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  • Os Dinossauros e o Cinema – Parte 2

    Os Dinossauros e o Cinema – Parte 2

    No início da década de sessenta, a Universal trouxe A Volta ao Mundo Pré-Histórico, baseado na ideia de Jack H. Harris, o filme mostra uma história de uma expedição marítima em que engenheiros encontram um Tiranossauro, um Brontossauro e um homem das cavernas congelados no fundo do mar. Os três são levados para a superfície e são descongelados com a ação do tempo. Um raio cai na praia e magicamente faz os três ressuscitarem, em uma época em que era muito comum raios despertarem vida – na verdade, até antes dos clássicos do Monstro de Frankenstein. O filme mostra uma união de forças entre os humanos habitantes da ilha, o brontossauro e o homem primitivo contra o tiranossauro, mas apesar da proposta ambiciosa, o filme pouco ousa, em especial no seu final, com todos os personagens gargalhando em frente a uma bela paisagem.

    Ainda em 1960, houve outra versão de O Mundo Perdido, dessa vez em cores, comandado por Irwin Allen, que também dirigiu O Milagre da Vida (Animal World), um documentário sobre o mundo na época dos dinossauros, além de ser o criador do clássico Perdidos no EspaçoTerra de Gigantes Viagem ao Fundo do Mar. Essa versão tem como foco a exploração no amor impossível do repórter Ed Malone, vivido por David Hedison. Allen era bastante acostumado a conduzir filmes onde o fantástico era a tônica. Aqui ele também faz uso das famigeradas iguanas como dinossauros, mas usa stop motion nas cenas em que não há close nas criaturas, o que soa claramente mais honesto. Há também criaturas insetoides gigantes, com efeitos em neon, em atenção as figuras que existem no livro de Arthur Conan Doyle. Infelizmente essa versão começa bem, mas termina de maneira genérica, com todos felizes em meio a um ambiente desolado, sem perspectivas de saída mas ainda assim, alegres por estarem juntos.

    Gorgo, de Eugéne Lourié é um filme de 1961, que se passa na costa da Irlanda, onde ocorreu uma erupção vulcânica, e propiciou a vinda de um réptil anfíbio de 20 metros de altura, que recebe o nome do filme. Lourié evolui o quadro que já tinha estabelecido em O Monstro do Mar, inclusive colocando cenas de ação em pleno oceano, muito bem produzidas, agravando o perigo ao trazer a criatura para o mundo civilizado, colocando-a como uma mera atração expositiva, deixando claro o quão mesquinha e monstruosa pode ser a atitude humana.

    Gorgo, de Eugène Lourié (1961)

    Reptilicus tem uma história curiosa por trás, pois foi filmado por dois diretores diferentes e lançado de forma semelhante em dois países. A versão da Dinamarca teve condução de Poul Bang, e chegou em fevereiro de 1961, já nos Estados Unidos foi feita por Sidney W. Pink, e praticamente o mesmo elenco estava em ambas as versões, foi lançada em 1962. A historia é bastante simples e consiste na descoberta de um pedaço de carne, por mineradores dinamarqueses,  e ao ser analisado por especialistas, descobre-se se tratar de uma cauda de um animal pré-histórico.

    Um descuido acontece na sala de refrigeração onde o rabo está e aos poucos a parte do corpo começa a se regenerar. A grande questão é que o retorno da criatura não possui qualquer maior atenção a esse aspecto do texto, Reptilicus simplesmente volta assim, sem mais nem menos. Os estragos feitos pelo monstro vão de fragatas a navios derrubados, mas que acabam não sendo mostrados, já que a câmera chega depois do acontecido. Quase nada funciona, nem as miniaturas, telas verdes – sofríveis ao extremo – ou os efeitos, como a gosma verde lançada pelo bicho.

    Filme britânico lançado em 1966, Mil Séculos Antes de Cristo é uma produção da Hammer Films, a mesma que fazia os filmes de horror do Drácula com Christopher Lee e Peter Cushing, por sua vez, o diretor Don Chaffrey refilma o já citado O Despertar do Mundo, dessa vez em cores, misturando cenas com animais fingindo serem dinossauros com os efeitos especiais de Ray Harryhausen. Há uma narração no início, mas o restante do filme é quase sem falas, já que os homens ainda não tem capacidade de comunicação oral neste momento.

    Mil Séculos Antes de Cristo, filme da Hammer dirigido por Don Chaffey (1966)

    Tal qual outros filmes da Hammer, esse também não faz cerimônia em exibir suas belas atrizes diante da câmera, chega a ser engraçado o quanto a câmera faz questão de explorar a beleza de Raquel Welch. No entanto, o clímax fica por conta da luta entre feras, com uma animação em stop motion fenomenal de Harryhausen.  Talvez o único senão seja o tamanho dos humanos em relação aos dinossauros, que parecem ser ligeiramente maiores que os homens, além do mesmo problema do original, em colocar ambas criaturas na mesma faixa temporal.

    Houve um produto de qualidade duvidosa e pano de fundo curioso ainda nos anos sessenta, chama-se Viagem ao Planeta das Mulheres Pré-Históricas, lançado em 1968, por Derek Thomas, que na verdade era Peter Bogdanovich com um pseudônimo. A história lembra muito um episódio de Star Trek ou Twilight Zone, mas com qualidade de roteiro quase zerada. A trama basicamente consiste em um grupo de astronautas que descem em Vênus e encontram um planeta ocupado por mulheres e por pterodátilos. Mamie Van Doren é o principal nome no elenco feminino, ela tem poderes psíquicos e tenta matar os invasores, que conseguem escapar. O filme foi produzido por Roger Corman, e tem um orçamento diminuto, péssimos efeitos especiais e muito momentos engraçados. Ele é livremente baseado em uma ficção cientifica soviética chamada Planeta Bur, de Pavel Klushantsev.

    O Vale Proibido (The Valley of Gwangi) foi um filme de Jim O’Connolly que reúne elementos de western, fantasia e ficção cientifica. A trama se passa na virada do século XIX para o XX, com um grupo de homens dos Estados Unidos encontrando um lugar próximo do México onde aparentemente vivem criaturas da pré-história. Gwangi (do título original) é uma palavra nativa americana que significa “lagarto”, e visa falar sobre obviamente as figuras pré-históricas. Mais uma vez o mote da exploração dos dinossauros é a ganância dos homens, que querem lucrar a absolutamente a qualquer custo, utilizando os animais para isso.

    Houve em 1970 um filme sobre um elo perdido, chamado Trog, o Monstro da Caverna, de Freddie Francis, e que contava com a participação de Joan Crawford no elenco. Tecnicamente não aparecem dinossauros em sua trama, somente em uma lembrança do personagem resgatado, que ao ter seus sonhos revisados pelos cientistas, vê dinossauros se movendo e lutando, como em um rememorar da história, e lá são usadas as figuras tradicionais de stop motion. No mesmo ano, foi lançado pela Warner em parceria com a Hammer Films, Quando os Dinossauros Dominavam a Terra (When Dinosaurs Ruled the Earth), mais uma obra da produtora que visava colocar mulheres como protagonistas sexuais da pré-historia, como já haviam sido em outros filmes seus. A trama mostra uma tribo de primitivos que sacrificam três mulheres loiras, com uma delas caindo de um penhasco na água, milagrosamente sobrevivendo e tendo a partir dali uma nova existência, bem diferente da que teria onde sempre viveu.

    Quando os Dinossauros Dominavam a Terra, outro filme produzido pela Hammer (1970)

    Nesta versão o maior dos méritos certamente vai para os efeitos visuais, tanto que o trabalho de  Jim Danforth e seus assistentes David W. Allen e Roger Dickens, premiados com uma indicação ao Oscar. A variedade de animais pré-históricos é bastante grande, sem falar que há uma cena em que uma das criaturas eclode do ovo de uma maneira tão bela que não surpreenderia ter saído daí a inspiração visual de Steven Spielberg quando nasce um raptor em Jurassic Park. É bem engraçado ver os selvagens correndo de seus inimigos, exibindo marcas de biquínis e sungas.

    Em 1974, não foi no cinema, mas sim na televisão que foi explorada uma das histórias mais populares sobre dinossauros que se tornou bem popular, trazida pelos irmãos Sid e Marty Krofft, exibida até 76 na TV NBC, O Elo Perdido teve 43 episódios em sua primeira versão. A história conta o dia-a-dia da família Marshall, formada  pelo pai Rick Marshall, e pelos irmãos Will e Holly. Durante uma exploração quando desciam o rio de barco foram apanhados por um terremoto e jogados num portal de tempo, parando em um mundo completamente diferente, numa terra estranha habitada por dinossauros, homens da caverna e criatura humanoides agressivas chamadas de Sleestak, com aparências de lagartos.

    No Brasil, foi exibida na Rede Globo entre 1975 e 1977 e no SBT na década de 1980 e início da década de 1990. A série tinha efeitos especiais muito pobres, com stop motion nos dinossauros, muito fundo falso (completamente desproporcional) e maquiagens artificiais, especialmente com o pequeno Cha-ka e com os Sleestak. O programa teria outros spinoffs, e uma versão para o cinema, no final dos anos 2000, com Will Ferrell.

    A Terra que o Tempo Esqueceu, de Kevin Connor (1974)

    A Terra Que o Tempo Esqueceu (The Land That Time Forgot), de Kevin Connor, de 1975, adaptava o romance de Edgar Rices Burroughs, criador de Tarzan e John Carter. Na trama, um submarino alemão afunda um navio inglês de suprimentos inglês, no meio da primeira guerra mundial, levando os sobreviventes do mesmo à bordo. A embarcação se perde e para em um uma ilha misteriosa, habitada por animais pré-históricos. Os dinossauros são feitos em stop motion, mas não tem tanto destaque dentro da trama.

    Baseado em outro romance de Burroughs, No Coração da Terra (At the Earth’s Core), também de Connor, foi lançado em 1976 e tem uma trama semelhante a de Viagem ao Centro da Terra, onde um grupo de ingleses usa uma máquina que perfura o subsolo, e encontram uma civilização da idade antiga. Connor traz um filme que é bem mais inspirado e divertido que a adaptação anterior. Muito colorido e trazendo Peter Cushing como protagonista, em uma versão muito canastrona do Dr. Abner Perry. Os dinossauros são feitos por atores usando roupas, parecida com aquelas utilizadas por monstros de seriados japoneses.

    Em Planeta dos Dinossauros, de James K. Shease vê uma ficção cientifica de baixíssimo investimento e visual retrô, onde um grupo de astronautas pousa em um planeta que se assemelha a Terra. A tripulação faz isso forçada, e logo percebem que o lugar é habitado por dinossauros e outros animais gigantes. Tanto os figurinos quanto os efeitos especiais envolvendo as criaturas são terríveis, mesmo se tratando de uma produção de 1977, e no final da contas ela causa uma impressão de graça em quem assiste, já que boa parte dos seus momentos é de pura comédia involuntária.

    Em O Último Dinossauro, também de 1977, dirigido por Alex Grasshoff e Tom Kotani, cientistas descobrem uma terra perdida dentro de uma caverna onde havia um vulcão adormecido sob uma calota de gelo polar (sim, é uma tremenda mistura de elementos). Um bilionário decide recrutar uma equipe para descobrir do que se trata esse novo mundo, que é habitado por dinossauros – em stop motion mal feito – e por humanos primitivos. A história é muito parecida com as imitações de O Mundo Perdido, e quase não acrescenta em nada ao que já foi visto nos filmes anteriores.

    O Último Dinossauro, de Alex Grasshoff e Tom Kotani (1977)

    Continuação do filme A Terra Que o Mundo Esqueceu, ainda adaptando uma história de Burroughs, que fala sobre uma ilha pré-histórica, Criaturas Que o Tempo Esqueceu é também conduzido por Kevin Connor, e foi lançado em 1977. O grande diferencial desse para o outro filme, é a personagem Ajor, vivida pela bela Dana Gillespie que está lá basicamente para ser um colírio para o público masculino. A história é boba, e de certa forma até zomba da literatura de Burroughs. Do ponto de vista estético pouco de positivo há que se acrescentar, pois nem as cenas em miniaturas condizem com o resto, quando aparecem inúmeras vezes diferenças de tonalidade e cor entre maquete e cenas em tamanho real, variando inclusive a cor de um helicóptero, em alguns pontos parecendo marrom e outros amarelo. Mistura mil elementos, como samurais, mulheres das cavernas que falam inglês, tribos indígenas e dinossauros em stop motion cujo efeitos são defasados em no mínimo 20 anos.

    O Homem das Cavernas, dirigido por Carl Gottleb , traz Ringo Starr e Dennis Quaid em divertida comédia, onde homens e mulheres primitivos tentam estabelecer comunicação, em uma trama engraçada que mistura efeitos de stop motion nos dinossauros e atores fantasiados. É um filme divertido, que não tem ambição de ser mais do que uma comédia boba com algumas boas sacadas.

    Em 1985, Bill Norton dirigiu Baby, o Segredo da Lenda Perdida (Baby, Secret of the Lost Legend), um filme infantil, cuja história se baseia em rumores de que criaturas parecidas com dinossauros viviam em algum lugar esmo no mundo. Os animais eram chamados de Mokele-mbembe e habitavam a África, e quando aparecem deixam a desejar. O filme possui uns animatrônicos que são mais convincentes quando parados, pois quando andam, parecem tratores disfarçados de dinossauros.

    Por fim, em 1988 começava uma saga em desenho animado que acabou se tornando uma franquia, Em Busca do Vale Encantado mostra um grupo de dinossauros herbívoros, que migravam para uma terra que tivesse boas condições de vida. Os animais só param para chocar os ovos que continham suas crias, então nasce Littlefoot, um “pescoçudo”, da raça brontossauro. Basicamente os filhotes das manadas se juntam para viver uma aventura que busca uma epicidade mas que não foge nada do usual, repetindo clichês dramáticos. A saga teve algumas continuações em vídeo, sendo essas ainda menos carismáticas que essa animação sentimentaloide.

    Leia: Parte 1 | Parte 3.

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  • 10 Filmes com Temáticas Feministas (Pouco Lembrados)

    10 Filmes com Temáticas Feministas (Pouco Lembrados)

    Neste 8 de Março, confira nossa lista de longas com dramas políticos, cinema marginal, lutas contra o preconceito, histórias reais e comédias escapistas.

    Nesta quinta-feira é celebrado o Dia Internacional da Mulher. Três anos atrás, algumas participantes do Vortex Cultural relembraram a importância deste dia de luta e listaram 10 filmes cujas personagens femininas tinham um traço marcante e alguma discussão sobre o gênero. Em 2018, a seleção é um pouco de resgate de alguns filmes pouco lembrados, mas ainda assim que mostram a importância do feminismo. Fight like a girl!

    (confira também nossa lista de Filmes com Personagens Femininas Marcantes).

    Possuída (Clarence Brown, 1931)

    10 anos antes da histórica independência feminina da protagonista mulher de Rosalind Russell, em Jejum de Amor, Possuída já profetizava a igualdade entre os sexos em plena década de trinta, tão à frente do seu tempo, mesmo que numa concepção estética em partes ultrapassada.

    A Mulher do Dia (George Stevens, 1942)

    Uma guerra dos sexos banhada pela comédia, pelo olhar leve do entretenimento ainda que ácido e satírico de George Stevens, mas o certo aqui é uma coisa só: Depois da presença da jornalista Tess (Katharine Hepburn, fantástica) no cinema americano, o papel das protagonistas femininas nos grandes, pequenos e médios filmes dos estúdios de Hollywood nunca mais foi o mesmo, abandonando a partir de A Mulher do Dia e outros filmes tão importantes quanto inúmeros arquétipos e conveniências que as plateias tanto se acostumaram a tomar como verdade singular, em meio às temáticas das mídias que influenciam essa tal de opinião pública.

    Joana D’Arc (Victor Fleming, 1948)

    Aqui, Ingrid Bergman se faz como o símbolo da liberdade, Joana D’Arc, encapsulando com garra, em suas diversas e poderosas significações dentro do filme, o quanto o símbolo feminino pode ser versátil nas situações compelidas a ele, equilibrando toda a sensibilidade (a flor da pele) de uma pecadora submetida a sua crença, com a força (tão infalível quanto suas estratégias militares) de uma lutadora medieval para alcançar a custosa liberdade francesa contra os ingleses, numa época que ler ou escrever não eram de forma alguma exigências às mulheres – Joana era de fato analfabeta, encontrando na ultra expressiva Bergman uma intérprete ideal.

    Mônica e o Desejo (Ingmar Bergman, 1953)

    A feminilidade jovial e naturalista (e muito mais consequente que muitos críticos acreditam) mostrada por Ingmar Bergman numa das suas maiores polêmicas, sendo essa talvez digna do pódio. Isso porque, nos anos 50, essa liberdade com a figura feminina de uma Lolita foi um escândalo.

    Carmem Jones (Otto Preminger, 1954)

    Antes de Amor, Sublime Amor afirmar (e com toda razão, como a história vem provando) que não é possível ser feliz na América se você não for branco(a), o mestre Otto Preminger pegou uma ópera e transformou (guiado pela imagem de Dorothy Dandridge, a primeira mulher afrodescendente a ganhar o Oscar de Melhor Atriz, se a premiação fosse justa) em celebração simbólica parte da identidade e da realidade negra numa América racista e machista, tudo num cinemascope lindíssimo e contando com grandes músicas, atuações e uma glorificação própria.

    Mamma Roma (Pier Paolo Pasolini, 1962)

    Uma das mais impactantes e profundas odes a mulher na história dos filmes, refletindo na história de uma mãe, a força primordial do feminino, diante de um mundo duro e conflituoso. Acima de tudo, é arte pois é cinema, é de qualidade pois é Pier Paolo Pasolini, mas é vida, pois é materno.

    A Mulher de Todos (Rogério Sganzerla, 1969)

    Primeiro que Rogério Sganzerla não fazia filmes, era esteta de manifestos filmados com uma câmera em cima do ombro através de suas vertigens criadoras que tanto inspirou o cinema brasileiro, antes de ser gourmetizado pelo marketing internacionalista dos anos 2000 pós-Cidade de Deus. Em A Mulher de Todos, nota-se o quanto o cinema marginal era absolutamente incontrolável na sua concepção incômoda às diretrizes eurocêntricas da produção cultural brasileira considerada até hoje como de bom-gosto; um bicho arredio sem rédeas e encarnado aqui pela icônica atriz Helena Ignez, e depois de proferido seu nome, não há mais nada a dizer.

    A Princesa Mononoke (Hayao Miyazaki, 1997)

    Mais uma aula honesta e soberba de cinema por Hayao Miyazaki, indo muito além dos gêneros. É incrível como seus épicos propriamente ditos parecem todos saídos do mundo de “Sonhos”, de Akira Kurosawa. É de fantástica trilha sonora e personagens vivendo esse impiedoso mundo de ação.

    A Vida, Acima de Tudo (Oliver Schmitz, 2010)

    Como a África enxerga o elemento feminino, e como sobreviver ao longo de uma narrativa invariavelmente dramática numa zona que subestima e inviabiliza sua figura o tempo todo sob as égides de um machismo intrincado, culturalmente. A Vida, Acima de Tudo é sobre isso, sobre tudo isso. Sobre uma garota, um mini-mulherão (negro) tentando apenas salvar as suas raízes.

    She’s Beautiful When She’s Angry (Mary Dore, 2014)

    Documentário feminista que resgata, com cenas de arquivo de força impressionante, uma série de relatos de uma história quase apagada pelo passar das décadas, sobre as inúmeras mulheres que fundaram um movimento social formado, e organizado, em nome dos seus direitos gerais, de 1966 a 1971; sobretudo imparcial ao peso de uma voz política subversiva e coletiva, e às atenções conquistadas, mas também as contradições existentes em todo movimento, é um documento filmado fundamental e inspirador, mesmo nos dias de hoje, para aqueles que acham que feminismo e radicalismo podem ser, apesar de tudo, sempre considerados a mesma coisa.

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  • Crítica | Acordes do Coração

    Crítica | Acordes do Coração

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    Kandinsky disse que o Artista que não exerce sua arte é um escravo preguiçoso. Repetir mecanicamente algo até esquecer que já está fazendo há horas é a vida de qualquer pessoa dedicada a seja lá o que for É essa dedicação que vemos desde a escolha do pequeno Paul Boray (John Garfield) ao violino ao invés de um taco de baseball nos primeiros minutos de Humoresque (Acordes do Coração, no Brasil). A peça de Antonín Dvořák dá título ao filme, dirigido por Jean Negulesco, e é o primeiro nome que me vem à lembrança quando penso em um romance clássico de Hollywood. Não só Joan Crawford e John Garfield estão em performances memoráveis, mas as marcantes passagens musicais conduzidas pela orquestra nem sequer são percebidas como um recurso individual: ela é uma personagem viva e forte que dá o tom e vida às relações humanas desse filme, percorrendo trechos de Tristão e Isolda de Wagner, CarmenTchaikovsky, entre outras obras interpretadas por Isaac Stern e conduzidas e compostas por Franz Waxman.

    Trata-se de uma história muito simples; o violinista Paul Boray, com o desejo de ajudar sua família, conhece a rica patrona das artes Helen Wright (Crawford), que lhe apresenta as pessoas certas e consegue a oportunidade que Paul precisava para provar ser um grande violinista. No meio de tantas coisas boas, o músico acaba se apaixonando pela forte personalidade e beleza de Helen, que é casada.

    Com diálogos afiados de ironia e cinismo, é difícil perceber que suas duas horas de duração passam como um sopro. O diretor pouco deixa a câmera passear entre as cenas ou se estender em longas tomadas em silêncio. Na verdade, Humoresque se atenta em estar dinâmico a todo momento fazendo uso de fade ins e fade outs para manter as passagens de tempo presentes na história, mas não lhes tirando o foco da mesma. Ele igualmente realça o dinamismo das cenas com certo preciosismo nas escolhas dos diálogos e gestos que cada um dos personagens mostram em suas interpretações.

    O trabalho de Oscar Levant como Sid, o pianista falastrão que possui as melhores sacadas do filme, e de todo o elenco de apoio só acrescenta na qualidade dos diálogos e na imersão que o filme produz. Paul Cavanagh, o marido de Helen, aparece em apenas três diálogos, e você compreende perfeitamente a condição de pessoa já amadurecida e sem rumo que ele transparece. O filme é todo fotografado desde seu início com certa sobriedade, que me lembra do cinema noir, principalmente pelos diálogos. Mas é na escuridão da maioria dos cenários que é possível absorver esse tipo de atmosfera, principalmente nas cenas em bares.

    Mas apesar de tudo isso, a tragédia é o maior tema desse romance impossível. Na verdade trata-se de um triângulo amoroso entre um homem, seu violino e uma mulher… e o violino vence. Artistas acabam dedicando suas vidas a fazer algo muito maior que o próprio viver, pelo simples desejo de fazer. Isso torna todas as coisas horrivelmente simples, com causa e efeito. E Joan Crawford é eternamente marcada como o mais doce sonho intocável que se esvai aos poucos, deixando suas pegadas na história do cinema com essa melodia em preto e branco.

    É certamente atemporal.

    Texto de autoria de Halan Everson.