Velozes e Furiosos 9 tem seu início em 1989, com o patriarca dos Toretto, Jack, correndo em um circuito da Nascar e sofrendo um trágico acidente sob o olhar atônito dos dois filhos. Esse preâmbulo serve para estabelecer que o Dominic Don Toretto de Vin Diesel tem uma ligação emocional com os carros, e ainda introduz Jakob, seu irmão, vivido quando adulto por John Cena, como o novo antagonista.
Justin Lin retorna a direção e como é visto na introdução esse seria um filme mais dramático que os anteriores. Um dos fatores curiosos da série de filmes era sua capacidade de rir de si mesmo, além de introduzir piadas e memes do público em sua própria história. Fato é que a franquia tinha em seu elenco atores medíocres que repetiam clichês de família para tudo, boas cenas de ação e de carros em velocidade, e invariavelmente se vendia como um filme de assalto ou de conspirações com governos envolvendo carros. Não havia muita preocupação dramática. Muita ação, frases de efeito e diversão, contudo quando a jornada se leva a sério demais, mesmo os defensores mais ardorosos penam na tentativa de justificar toda essa movimentação.
A fórmula claramente se desgastou, o que sobra é a sensação de que a corda esticou demais. Nem os absurdos e momentos impossíveis funcionam, some-se a isso os adiamentos causados por uma pandemia que matou milhões, e o impacto desse filme beira a zero, nem mesmo o choque de uma revelação familiar dos Toretto quebra essa sensação.
O filme chegou a ser exibido em grandes festivais, como em Cannes, e teve lançamento de dois cortes, inclusive com uma versão do diretor (com míseros quatro minutos a mais e pouco muda o espírito da obra), fora isso, há conveniências difíceis de engolir, como o retorno de um terceiro irmão Toretto, nunca mencionado. O longa não se contenta em ser um projeto de prequel, como também faz retcons.
Outra questão foram as brigas das estrelas e a bifurcação do elenco da saga Velozes e Furiosos, com Vin Diesel e Dwayne Johnson não trabalhando juntos dentro desta franquia. Se Hobbs & Shaw é legal, mesmo sem uma bilheteria vultuosa, esse não conseguiu quase nada, foi prejudicado em arrecadação por conta do novo coronavírus e não acerta no quesito escapismo. Parece de fato que algo foi perdido e o apelo a personagens antigos já não é mais o mesmo.
O longa tem sacadas, ainda que esparsas e meio perdidas no roteiro, como a indagação de um dos personagens ao fato deles terem tantos feitos impossíveis sem nenhuma cicatriz ou perda significativa seja para atrapalhar suas vidas ou como lembranças, mas quando essa sentença é dita pelo ator mais canastrão do elenco, Tyrese Gibson, perde força. A realidade é que mais do que antes, não há nenhum temor pelo destino dos aventureiros.
Ao terminar de ver Velozes e Furiosos 9 a impressão que fica é que a saga já se esgotou, e que uma trama tão pretensamente adulta que envolve rivalidade entre irmão e até insinuações de parricídio, não deveria se levar tão a sério ou deveria ser introduzido de outra forma. Não após quase duas décadas de duração e dez filmes contando spin offs. É pouco, e nem os retornos forçados do filme compensam suas fragilidades.
O Pacificador é um personagem da DC Comics, que ganhou notoriedade após o filme O Esquadrão Suicida de James Gunn. O personagem foi criado por Joe Gill e Pat Boyette, na editora Charlton Comics, em novembro de 1966, na revista Fightin’ 5 #40.
Seu alter-ego, é Christopher Smith, e ele quase fez parte da graphic novelWatchmen, na época em que Alan Moore ainda desejava usar os personagens da Charlton para contar sua história. Com a decisão da DC em preserva-los, seu papel coube ao Comediante, que era consideravelmente mais cínico que Smith, e teve uma boa recepção, não à toa que boa parte da personalidade dele hoje advém do personagem criado por Moore.
Inicialmente, o Pacificador mantinha um código ético inabalável que usava armas estritamente não letais, embora com o tempo tenha se tornado um vigilante mais violento, disposto a fazer sacrifícios pelo bem maior, fato mostrado no longa de Gunn e aprofundado em sua série. Com o tempo, passou a agir tal qual em sua versão live action, como um homem perturbado, com graves questões mentais — isso pode ser observado na minissérie em 4 edições Peacemaker, escrita por Paul Kupperberg e desenhada por Tod Smith, lançada em 1988 nos EUA e 1991 no Brasil em DC Especial #06, publicada pela Editora Abril. Essa versão pós-Crise nas Infinitas Terras remodela o personagem após ser reintroduzido no universo DC, com uma conotação política e psicológica maior, tendo em vista que o personagem acredita que sua mente foi distorcida por seu pai abusivo e nazista quando ainda era jovem, e assim, muitas vezes ele é retratado ora como um herói, ora vilão… ou algo no limiar entre essas duas coisas.
Com a compra Charlton pela DC nos anos oitenta, o Pacificador passa a figurar junto a outros personagens, mas continua ao lado de seus antigos parceiros, como Questão, Besouro Azul e Capitão Átomo — substituídos em Watchmen, respectivamente, por Rorschach, Coruja e Dr. Manhattan.
Seus poderes e habilidades incluem uma condição e resistência física sobre-humana, tecnologia de voo, um capacete de comunicação high tech que confere habilidades — e variam conforme o gosto do roteirista. Além disso, é especializado em combate corporal, espionagem, tática e estratégia, além de possuir acesso a armas militares avançadas e ser um exímio atirador.
Chris Smith era filho de um agente nazista que trabalhou nos campos de concentração durante a ocupação da Polônia pelo III Reich. No seriado a produção fez algumas mudanças, para começar ele está vivo e se chama Auggie Smith, interpretado por Robert Patrick, famoso por ser o T-1000 em O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final. Patrick é bastante conhecido nos EUA por seu alinhamento político junto à extrema-direita. Na série, ele recebeu a alcunha de O Dragão Branco, personagem da DC conhecido por ser um terrorista e supremacista branco.
Gunn optou por uma amálgama. O Dragão Branco nos gibis era William James Heller, sujeito criado por seu avô nazista, depois se tornou um ativista da supremacia ariana, assumiu a alcunha de William Hell, e após brigar com um personagem homônimo, decidiu mudar seu nome, e começou a usar uma armadura vermelha e branca, inspirada nas roupas da Klu Klux Klan, grupo historicamente racista e fascista.
O Dragão Branco fez parte de alguns grupos de vilões, entre eles o ajuntamento de bandidos nazistas, IV Reich –
membros como Baronesa Blitzkrieg, Barão Gestapo e Capitão Suástica — e depois no Esquadrão Suicida, onde foi controlado por Amanda Waller e até tentou matá-la. Além de Heller, Daniel Ducannon, vilão do Gavião Negro também utilizou esse nome, mas ao contrário do original, ele tinha poderes pirotécnicos e voava.
O grupo IV Reich
O primeiro Pacificador, Christopher Smith, é comumente retratado como insano. Seu capacete além de possuir sensores de presença e outros aparatos, também captura os pensamentos dos fantasmas de quem ele já matou, ao menos é o que acredita o personagem. Na já citada minissérie de 1988, o personagem é enviado para o Vietnã e se mostra como um soldado bastante eficiente, mas tomado pela culpa pelo passado nazista de seu pai.
Na prática, ele agia como um sujeito que inventava inimigos imaginários, sendo eternamente perseguido, mesmo que somente em sua mente, e essa faceta é muito bem enquadrada por John Cena e pela atmosfera criada pela série de Gunn.
Apesar de ter claros problemas de conduta, o personagem já fez parte de alguns grupos, como a organização secreta Xeque-Mate, Esquadrão Suicida, Shadow Fighters, L.A.W. (Living Assault Weapons) e League Busters. Além de Smith, outros dois personagens usaram a alcunha de Pacificador, como Mitchel Black, que agiu na época da Crise Infinita, além de outra figura, misteriosa e sem identidade revelada, que assumiu o papel em Justice League International #65, de junho de 1994.
Curiosidades:
O personagem apareceu em Reino do Amanhã, num flashback onde ele, junto aos outros heróis da Charlton, brigam contra o vilão Parasita. Vale perceber a influência de Star Wars, pois seu capacete lembra o de um mandaloriano, estilo Boba Fett. Na história Chris morreu com seus companheiros, quando o Capitão Átomo explodiu;
Em algum ponto, ele lideraria um grupo de soldados, chamado Força Pacificadora, que atuaria no Oriente Médio, em busca de “combater o terror”, mas o projeto foi abortado antes mesmo de ser colocado em prática, pelo presidente Gerald Ford;
John Cena é o primeiro ator a interpretar o personagem em carne e osso. O ex-lutador de wrestler, famoso por seu carisma e por ter uma trajetória semelhante a Dwayne “The Rock” Johnson parece ter afeiçoado bastante a Smith e seu alter-ego, tanto que assina a produção executiva dessa série;
Na série, há participações de alguns personagens da DC, como o já citado Dragão Branco, o mascarado Vigilante, introduzido em novembro de 1941 na revista Action Comics # 42,embora no seriado a versão do Vigilante é segunda, Adrian Chase, personagem introduzido em The New Teen Titans Annual #2 de 1983. Outra participação legal é a do Mestre Judoca, personagem também da Charlton, oriundo Special War Series #4 de novembro 1965;
A versão original do personagem pertence à Terra 4 do Multiverso da DC Comics, junto aos outros personagens da Charlton, em PAX Americana, de Grant Morrison e Frank Quitely, podemos acompanhar um pouco desse universo em uma releitura de Watchmen.
Vamos aos fatos: por mais que eu seja um grande fã dos quadrinhos da DC e tenha sempre torcido para que seu universo cinematográfico fosse tão bem-sucedido quanto o da Marvel, todos concordamos que a casa de grandes personagens como Batman, Superman e o Esquiador Escarlate vem patinando em suas adaptações live action. Fica muito claro que, para se afastar da concorrente, a DC apostou em retratar seu universo de forma mais realista, sombria, séria… O que se mostrou ser uma tremenda de uma bomba, já que seu universo capitaneado pelo “visionário diretor Zack Snyder” se mostrou muito aquém do esperado. O Homem de Aço, primeiro filme desse universo estendido, mostra um Superman confuso e sombrio, o oposto do que ele deveria ser e representar. Estaria tudo bem se isso fosse arrumado na continuação, mas Batman vs Superman: A Origem da Justiça consegue ser ainda mais confuso e fora de propósito. Os fãs, evidentemente, esperariam que tudo se encaixasse no Liga da Justiça, de 2017, e a lambança foi ainda maior! Para que esse universo faça algum sentido, foram precisas uma versão estendida de BvS e um novo corte de 4 horas de Liga da Justiça de Zack Snyder. Ainda assim, é muito mais fácil acompanhar vinte e tantos filmes da Marvel do que ter que fazer um curso de várias semanas para entender minimamente o tal Universo Estendido da DC.
Mas aí vieram uns pontos fora da curva. Aquaman deu uma banana marinha pra essa linha darkzêra e nos mostrou um filme extremamente colorido e divertido, com uma história aventureira que fez com que o herói mais zoado dos Superamigos se tornasse cool nos dias de hoje! Shazam! foi outra grata surpresa, trazendo um quê de Ben 10 pro personagem e imediatamente criando identificação tanto com o público infantil quanto adulto (que viu ali aquele clima nostálgico do Tom Hanks em Quero Ser Grande, só que com poderes). Arlequina e as Aves de Rapina também foi um filme muito divertido, tendo como principal qualidade o fato de irritar nerdolas que reclamam de “lacração” (hahahahahahahahahaha, eu não me aguento! Hihi!). E logo depois, no mesmo ano, a diretora Patty Jenkins provou que mulheres podem, sim, estar no mesmo patamar de diretores homens que fazem filmes ruins, lançando Mulher Maravilha 1984, que inovou em seu estilo sendo uma bomba de qualidade inversamente proporcional a do primeiro filme da Amazona, de 2017.
E aí temos O Esquadrão Suicida!
Voltemos no tempo um pouquinho antes de falar dessa novo filme. Esquadrão Suicida, filme de 2016 que nos apresentaria pela primeira vez nos cinemas a Força-Tarefa X, foi um fiasco! A história que chegou aos cinemas quase não fazia sentido, a equipe pequena deixava claro que quase ninguém morreria (exceto o injustiçado Amarra) e a ameaça que eles enfrentaram era risível (uma feiticeira rebolante). Fora o Coringa, que andava pelo entorno do filme sem propósito algum para a trama e que não faria falta alguma se fosse completamente limado do corte final. Aliás, dizem que existe um “snydercut” do filme do David Ayer que seria melhor do que aquilo que vimos. Bobagem, não tem conserto não! Mas por alguma razão que ninguém sabe qual (cof, cof, Arlequina, cof), o filme acabou caindo nas graças da galera do marketing e rendeu boas vendas de cadernos, camisetas e tatuagens de palhacinhas. Esquadrão Suicida, afinal, era uma excelente ideia, só que porcamente executada. Merecia uma segunda chance. E aí veio o filme de 2020.
Os primeiros 14 minutos de O Esquadrão Suicida é tudo que o filme inteiro de 2016 deveria ter sido! Uma missão secreta de infiltração com vilões altamente dispensáveis, ação, traição, mortes e execução por deserção, tudo está ali! Em CATORZE minutos! Não é preciso muito tempo de tela pra se explicar do que se trata a Força-tarefa X, nem por quê eles têm o apelido de Esquadrão Suicida, nem muito tempo explicando o background de cada personagem, porque eles são descartáveis. Um cara russo que é proficiente em arremesso de dardos, um que ninguém sabe quais são os poderes, outro que é, literalmente, uma doninha… Ótimo, vamos pra ação!
Uma coisa que vemos muito em filmes de heróis é a economia de personagens, principalmente vilões. Geralmente, não usam muitos para não desperdiçar o que poderia ser usado mais tarde, ou apenas mostram um vislumbre, como foi com o Darkseid no Snydercut, para que se plante a semente de um filme futuro que, na real, nunca acontece. James Gunn faz o oposto disso. Nunca usaram o Starro como vilão em nenhum filme da Liga? Bora botar ele aqui! Pacificador, Sanguinário, Bolinha…? AH, MANDA PRO PAI! Não tem nenhuma vergonha de se utilizar de personagens que, vamos ser sinceros, não teriam outra chance de aparecer no cinema mesmo! Diferente de Snyder, que parece ter vergonha de personagens galhofa como o Jimmy Olsen (que ele matou na versão estendida de BvS), Gunn abraça a estética dos comics em todos os elementos de seu filme, seja nos uniformes bregas como o de Dardo ou do Pacificador, seja na própria narrativa. O diretor não tem vergonha de colocar dois personagens em CGI totalmente irrealistas para os padrões Snyderescos, e nos brinda com Doninha e Tubarão-Rei, sendo esse segundo o mais carismático de todo o filme (com voz do Garanhão Italiano Sylvester Stallone).
O Esquadrão Suicida é um filme que não tem vergonha de suas origens nos gibizinhos. Ao contrário, abraça todo esse absurdo, conta com a suspensão de descrença do público e nos entrega diversão amalucada e violenta da mais alta qualidade! Claro que, passada algumas semanas de seu lançamento, já sabemos que o filme flopou nas bilheterias. Infelizmente, isso se dá mais por questões externas, como o marketing confuso (é uma sequência, um remake ou um reboot?), a classificação indicativa alta, o elenco com grande número de personagens desconhecidos e, obviamente, a pandemia que impossibilita a lotação das salas de cinema. Ainda assim, é possível que o filme tenha lançado algumas das sementes que germinarão nos próximos filmes da DC, tanto no tom quando na estética e, esperamos, com bons roteiros e direção ousada. Pode não ser o melhor filme da DC de todos os tempos, mas com certeza é o mais importante dessa década!
Descompensada começa na infância da personagem Amy Townsend. Ela ao lado da irmã conversam com o pai, um homem que tenta explicar a crise em seu casamento com uma comparação esdrúxula, contrapondo as brincadeiras com bonecas no mesmo pé de igualdade com as traições conjugais que cometeu. Isso a marca de tal forma que mesmo adulta, já vivida por Amy Schumer, segue desacreditando por completo na monogamia de modo que ela não consegue manter uma relação por muito tempo.
Judd Apatow faz mais uma comédia de situações bizarras. Já havia abordado os celibatários veteranos em O Virgem de 40 Anos, a gravidez indesejada em Ligeiramente Grávidos, a crise de meia idade em Bem-Vindo aos 40 e aqui usa a figura desconstruída de Schumer (também roteirista do longa) para brincar com a inadequação que algumas mulheres tem em lidar com o sexo casual, embora para ela a melhor opção seja não ter um par fixo. Obviamente a condição muda com o tempo, afinal, cinema é conflito. Mas o modo como ela encontra Aaron Conners (Bill Hader) que pode ser seu “outro alguém” é bastante bizarro e curioso. Amy é escalada para escrever uma matéria com um médico esportivo. Mesmo considerando os esportes como um modo de entretenimento inferior, sua possível promoção depende dessa matéria.
Por mais que Schumer não varie tanto seus papeis, Townsend é bem diferente dela. Uma personagem hilária, humana, espirituosa e de espírito indomável, passiva em vários momentos (sobretudo os que envolvem seus familiares) e com um senso de humor único. Ela está sempre entediada, e seu incômodo produz momentos ótimos. As cenas humorísticas variam entre a sua dificuldade em se relacionar e momentos peculiares de seu trabalho como quando ela vomita ao assistir uma operação. Boa parte dessas piadas são mudas, Apatow sabe utilizar bem os dotes da humorista.
A relação entre Aaron e Amy se desenrola muito bem, por mais que tenham personalidades e modos de encarar a vida bem diferentes, eles formam um belo par, e se relacionam de maneira interdependente, em que ambos se doam, a sua maneira, para suprir a carência e as necessidades um do outro, mesmo que estarem juntos fosse algo improvável.
Os personagens secundários, mesmo com pouco tempo de tela, tem algum destaque, como Kim, irmã da protagonista, interpretada por Brie Larson. Ou um sujeito fanático por alimentação saudável e malhação, interpretado por John Cena, que fica com Kim. Alias, envolvendo essa relação, as cenas de sexo são bem feitas, tão constrangedoras como as de O Virgem de 40 Anos e em outros momentos da filmografia do diretor.
O filme possui a participação especial de LeBron James, o jogador de basquete à época no Cleveland Cavaliers, que interpreta a si mesmo, tal qual Kevin Garnett fez em Joias Brutas. Aqui ele é um paciente de Aaron e um amigo super protetor dele, sendo até conselheiro amoroso do médico, além de muito preocupado com o parceiro. Os momentos entre eles beiram o genial, os dois tem um bom entrosamento, seja nas discussões ou nas disputas dentro de quadra.
Descompensada é uma boa comédia sobre inadequações e sobre a dificuldade em aceitar a si mesmo, em que seus personagens não tem qualquer receio em fazer piada de suas próprias tristes figuras, fundamentando-se bem na dupla de protagonistas, dois bons atores de comédia que estão bem entrosados.
Bumblebee tem surpreendido em suas primeiras exibições com elogios da crítica e público que afirmam se tratar de um filme divertido, com bom ritmo e despretensioso, ao contrário de toda a franquia Transformers, de Michael Bay. Além disso, o longa ainda resgata a simplicidade dos primeiros desenhos, baseados nos brinquedos da Hasbro, que faziam a alegria da criançada nos anos oitenta. O filme de Travis Knight consegue estabelecer uma conexão com seu espectador que não se via desde o primeiro filme da franquia, e em muitos pontos ele o supera.
O começo do longa mostra a guerra em Cibertron, com os Autobots servindo como resistência aos Decepticons, os mesmos vilões de sempre, que nessa versão canibalizam o planeta, de certa forma. Não há um mergulho nessa trama, e isso é ótimo, pois pode investir emoção em outros momentos. É estabelecido que B-127 (dublado por Dylan O’Brien), um robô de aspecto semelhante a uma abelha iria até a Terra e permaneceria incógnito até os outros heróis se juntarem a ele. Ao chegar ao planeta, ele se depara com alguns militares humanos, entre ele o Agente Burns (John Cena, que estás surpreendentemente bem no filme), além de enfrentar um decepticon que o perseguiu. Nessa luta, é respondido um detalhe importante da biografia do personagem.
Nesse epílogo já se nota uma bela diferença em relação a impessoalidade dos outros filmes, há perdas humanas, se vê quem morre, e esse é um belo acerto do roteiro de Christina Hodson. Mas esse quadro evolui quando é introduzida a personagem Charlie Watson (Hailee Steinfeld), uma adolescente impopular, e que tem ainda de lidar com a perda de seu pai.
A menina possui um interesse em mecânica automotiva, já que é algo que a aproxima da memória de seu velho pai. Com o tempo, ela decide comprar um fusca encostado no ferro velho, sem saber que se tratava de B-127. A forma como os dois personagens começam a interagir é muito terna e bem construída, o robô que ganharia dela a alcunha de Bumblebee está traumatizado, não consegue falar e nem entrar em modo de combate, e ela trata o alienígena como um novo amigo, jogando no nessa relação uma carga emocional de compensação pela perda que teve. Toda essa dramaticidade é muito bem explorada, não há grandes exageros melodramáticos, ao contrário, tudo é bem construído, mesmo os típicos percalços soam bem escritos e executados.
O fator que mais pesa a favor do spin off/prequel em comparação aos outros capítulos da franquia é a questão das personalidades, o filme bem como os personagens são carregados de sentimentos, e possuem alma ao contrário do restante da cine saga. Steinfeld consegue trazer um carisma aos personagens humanos que não se via em Shia Labeouf, por exemplo, muito menos em Mark Wahlberg apesar de ambos serem atores com bons momentos no cinema. A menina que já havia surpreendido em Quase 18 prossegue fazendo um bom papel aqui, e seus problemas sérios de aceitação conversam com os de Bumblebee e fazem sentido exatamente por se tratar de dois personagens flagelados e à margem. Além disso, o fato de durar menos de duas horas e ter um bom ritmo favorece demais ao longa na comparação com os longas de Bay, se isso não fosse o bastante, o fato dele pouco se levar a sério colabora ainda mais para o filme – o modo com alguns humanos são desintegrados, como gosma transparente é engraçado e tira o peso do acontecimento.
Os personagens humanos periféricos tem cada um seu momento de desenvolvimento e vestir a máscara do protagonismo, mas nada exagerado. O design dos autobots é mais quadrado, remetendo a um fator nostálgico e funcional, pois o design ultra futurista tornava os Transformers em guerreiros super poderosos meio genéricos e artificiais demais e a graça do anime e cartoon era que eles parecessem brinquedos – afinal, é uma cinessérie da Hasbro.
Apesar de claramente haver um declínio na historia quando deixa de lado os homens e mulheres de Brighton Falls para focar no núcleo militar, o final consegue acertar essas duas questões em uma amálgama com cenas de ação bem divertidas e uma luta emocionante, além de também mostrar didaticamente o quão boba era a mentalidade paranoica da Guerra Fria, e o quanto os Estados Unidos podia agir de maneira irracional diante da possibilidade de ter vantagens em um conflito. Bumblebee é carismático, divertido e certeiro, simples em sua fórmula e emocional quando necessário.
Mesmo as histórias menos complexas revelam aspectos diferentes cada vez que são contadas. Seja pelo contexto em que se vive durante a leitura ou pelo gênero e mídias com as quais é narrada. Assim também ocorre com o clássico infantil The Story of Ferdinand, criado em 1936 por Munro Leaf e ilustrado por Robert Lawson.
O livro foi inicialmente publicado nos Estados Unidos – não em terras espanholas, lugar das famosas touradas e onde fascistas perceberam na história algo prejudicial para a ideologia que devastou o país com uma guerra civil e anos de ditadura. É impressionante como a simplicidade foi ameaçadora: por meio de um discurso pacifista, a fábula de um touro que se recusa a mostrar sua agressividade nas arenas da ficção foi capaz de incomodar os militantes políticos mais autoritários.
Em 1938 se tornou um clássico da Disney, numa curta animação colorida e barulhenta que reconta o livrinho originalmente composto por frases breves e ilustrações em preto e branco. Também fez parte de um conjunto de animações infantis utilizadas para criticar subjetivamente as políticas que dominavam a conservadora conjuntura europeia naquele momento.
No livro, Ferdinando é protagonista retratado em duas cores como um tourinho que prefere o cheiro das flores e o sossego do campo a ter que duelar com outros touros. Colorido pela Disney, ele fica até mais atrapalhado, dotado de uma sensibilidade incompatível com o perfil dos valentões.
E agora, tendo sua apresentação muito enriquecida em tecnologia pela Blue Sky Studios, O Touro Ferdinando, de Carlos Saldanha, é caracterizado de um jeito ainda mais cômico, estabelecendo uma relação de profunda amizade com uma família de humanos e esforçando-se para que outros animais se libertem das amarras de um pensamento individualista que cedo ou tarde pode levar à própria extinção.
O Ferdinando de 2018 faz muitos amigos: uma menina que cresce junto com ele; um cachorro sério demais para ser cachorro; uma cabra simpática, carente e tagarela como a Dory; touros atrapalhados e valentões, mas que escondem seus sentimentos; e os porcos-espinhos ladrõezinhos que realizam furtivamente as suas façanhas. Ou seja: a diversidade é o principal traço a ser exaltado nessa trama – o que certamente mantém aquela vocação para confrontar o conservadorismo desde os anos 30.
A trilha sonora é contagiante e as dublagens até que são boas. Mas o que deixa um pouco a desejar é o perfil extremamente infantil com que se desenvolve, sem aquela capacidade de fazer com que também os adultos passem mais tempo entretidos, como no consagrado A Era do Gelo – também produzido porSaldanha. O resultado final é uma obra feita para crianças, com pouquíssima complexidade até mesmo nos trocadilhos. Porém ainda assim, dá para se dizer que seria merecido um espaço na disputa pelo Óscar.