Tag: filmes stephen king

  • Crítica | Doutor Sono

    Crítica | Doutor Sono

    É inevitável que Hollywood revisite alguns de seus maiores clássicos, na impossibilidade de revisitar todos por questões práticas (talvez nem tudo pareça rentável aos olhos dos executivos que regem estúdios), já que revigorar IPs envolve menor risco financeiro e criativo por parte de quase qualquer projeto. Quando se trata de filmes especialmente populares e cultuados, o máximo que espectadores podem esperar é algum nível de respeito e circunstância em torno da obra original; mesmo que a realização seja por parte de artistas com as melhores intenções, o norte destes empreendimentos artísticos é mercadológico, e os resultados variam conforme o vento (mais precisamente de acordo com as correntes que controlam orçamento e distribuição). Doutor Sono, continuação de O Iluminado, peça seminal da filmografia de Stanley Kubrick, baseado na continuação literária homônima de Stephen King para a obra adaptada (com várias liberdades) por Kubrick, não é a primeira vez que Hollywood se aventura em uma sequência para um filme de Kubrick (2010 – O Ano em que Faremos Contato, sequência de 2001 – Uma Odisseia no Espaço, a antecedeu; ambos os filmes igualmente inspirados em livros de Arthur C. Clarke), mas certamente é a mais honesta e inspirada incursão possível de volta àquele universo. Por consequência, uma das raras ocasiões em que voltar a um clássico realmente não parece motivado exclusivamente por dinheiro.

    Roteirizado (reescrito, na verdade) e dirigido por Mike Flanagan, um dos mais sólidos realizadores aninhados no terror e em subgêneros adjacentes, Doutor Sono traz Ewan McGregor no papel de Daniel Torrance, a criança “iluminada” (capaz de feitos como projeção astral, percepção extrasensorial, telepatia e telecinese) da obra original, décadas após os eventos transcorridos no hotel Overlook, tentando reconstruir uma vida permeada por paranormalidade, perdas, traumas e vícios, e que se vê às voltas com outra criança (Abra Stone, vivida por Kyliegh Curran) dotada com os mesmos poderes e um grupo de iluminados (liderados por Rose Cartola, ótima personagem de Rebecca Ferguson) que busca pessoas semelhantes para consumir suas energias vitais e prolongar a própria existência.

    Dan, que sobreviveu como pode junto de sua mãe aos eventos d’O Iluminado, quando a instabilidade emocional causada pela bebida fez seu pai, Jack Torrance sucumbir às forças obscuras presentes no Overlook, passou por (previsíveis) maus-bocados na idade adulta; com a morte da mãe, Wendy (Alex Essoe em flashbacks e breves recriações de O Iluminado), Dan se entregou a atitudes autodestrutivas e vícios que chegaram perto de destruir sua vida e, muito provável, várias outras. Chegando ao fundo do poço, o protagonista consegue um reinício em uma pequena cidade, largando a bebida e encontrando algum rumo na forma de um solícito amigo, Billy (Cliff Curtis), que o conduz ao AA, onde Dan encontra apoio, fortitude, e também uma oportunidade de emprego, como auxiliar-geral de um asilo. Sua condição de iluminado o permite confortar pacientes terminais ou próximos da morte. Ao passo em que encontra alguma paz de espírito, Dan começa a se comunicar com Abra, cujos poderes tem imenso alcance, através de escritos na parede do sótão que aluga. Abra, por sua vez, devido a este imenso alcance, acaba atraindo a atenção do Nó, um grupo de longevos iluminados que busca seus pares a fim de vampirizar seus poderes ou somá-los ao bando. Já tendo escassas fontes de poderes e vitalidade, enfraquecidos pela idade e apreensivos pela manutenção das vidas que levam, os membros do Nó descobrem Abra quando esta os observa, em choque, atacando outra criança iluminada – e Rose Cartola rapidamente a estabelece como o novo e oportuno alvo preferencial do Nó. Que Abra recorra a Dan de alguma forma em busca de justiça e compreensão para a violência que testemunhou, é um desdobramento lógico; Dan, no entanto, demorou o tempo de uma vida para se desvencilhar de traumas antigos, e reluta em tomar parte em ocorrências extraordinárias; é o incentivo de Dick Hallorann (Carl Lumbly), seu mentor e amigo, vítima de seu pai no hotel Overlook, que enfim o propele a não fugir de seus próprios destino e responsabilidade, mesmo que o curso das ações o conduza justamente até aonde Dan jamais quereria voltar.

    Num primeiro momento, a expansão da ambientação e dos elementos presentes no filme original parecem condenar Doutor Sono a um inchaço desnecessário. O Iluminado é um filme simples e absurdamente eficiente em estabelecer sua premissa e o desenrolar dos fatos, e Doutor Sono, além de observar o filme de Kubrick, precisa (idealmente) apresentar algo que justifique sua existência de maneira a não diminuí-lo diante de seu predecessor (o que em si já configuraria um desrespeito). Mas é justamente o entendimento da necessidade de construir algo baseado no que Kubrick realizou que o trabalho de Flanagan se sobressai; se Kubrick demonstrava interesse genuíno na fragmentação psicológica de Jack Torrance diante do fracasso profissional e como provedor, e na maneira como as trevas se apoderaram de sua mente em meio ao isolamento (físico e mental) crescente cultivado em meio ao pesadelo do abuso de álcool, é a recomposição de Dan como indivíduo que leva Doutor Sono adiante. O roteiro de Flanagan aproveita o reencontro de Dan com sua dignidade para permiti-lo uma reconciliação com seus poderes e com as possibilidades de fazer algo bom, algo contrário à sua história, e não sucumbir ao medo de explorar seu próprio potencial (uma alegoria singela para algo tão nocivo quanto qualquer perverso fantasma remanescente no Overlook). Em determinado momento, o orgulho de Dan vence o peso da culpa que carrega ao constatar que conseguiu somar um período de sobriedade imensuravelmente maior do que seu pai jamais havia conseguido, e é um ótimo exemplo da valorização de Doutor Sono a pequenas mas significativas vitórias de suas personagens. Da mesma forma, Flanagan (um cineasta nem tão sutil, mas que sempre busca soluções elegantes e diretas em suas obras) não tenta perverter a estética e as convenções narrativas de O Iluminado em um esforço tolo para diferenciar-se ou de alguma forma superá-lo, seja em escala ou em impacto – o maior trunfo do longa é se aceitar como uma derivação natural do que veio antes, algo que ecoa também na maneira como suas figuras relacionam-se com a realidade fantástica que habitam. Dan tenta suprimir sua iluminação até aceitá-la como parte de quem ele é; Abra entrega-se a um uso justo e benevolente de seus poderes, e o Nó, guiado por Rose, objetiva apenas tragar energia para perpetuar-se em um estado irredutível de vida fácil e predatória. Não é à toa que Dan decide opor-se ao Nó em defesa de Abra, após um empurrãozinho de Dick Hallorann, e que para Abra e para o Nó suas posições pareçam ser as únicas possíveis. Se n’O Iluminado Danny era apenas uma vítima das elucubrações malignas das presenças do Overlook, em sua sequência ele pela primeira vez tem a chance de enfrentar personificações do mal ao invés de apenas fugir e eventualmente testemunhar desdobramentos trágicos. É claro que a história de Dan, mesmo girando em torno de Abra e contra o Nó, não poderia escapar de um enfrentamento com o próprio Overlook, mas atestando a busca por soluções que honram o original, a trama da continuação se direciona com simplicidade e clareza ao resgate daquele espaço, em si uma manifestação das ideias de Kubrick para a criação de King.

    É curioso como a reverência de Flanagan pelo filme de Kubrick o inspira de forma saudável para desenvolver Doutor Sono como um capítulo de vida própria; Flanagan não tem medo de destoar razoavelmente da construção estética de O Iluminado, mas mesmo suas propostas mais ousadas (uma sequência de projeção astral, a representação dos pensamentos de Abra e Rose em suas respectivas mentes, a expansão das capacidades paranormais de iluminados) parecem soluções adequadas ao que cineastas daquela época, pós-Nova Hollywood, apresentariam. Talvez o elemento mais deslocado seja a apoteose da vampirização de iluminados pelo Nó, mas onde Flanagan perde pontos pela obviedade, ganha pela intensidade do processo e pelo efeito quase transcendental nos membros do bando – Doutor Sono não é um filme amedrontador como em certos momentos o é o filme que o inspirou, então, é elogiável quando consegue ser realmente macabro. Isto é parte do estilo de Flanagan em seus filmes e séries, e é incrível que ele não tenha aberto mão da mesma abordagem emocional que utilizou em A Maldição da Residência Hill para realizar uma continuação para a obra original. Kubrick recontou a trama familiar de Stephen King por uma ótica mais distante e observadora, e Doutor Sono soa como um resgate consciente dos valores dos livros de King na ambientação da película original. Muito se fala em reconciliar os universos literário e cinematográfico de King e Kubrick em Doutor Sono, mas Flanagan parece entender que as diferenças são irreconciliáveis, e que o melhor denominador comum é reconhecer as discrepâncias como pertinentes à complexidade de Dan, Jack e as novas personagens. Uma saída esperta e cheia de classe para um distanciamento bem conhecido por quem acompanhou a trajetória de O Iluminado das páginas às telas.

    Embora Ferguson tenha quase todos os melhores momentos de personagem  vil e carismática como uma autêntica habitante do Overlook, McGregor não fica atrás com seu Dan/Danny Torrance; aqui, existe a oportunidade de reapresentar o objeto de desejo dos fantasmas do Overlook como alguém dobrado pelas circunstâncias e atormentado por questões fora de seu controle, e que de certa forma nunca amadureceu de forma apropriada por não ter crescido e vivido como alguém normal, e o longa ainda nos sugere uma boa reflexão; quanto da facilidade com que Abra lida com sua condição é propiciada por uma família saudável, e quanto da ruína sentimental de Dan foi resultado direto de uma família em processo de decomposição tão avançado quanto a mulher do quarto 237. Também merecem menções Cliff Curtis e Zahn McClarnon, respectivamente como Billy, amigo e apoiador de Dan em sua nova vida, e Corvo, parceiro de Rose Cartola e um dos mais eficazes membros do Nó (é particularmente satisfatório ver McClarnon participar de um ótimo filme, após grandes papéis em séries como Fargo e Westworld). Flanagan é um ótimo diretor de atores, e os poucos momentos em que Doutor Sono se distancia mais do visual de O Iluminado, que o filme tende a seguir à risca, são exatamente os momentos em que Flanagan permite que as câmeras orquestradas por Michael Fimognari, seu parceiro habitual na direção de fotografia, se detenha mais nos rostos dos elenco e menos na integração destes rostos ao tecido narrativo do filme

    Em geral, a trilha sonora composta pelos Newton Brothers para Doutor Sono ecoa certas manias do terror contemporâneo, e um filme quieto como este dispensaria até mesmo os poucos jump scares espalhados (e espaçados) pela generosa duração, mas há de se aplaudir em especial as breves intervenções da trilha original. A intenção de Flanagan era a de acrescentar ao universo dos iluminados, não a de apelar para a nostalgia desmedida (cineastas menos inspirados/as não pensariam duas vezes antes de recorrer à saudade de um clássico do cinema de horror), e isto conduz à maior prova de coragem e confiança de Doutor Sono: ao invés de apelar para recriações digitais, Flanagan escalou atores contemporâneos para personagens consagrados e praticamente indissociáveis se suas intérpretes. Carl Lumbly empresta solenidade e calor humano a um Dick Hallorann que já era adorável com Scatman Crothers, e Alex Essoe demonstra uma compreensão impressionante de como era a Wendy vivida por Shelley Duvall, sem concessões à Wendy caricatural que habita o imaginário coletivo de muita gente que assistiu ao filme original. É fácil repovoar o Overlook com bartenders, assessores e gêmeas sem maiores funções narrativas, mas conferir importância e gravitas a personagens que sempre serão alvo de escrutínio por parte do público, ainda mais através de rostos novos, é um ato de bravura – e Flanagan reserva uma surpresa fabulosa para um momento único de introspecção e desespero. Essoe, Lumbly e um recorrente ator nas obras de Flanagan simbolizam à perfeição o apreço dos envolvidos para com a obra original, e a excelência de Doutor Sono como sucessor valoroso a O Iluminado confirma que interesses duvidosos nem sempre impedem um triunfo.

    Texto de autoria de Henrique Rodrigues.

    Facebook – Página e Grupo | TwitterInstagram | Spotify.
  • Crítica | O Iluminado (1980)

    Crítica | O Iluminado (1980)

    Se o umbral existe, Stanley Kubrick nos deu uma amostra grátis disso pegando o último estágio dos círculos do inferno e colocando-o num belíssimo hotel de veraneio, trancando uma família dentro dele e vendo o que rola. Baseado no livro homônimo de Stephen King, autor de outras joias como O Nevoeiro e Carrie, O Iluminado é o décimo filme de um dos maiores nomes que Hollywood já produziu, e ajudou a divulgar, em todas as suas épocas. Grande foi o espanto de muitos quando foi noticiado, ainda na década de 70, que o diretor de Laranja Mecânica e Dr. Fantástico, ia adaptar um conto nada convencional a sua filmografia sobre o sobrenatural que pode cercar as nossas vidas, e ganhar espaço cada vez mais no plano material das coisas e das nossas relações. Após rejeitar o roteiro do próprio King, Kubrick escreve sua própria versão das consequências que a mudança de Jack Torrance, sua esposa e filho para o hotel Overlook iriam trazer para suas vidas – para sempre.

    Determinado a terminar seu livro, Jack aceita se isolar por três meses de inverno rigoroso no hotel, sem saber do elemento macabro que espreita atrás de cada porta, imortal como as almas penosas de uma necrópole. Mais e mais, todos passam a ser atormentados por uma força quieta, inquieta e secreta que domina a tudo e todos, tal um vírus presente no ar, mas implacável feito uma força da natureza. Repleto de cenas icônicas, o filme se situa no limiar do real com o surreal, sensível o bastante para andar no meio fio, e nos fazer participar de um delírio alucinógeno a cada minuto que passa. A fim de estudar o gênero de horror, tal um menino que tenta assustar os amigos numa barraca contando histórias de terror, mas sob o sol do meio-dia, Stanley Kubrick aceitou o desafio de investigar o medo, um dos nossos instintos mais primitivos, através da mais refinada linguagem cinematográfica possível. Isso já faria da obra algocult, por excelência, se não fosse também seu inigualável valor a justificar seu apreço crítico.

    Ademais, não se deve culpar O Iluminado por fazer uso de praticamente todos os recursos de um filme de horror, e sim, se admirar como ele recria clichês jurássicos e acha novas maneiras, ainda na década de 80, para nos assustar com o inesperado, e o incontrolável. Atemporal por ser real, e por ser humano, o clássico com um Jack Nicholson 100% psicopata e uma Shelley Duvall afetadíssima, alimentada pela loucura que consome gradativamente o marido,não aposta em sustos fáceis ou cenas fortes para ser marcante, e é isso o que faz a plateia de 2019 pensar: então por que o filme deve ser considerado tão bom, se não me faz pular da poltrona?O verdadeiro horror que Kubrick transmite aqui chega a ser mais do que imaterial, ou seja, não tem a ver com assassinos zumbis como Jason, tampouco com entidades como o palhaço Pennywise, chegando até mesmo a ser um horror invisível, já que os tenebrosos fantasmas das gêmeas do corredor também não expõe o terror absoluto que existe por trás de sua imagem, e da sua morte, uma vez que a aparição das duas é tão dócil, quanto arrepiante.

    Esse horror meio hipotético, sugestivo e potencializado, aqui, só vai se tornar físico (visível) e gritante quando somos convidados a correr em pânico na claustrofobia de um labirinto escuro de gelo e sem saída, com sangue e lascas de madeira pelo ar, e quando um cadáver finalmente levanta da banheira com o corpo apodrecido para cima de nós. Muito antes disso, o que fica e constrói o valor do filme, de fato, é uma ultra elegante perturbação diabólica que o clássico consegue transmitir como poucos, superando a aparente racionalidade humana daquela família de pai, mãe e filho, este último sendo um médium iluminado que consegue ver a realidade do local, umbralina demais para vê-la e continuar são – um estado mental que, como todos sabemos, é muito frágil dependendo das condições do ambiente em que estamos inseridos.E francamente: Stephen King está certo em não gostar d’O Iluminado. Eu também não gostaria se a adaptação do meu livro fosse melhor que o meu jogo de palavras. Ah, as maravilhas do ego.

    https://www.youtube.com/watch?v=Gus5-rAR3k0

    Facebook – Página e Grupo | TwitterInstagram | Spotify.

  • Crítica | It – Capítulo Dois

    Crítica | It – Capítulo Dois

    Depois de muita expectativa, e de uma primeira  parte que fez um sucesso considerável, It – Capítulo 2 estreou com uma grande responsabilidade, de atender a expectativa não só de It-A Coisa, mas também da conta de adaptar um dos clássico literários de Stephen King, e Andy Muschietti retorna a direção para mostrar o elenco antes infantil lidando com seus medos, anseios, traumas e com memórias reprimidas, retornando a Derry, depois de magicamente terem perdido as lembranças sobre o combate a Pennywise.

    O começo do filme mostra o grupo dos Perdedores/Fracassados fazendo uma promessa, de que retornariam a cidade do Maine independente de como estariam suas vidas no momento que percebessem, para logo depois, pular para 27 anos depois, com os meninos já adultos, e vividos por atores famosos. Os momentos iniciais mostram um crime de homofobia, situando o espectador dos  horrores terríveis comuns, e mesmo com um mal ancestral e de origem desconhecida, ainda há muito de maléfico no comportamento popular do homem. Pennywise se alimenta da violência, e tem uma ligação forte com o crime de preconceito, e isso é uma ideia boa do roteiro de Gary Dauberman, um dos poucos acertos aliás.

    A partir do momento que se mostram os destinos dos personagens, a qualidade varia muito. Claro, os rumos não são tão mal pensados quanto os mostrados em It- Uma Obra Prima do Medo dos anos 1990, mas ainda assim há alguns momentos bem constrangedores. De positivo, há a apresentação de Bill Denbrough (James McAvoy), como autor de livros famosos, que tem seus textos adaptados por gente grande – há participação de Peter Bogdanovich até – alem de ter um comentário engraçadinho sobre seus finais não serem bons, em um comentário que faz paralelo com o de Stephen King e a opinião geral sobre suas primeiras obras. Outros momentos legais incluem a introdução de Richie (Bill Hader), em um ângulo estranhíssimo exibindo seu vômito antes de um show de comédia, e também do inseguro e alérgico Eddie (James Ransone), que claramente repete ciclos, e se casa com uma mulher idêntica a sua mãe, que alias, o roteiro faz questão de mostrar que isso não é à toa, soando nada sutil desta forma.

    Os problemas do filme começam exatamente no nome mais famoso de seu elenco, que vem a ser Jessica Chastain, a interprete mais velha de Beverly. Seu drama é o mais delicado e o que mais envolve clichês e artificialidades. O relacionamento abusivo e violento é muito mal traduzido, mostrado de forma sensacionalista,quase tão irritante quando os jumpscares baratos que lotam o filme.

    Outro evento péssimo é a gagueira forçada de Billy, que não soa em nada natural. A ideia de resgatar a mentalidade infantil e o trauma é boa, mas exala estranheza. A mistura dos elementos místicos, como as premonições de Bev, as descobertas meio loucas de Mike (Isaiah Mustafa) não funcionam bem, são mal ambientadas e mal explicadas, ficam jogadas no meio do filme. Toda a boa construção de naturalidade do primeiro filme vai se esvaindo aos poucos, e pioram demais com o uso excessivo de CGI, péssimo por sinal, com bonecos bem mal feitos e com textura terrível.

    O conceito de que destino e tragédia tem ambos um caráter inexorável é muito boa, mas se perde demais na quantidade absurda de flashbacks. O filme parece inchado e Muschitetti perde mão até com as poucos cenas que eram boas na adaptação antiga de Tommy Lee Wallace. Bill Hader é o responsável pelos poucos pontos realmente bons principalmente quando seu personagem lida com o de Ranson, exibindo um bromance com elementos até de homo afetividade. Mesmo Bill Skarsgård perde força, pois quando aparece, é assustador e quase tão carismático quanto Tim Curry, mas tem pouco tempo de tela, em detrimento das péssimas aparições digitais de sua forma e de outros monstros.

    Se fossem encurtadas as aparições espirituais e ilusões, o longa provavelmente teria um ritmo melhor , seria mais palatável e menos enfadonho, além do que toda a parte do núcleo de Henry Bowers (Teach Grant), tanto no hospício quanto em seu retorno a casa beira o risível. O desenvolvimento de It – Capítulo Dois é como um pesadelo dos mais extensos, uma tortura para personagens e para quem acompanha esse drama. O roteiro de Dauberman é excessivo em dar as vitimas uma chance de se redimir, além do que o gore é moderado demais para o que se esperava, além de soar artificial em cada uma de suas manifestações.

    Facebook – Página e Grupo | TwitterInstagram | Spotify.

  • Crítica | Cemitério Maldito (2019)

    Crítica | Cemitério Maldito (2019)

    Após 30 anos da primeira versão de Cemitério Maldito, os diretores do (excelente) Starry Eyes, Kevin Kölsch e Dennis Widmyer, trazem à luz uma volta a Ludlow, cidade cenário do romance de Stephen King, O Cemitério e já em seu início ele mostra uma versão bastante diferente de Mary Lambert. Em alguns momentos, o filme apresenta ótimas idéias e conceitos interessantes, mas que não são minimamente desenvolvidos.

    Essa versão de Cemitério Maldito tem uma fidelidade maior com o material original. O Louis Creed de Jason Clarke é incrédulo, e faz questão de mostrar a todos que é ateu, até a sua filha, Ellie, feita por Jeté Lawrence. Na relação de pai e filha mora a face mais emocional do filme, mas mesmo essa faceta é mal desenvolvida ao longo da trama. Desde o começo do filme se percebe uma aura sombria, não há sutileza, toda sorte de pessoas e situações parecem excessivamente dark e carregadas de malignidade, destoando completamente da obra original.

    Ao menos do ponto de vista do gore, Widmyer e Kolsch acertam. O filme não tem receio em ser asqueroso ao expor sangue, mesmo contando com um elenco infantil. No entanto, até essa qualidade visual é discutível por conta do excesso de cenas escuras. O elenco também não funciona muito bem, John Litgow faz um vizinho de origem estranha, cuja motivação não se explica e não se dá nenhuma importância, nem por seus sentimentos ou passado. As sensações e o carinho que ele diz ter pelas crianças dos Creed não faz sentido, pois ele sequer parece gostar de crianças. As obviedades do roteiro de Matte Greenberg e Jeff  Buhler irritam e tiram a atenção do espectador. Os efeitos ligados a Church, o gato-zumbi, são terríveis, assim como seu comportamento passivo-agressivo.

    O  desenrolar do final assusta com a falta de sentido, independente da troca da criança que será perdida (apesar de também haver um peso diferente entre perder uma criança e um bebê, mas tudo bem), e sim por conta do que se desenha, já que não faz sentido nem por conta do trauma que Louis sofre e nem com o desenrolar dos acontecimentos. Cemitério Maldito é surpreendente por ser tão mal pensado e executado.

    Facebook – Página e Grupo | Twitter Instagram | Spotify.

  • Crítica | Cemitério Maldito (1989)

    Crítica | Cemitério Maldito (1989)

    A versão de Pet Sematary que Mary Lambert conduz, chamada no Brasil de Cemitério Maldito, se inicia mostrando o pequeno cemitério de animais, para logo depois cortar para uma cena com um caminhão em alta velocidade em uma pequena estrada. Uma premonição do que viria, e um resumo de onde se originaria o horror desse filme. O longa foca na família Creed, comandada pelo pai, Louis feito pelo péssimo Dale Midkiff.

    Da família, a única mais centrada é Rachel (Denise Crosby) – incrivelmente é a mais perturbada no livro de King. O Louis de Midkiff é insensível e anestesiado, enquanto Ellie (Blaze Berdell) é a criança chata e insuportável, e o pequeno Gage (Miko Hughes) é o garotinho bonitinho e travesso. Mesmo o pequeno gato preto, Church, é estranho e arisco. A  pessoa mais real do longa é Judd, o vizinho feito por Fred Gwynne, conhecido por seu papel como Herman Munster em Família Monstro. O senhor Judd é o resumo do chamado à aventura, já ele que convida Ellie a ir no cemitério, e também enfrenta Rachel sobre a necessidade de conversar com as crianças sobre a morte.

    A natureza do trabalho de Louis deveria ser mais voltado à pesquisa, afinal ele é médico em uma universidade, mas quando chega Viktor Pascow (Brad Greenquist), atropelado na estrada próxima à casa dos Creeds, ele não pode negar socorro. Essa primeira aparição de Pascow é muito boa, aterradora e fantástica, mas as outras são terríveis, além disso, o convencimento de Jud a Louis é estranho, pois ele nada explica, só sugere ao pai para que ludibrie sua filha. A dúvida que fica nesta versão é se Louis também é ateu, assim como no livro no livro, e como não há citações, acredita-se que isso não importa.

    Lambert faz um trabalho técnico muito bom, os cenários são muito bem feitos, sobretudo o cemitério indígena, assim como o trabalho de maquiagem e figurino. O aspecto visual do gato Church após voltar do mundo dos mortos também é legal, e mal se nota que foram usados sete animais para desempenhar esse papel, aliás, a única cena em que Midkiff está bem é exatamente quando o animal reaparece, nervoso mais que o normal, com olhos amarelados.

    Para um filme de baixo orçamento, Cemitério Maldito é muito bem feito, e fora um ou outro erro crasso, Stephen King tem um bom desempenho como roteirista de sua própria obra. O modo como um suicídio desencadeia a fala de Rachel sobre os traumas de seu passado é inteligente, e o encurtamento que o escritor faz ao reunir dois personagens em um é uma boa escolha narrativa, além do que as cenas com Zelda compõe um dos momentos mais assustadores do filme, em especial pelo desempenho de Andrew Hubatsek com a maquiagem fortíssima que usa. A descrição que Crosby faz desse tempo é ainda mais poderosa do que no original, e isso é muito, pois Cemitério é um dos melhores livros de King.

    Na cena do acidente, Lambert acerta no que não mostra, deixando apenas o caminhão tombado, o sapatinho com sangue, fugindo do explícito. A mudança narrativa é positiva (não era assim no original) e o desempenho de Gwynne é bom demais para ser ignorado. O filme é violento quando se trata do passado, e as maquiagens e efeitos práticos funcionam muitíssimo bem, salvo as aparições de Pascow, que não funcionam sob nenhum aspecto.

    Próximo de seu desfecho, a qualidade visual cai um pouco, nota-se que tudo que envolve Gage é artificial, tosca e mal montado, e até o stop motion soa datado, mas ainda assim há um certo charme. Cemitério Maldito peca menos que acerta, e em sua época, fez uma certa história por se tratar de um filme com pouco orçamento e que conseguia adaptar a aura de horror que King transcrevia em seus livros.

    https://www.youtube.com/watch?v=TbC1bDLd7HI

    Facebook – Página e Grupo | TwitterInstagram | Spotify.

  • Crítica | Celular

    Crítica | Celular

    Celular-Cell-Poster

    Baseado em um romance homônimo de Stephen King, lançado em 2006, Celular reprisa a parceria de John Cusack e Samuel L. Jackson que contracenaram juntos em 1607, outra produção baseada na obra do mestre do horror. O filme teria, inicialmente, Eli Roth como diretor. Um nome que possibilitaria maior sucesso a esta produção. Porém, valendo-se das tradicionais diferenças criativas, o diretor saiu do projeto sendo substituído por Tod Williams de Atividade Paranormal 2.

    A trama deste terror reflete um tema comum ao público atual tanto na vertente realista, que estabelece uma crítica a um movimento contemporâneo, como na fictícia em que desenvolve a história. A real apresenta o uso exagerado da tecnologia como um malefício para a sociedade contemporânea, fator que possibilita que um pulso eletromagnético, transmitido via celular, transforme os usuário em zumbis, o enfoque fictício explorando o combalido tema dos zumbis. Dessa forma, a tecnologia se torna um vilão enquanto um pequeno grupo de pessoas tenta sobreviver a procura de um meio para derrota-los. Ou seja, um argumento nada inédito mas que, devido a grife de Mr. King, potencializa-se como possível obra rentável.

    Porém, mesmo que formatado em uma vertente diferente, partindo de uma crítica de um mundo conectado e escravizado pela tecnologia, os zumbis são matéria saturada para o público e nem a história, nem os personagens, são carismáticos suficiente para irem além de uma narrativa sem força. Em cena, Cusack e Johnson formam a tradicional equipe improvável, unida pela necessidade da sobrevivência. Porém, sem nenhuma urgência, embora relembrem, a todo momento, a necessidade de procurar seus familiares.

    O fato é que grande parte do horror desenvolvido por King se pauta em seu vigoroso estilo literário, algo que sempre se perde em uma adaptação, motivo pelo qual muitas obras cinematográficas oriundas de seus livros sejam fracas ou medianas. Mesmo que o roteiro seja assinado pelo próprio autor, trata-se de um campo novo a ser explorado e, por consequência, irregular. Como o desfecho do original do livro sofreu reclamações dos leitores, King compôs outro final para a versão cinematográfica. Um desfecho sem impacto, sinalizando a afirmativa de que, muitas vezes, suas histórias falham em uma conclusão insossa.

    Celular resultou em um fracasso de bilheteria, conivente com a qualidade da produção, um horror sem sustos e sem nenhuma urgência, repetido pela temática de zumbis e conduzido de maneira apática.