/watch?v=ir1_hjemxNA

  • Review | Barry – 1ª Temporada

    Review | Barry – 1ª Temporada

    Barry Berkman, é um matador de aluguel na série homônima da HBO, criada por Bill Hader (que interpreta Barry) e Alec Berg, e durante os oito episódios da primeira temporada, iniciada em 2018, Barry se fundamenta no carisma de Hader e numa historia louca de reinvenção de um sujeito de moral baixa.

    O personagem principal passa por um período de tristeza emocional, claramente deprimido, e mesmo com essa parte dramática e séria, é engraçado ver ele transitando sem animo por cenários com pessoas mortas em volta, cujo sangue provindo de perfuração por bala ainda escorre. Junto a isso, há um tédio de ter que ouvir instruções sobre toda sorte de crime, provando que nem no crime a rotina é igualmente maçante. Em meio a miséria existencial, ele encontra um grupo de teatro, e acaba se afeiçoando pela bela Sally Reed (Sarah Goldberg), uma aspirante a atriz e pelo instrutor, Gene Cousineau (Henry Winkler), um diretor muito talentoso, mas também passivo agressivo.

    Barry assume um novo nome, Barry Block, e essa faceta é diferente da que trata de assassinatos e contravenções. Block é calado, resiliente, tem dificuldades de expressar emoções e é passivo, enquanto o Berkman, que lida com seu contratante Monroe Fuches (Stephen Root) e com o chefão do crime checheno  NoHo Hank (Anthony Carrigan). Ver esses dois personagens em um só acaba por ser um comentário metalinguístico mais forte até que o fato da série retratar a busca de atores iniciantes pelo sucesso no mesmo de um seriado recém estreado.

    A mudança brusca de carreira é mostrada de uma forma inteligente e gradativa, não há pressa em mostrar a crise existencial do sujeito que sai (ou tenta sair, reprisando parte dos problemas de O Poderoso Chefão Parte III, da inevitabilidade do destino sangrento) do matadouro humano para os palcos, e além de ter que lidar com seus próprios demônios, com o passado como soldado matador do Afeganistão, com a dúvida sobre seus dotes, se tem talento para dramaturgia.

    Toda a questão sobre seu passado como soldado faz lembrar o ideal presente em Justiceiro – 1ª Temporada e Justiceiro – 2 ª Temporada, quase como um What If do personagem, com a inversão moral, tirando o vigilante implacável para um assassino a sangue frio e contratável. O uso do sobrenome Block não serve só para convencer os pretensos artistas, mas também para mostrar uma nova face sua, embora até o convencimento que ele faz com um dos personagens, seja o de contar a verdade sobre sua própria vida, Cousineau o considera criativo mesmo sem uma atuação que transpirasse verdade. Isso calha numa dificuldade de entender como funciona o procedimento teatral, como digerir o monte de emoções que os homens tem e como traduzir isso na dramaturgia propriamente.

    O programa se baseia muito num humor “desmotivacional”, anti Coach, e nesse ponto, Alec Berg e o próprio Hader acertam muito em seus roteiros. Há um humor que tem um pouco de semelhanças com Silicon Valley, também criada por Alec Berg, embora aqui seja bem mais visceral.

    As partes que mostram fantasias de um futuro adocicado para o protagonista são grotescas, revelam o quão carente era o personagem, contendo semelhanças com uma outra serie humorística, My Name is Earl, especificamente na terceira temporada. Essa condição contrasta com o arrependimento dele em ter um oficio tão violento. Ambas condições o colocam numa posição de possível incel, de descarregar suas más emoções de maneira errática, enquanto não consegue ter qualquer relação, saudável ou não.

    O humor da série não é nada fino, se  baseia no constrangimento e em situações pitorescas, Barry se vê encurralado o tempo inteiro, e eventos simples como os dissabores de um pretenso artista são elevados a enésima potencia, com a diferença que um artista frustrado normalmente é só genioso, e aqui é um sabido sociopata que age de maneira passivo agressiva quando sofre pressão. Os momentos finais, em que ele ajuda Dutches beiram o sensacionalismo de tão grandioso que tudo soa, mas é incrivelmente bem apresentado, e unido a isso, ainda há um número apoteótico, semelhante a um ato teatral, que brinca com o idilico e super doce das fantasias antigas do personagem, encontrando o visceral do seu dia a dia, claro, com um belo gancho, que inclusive dribla os oportunismos e conversa bem com o tom dramático das peças shakesperianas.

    https://www.youtube.com/watch?v=M6TZdk1t8Zo

     

  • Crítica | It – Capítulo Dois

    Crítica | It – Capítulo Dois

    Depois de muita expectativa, e de uma primeira  parte que fez um sucesso considerável, It – Capítulo 2 estreou com uma grande responsabilidade, de atender a expectativa não só de It-A Coisa, mas também da conta de adaptar um dos clássico literários de Stephen King, e Andy Muschietti retorna a direção para mostrar o elenco antes infantil lidando com seus medos, anseios, traumas e com memórias reprimidas, retornando a Derry, depois de magicamente terem perdido as lembranças sobre o combate a Pennywise.

    O começo do filme mostra o grupo dos Perdedores/Fracassados fazendo uma promessa, de que retornariam a cidade do Maine independente de como estariam suas vidas no momento que percebessem, para logo depois, pular para 27 anos depois, com os meninos já adultos, e vividos por atores famosos. Os momentos iniciais mostram um crime de homofobia, situando o espectador dos  horrores terríveis comuns, e mesmo com um mal ancestral e de origem desconhecida, ainda há muito de maléfico no comportamento popular do homem. Pennywise se alimenta da violência, e tem uma ligação forte com o crime de preconceito, e isso é uma ideia boa do roteiro de Gary Dauberman, um dos poucos acertos aliás.

    A partir do momento que se mostram os destinos dos personagens, a qualidade varia muito. Claro, os rumos não são tão mal pensados quanto os mostrados em It- Uma Obra Prima do Medo dos anos 1990, mas ainda assim há alguns momentos bem constrangedores. De positivo, há a apresentação de Bill Denbrough (James McAvoy), como autor de livros famosos, que tem seus textos adaptados por gente grande – há participação de Peter Bogdanovich até – alem de ter um comentário engraçadinho sobre seus finais não serem bons, em um comentário que faz paralelo com o de Stephen King e a opinião geral sobre suas primeiras obras. Outros momentos legais incluem a introdução de Richie (Bill Hader), em um ângulo estranhíssimo exibindo seu vômito antes de um show de comédia, e também do inseguro e alérgico Eddie (James Ransone), que claramente repete ciclos, e se casa com uma mulher idêntica a sua mãe, que alias, o roteiro faz questão de mostrar que isso não é à toa, soando nada sutil desta forma.

    Os problemas do filme começam exatamente no nome mais famoso de seu elenco, que vem a ser Jessica Chastain, a interprete mais velha de Beverly. Seu drama é o mais delicado e o que mais envolve clichês e artificialidades. O relacionamento abusivo e violento é muito mal traduzido, mostrado de forma sensacionalista,quase tão irritante quando os jumpscares baratos que lotam o filme.

    Outro evento péssimo é a gagueira forçada de Billy, que não soa em nada natural. A ideia de resgatar a mentalidade infantil e o trauma é boa, mas exala estranheza. A mistura dos elementos místicos, como as premonições de Bev, as descobertas meio loucas de Mike (Isaiah Mustafa) não funcionam bem, são mal ambientadas e mal explicadas, ficam jogadas no meio do filme. Toda a boa construção de naturalidade do primeiro filme vai se esvaindo aos poucos, e pioram demais com o uso excessivo de CGI, péssimo por sinal, com bonecos bem mal feitos e com textura terrível.

    O conceito de que destino e tragédia tem ambos um caráter inexorável é muito boa, mas se perde demais na quantidade absurda de flashbacks. O filme parece inchado e Muschitetti perde mão até com as poucos cenas que eram boas na adaptação antiga de Tommy Lee Wallace. Bill Hader é o responsável pelos poucos pontos realmente bons principalmente quando seu personagem lida com o de Ranson, exibindo um bromance com elementos até de homo afetividade. Mesmo Bill Skarsgård perde força, pois quando aparece, é assustador e quase tão carismático quanto Tim Curry, mas tem pouco tempo de tela, em detrimento das péssimas aparições digitais de sua forma e de outros monstros.

    Se fossem encurtadas as aparições espirituais e ilusões, o longa provavelmente teria um ritmo melhor , seria mais palatável e menos enfadonho, além do que toda a parte do núcleo de Henry Bowers (Teach Grant), tanto no hospício quanto em seu retorno a casa beira o risível. O desenvolvimento de It – Capítulo Dois é como um pesadelo dos mais extensos, uma tortura para personagens e para quem acompanha esse drama. O roteiro de Dauberman é excessivo em dar as vitimas uma chance de se redimir, além do que o gore é moderado demais para o que se esperava, além de soar artificial em cada uma de suas manifestações.

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  • Crítica | Power Rangers (2017)

    Crítica | Power Rangers (2017)

    Quando Power Rangers chegou à TV aberta brasileira, em janeiro de 1995, na programação da TV Colosso, o gênero não era nenhuma novidade para o público tupiniquim. Acostumados com os Super Sentai japoneses exibidos na extinta Rede Manchete desde a segunda metade dos anos 1980, as crianças brasileiras já conheciam os esquadrões coloridos que lutavam contra monstros de borracha em seus robôs gigantes. Changeman, Flashman, Goggle Five e Winspector fizeram grande sucesso no país, mas a chegada de Power Rangers mudaria todo o cenário dos Tokusatsu por aqui. Isso porque a série utilizava as cenas de lutas de Jyu Rangers (que nunca foi exibido no Brasil) mesclando à cenas com atores norte-americanos, e esse se tornou o padrão de exibição para o público ocidental desde então. Uma pena que os tokusatu originais não cheguem mais até nós, graças à incapacidade do público norte-americano (ou mais provável, dos produtores) em aceitar atores não-ocidentais em papéis principais.

    Se hoje o que mais rende blockbusters para Hollywood é a nostalgia e os filmes de super-heróis, nada mais óbvio do que um reboot cinematográfico da franquia. Power Rangers, de Dean Israelite, é um filme que usa a nostalgia a seu favor, embora deslize – e muito – no roteiro e no tom. Como alguém que insiste em chamar seus bonequinhos de “action-figures“, o longa traz um ar de seriedade a algo que deveria, desde o início, ser destinado ao público infantil. Não há nada de errado nisso, e a seriedade que o filme se propõe, em determinados momentos, chega a atrapalhar o ritmo alucinante de uma aventura dos rangers.

    A história começa com a geração anterior dos Power Rangers, lutando na Terra há 65 milhões de anos e, consequentemente, trazendo a extinção dos dinossauros. Somos apresentados a Zordon, o Ranger Vermelho de então e Rita Repulsa, a Ranger Verde que traiu seu grupo. Tudo de forma muito rápida para poder passar à próxima cena, onde somos apresentados a Jason, o esportista do colégio de Alameda dos Anjos, em uma situação bastante constrangedora ao tentar roubar uma vaca de madrugada pra pregar uma peça no time rival. A cena é bastante confusa e resulta em um acidente também confuso, além de uma piada infame. Assim, diferente da série original onde Jason era um exemplo a ser seguido, vemos o jovem jogador de futebol americano sendo punido pela brincadeira de mau-gosto e condenado à detenção escolar. Ali, Jason conhece outros “desajustados” como ele: Kimberly e Billy. Incrivelmente, as atuações dos atores estão bem além do que normalmente se espera de um filme como esse, embora os diálogos soem muitas vezes um tanto forçado. Descobrimos que Billy possui um tipo de autismo e por isso tem dificuldade em entender piadas. A amizade entre eles começa a se formar e, logo, já estão na pedreira da cidade onde conhecem os outros dois futuros rangers (Trini e Zack) e encontram as moedas do poder. Adentrar a pedreira gera uma nova confusão, um novo acidente e, como consequência, o despertar dos poderes nos cinco adolescentes.

    Interessante notar como elementos da série são introduzidos aos poucos no filme, ora dando novos significados e subvertendo o que já conhecemos, ora ajustando elementos absurdos a uma história mais realista, ou mesmo fazendo piadas com esses absurdos. Assim, temos uma pequena troca de etnias entre os personagens principais em relação à série, mas que foi bastante acertada – evitando conotações possivelmente racistas ou ofensivas. A pedreira, palco onde as batalhas  na série clássica eram magicamente transportadas, ganha um pano de fundo e uma conexão com a economia de Alameda dos Anjos, além de ser importante para o surgimento do vilão Goldar.

    A história prossegue como um clássico filme de origem de super-heróis: os cinco aprendem a lidar com seus poderes e buscam conhecer sua origem e missão. A nave de Zordon é encontrada soterrada na pedreira, e ali os cinco são apresentados a seu mentor. Zordon é brilhantemente interpretado por Bryan Cranston, que já dublava personagens na série noventista e aqui ganha muito mais profundidade. O robozinho Alpha (Bill Hader), por outro lado, tem uma aparência horrível e movimentos simiescos que causam muita estranheza. Talvez ao se afastar demais do ridículo conceito original, a nova abordagem acabou piorando o personagem. Os jovens então passam por um treinamento intenso para aprenderem a “morphar” e os Power Rangers propriamente ditos demoram demais para aparecerem em cena. Contudo, há um ótimo desenvolvimento dos personagens e conhecemos um pouco da vida de cada um, com alguns dramas bastante envolventes e que, por alguns minutos, nos fazem esquecer que se trata de um filme de super-sentai!

    Paralelo a isso, temos o retorno de Rita Repulsa, agora como uma terrível feiticeira em busca de ouro para aumentar seu poder. A atuação de Elizabeth Banks chega a surpreender em alguns momentos de forma razoavelmente assustadora. Na construção da vilã, muita coisa foi limada da série para caber melhor no formato de cinema. Assim, ao invés do séquito de monstros que a acompanhava no original, Rita está sozinha e contando apenas com seus poderes – entre eles, o de criar os “bonecos de massa”. Aliás, os bonecos de massa dessa versão cinematográfica estão muito além dos soldados capengas de outrora, todos feitos em CGI e representando uma ameaça real, como grandes golens de pedra dispostos a proteger sua ama com toda brutalidade necessária. Da mesma forma, Goldar é um golem de ouro gigante – daí a importância da pedreira na trama.

    Os Power Rangers finalmente conseguem “morphar” e os vemos em apenas cerca de vinte minutos de tempo de tela. Porém, o terceiro ato é simplesmente recheado de fanservice, mas que funcionam. Desde a descoberta dos zords até a luta contra o monstro gigante, passando pelo tema clássico revigorado, tudo é empolgante e faz o espectador na casa dos trinta anos lembrar de como aquilo tudo era divertido na sua infância. Assim, o sentimento de nostalgia pode afetar a percepção da qualidade real do filme, e temos noção de que tudo parece muito melhor do que realmente é.

    Entre boas atuações, diálogos fracos, mudanças de tom, reviravoltas na trama, bons e maus momentos, Power Rangers é um filme que incrivelmente não é ruim, e já teve sua sequência garantida – embora motivada pelas altas vendas de bonequinhos e não pela qualidade do longa. As cenas de lutas com os zords bebem da fonte de Transformers, e o surgimento do Megazord ao acaso soa forçado demais até para os padrões estabelecidos pelo roteiro. No fim das contas, o filme parece ser mais sobre a interação entre os personagens do que sobre os Power Rangers como heróis, e isso não é nem de longe um defeito. E a cena no meio dos créditos deixa a dica do que vem por aí na sequência ao citar um dos personagens favoritos dos fãs que ficou de fora do filme. É bem provável que nos próximos anos a fórmula seja usada até a exaustão, com mais sequências sendo lançadas enquanto estiverem vendendo brinquedos.

    https://www.youtube.com/watch?v=5rOxrAaVTu8

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  • Crítica | Divertida Mente

    Crítica | Divertida Mente

    Tomando como base a irresistível jornada que é o processo de crescimento, Divertida Mente ultrapassa o infeliz trocadilho de sua tradução para apresentar uma trama adulta, apesar da premissa de ser um filme para crianças. O filme de Pete Docter relembra muitos dos aspectos profundos de UP: Altas Aventuras e Monstros S.A. através de um panorama maduro sobre a psique humana concentrando-se na mente de Rilley (Kaitlyn Dias), uma menina de onze anos, às portas da adolescência e com uma intensa trajetória para começar.

    A história é narrada a partir dos conflitantes sentimentos e sensações que predominam na cabeça da menina que são liderados pelo aspecto da Alegria (Amy Poehler), da Tristeza (Phyllis Smith), Medo (Bill Hader), Raiva (Lewis Black) e do Nojinho (Mindy Kaling), o que já demonstra a escola de humor a que o filme se refere, como uma alegoria à versão americana de The Office e seus spin-offs. A trama é basicamente uma bela busca por identidade ainda na fase infantil.

    Apesar do flerte com o psicologismo barato, e da dublagem brasileira, que utiliza-se excessivamente de gírias atuais, a mensagem de que a base de uma vida saudável é a família é importante, por ser uma fita destinada ao espectador infantil. O campo de memórias tona-se a base do cenário e das desventuras, graças a uma sequências de trapalhadas típicas de uma odisseia de sensibilidade: no caso, uma mente conturbada por uma crescente injeção de hormônios, típicos desta fase da vida.

    É curioso notar como funciona o comando sentimental na cabeça de tantos outros personagens. A matriarca da família é passiva e comandada a priori pela Tristeza, enquanto o despreocupado e às vezes relapso pai – fruto, em geral, da criação do americano médio – é operado pela Raiva, o que causa um desequilíbrio interessante no cerne da família, garantindo uma diversidade que faz eco com a rebeldia sem causa da menina.

    Após algumas desventuras envolvendo as personagens centrais, Alegria e Tristeza, que viajam pela mente da Riley fora da sala de comando (a zona de conforto de ambas), a atmosfera muda, da extrema felicidade para tons mais agridoces. A viagem pela psique revela um acinzamento das memórias e do caráter, consequência da maturação de sua mentalidade. O equilíbrio entre alegria e tristeza se faz fundamental.

    O modo de retratar o subconsciente é interessantíssimo. Um lugar recôndito, escuro, em breu absoluto, que piora a sensação do processo difícil que é o crescer. A personagem de Philly Smith tem o estranho poder de tudo parar, modificar os paradigmas mesmo quando a esperança acaba. A Tristeza é entendida por sua contraparte como um aspecto de suma importância, e não mais algo a ser ignorado, já que é ela que serve de catalisadora da mudança.

    A mensagem final do roteiro de Docter, Josh Cooley e Meg LeFauve mostra a fugaz retirada da ingenuidade e o tímido começo da construção de caráter e do ethos, de maneira tocante e até profunda. Divertida Mente é uma metáfora para as inexoráveis agruras da vida, e o realizador conduz tudo de modo bem urdido e repleto de ternura, aludindo ao público mais adulto sem se descuidar do infanto-juvenil, abrangendo ambas as plateias, como na maioria dos clássicos da Pixar.

  • Crítica | Dois Lados do Amor

    Crítica | Dois Lados do Amor

    Dois Lados do Amor 2

    O começo do novo filme de Ned Benson começa debochado, em uma conversa descompromissada e humorística entre Conor e Eleanor, um casal apaixonado que se divertiria pregando peças em restaurantes, retirando-se às pressas para não pagar as contas. Um dia, tal espontaneidade teria seu preço, maior do que o simples viver dos sentimentos, e o casal enamorado já não seria mas tão unido, causa justificada por nenhum motivo específico; somente as vicissitudes da vida foram responsáveis pelo gradativo afastamento.

    A narrativa do diretor autoral passaria por mostrar eventos em atos, como em uma peça teatral. O primeiro, após a breve introdução, exibe Eleanor Rigby, caracterizada emocionalmente por uma cada vez melhor Jessica Chastain, que em um momento rotineiro prende a sua bicicleta a uma grade e se joga ao mar, impedida de morrer por um transeunte anônimo, fruto da entropia que se torna menos estranha pela completa ausência de explicações anteriores. A aura de aleatoriedade permeia a existência da personagem e faz com que qualquer diagnóstico torne-se confuso.

    Conor Ludlow, o homem, sente-se mal e responsável por todo o drama que chega a sua casa. James McAvoy é o perfeito sujeito tomado pela responsabilidade do “delito”, digerindo o remorso pelos atos de sua esposa que são piorados, é claro, pela subjetividade inerente ao término da relação e o consequente apartamento das partes, reforçado por um pedido de Eleanor para que a distância permanecesse intacta entre ambos.

    A métrica usada por Benson compreende uma linha temporal dionisíaca, que mostra cada momento específico da relação de acordo com o que o realizador julgar melhor. O fino equilíbrio não é quebrado, e a composição estratégica valoriza o romance perfeito do passado e a amargura de ambos após o fim da relação amorosa, que apesar dos pesares, não perdeu força, tampouco significou a interrupção do sentimento e da atração mútua.

    O lugar que o casal administra é um restaurante, curiosamente o símbolo que demanda amor, lugar onde muitas relações começaram ou simplesmente passaram, mostrando que a intimidade dos personagens é repleta de momentos de exploração da afeição típica de consortes enamorados. Mesmo assim, a sorte dos dois não fez prever o atropelamento que sofreriam, literal ou figurado. Curiosamente, após o rompimento, o estabelecimento é gerenciado somente pelo homem, o que coincide com a vontade de tornar o negócio em um empreendimento unilateral. Ao menos em um nível liminar de pensamento, que somente se manifesta em Conor.

    Após algumas incursões ao consultório psicanalítico da Professora Friedman (Viola Davis), Eleanor enfim percebe que não conseguirá mudar ou evoluir permanecendo no mesmo lugar. A moça tenciona sair da cidade, mas é fortemente aconselhada a não agir tão drasticamente, sugestão dada por sua analista e por todo o corpo de apoio formado pelo belo elenco de coadjuvantes, que conta ainda com Bill Hader em um papel diferente das comédias habituais – emulando o drama já visto em Skeleton Twins – e uma comedida Isabelle Huppert, que faz a matriarca Rigby, prenunciando alguns dos defeitos de introspecção de sua herdeira.

    Quando a melancolia torna-se o norte dos indivíduos em separado é que a real necessidade de estarem juntos aparecem, quando não se pode mais ver qualquer traço de identidade sem enxergar-se duplamente, sendo uno somente quando estão unidos. A maturidade passa por conhecer o momento de parar e tomar rumos opostos. Nesse ponto, a mensagem que Ned Benson produz é muito clara, e curiosamente não é dúbia na questão mais importante da inevitabilidade do des-romance.

  • Crítica | Dois Lados do Amor

    Crítica | Dois Lados do Amor

    Dois Lados do Amor - Poster Brasileiro

    A primeira referência que salta aos olhos do público retoma uma canção dos Beatles, composta por Paul McCartney, presente no álbum Revolver, de 1966. Eleanor Rigby é uma majestosa canção sobre a solidão, composta como uma crônica cotidiana poética e com um belo arranjo orquestral. Uma música que ecoa nesta produção, terceira parte de um projeto idealizado pelo roteirista e diretor Ned Benson.

    Buscando uma alternativa de inovação nas narrativas românticas no cinema, o diretor compôs uma trilogia sentimental sobre uma mesma história com ponto de vistas alternados. As duas primeiras produções lançadas em 2013 contavam o ponto de vista masculino e feminino separadamente. Narrativas que foram lançadas no exterior, mas ainda não chegaram ao país. Os Dois Lados do Amor é a união destas duas histórias anteriores, em uma nova edição que suprime partes dos filmes anteriores, produzindo uma nova cronologia em que conhecemos as duas personalidades da relação.

    O título original, The Disappearance of Eleanor Rigby, remete não só à canção dos Beatles como naturalmente infere a temática da solidão. A cena de abertura com o casal em harmonia é apenas um contraponto à separação de Conor e Eleanor após um acontecimento traumático, que será analisado no decorrer da história.

    Ainda que a personagem feminina tenha uma breve fuga, o desaparecimento é apenas uma metáfora simbólica que representa o transitivo. Neste aspecto, o amor do casal representava um momento anterior que, por escolha ou não, chegou ao fim. As personagens estão recomeçando a vida de maneira primária, reaprendendo como viver sem a presença do ex-amado, retornando a casa dos pais e observando que a percepção do que era concreto – o “para sempre” do amor – agora é parte do passado.

    O roteiro retém a motivação para a separação do casal enquanto demonstra a inadequação de ambos na nova vida. Eleanor tenta retomar a vida de solteira tentando voltar aos estudos; enquanto Conor, que mantém um restaurante estável, parece incapaz de viver sem a companheira e passa a persegui-la à procura de satisfações.

    A trama se constrói entre os espaços do fim e das circunstâncias que levaram a perda de laços dos protagonistas. O amor interrompido ganha maior composição trágica ao descobrimos que a perda de um filho parece o fator primário para o afastamento do casal. Infelizmente, não há aprofundamento que revele os motivos da morte da criança, e muito menos o drama que produziu no amor um sentimento repulsivo que impediria o casal de manter sua relação. Ao mesmo tempo, tais lacunas parecem intencionais para que a história adquira um caráter maior, simbolizando a dificuldade de uma relação a partir de um acontecimento inesperado por si só, sem a necessidade de que os pormenores dramáticos sejam revelados ao público.

    A medida da sensibilidade é um risco razoável para o roteirista e diretor, que depende de maior entrega do espectador para que este leia as entrelinhas inferidas pela obra. James McAvoy e Jessica Chastain demonstram competência ao interpretarem o casal recém separado, ao mesmo tempo que manifestam a ternura ainda existente. É uma obra bonita e reflexiva que mesmo perdendo a composição mais autoral ou audaciosa, apresentando somente um lado da relação como nas histórias anteriores, narra uma relação madura que não envereda nem para o lado excessivamente cômico, nem ao dramático.  Dessa forma, edifica-se a sensação de uma realidade assistida e comum a tantos casais cujo amor já não é residência constante.