O Outro Lado do Vento é um atestado de imortalidade; sobre raras marolas que nunca cessam. Filme inacabado por excelência, eis um manifesto por aquilo que nunca será esquecido, ou depreciado. Para Orson Welles, certamente que não. Era o menino prodígio que revolucionou o cinema em tempos de outras tantas revoluções menores. Junto de Charles Chaplin, Buster Keaton, Howard Hawks, Alfred Hitchcock e alguns outros deuses do Cinema, neste seleto clubinho de divindades, Welles não reinventou a roda, mas aperfeiçoou-a em verdadeiros atestados de genialidade em estado bruto como O Processo, A Marca da Maldade e Verdades e Mentiras. Gemas obrigatórias, para se dizer o mínimo.
Não chegou a ver o Cinema mudar a ponto de sair da tela, ganhar novos arranjos, entrar na casa das pessoas, anda por ai nos nossos celulares. Não chegou a criar opiniões a respeito disso. Welles, o homem, morreu em 1985, quando o Cinema americano já começava a significar tecnologia, cada vez mais, e durante setenta anos, projetou em suas histórias as suas próprias paixões por essa arte, a sétima delas, pela qual jamais será um talento substituível; um mero bastardo fiel a experimentações de todo tipo. Como o mesmo diria: “O Cinema não tem fronteiras nem limites. É um fluxo constante de sonho.”, e é justamente esse sentimento que se tem ao se assistir um dos melhores filmes de 2018.
A Netflix fez questão de remontar um filme assumidamente estranho a habitar seu catálogo de jóias e bijuterias, e sem apelar para saudosismo a tanto.Colando e deixando que trechos pré-editados das filmagens que o próprio Welles chegou a rodar ditem o tom do filme, por si só, o foco aqui vai longe da lógica, perseguindo com uma lente frenética e cores exageradas atores nus, sorridentes, chorosos e agressivos e que se cruzam, colidem-se, num absoluto caos cinematográfico cuja construção essencial, e o seu valor, baseiam-se unicamente na própria experiência poética de senti-lo, ao invés de atender a imediatista pretensão de compreendê-lo – algo que pode afugentar inúmeros espectadores acostumados apenas a entender imagens, em vez de capturar e absorver a vibração que nelas e entre elas existem, germinando muito mais que um sentido fácil.
O Outro Lado do Vento torna-se acachapante, neste finado exercício do mestre centenário, não apenas por ser uma ode à criação, a arte ou a história dessa arte (a sétima delas, como mencionado). Vira peça chave da produção contemporânea por, em 2018,conseguir reviver, mesmo que com certas vaidades estéticas ligadas a efervescência apologética de algumas imagens, a soberba pujança que os grandes clássicos imbatíveis de Welles, os aclamados e os que ainda serão (re)descobertos por novas gerações,jorram e exalam com uma vitalidade muita própria, antes ou agora; em tempos mais simples e complexos que, afinal, clamam por revitalizações de ideias e ideais de um passado glorioso, e que não merece abandonar o glamour e a visibilidade das telas de projeção – sejam elas quais forem, hoje em dia.
No início da década de sessenta, a Universal trouxe A Volta ao Mundo Pré-Histórico, baseado na ideia de Jack H. Harris, o filme mostra uma história de uma expedição marítima em que engenheiros encontram um Tiranossauro, um Brontossauro e um homem das cavernas congelados no fundo do mar. Os três são levados para a superfície e são descongelados com a ação do tempo. Um raio cai na praia e magicamente faz os três ressuscitarem, em uma época em que era muito comum raios despertarem vida – na verdade, até antes dos clássicos do Monstro de Frankenstein. O filme mostra uma união de forças entre os humanos habitantes da ilha, o brontossauro e o homem primitivo contra o tiranossauro, mas apesar da proposta ambiciosa, o filme pouco ousa, em especial no seu final, com todos os personagens gargalhando em frente a uma bela paisagem.
Ainda em 1960, houve outra versão de O Mundo Perdido, dessa vez em cores, comandado por Irwin Allen, que também dirigiu O Milagre da Vida (Animal World), um documentário sobre o mundo na época dos dinossauros, além de ser o criador do clássico Perdidos no Espaço, Terra de Gigantes e Viagem ao Fundo do Mar. Essa versão tem como foco a exploração no amor impossível do repórter Ed Malone, vivido por David Hedison. Allen era bastante acostumado a conduzir filmes onde o fantástico era a tônica. Aqui ele também faz uso das famigeradas iguanas como dinossauros, mas usa stop motion nas cenas em que não há close nas criaturas, o que soa claramente mais honesto. Há também criaturas insetoides gigantes, com efeitos em neon, em atenção as figuras que existem no livro de ArthurConan Doyle. Infelizmente essa versão começa bem, mas termina de maneira genérica, com todos felizes em meio a um ambiente desolado, sem perspectivas de saída mas ainda assim, alegres por estarem juntos.
Gorgo, de Eugéne Lourié é um filme de 1961, que se passa na costa da Irlanda, onde ocorreu uma erupção vulcânica, e propiciou a vinda de um réptil anfíbio de 20 metros de altura, que recebe o nome do filme. Lourié evolui o quadro que já tinha estabelecido em O Monstro do Mar, inclusive colocando cenas de ação em pleno oceano, muito bem produzidas, agravando o perigo ao trazer a criatura para o mundo civilizado, colocando-a como uma mera atração expositiva, deixando claro o quão mesquinha e monstruosa pode ser a atitude humana.
Gorgo, de Eugène Lourié (1961)
Reptilicus tem uma história curiosa por trás, pois foi filmado por dois diretores diferentes e lançado de forma semelhante em dois países. A versão da Dinamarca teve condução de Poul Bang, e chegou em fevereiro de 1961, já nos Estados Unidos foi feita por Sidney W. Pink, e praticamente o mesmo elenco estava em ambas as versões, foi lançada em 1962. A historia é bastante simples e consiste na descoberta de um pedaço de carne, por mineradores dinamarqueses, e ao ser analisado por especialistas, descobre-se se tratar de uma cauda de um animal pré-histórico.
Um descuido acontece na sala de refrigeração onde o rabo está e aos poucos a parte do corpo começa a se regenerar. A grande questão é que o retorno da criatura não possui qualquer maior atenção a esse aspecto do texto, Reptilicus simplesmente volta assim, sem mais nem menos. Os estragos feitos pelo monstro vão de fragatas a navios derrubados, mas que acabam não sendo mostrados, já que a câmera chega depois do acontecido. Quase nada funciona, nem as miniaturas, telas verdes – sofríveis ao extremo – ou os efeitos, como a gosma verde lançada pelo bicho.
Filme britânico lançado em 1966, Mil Séculos Antes de Cristo é uma produção da Hammer Films, a mesma que fazia os filmes de horror do Drácula com Christopher Lee e Peter Cushing, por sua vez, o diretor Don Chaffrey refilma o já citado O Despertar do Mundo, dessa vez em cores, misturando cenas com animais fingindo serem dinossauros com os efeitos especiais de Ray Harryhausen. Há uma narração no início, mas o restante do filme é quase sem falas, já que os homens ainda não tem capacidade de comunicação oral neste momento.
Mil Séculos Antes de Cristo, filme da Hammer dirigido por Don Chaffey (1966)
Tal qual outros filmes da Hammer, esse também não faz cerimônia em exibir suas belas atrizes diante da câmera, chega a ser engraçado o quanto a câmera faz questão de explorar a beleza de Raquel Welch. No entanto, o clímax fica por conta da luta entre feras, com uma animação em stop motion fenomenal de Harryhausen. Talvez o único senão seja o tamanho dos humanos em relação aos dinossauros, que parecem ser ligeiramente maiores que os homens, além do mesmo problema do original, em colocar ambas criaturas na mesma faixa temporal.
Houve um produto de qualidade duvidosa e pano de fundo curioso ainda nos anos sessenta, chama-se Viagem ao Planeta das Mulheres Pré-Históricas, lançado em 1968, por Derek Thomas, que na verdade era Peter Bogdanovich com um pseudônimo. A história lembra muito um episódio de Star Trek ou Twilight Zone, mas com qualidade de roteiro quase zerada. A trama basicamente consiste em um grupo de astronautas que descem em Vênus e encontram um planeta ocupado por mulheres e por pterodátilos. Mamie Van Doren é o principal nome no elenco feminino, ela tem poderes psíquicos e tenta matar os invasores, que conseguem escapar. O filme foi produzido por Roger Corman, e tem um orçamento diminuto, péssimos efeitos especiais e muito momentos engraçados. Ele é livremente baseado em uma ficção cientifica soviética chamada Planeta Bur, de Pavel Klushantsev.
O Vale Proibido (The Valley of Gwangi) foi um filme de Jim O’Connolly que reúne elementos de western, fantasia e ficção cientifica. A trama se passa na virada do século XIX para o XX, com um grupo de homens dos Estados Unidos encontrando um lugar próximo do México onde aparentemente vivem criaturas da pré-história. Gwangi (do título original) é uma palavra nativa americana que significa “lagarto”, e visa falar sobre obviamente as figuras pré-históricas. Mais uma vez o mote da exploração dos dinossauros é a ganância dos homens, que querem lucrar a absolutamente a qualquer custo, utilizando os animais para isso.
Houve em 1970 um filme sobre um elo perdido, chamado Trog, o Monstro da Caverna, de Freddie Francis, e que contava com a participação de Joan Crawford no elenco. Tecnicamente não aparecem dinossauros em sua trama, somente em uma lembrança do personagem resgatado, que ao ter seus sonhos revisados pelos cientistas, vê dinossauros se movendo e lutando, como em um rememorar da história, e lá são usadas as figuras tradicionais de stop motion. No mesmo ano, foi lançado pela Warner em parceria com a Hammer Films, Quando os Dinossauros Dominavam a Terra (When Dinosaurs Ruled the Earth), mais uma obra da produtora que visava colocar mulheres como protagonistas sexuais da pré-historia, como já haviam sido em outros filmes seus. A trama mostra uma tribo de primitivos que sacrificam três mulheres loiras, com uma delas caindo de um penhasco na água, milagrosamente sobrevivendo e tendo a partir dali uma nova existência, bem diferente da que teria onde sempre viveu.
Quando os Dinossauros Dominavam a Terra, outro filme produzido pela Hammer (1970)
Nesta versão o maior dos méritos certamente vai para os efeitos visuais, tanto que o trabalho de Jim Danforth e seus assistentes David W. Allen e Roger Dickens, premiados com uma indicação ao Oscar. A variedade de animais pré-históricos é bastante grande, sem falar que há uma cena em que uma das criaturas eclode do ovo de uma maneira tão bela que não surpreenderia ter saído daí a inspiração visual de Steven Spielberg quando nasce um raptor em Jurassic Park. É bem engraçado ver os selvagens correndo de seus inimigos, exibindo marcas de biquínis e sungas.
Em 1974, não foi no cinema, mas sim na televisão que foi explorada uma das histórias mais populares sobre dinossauros que se tornou bem popular, trazida pelos irmãos Sid e Marty Krofft, exibida até 76 na TV NBC, O Elo Perdido teve 43 episódios em sua primeira versão. A história conta o dia-a-dia da família Marshall, formada pelo pai Rick Marshall, e pelos irmãos Will e Holly. Durante uma exploração quando desciam o rio de barco foram apanhados por um terremoto e jogados num portal de tempo, parando em um mundo completamente diferente, numa terra estranha habitada por dinossauros, homens da caverna e criatura humanoides agressivas chamadas de Sleestak, com aparências de lagartos.
No Brasil, foi exibida na Rede Globo entre 1975 e 1977 e no SBT na década de 1980 e início da década de 1990. A série tinha efeitos especiais muito pobres, com stop motion nos dinossauros, muito fundo falso (completamente desproporcional) e maquiagens artificiais, especialmente com o pequeno Cha-ka e com os Sleestak. O programa teria outros spinoffs, e uma versão para o cinema, no final dos anos 2000, com Will Ferrell.
A Terra que o Tempo Esqueceu, de Kevin Connor (1974)
A Terra Que o Tempo Esqueceu (The Land That Time Forgot), de Kevin Connor, de 1975, adaptava o romance de Edgar Rices Burroughs, criador de Tarzan e John Carter. Na trama, um submarino alemão afunda um navio inglês de suprimentos inglês, no meio da primeira guerra mundial, levando os sobreviventes do mesmo à bordo. A embarcação se perde e para em um uma ilha misteriosa, habitada por animais pré-históricos. Os dinossauros são feitos em stop motion, mas não tem tanto destaque dentro da trama.
Baseado em outro romance de Burroughs, No Coração da Terra (At the Earth’s Core), também de Connor, foi lançado em 1976 e tem uma trama semelhante a de Viagem ao Centro da Terra, onde um grupo de ingleses usa uma máquina que perfura o subsolo, e encontram uma civilização da idade antiga. Connor traz um filme que é bem mais inspirado e divertido que a adaptação anterior. Muito colorido e trazendo Peter Cushing como protagonista, em uma versão muito canastrona do Dr. Abner Perry. Os dinossauros são feitos por atores usando roupas, parecida com aquelas utilizadas por monstros de seriados japoneses.
Em Planeta dos Dinossauros, de James K. Shea, se vê uma ficção cientifica de baixíssimo investimento e visual retrô, onde um grupo de astronautas pousa em um planeta que se assemelha a Terra. A tripulação faz isso forçada, e logo percebem que o lugar é habitado por dinossauros e outros animais gigantes. Tanto os figurinos quanto os efeitos especiais envolvendo as criaturas são terríveis, mesmo se tratando de uma produção de 1977, e no final da contas ela causa uma impressão de graça em quem assiste, já que boa parte dos seus momentos é de pura comédia involuntária.
Em O Último Dinossauro, também de 1977, dirigido por Alex Grasshoff e Tom Kotani, cientistas descobrem uma terra perdida dentro de uma caverna onde havia um vulcão adormecido sob uma calota de gelo polar (sim, é uma tremenda mistura de elementos). Um bilionário decide recrutar uma equipe para descobrir do que se trata esse novo mundo, que é habitado por dinossauros – em stop motion mal feito – e por humanos primitivos. A história é muito parecida com as imitações de O Mundo Perdido, e quase não acrescenta em nada ao que já foi visto nos filmes anteriores.
O Último Dinossauro, de Alex Grasshoff e Tom Kotani (1977)
Continuação do filme A Terra Que o Mundo Esqueceu, ainda adaptando uma história de Burroughs, que fala sobre uma ilha pré-histórica, Criaturas Que o Tempo Esqueceu é também conduzido por Kevin Connor, e foi lançado em 1977. O grande diferencial desse para o outro filme, é a personagem Ajor, vivida pela bela Dana Gillespie que está lá basicamente para ser um colírio para o público masculino. A história é boba, e de certa forma até zomba da literatura de Burroughs. Do ponto de vista estético pouco de positivo há que se acrescentar, pois nem as cenas em miniaturas condizem com o resto, quando aparecem inúmeras vezes diferenças de tonalidade e cor entre maquete e cenas em tamanho real, variando inclusive a cor de um helicóptero, em alguns pontos parecendo marrom e outros amarelo. Mistura mil elementos, como samurais, mulheres das cavernas que falam inglês, tribos indígenas e dinossauros em stop motion cujo efeitos são defasados em no mínimo 20 anos.
O Homem das Cavernas, dirigido por Carl Gottleb , traz Ringo Starr e Dennis Quaid em divertida comédia, onde homens e mulheres primitivos tentam estabelecer comunicação, em uma trama engraçada que mistura efeitos de stop motion nos dinossauros e atores fantasiados. É um filme divertido, que não tem ambição de ser mais do que uma comédia boba com algumas boas sacadas.
Em 1985, Bill Norton dirigiu Baby, o Segredo da Lenda Perdida (Baby, Secret of the Lost Legend), um filme infantil, cuja história se baseia em rumores de que criaturas parecidas com dinossauros viviam em algum lugar esmo no mundo. Os animais eram chamados de Mokele-mbembe e habitavam a África, e quando aparecem deixam a desejar. O filme possui uns animatrônicos que são mais convincentes quando parados, pois quando andam, parecem tratores disfarçados de dinossauros.
Por fim, em 1988 começava uma saga em desenho animado que acabou se tornando uma franquia, Em Busca do Vale Encantado mostra um grupo de dinossauros herbívoros, que migravam para uma terra que tivesse boas condições de vida. Os animais só param para chocar os ovos que continham suas crias, então nasce Littlefoot, um “pescoçudo”, da raça brontossauro. Basicamente os filhotes das manadas se juntam para viver uma aventura que busca uma epicidade mas que não foge nada do usual, repetindo clichês dramáticos. A saga teve algumas continuações em vídeo, sendo essas ainda menos carismáticas que essa animação sentimentaloide.
Após um período aproximado de dez anos sem lançar um filme, o premiado diretor Peter Bogdanovich, retorna suas forças para uma comédia romântica estilosa, que lembra bastante a fase áurea de Woody Allen no gênero. Um Amor a Cada Esquina acompanha os relatos de Isabella Patterson (Imogen Poots), uma moça que usa da verborragia para se expressar, e que começa um conto sobre como a própria largou o ofício de prostituta para então, tentar a sorte como atriz.
As confissões ocorrem em um consultório psicanalítico, semelhantes em espírito ao processo de espiação de pecados ocorrido na igreja católica. Patterson fala então de seu envolvimento no passado com Arnold Albertson (Owen Wilson), um homem solitário sentimentalmente que depois de fazer uso de seus trabalhos como prostituta, resolve convidá-la a sair, começando a partir dali a se importar com seus sonhos, de tentar ser atriz. O motivo dessa importância é bastante óbvio, já que Arnold é um diretor de teatro, entediado com seu casamento malfadado. A resolução dele envolve gastar 30 mil para que a moça largue o atual ofício e se dedique a se tornar uma atriz, de fato.
O roteiro de Bogdanovich e Louise Stratten se desconstrói com menos de trinta minutos, revelando que o ato de “desapego” não era isolado já que ocorreu outras vezes para o diretor e tampouco inspirado já que ele ajudou moças com outros interesses, compondo assim uma prática comum de um sujeito cuja monotonia frequentemente invade sua rotina, fazendo dele e dos demais personagens que o cercam criaturas dignas de pena, mas não de torcida ou apego.
Exceto Arnold e Isabella, que são trabalhados anteriormente, os outros personagens se valem de arquétipos, tendo poucas das suas características reveladas, o suficiente para cada um ter sua importância dentro do cenário romântico/amoroso complicado, com intenções escusas se misturando ao desejo.
O personagem que se diferencia do trivial é a atriz e esposa de Arnold, Delta, vivida por uma (cada vez mais) inspirada Kathryn Hahn que, ao se descobrir traída, tem uma série de atitudes cujo estado emocional condiz em excesso com todo o desrespeito que sofre. Bogdanovich consegue se reinventar, após tanto tempo longe das câmeras, reunindo em sua comédia um humor não escrachado, condizente com o moderno cinema dos membros da produção executiva Wes Anderson e Noah Baumbach, digerindo o cinema desses para fazer algo com identidade própria e com um magnetismo hiperbólico.
Citando a peça de Henrik Ibsen, a comédia errática de Noah Baumbach tem sua sutileza notada já no início, que brinca com o paradigma da paternidade sob os olhos atentos de Josh e Cornelia, que assim como seus intérpretes, Ben Stiller e Naomi Watts, já estão bastante distantes da beleza jovial, a qual predominou na carreira de ambos os atores. Enquanto Somos Jovens faz alusão ao receio de ter a vida modificada pelo padrão de vida adulto, com o gradativo aumento da distância dos seres de meia-idade da juventude presente nas ações dos intemperados e juvenis personagens, analisados mais adiante.
O estudo humano, típico da filmografia do realizador, se dá de modo metalinguístico. Aludindo ao gênero cinematográfico de documentários e ao formato em exibir dramas reais, com um escopo de extrema verossimilhança, uma de suas bases caracteriza-se pelo extremo desapego emocional da própria geração.
O chamado à aventura ocorre com Josh e Cornelia, quando estes conhecem a dupla de namorados – e inspirados – Jamie (Adam Driver) e Darby (Amanda Seyfried), que, do alto de sua tranquilidade jovial, pratica um estilo de vida completamente diferente do praticado pela dupla de entediados e rotineiros membros da classe criativa nova-iorquina. Aos poucos, a cobiça ao casal mais moço dá lugar à necessidade de transformar-se no ideal de vida sem maiores preocupações.
Após experimentar as sensações típicas da nova geração, todo o cotidiano de meia-idade passa a ser enfadonho para os protagonistas. O conflito entre a amálgama de rugas e tecnologia tem um entrave enorme com a espontaneidade vintage de Jamie e Darby, seres muito mais antenados com as manifestações humanas artísticas. As diferenças da vida real da velhice ficam mais evidentes com a alegria forçada de músicas infantis, que causam claustrofobia na personagem de Cornelia. A personagem cada vez menos fica à vontade com o costumeiro status quo dos homens e mulheres de quarenta e poucos anos. Ainda que os corpos dos seres mais velhos respondam de modo diferente, e poético, os muitos defeitos da idade.
Como Baumbach fez em Frances Ha e O Solteirão, Enquanto Somos Jovens investiga a identidade humana através da falta de espontaneidade, tanto de Josh, que não consegue escolher a quem abraçar e a quem ignorar, como também dos frutos da virada espiritual que ocorre da metade para o final. O roteiro se vale de elementos sonoros extremos para contar as experiências do frustrado homem, seja pelo silêncio no escritório de um possível colaborador financeiro, seja através do nervosismo e ansiedade metaforizados no barulho da chaleira apitando na casa do mentor e personificados por Leslie Breitbart, vivido pelo veterano Charles Grodin.
O enlace exibe twists interessantes que fazem discutir quais são os maiores méritos do cinema de Baumbach. Uma juventude que não enxerga seus próprios erros e manias, com discussões sobre éticas que denunciam a pieguice presente na exacerbação do ethos. O maior embate de Enquanto Somos Jovens não é a guerra entre gerações, e sim o conflito entre a honestidade e a malícia necessária para se fazer sucesso em um meio tão complicado quanto do cinema documental.
Em análises mais frias, o gênero mostra a dissimulação como fator principal dentro do meio. Revela-se, portanto, que quase tudo é vaidade. Continua incompleto o exame se ignorássemos a clara crítica do diretor, tanto à indústria quanto aos seus membros, os quais validam mais a forma ao conteúdo, tanto em relação ao diagnósticos das obras quanto dos artistas.