O cinema mundial tem se dedicado bastante em explorar o senso de nostalgia de seus espectadores. Curiosamente, Bill e Ted: Encare a Música brinca com essa mentalidade que valoriza o antigo, até mesmo na bela introdução das novas protagonistas, tal como na brincadeira de que as inúmeras viagens no tempo feitas por Alex Winter e Keanu Reeves bagunçaram o fluxo temporal, deixando claro que o retorno às origens não garante qualquer sucesso.
A parte do presente se inicia em um casamento que resgata piadas presentes nos filmes anteriores. O que se vê são dois senhores de meia idade tocando no palco da cerimônia, e que tem atrás de si belas famílias que os amam, mas ainda assim sem o almejado sucesso musical profetizado anteriormente. Além desse óbvio problema, também se nota que a relação dos dois não é saudável, pelo contrário, é tão cheia de interdependência que chega a ser mutuamente parasitária. Os dois não se separam sequer para fazer terapia de casal, onde eles chegam ao cúmulo de combinar os elogios que darão as suas respectivas esposas.
O diretor Dean Parisot consegue agravar bem a questão da imaturidade dos dois, inclusive colocando suas filhas Billie (Brigette Lundy-Paine) e Thea (Samara Weaving) nessa equação, de certa forma, ele faz um exercício parecido com o que Peter Hewitt fez em Bill e Ted: Dois Loucos no Tempo, aumentando e muito a escala das aventuras da dupla. Os criadores e roteiristas Chris Matheson e Ed Solomon continuam mostrando os homens de meia-idade agindo como moleques inconsequentes que não resolvem questão alguma, só vão até o futuro e passado para remediar a própria mediocridade furtando o próprio trabalho, causando assim mais consequências graves para o tecido temporal. Por mais que Bill e Ted: Uma Aventura Fantástica não fosse audacioso, a continuação derradeira tem o caráter de discutir essa insignificância, ainda que tenha a mesma fórmula de divertimento e escapismo.
Thea e Billie são meninas divertidíssimas, as únicas que ainda entendem os pais e apreciam o que eles fazem, além de ter uma curiosidade genuína sobre a história da música, e se isso não fosse o bastante, elas ainda possuem uma compreensão da realidade, viagem no tempo e conceitos de ficção científica bem avançados, de um modo que as coloca numa posição de privilégio em relação a geração anterior.
As participações de Anthony Carrigan e William Sadler beiram o genial, tanto em narrativa quanto em metalinguagem. Esse terceiro filme é uma bela homenagem, não só aos dois garotos infantis e sonhadores de San Dimas, mas também à geração que acompanhou suas divertidas histórias.
A segunda temporada de Barry começa com um título de capítulo ótimo, The show must go on probably, não só pela referência teatral básica que o show deve continuar, como também dá vazão ao season finale da temporada anterior. Bill Hader continuar desempenhando o homem em conflito, e todos os roteiros que ele e seu parceiro Alec Berg produzem são baseados nisso.
Uma das tramas secundárias da primeira temporada se desenvolve ainda mais, a antiga rivalidade entre os bolivianos e os chechenos se finda, e seus líderes, Cristobal (Michael Irby) e NoHo (Anthony Carrigan) se tornam parceiros. O roteiro antecipa que começará a utilizar experiências dele como exercícios de “improviso”, e isso é só uma das demonstrações do quanto esse ano será muito mais nonsense que o anterior. Hader consegue brilhar muito nas piadas físicas, e isso casa bem com sua faceta mais calada e atrapalhada.
Ao mesmo tempo que Barry tem um estalo de que na sua preparação para papéis se identifica como um assassino frio, há também a percepção de que as travas que a maioria dos intérpretes têm, inexistem nele, pois a maioria das fortes emoções buscadas na hora de montar um personagem ele já viveu de maneira literal. A escolha por substituir as ilusões de uma vida adocicada pelas lembranças que o fizeram aderir a função de matador de aluguel são ótimas, ajudam a ressignificar o personagem e o aproximam ainda mais da história em quadrinhos, Justiceiro: Nascido Para Matar, de Garth Ennis , além de fazer com que ele pareça o anti-herói de De Volta ao Jogo, como um John Wick menos sério e com mais problemas existenciais.
Carrigan e Root estão hilários e exploram um tipo de humor baseado no desespero e falta de opção de vida, cada um a seu modo, e acabam compensando de certa forma o modo anestesiado que Barry tem sofrido. Hader por sua vez adere mais camadas ao personagem que criou com Berg, e o fato de dirigir menos episódios o ajuda nessa composição. Uma das questões mais bem trabalhadas aqui é a ojeriza que Barry desenvolve por matar, e o modo como até isso é subvertido beira o sensacionalismo, mas também muito bem encaixado. O desfecho é violento e repleto de um espírito vingativo inexorável, onde seus antigos aliados se mostram capazes de ceder à sua vaidade, onde o anti-herói encontra seu velho eu e vê que sua nova vida dificilmente seguirá a mesma.
Barry Berkman, é um matador de aluguel na série homônima da HBO, criada por Bill Hader (que interpreta Barry) e Alec Berg, e durante os oito episódios da primeira temporada, iniciada em 2018, Barry se fundamenta no carisma de Hader e numa historia louca de reinvenção de um sujeito de moral baixa.
O personagem principal passa por um período de tristeza emocional, claramente deprimido, e mesmo com essa parte dramática e séria, é engraçado ver ele transitando sem animo por cenários com pessoas mortas em volta, cujo sangue provindo de perfuração por bala ainda escorre. Junto a isso, há um tédio de ter que ouvir instruções sobre toda sorte de crime, provando que nem no crime a rotina é igualmente maçante. Em meio a miséria existencial, ele encontra um grupo de teatro, e acaba se afeiçoando pela bela Sally Reed (Sarah Goldberg), uma aspirante a atriz e pelo instrutor, Gene Cousineau (Henry Winkler), um diretor muito talentoso, mas também passivo agressivo.
Barry assume um novo nome, Barry Block, e essa faceta é diferente da que trata de assassinatos e contravenções. Block é calado, resiliente, tem dificuldades de expressar emoções e é passivo, enquanto o Berkman, que lida com seu contratante Monroe Fuches (Stephen Root) e com o chefão do crime checheno NoHo Hank (Anthony Carrigan). Ver esses dois personagens em um só acaba por ser um comentário metalinguístico mais forte até que o fato da série retratar a busca de atores iniciantes pelo sucesso no mesmo de um seriado recém estreado.
A mudança brusca de carreira é mostrada de uma forma inteligente e gradativa, não há pressa em mostrar a crise existencial do sujeito que sai (ou tenta sair, reprisando parte dos problemas de O Poderoso Chefão Parte III, da inevitabilidade do destino sangrento) do matadouro humano para os palcos, e além de ter que lidar com seus próprios demônios, com o passado como soldado matador do Afeganistão, com a dúvida sobre seus dotes, se tem talento para dramaturgia.
Toda a questão sobre seu passado como soldado faz lembrar o ideal presente em Justiceiro – 1ª Temporada e Justiceiro – 2 ª Temporada, quase como um What If do personagem, com a inversão moral, tirando o vigilante implacável para um assassino a sangue frio e contratável. O uso do sobrenome Block não serve só para convencer os pretensos artistas, mas também para mostrar uma nova face sua, embora até o convencimento que ele faz com um dos personagens, seja o de contar a verdade sobre sua própria vida, Cousineau o considera criativo mesmo sem uma atuação que transpirasse verdade. Isso calha numa dificuldade de entender como funciona o procedimento teatral, como digerir o monte de emoções que os homens tem e como traduzir isso na dramaturgia propriamente.
O programa se baseia muito num humor “desmotivacional”, anti Coach, e nesse ponto, Alec Berg e o próprio Hader acertam muito em seus roteiros. Há um humor que tem um pouco de semelhanças com Silicon Valley, também criada por Alec Berg, embora aqui seja bem mais visceral.
As partes que mostram fantasias de um futuro adocicado para o protagonista são grotescas, revelam o quão carente era o personagem, contendo semelhanças com uma outra serie humorística, My Name is Earl, especificamente na terceira temporada. Essa condição contrasta com o arrependimento dele em ter um oficio tão violento. Ambas condições o colocam numa posição de possível incel, de descarregar suas más emoções de maneira errática, enquanto não consegue ter qualquer relação, saudável ou não.
O humor da série não é nada fino, se baseia no constrangimento e em situações pitorescas, Barry se vê encurralado o tempo inteiro, e eventos simples como os dissabores de um pretenso artista são elevados a enésima potencia, com a diferença que um artista frustrado normalmente é só genioso, e aqui é um sabido sociopata que age de maneira passivo agressiva quando sofre pressão. Os momentos finais, em que ele ajuda Dutches beiram o sensacionalismo de tão grandioso que tudo soa, mas é incrivelmente bem apresentado, e unido a isso, ainda há um número apoteótico, semelhante a um ato teatral, que brinca com o idilico e super doce das fantasias antigas do personagem, encontrando o visceral do seu dia a dia, claro, com um belo gancho, que inclusive dribla os oportunismos e conversa bem com o tom dramático das peças shakesperianas.
Após Gotham 2ªTemporada que ficou conhecida por abrir mão de qualquer fidelidade ou mínimo respeito pelo que é tradicional nos quadrinhos do Batman, Gotham volta para sua terceira temporada com um desencontro amoroso de James Gordon (Ben McKenzie), fazendo lembrar uma das principais influências para o seriado existir, que era Smallville, cujo espírito era também resgatar o passado, mas do Super-Homem ao invés do Batman. Por mais que a frustração romântica seja grande, não demora até o policial ter de enfrentar uma das muitas bizarrices que a cidade – ainda sem o Batman – produz.
O personagem em questão, é só mais um dos bandidos soltos pela zona urbana, e foi liberto pelo vilão Hugo Strange (BD Wong). A cidade está louca ( o nome desse segmento é Mad City, para pontuar melhor ainda as obviedades) e entre os muitos fugitivos do Asilo Arkham está Barbara (Erin Richards), agindo como uma versão millenium da Arlequina, conversando com os foras da lei, entre eles, o Pinguim/Oswald de Robin Lord Taylor, que se torna um informante da polícia. Junto a Barbara, está Thea Galavan (Jessica Lucas), que desde que perdeu seu irmão, tem procurado alguém para ser sua dupla. As inversões de valores se tornaram algo tão corriqueiros que em meio as loucuras da série, isso nem choca tanto.
Mad City compreende os 14 episódios e toda a polícia tem muito mais trabalho que o normal nos outros dois anos, e Jim tem de lidar não só com Harvey Bullock (Donal Logue), mas também com um novo elemento que além de ser extremamente enxerido, também vira um possível par romântico. A Valerie Vale (Jamie Chung), que vem a ser tia da famosa fotografa que namora Bruce/Batman Vick Vale, mas mesmo assim, James demonstra saudade de sua amada Leslie Lee Thompkins, interpretada por Morena Baccarin, que ganha mais destaque neste terceiro ano.
Já da parte do jovem Bruce (David Mazouz), há não só um assumir de responsabilidades em suas empresas – isso feito obviamente com a supervisão de Alfred (Sean Pertwee) – mas Mazouz também vive o estranho 514, um clone seu, que é só uma das piores idéias que poderia ocorrer em uma série já pessimamente pensada, junto a tudo que ocorre com a versão de Hera Venenosa. A Ivy Pepper, que antes era feita por Clare Foy sofre a ação de um meta-humano, e envelhece horrores, era para ela morrer, mas é pouco exposta e só envelhece, para se tornar Maggie Geha. Essa solução que o produtor Bruno Heller e seus roteiristas tomaram talvez tenha ocorrido para se livrarem da questão de sexualizar uma criança, já que a Selina Kyle de Camren Bicondoya já era utilizada desta forma, e obviamente sofria com rejeição por parte das pessoas mais preocupadas com a ética e moralidade.
A questão de Pinguim prefeito pode parecer uma loucura, mas há de se lembrar que a primeira menção a isso não é de Gotham e sim de Batman: O Retorno, a diferença é que aqui de fato ocorreu com o vilão vencendo as eleições, e de certa forma, faz sentido dentro desse universo galhofa em que o programa é inserido. Em se tratando de uma cidade doente, é natural que seu mandatário eleito seja um lunático homicida.
Mas algumas situações seguem sem uma resposta plausível. Bruce cresce, ao ponto de já se pensar nele como possível Batman, mas ele não tem uma relação maternal com Leslie, James não consegue ser um policial correto, ao invés disso ainda faz as vezes de Serpico, Dirty Harry e outros tiras anti heróicos, e por quais motivos os roteiristas transformam dois vilões em quase um casal homossexual, para estigmatizá-los como insanos logo depois, da mesma forma que fizeram com Barbara antes. E o pior, nenhum dos loucos da série fogem da caricatura, e mesmo quando soavam irreais – afinal, são personagens de historias em quadrinhos –
Os roteiros são confusos, e muitos elementos são adicionados para encher linguiça. Como parte da tentativa de tornar problemática a jornada de Selina, sua mãe aparece, basicamente para causar rebuliços na sua relação com Bruce, que nem bem são um casal, mas já tem brigas como se fossem. O mesmo ocorre de certa forma com Pinguim e Edward Nygma (Cory Michael Smith) que rompem sua amizade após o primeiro se eleger prefeito. O Charada aliás assume sua faceta de bandido, se aproximando de outros criminosos, fazendo com que o quase romance dos dois vá por água abaixo, com direito a muitas cenas de vergonha alheia da parte do político. Até Jim embarca nessa onda de brigas com seus parceiros, chegando ao cúmulo de matar o marido de Lee, no dia do casamento da mesma, uma vez que ele está infectado por um estranho vírus e está prestes a matar Leslie.
Gotham seria tão mais honesta caso fosse uma comedia rasgada, ao invés de se levar a serio quanto a tramas politicas e no mergulho, ate as partes dramáticas sao desmedidas, seja a reação intempestiva de Leslie depois de ser salva por Gordon, ou as ilusões com fantasmas que Cobblepot sofre, mesmo Jerome (Cameron Monaghan), que poderia ser um bom adendo ja que seu interprete é bom ator acaba caricato demais, mesmo o ardil do Charada, que envolve muitos personagens e que teoricamente seria um belo plano soa caricato ao extremo. O fato de se levar a serio denigre também outro aspecto da serie, que é a questão de ser um produto de época. Caso o tom cômico prevalecesse boa parte das sequências fariam sentido, assim como as liberdades poéticas referentes ao amadurecimento de clones, ou o que ocorre com Hera Venenosa, mas não, Heller não tem humildade para incorporar o camp de fato aos roteiros, então todos os exageros de atuação não passam de péssimas versões mesmo.
Toda a sequencia de luta entre Jerome e Bruce até tem momentos emocionantes, mas ela não faz sentido, o príncipe aristocrata de Gotham não tem motivos para ter sua índole discutida ou corrompida, isso pouco importa, e é ridículo a cidade inteira caindo na porrada em um parque. Alem dos outros vilões introduzidos nas temporadas anteriores e ate do Chapeleiro Louco (Benedict Samuel), ha também o Senhor Frio (Nathan Darrow) e outros mais obscuros Victor Zsasz (Anthony Carrigan), mas um outro segmentos mais novo foi inserido, a Corte das Corujas, que “coincidentemente” é muito mal enquadrada. A historia que ficou famosa após o arco de Scott Snyder na fase Batman: Corte das Corujas, do Morcego nos Novos 52, e fica deslocada demais dessa posição cronológica da origem do Batman. Os momentos finas, onde Lee utiliza da substancia tóxica para realizar sua vingança demonstra que a principal obsessão dos roteiristas é transformar os possíveis pares de Jim em vilãs,e surpreenderá se Valerie também não se tornar má caso reapareça.
A união de vilões, sobretudo Charada e Barbara faz a cidade perecer, envenenada por uma droga que deixa a maior parte das pessoas agressivas. No entanto a decisão de tomar o poder é tardia, os dois aliados só decidem isso após toda a zona urbana já estar tomada pelo caos. Outra questão que pairava sobre os episódios, e no capitulo final é dita com todas as letras é a origem de vários vilões através das experiências do professor Hugo Strange.
Ao menos os capítulos são movimentados, Coblepott ludibria Nygma e ratifica sua parceira com Hera e Senhor Frio, personagens morrem e alianças são desfeitas, Gordon quase sucumbe ao mal com a desculpa do tal vírus do mal. Há uma tentativa de redenção nos momentos finais, próximo aos créditos, onde Bruce salva uma pessoa, já como um vigilante pró Batman, e incrivelmente isso é bem feito, apesar de ainda ser uma má ideia utilizar a figura do pequeno Wayne em Gotham, mas que ele está lá, é importante dá importância, sobretudo nas cenas em que ele está fora da cidade, em seu treinamento, no entanto, isso não salva o programa da obvia mediocridade deste terceiro ano.