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  • Crítica | Doutor Sono

    Crítica | Doutor Sono

    É inevitável que Hollywood revisite alguns de seus maiores clássicos, na impossibilidade de revisitar todos por questões práticas (talvez nem tudo pareça rentável aos olhos dos executivos que regem estúdios), já que revigorar IPs envolve menor risco financeiro e criativo por parte de quase qualquer projeto. Quando se trata de filmes especialmente populares e cultuados, o máximo que espectadores podem esperar é algum nível de respeito e circunstância em torno da obra original; mesmo que a realização seja por parte de artistas com as melhores intenções, o norte destes empreendimentos artísticos é mercadológico, e os resultados variam conforme o vento (mais precisamente de acordo com as correntes que controlam orçamento e distribuição). Doutor Sono, continuação de O Iluminado, peça seminal da filmografia de Stanley Kubrick, baseado na continuação literária homônima de Stephen King para a obra adaptada (com várias liberdades) por Kubrick, não é a primeira vez que Hollywood se aventura em uma sequência para um filme de Kubrick (2010 – O Ano em que Faremos Contato, sequência de 2001 – Uma Odisseia no Espaço, a antecedeu; ambos os filmes igualmente inspirados em livros de Arthur C. Clarke), mas certamente é a mais honesta e inspirada incursão possível de volta àquele universo. Por consequência, uma das raras ocasiões em que voltar a um clássico realmente não parece motivado exclusivamente por dinheiro.

    Roteirizado (reescrito, na verdade) e dirigido por Mike Flanagan, um dos mais sólidos realizadores aninhados no terror e em subgêneros adjacentes, Doutor Sono traz Ewan McGregor no papel de Daniel Torrance, a criança “iluminada” (capaz de feitos como projeção astral, percepção extrasensorial, telepatia e telecinese) da obra original, décadas após os eventos transcorridos no hotel Overlook, tentando reconstruir uma vida permeada por paranormalidade, perdas, traumas e vícios, e que se vê às voltas com outra criança (Abra Stone, vivida por Kyliegh Curran) dotada com os mesmos poderes e um grupo de iluminados (liderados por Rose Cartola, ótima personagem de Rebecca Ferguson) que busca pessoas semelhantes para consumir suas energias vitais e prolongar a própria existência.

    Dan, que sobreviveu como pode junto de sua mãe aos eventos d’O Iluminado, quando a instabilidade emocional causada pela bebida fez seu pai, Jack Torrance sucumbir às forças obscuras presentes no Overlook, passou por (previsíveis) maus-bocados na idade adulta; com a morte da mãe, Wendy (Alex Essoe em flashbacks e breves recriações de O Iluminado), Dan se entregou a atitudes autodestrutivas e vícios que chegaram perto de destruir sua vida e, muito provável, várias outras. Chegando ao fundo do poço, o protagonista consegue um reinício em uma pequena cidade, largando a bebida e encontrando algum rumo na forma de um solícito amigo, Billy (Cliff Curtis), que o conduz ao AA, onde Dan encontra apoio, fortitude, e também uma oportunidade de emprego, como auxiliar-geral de um asilo. Sua condição de iluminado o permite confortar pacientes terminais ou próximos da morte. Ao passo em que encontra alguma paz de espírito, Dan começa a se comunicar com Abra, cujos poderes tem imenso alcance, através de escritos na parede do sótão que aluga. Abra, por sua vez, devido a este imenso alcance, acaba atraindo a atenção do Nó, um grupo de longevos iluminados que busca seus pares a fim de vampirizar seus poderes ou somá-los ao bando. Já tendo escassas fontes de poderes e vitalidade, enfraquecidos pela idade e apreensivos pela manutenção das vidas que levam, os membros do Nó descobrem Abra quando esta os observa, em choque, atacando outra criança iluminada – e Rose Cartola rapidamente a estabelece como o novo e oportuno alvo preferencial do Nó. Que Abra recorra a Dan de alguma forma em busca de justiça e compreensão para a violência que testemunhou, é um desdobramento lógico; Dan, no entanto, demorou o tempo de uma vida para se desvencilhar de traumas antigos, e reluta em tomar parte em ocorrências extraordinárias; é o incentivo de Dick Hallorann (Carl Lumbly), seu mentor e amigo, vítima de seu pai no hotel Overlook, que enfim o propele a não fugir de seus próprios destino e responsabilidade, mesmo que o curso das ações o conduza justamente até aonde Dan jamais quereria voltar.

    Num primeiro momento, a expansão da ambientação e dos elementos presentes no filme original parecem condenar Doutor Sono a um inchaço desnecessário. O Iluminado é um filme simples e absurdamente eficiente em estabelecer sua premissa e o desenrolar dos fatos, e Doutor Sono, além de observar o filme de Kubrick, precisa (idealmente) apresentar algo que justifique sua existência de maneira a não diminuí-lo diante de seu predecessor (o que em si já configuraria um desrespeito). Mas é justamente o entendimento da necessidade de construir algo baseado no que Kubrick realizou que o trabalho de Flanagan se sobressai; se Kubrick demonstrava interesse genuíno na fragmentação psicológica de Jack Torrance diante do fracasso profissional e como provedor, e na maneira como as trevas se apoderaram de sua mente em meio ao isolamento (físico e mental) crescente cultivado em meio ao pesadelo do abuso de álcool, é a recomposição de Dan como indivíduo que leva Doutor Sono adiante. O roteiro de Flanagan aproveita o reencontro de Dan com sua dignidade para permiti-lo uma reconciliação com seus poderes e com as possibilidades de fazer algo bom, algo contrário à sua história, e não sucumbir ao medo de explorar seu próprio potencial (uma alegoria singela para algo tão nocivo quanto qualquer perverso fantasma remanescente no Overlook). Em determinado momento, o orgulho de Dan vence o peso da culpa que carrega ao constatar que conseguiu somar um período de sobriedade imensuravelmente maior do que seu pai jamais havia conseguido, e é um ótimo exemplo da valorização de Doutor Sono a pequenas mas significativas vitórias de suas personagens. Da mesma forma, Flanagan (um cineasta nem tão sutil, mas que sempre busca soluções elegantes e diretas em suas obras) não tenta perverter a estética e as convenções narrativas de O Iluminado em um esforço tolo para diferenciar-se ou de alguma forma superá-lo, seja em escala ou em impacto – o maior trunfo do longa é se aceitar como uma derivação natural do que veio antes, algo que ecoa também na maneira como suas figuras relacionam-se com a realidade fantástica que habitam. Dan tenta suprimir sua iluminação até aceitá-la como parte de quem ele é; Abra entrega-se a um uso justo e benevolente de seus poderes, e o Nó, guiado por Rose, objetiva apenas tragar energia para perpetuar-se em um estado irredutível de vida fácil e predatória. Não é à toa que Dan decide opor-se ao Nó em defesa de Abra, após um empurrãozinho de Dick Hallorann, e que para Abra e para o Nó suas posições pareçam ser as únicas possíveis. Se n’O Iluminado Danny era apenas uma vítima das elucubrações malignas das presenças do Overlook, em sua sequência ele pela primeira vez tem a chance de enfrentar personificações do mal ao invés de apenas fugir e eventualmente testemunhar desdobramentos trágicos. É claro que a história de Dan, mesmo girando em torno de Abra e contra o Nó, não poderia escapar de um enfrentamento com o próprio Overlook, mas atestando a busca por soluções que honram o original, a trama da continuação se direciona com simplicidade e clareza ao resgate daquele espaço, em si uma manifestação das ideias de Kubrick para a criação de King.

    É curioso como a reverência de Flanagan pelo filme de Kubrick o inspira de forma saudável para desenvolver Doutor Sono como um capítulo de vida própria; Flanagan não tem medo de destoar razoavelmente da construção estética de O Iluminado, mas mesmo suas propostas mais ousadas (uma sequência de projeção astral, a representação dos pensamentos de Abra e Rose em suas respectivas mentes, a expansão das capacidades paranormais de iluminados) parecem soluções adequadas ao que cineastas daquela época, pós-Nova Hollywood, apresentariam. Talvez o elemento mais deslocado seja a apoteose da vampirização de iluminados pelo Nó, mas onde Flanagan perde pontos pela obviedade, ganha pela intensidade do processo e pelo efeito quase transcendental nos membros do bando – Doutor Sono não é um filme amedrontador como em certos momentos o é o filme que o inspirou, então, é elogiável quando consegue ser realmente macabro. Isto é parte do estilo de Flanagan em seus filmes e séries, e é incrível que ele não tenha aberto mão da mesma abordagem emocional que utilizou em A Maldição da Residência Hill para realizar uma continuação para a obra original. Kubrick recontou a trama familiar de Stephen King por uma ótica mais distante e observadora, e Doutor Sono soa como um resgate consciente dos valores dos livros de King na ambientação da película original. Muito se fala em reconciliar os universos literário e cinematográfico de King e Kubrick em Doutor Sono, mas Flanagan parece entender que as diferenças são irreconciliáveis, e que o melhor denominador comum é reconhecer as discrepâncias como pertinentes à complexidade de Dan, Jack e as novas personagens. Uma saída esperta e cheia de classe para um distanciamento bem conhecido por quem acompanhou a trajetória de O Iluminado das páginas às telas.

    Embora Ferguson tenha quase todos os melhores momentos de personagem  vil e carismática como uma autêntica habitante do Overlook, McGregor não fica atrás com seu Dan/Danny Torrance; aqui, existe a oportunidade de reapresentar o objeto de desejo dos fantasmas do Overlook como alguém dobrado pelas circunstâncias e atormentado por questões fora de seu controle, e que de certa forma nunca amadureceu de forma apropriada por não ter crescido e vivido como alguém normal, e o longa ainda nos sugere uma boa reflexão; quanto da facilidade com que Abra lida com sua condição é propiciada por uma família saudável, e quanto da ruína sentimental de Dan foi resultado direto de uma família em processo de decomposição tão avançado quanto a mulher do quarto 237. Também merecem menções Cliff Curtis e Zahn McClarnon, respectivamente como Billy, amigo e apoiador de Dan em sua nova vida, e Corvo, parceiro de Rose Cartola e um dos mais eficazes membros do Nó (é particularmente satisfatório ver McClarnon participar de um ótimo filme, após grandes papéis em séries como Fargo e Westworld). Flanagan é um ótimo diretor de atores, e os poucos momentos em que Doutor Sono se distancia mais do visual de O Iluminado, que o filme tende a seguir à risca, são exatamente os momentos em que Flanagan permite que as câmeras orquestradas por Michael Fimognari, seu parceiro habitual na direção de fotografia, se detenha mais nos rostos dos elenco e menos na integração destes rostos ao tecido narrativo do filme

    Em geral, a trilha sonora composta pelos Newton Brothers para Doutor Sono ecoa certas manias do terror contemporâneo, e um filme quieto como este dispensaria até mesmo os poucos jump scares espalhados (e espaçados) pela generosa duração, mas há de se aplaudir em especial as breves intervenções da trilha original. A intenção de Flanagan era a de acrescentar ao universo dos iluminados, não a de apelar para a nostalgia desmedida (cineastas menos inspirados/as não pensariam duas vezes antes de recorrer à saudade de um clássico do cinema de horror), e isto conduz à maior prova de coragem e confiança de Doutor Sono: ao invés de apelar para recriações digitais, Flanagan escalou atores contemporâneos para personagens consagrados e praticamente indissociáveis se suas intérpretes. Carl Lumbly empresta solenidade e calor humano a um Dick Hallorann que já era adorável com Scatman Crothers, e Alex Essoe demonstra uma compreensão impressionante de como era a Wendy vivida por Shelley Duvall, sem concessões à Wendy caricatural que habita o imaginário coletivo de muita gente que assistiu ao filme original. É fácil repovoar o Overlook com bartenders, assessores e gêmeas sem maiores funções narrativas, mas conferir importância e gravitas a personagens que sempre serão alvo de escrutínio por parte do público, ainda mais através de rostos novos, é um ato de bravura – e Flanagan reserva uma surpresa fabulosa para um momento único de introspecção e desespero. Essoe, Lumbly e um recorrente ator nas obras de Flanagan simbolizam à perfeição o apreço dos envolvidos para com a obra original, e a excelência de Doutor Sono como sucessor valoroso a O Iluminado confirma que interesses duvidosos nem sempre impedem um triunfo.

    Texto de autoria de Henrique Rodrigues.

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  • Review | A Maldição da Residência Hill

    Review | A Maldição da Residência Hill

    Mike Flanagan é um dos principais nomes do cinema de terror nessa segunda metade da década. Porém, desde seu curta Lights Out, o diretor não conseguia entregar algo que faça brilharem os olhos para algo novo, que o destacasse técnica e artisticamente do restante de Hollywood. Agora ele conseguiu. A Maldição da Residência Hill que entrou recentemente na Netflix é o melhor trabalho de Flanagan e uma das visitas mais preciosas ao terror esse ano, se não dos últimos.

    Alternando entre passado e presente, a série conta as influências que uma casa mal-assombrada tem sob a família Crain. O objetivo do casal é reformar a mansão durante as férias de verão dos 5 filhos para revendê-la em um valor maior, mas eventos peculiares levam a família a presenciar uma noite assustadora que reverbera anos, até algo no presente fazer com que todos, agora mais velhos, se reúnam para entender de uma vez por todas o que aconteceu naquela noite.

    A produção lida muito bem com essas duas linhas temporais, e a responsabilidade disso cai sob um elenco afiado. De um lado, o elenco infantil dá um show de carisma e personalidade, e do outro os atores adultos transparecem sensibilidades e camadas muito interessantes, fazendo com que A Maldição da Residência Hill tenha coração, mais do que qualquer coisa. É uma série de terror, mas nas entrelinhas de jump scares nem sempre eficazes, ela bombeia delicadeza e emoção.

    De fato, Flanagan encontra soluções genuinamente criativas para lidar com sua atmosfera de horror, mesmo que ainda falha e às vezes pontualmente reciclada, mas é nos momentos dramáticos que a série sobe níveis mais altos, quando se mergulha em complexos dramas familiares e se assume como uma história sobre traumas e perdão.

    Por isso, é preciso enfatizar o episódio 6. Sem estragar experiências, deve-se dizer o quão magnífico é o trabalho de elenco, roteiro, direção e produção nesse capítulo chave da narrativa. É exemplo dos mais belos de consciência de mise-en-scène, controle absoluto da narrativa e seus conflitos e afinamento técnico e artístico de toda a equipe de trás das câmeras. É um episódio de 4 planos sequência que se unem como uma grande cena de 1 hora. Há momentos de se arrepiar, de medo e de encantamento.

    Com uma abordagem cinematográfica, um roteiro brilhante e o mérito de fazer uma história de terror com puro coração, Mike Flanagan e cia. entregam uma produção ousada e especial, e não por isso livre de vícios do próprio gênero.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

  • Crítica | Ouija: A Origem do Mal

    Crítica | Ouija: A Origem do Mal

    Ouija: O Jogo dos Espíritos, de Stiles White, havia sido muito mal falado pela crítica, no entanto, obteve  sucesso suficiente para ter uma continuação. Coube a Mike Flanagan, de Absentia e O Espelho a função de conduzir o prelúdio Ouija: A Origem do Mal, e seu caráter já debatido no início, quando se percebe que este seria um filme de época, já que se passa nos anos 1960, focado em uma família composta somente por mulheres.

    Alice Zander (Elizabeth Reaser) é a mãe de Paulina (Annalise Basso) e Doris (Lulu Wilson), as três moram numa casa antiga, e sobrevivem graças a alguns golpes planejados por Alice, que arquiteta falsas consultas espirituais em sua casa. O filme demora um tempo considerável desenvolvendo um contexto para as mulheres, fator esse que já é um diferencial em relação ao primeiro filme que tem pouca ou nenhuma profundidade.

    A escolha por fugir dos já cansativos jump scares é acertada. Obviamente há um número considerável de momentos assustadores, mas a forma como se constrói esses momentos são bastante diferentes do filme de 2014. As figuras monstruosas funcionam em alguns pontos, mas em outros soam risíveis. O grande acerto fica por conta da transformação de Doris de uma figura dócil a uma personagem hostil e levada para o mal.

    A sedução espiritual pelo qual Doris passa até chegar à situação em que se encontra sua família e todos que a cercam. A tentativa de se comunicar com seu falecido pai através da tábua de ouija e a possessão subsequente a isso é construída de maneira lenta e gradual. As atuações de Reaser e Basso são muito boas, assim como a entrega da jovem Wilson, que em sua performance, faz com que o espectador releve até os efeitos especiais mambembes utilizados.

    O suspense de Ouija: A Origem do Mal é bem construído, e apesar da docilidade de seu final, ainda guarda uma mensagem pouco otimista, com cenas pós-créditos que remetem a tragédia do primeiro longa da franquia, quase salvando o desempenho pífio do filme de 2014.

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  • Crítica | O Sono da Morte

    Crítica | O Sono da Morte

    O Sono da Morte - poster

    Os sonhos são elementos poderosos de nosso cotidiano, tanto que a arte se ocupa frequentemente de trata-los. O cinema como arte audiovisual tem as melhores ferramentas para isso, e frequentemente o faz em filmes como A Origem, Vanilla Sky, Cidade dos Sonhos, cada um sob uma ótica diferente sobre o papel do sonho em nossa sociedade e sobre como isso se externaliza em cada um de nós. Se “Seguir seus sonhos” não garante encontrar a felicidade no fim do arco-íris, abandona-los deixam um sabor amargo de algo desperdiçado. Um sonho é um pouco do que nós somos, nos forma, e eventualmente tornam-se fantasmas que no fundo são apenas nós mesmos em conflito interno.

    O Sono da Morte parte de uma premissa que soa tentadora: Imagine que todos seus sonhos possam ser realidade. Assim, seguimos a trajetória de luto de uma família que se despedaçou pela morte de seu filho em um acidente doméstico, e vê na adoção do menino Cody (Jacob Tremblay) a esperança de um recomeço. Rapidamente Cody demonstra sua fascinante capacidade de tornar seus sonhos em realidade, e assim torna-se objeto da idealização de seus novos pais que vêm nele uma chance de cura de suas feridas. A analogia é óbvia, já que crianças são comumente vistas como extensão dos sonhos de seus pais, fazendo com que muitos cresçam sobre uma pressão que eventualmente os força a se reprimirem. Desta forma, a produção tem um objetivo bastante diferente do que seu título nacional sugere, sendo menos um thriller e mais um drama psicológico sobre as dores da perda, e sobre a forma como a memória e subconsciente lidam com os fantasmas acumulados do passado.

    Mas o encanto e poder dos sonhos está justamente no fato deles não se realizarem, de serem uma válvula de escape para temores e vontades sem o risco da vida real. Na vida real a materialização de um sonho implica em enfrentar a distância entre a idealização e o possível. E pior, implica em lidar com os pesadelos. Infelizmente, porém, boa parte do que oferece de interessante ao público ocorre em seus últimos 20 minutos, onde a falta de ritmo incomoda e afasta a possibilidade de emocionar.

    Jacob Tremblay é uma sensação do cinema como há um bom tempo não se via. Talento, carisma e personalidade forte são marcas deste ator mirim, e ele é aqui a melhor coisa do filme. É um ator capaz de provocar sensações reais, mesmo que o roteiro e trama não exijam muito da habilidade do elenco. Apensar dessa não exigência, o quase irreconhecível Thomas Jane consegue colocar-se abaixo das exigências não conseguindo expressar qualquer emoção um pouco mais profunda diante dos eventos fantásticos que presenciava, ou até mesmo em cenas mais corriqueiras.

    Vendido como thriller, O Sono da Morte estabelece-se como um interessante drama acerca da forma com que lidamos com nossos medos e ansiedades, e sobre como estes, quando mal tratados, tornam-se fantasmas ferozes que nos perseguem em sonhos e alcançam a vida real, afetando nossa vida e interação com as pessoas. Por uma falta de foco no que contar, as ideias e premissa interessantes soam deslocadas e amontoam-se em um final apressado demais para impactar o espectador, que sequer tem tempo de sentir receio do perigo ou se emocionar com as perdas que os personagens sofrem, falhando como drama e como terror ao optar por um final excessivamente piegas.

    Texto de autoria de Marcos Paulo Oliveira.

  • Crítica | O Espelho

    Crítica | O Espelho

    oculus

    Introduzido por um sonho do paciente Tim Russell em que impinge o terror da morte a duas crianças num cenário soturno e habitado por espíritos incorpóreos, O Espelho, de Mike Flanagan, se inicia. A sutileza não parece ser uma escolha do realizador, haja vista os maneirismos que faz questão de exibir em cenas nas quais o elenco demonstra inabilidade atroz em expressar sentimentos por meio de suas faces.

    A produção trata de uma dupla de irmãos: Tom (Brenton Thwaites) e a bela ruiva Kaylie (Karen Gillan), que eram as mesmas crianças do sonho mostrado no início. Kaylie namora um curador de arte, e logo depois de levar seu irmão de volta para casa, após uma longa estadia fora, ela vai dormir com seu namorado. Um dos artefatos que está na casa dele é um misterioso espelho, cujo vidro está empoeirado e enferrujado, mas que guarda coisas ainda mais aviltantes.

    Os sustos falsos permeiam todo o filme, como os autênticos clichês do gênero terror, irresistíveis para quem quer causar um medo fácil. A protagonista passa a ter pesadelos terríveis, que se intercalam com as lembranças de sua infância junto ao seu irmão e aos seus falecidos pais. Logo, ela resolve procurar a origem do artefato, e descobre que ele sofre um tipo de maldição. A partir daí, passa a gravar alguns vídeos, explanando os fatos à volta dos assassinatos de quem possuiu o tal espelho, o que fomenta ainda mais a completa falta de suspense no roteiro de Flanagan e Jeff Howard. Um texto que, por sua vez, é uma adaptação de um curta do próprio diretor e de Jeff Seidman.

    As explicações excessivas produzem um desequilíbrio imenso na trama. O único mistério preservado é como os Russell se dissolveram e deixaram de ser uma família para tornar-se algo completamente desassociado da unidade familiar. Mesmo quando tal assunto é abordado, o proselitismo de Kaylie trata logo de tomar a ação novamente, derrubando as oportunidades de surpresa com planos repletos de armadilhas caseiras que remetem à tosca lembrança da franquia Esqueceram de Mim.

    A verborragia segue como o maior problema para manter minimamente uma aura assustadora. Os retornos à infância ficam cada vez mais constantes, como num processo mental de regressão, ainda que não se assuma que isto ocorre de fato. Longas sequências dos Russell no passado são mostradas. No final do filme, a ordem dos fatos se repete, como num círculo vicioso e inexorável, que até seriam bem aceitos, se fossem os tropeços realizados do início ao fim da película. Uma pena, porque O Espelho tinha potencial para ser um filme de terror calcado em um interessante mistério.

  • Crítica | O Espelho

    Crítica | O Espelho

    oculus

    Acusado de matar os pais quando criança, Tim Russell (Brenton Thwaites) sai sob custódia preventiva, onze anos depois, do hospital psiquiátrico em que estava preso. Tim quer apenas retomar sua vida e esquecer o que houve, mas sua irmã mais velha, Kaylie (Karen Gillan), tem certeza de que o responsável pelas mortes é um espelho mal-assombrado que existia na casa em que moravam e convence o irmão a ajudá-la a comprovar isso e destruir o objeto.

    Não há como negar que a atmosfera do filme é um diferencial em relação a tantos outros filmes de terror convencionais, focados apenas nos sustos. A cena inicial em que o espectador vê, pelos olhos das crianças, o pai delas transtornado perseguindo-as, dá uma boa ideia do que vem a seguir. Colocar em dúvida se o que realmente aconteceu é o que Tim vivenciou ou o que Kaylie viu é um ótimo artifício narrativo. Enquanto Tim via a mãe doente e o pai enlouquecido, Kaylie via um objeto inanimado controlando o comportamento dos pais. Ele (o insano?) vai preso por ter usado a arma contra o pai. Ela (a sã?) segue sua vida procurando o espelho obsessivamente, convencida de seu poder sobrenatural. O questionamento da sanidade dos dois contribui para deixar o espectador ainda mais tenso e desconfortável na poltrona. Infelizmente, o roteirista e diretor, Mike Flanagan, parece desistir dessa abordagem por volta da metade da história que, a partir daí, passa a ser mais um filme que quer, ou melhor, tenta assustar o público.

    É uma pena, pois o início é muito promissor. A tensão evolui lentamente, enquanto o passado dos dois irmãos é aos poucos revelado através de flashbacks. Aliás, apesar das idas e vindas entre passado e presente serem excessivas, causando certa confusão em alguns trechos, as transições entre um e outro são muito bem construídas, com algumas soluções visuais bastante interessantes. Em alguns momentos é quase como se as memórias se consolidassem no presente e interagissem com ele, transformando a lembrança dos pais em algo quase palpável e, por que não dizer, em fantasmas assombrando os irmãos.

    Mesmo sendo difícil julgar o elenco em filmes de terror, já que a maior parte do tempo passam fazendo caras e bocas de susto e apreensão, pode-se dizer que tanto Thwaites quanto Gillan estão bem convincentes em seus papéis. Rory Cochrane como o pai, Alan, está ok. E Katee Sackhoff, como a mãe, Maria, também não faz feio, principalmente nas cenas mais aterrorizantes. Mas o destaque mesmo é o casal de atores-mirins Annalise Basso e Garrett Ryan.

    Tecnicamente, não há o que reclamar. Seja pela fotografia, pelo cenário e mesmo pelos efeitos especiais, o resultado final é muito bom. Mas o filme peca mesmo é pelo roteiro com um ótimo início, que perde o rumo na metade e que chega num desfecho mais brochante que o pior dos clichês.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.