Tag: Arthur Conan Doyle

  • Crítica | Enola Holmes

    Crítica | Enola Holmes

    Parte da mitologia que Arthur Conan Doyle empregou no seu personagem mais famoso Sherlock Holmes mora na fraternidade dele com Mycroft, o talentoso e inteligente primogênito, que segundo teorias, trabalharia para o serviço e inteligência britânica. A curiosidade sobre a natureza deste irmão sempre causou furor nos leitores da Strand Magazine. Segundo o filme de Harry Bradbeer, os dois teriam uma irmã de dezesseis anos, a bela e jovem Enola Holmes, executada aqui pela atriz em ascensão Millie Bobby Brown, a mesma que brilhou em Stranger Things.

    Já nas primeiras falas há uma quebra da quarta parede, com a personagem-título narrando sua  história, diferente de Sherlock que tinha sempre John Watson para explicar os seus feitos em forma de literatura. Enola é uma menina esperta e audaz, desde cedo incentivada por sua mãe Eudoria (Helena Bonham Carter), buscava por aventuras e não conseguia se encaixar dentro do conservadorismo relegado as mulheres na Era Vitoriana.

    O mote da história é bem simples, a matriarca Holmes desaparece, e a menina é enviada para buscar seus irmãos, que se assustam com sua falta de modos e comportamento rebelde. Como bons filhos de seu tempo, eles decidem enviá-la a uma escola de etiqueta. De fato, a misoginia era uma característica muito vista no Detetive dentro dos contos e novelas de Doyle, e por mais que não se cite é natural imaginar que Mycroft também compartilhasse dessa ideia.

    A versão que Henry Cavill e Sam Caflin fazem são retratos tão próximos da realidade e pragmatismo que não há qualquer traço de heroísmo neles, Cavill mesmo lembra pouco o personagem, tanto na escrita quanto nas versões em carne e osso. O roteiro se baseia no livro de Nancy Springer, O Caso do Marquês Desaparecido e de fato no material original essa personalidade e o apreço pela irmã são melhor trabalhados, ainda assim se nota a frieza e crueza do personagem. Talvez fosse preciso um ator com mais capacidade dramática para lidar com um papel tão complexo.

    Bradbeer pega emprestado alguns elementos da série que dirigiu (Fleabag), como por exemplo, o modo mais incisivo de metalinguagem e a coincidência óbvia do protagonismo feminino. Os predicados positivos da direção param por aí. A trama de mistério envolvendo o personagem que Enola conhece no meio do filme é bem menos interessante que o jogo que sua mãe estabeleceu consigo, e a edição super moderna ajuda a deixar o filme como algo genérico, até em comparação com o estilístico Sherlock Holmes e sua continuação Sherlock Holmes: O Jogo das Sombras, ambos de Guy Ritchie.

    A jornada de emancipação de Enola ganha contornos épicos graças a Millie Bobby Brown, que se dedica bastante ao papel, e que apesar do forçado sotaque britânico, consegue representar uma jovem audaz e que não se encaixa no conservadorismo de seu tempo. Possivelmente, sua história renderia ainda mais elogios se não fosse atrelada a um ícone pop e literário como é Sherlock, mas dentre as combalidas adaptações recentes do personagem, essa não é tão problemática, mesmo com o pouco apego ao material original.

  • Resenha | Sherlock Holmes: Um Estudo em Vermelho – Arthur Conan Doyle

    Resenha | Sherlock Holmes: Um Estudo em Vermelho – Arthur Conan Doyle

    É fato que Sherlock Holmes, criação máxima de Arthur Conan Doyle no séc. XIX, consagrou-se há muito como um dos personagens mais populares e interessantes da literatura ocidental. Não apenas graças a seu clássico bordão (“Elementar, meu caro Watson!”) e seu inigualável faro detetivesco, Doyle conseguiu a incrível façanha de tornar sua figura icônica, tipicamente londrina e vitoriana, o sinônimo real do próprio gênero que se encaixa perfeitamente bem, e ajudou a aprimorar com suas aventuras. Afinal, as histórias policiais, cheias de reviravoltas e pistas soltas compondo um quadro (aparentemente) não solucionável nunca mais seriam as mesmas. Não após Holmes e seu fiel escudeiro saírem as ruas com suas lupas, cachimbos e um fiel poder de dedução que a dupla sempre expressa, em cada um de seus já famosos contos clássicos, em um quase sem-número de romances de Doyle. Este é como tudo começou.

    E da forma mais natural, possível, já que Holmes e Sherlock aceitam dividir o mesmo apartamento numa Londres sombria, em pleno ano de 1878. Narrado em primeira pessoa pelo próprio John Watson, o homenzinho que cai de balão nas peripécias de Holmes, Watson estava apenas a procura de moradia para realizar um curso na área de medicina, no que lhe é avisado por um conhecido sobre uma possível oferta. Assim, testemunhamos em Um Estudo em Vermelho o primeiro encontro desta dupla, além de sua primeira interação sobre ideias díspares, e assuntos um tanto exóticos, mas banais para a mente ardilosa de Holmes. Através das palavras de seu companheiro, notamos que, na absoluta consequência de se morar com um perito em investigação e que sabe tudo (e mais um pouco) sobre criminologia, anatomia humana e química, Watson se vê às voltas com as teorias de seu novo amigo, e quando percebe, ambos já estão diante do crime mais bem elaborado que a polícia Londrina já teve acesso.

    Na mais normal das casas, um cadáver jaz com a mais assombrosa das impressões, enquanto vestígios do sangrento e violento crime tentam tornar tudo muito mais complicado do que parece. Neste misterioso cenário de morte urbana, repleto de pistas falsas e desinformação para os assassinatos que sempre explodem numa cidade grande, Sherlock Holmes ganha as oportunidades perfeitas para provar para Watson, tão admirado pela sua ciência da dedução quanto nós, seus leitores, e a todos os seus aliados da polícia que contam com ele para averiguar os suspeitos, tudo o que o torna o melhor e mais astuto detetive que uma trama literária pode se dar ao luxo de ter. Esse é um dos personagens que simplesmente não cansamos de seguir, conhecer seus pontos fortes e fracos, seus triunfos e contradições, e nos deliciar em suas aventuras, percebendo inclusive que nem toda teoria é perfeita, e até os mais inteligentes erram quando outra inteligência tão afiada quanto trabalha contra a primeira.

    Na condução frenética de uma história arquitetada, ponto a ponto, afim de nos amarrar cada vez mais forte a seus detalhes, e seus grandes acontecimentos sempre envolvendo a dupla principal, em sua incessante caçada aos culpados pelo crime que se mostra mais custoso do que Sherlock julga num primeiro momento, o mestre Arthur Conan Doyle dá vez a um estilo próprio de grande requinte na prosa, e extremamente hipnótico de se focar sobretudo no desenrolar dos fatos, como se tudo fosse um motivo para uma nova perspectiva sobre um caso que, muitas vezes, parece ser indecifrável. A publicação no Brasil pela editora Zahar ainda conta com espetaculares e educativas notas sobre os detalhes originais de Um Estudo em Vermelho, enriquecendo ainda mais o contexto da história, suas influências e pormenores, além de setenta pequenas ilustrações originais a potencializar, agora visualmente, o rico e fascinante universo de Watson, Sherlock e seu violino, o amado instrumento que conjurava o milagre de relaxar uma mente tão ativa, e labiríntica. Em suma: uma joia essencial para qualquer estante.

    Compre: Um Estudo em Vermelho – Arthur Conan Doyle.

    Facebook – Página e Grupo | TwitterInstagram | Spotify.

  • Os Dinossauros e o Cinema – Parte 3

    Os Dinossauros e o Cinema – Parte 3

    Dando continuidade a nossa série de textos sobre os dinossauros no audiovisual, em 1991 estreou Família Dinossauro, que retratava a história de Dino, seus três filhos, esposa e sogra, além de seu emprego maçante, que só exerce para ter como pagar suas contas, onde basicamente recebe para desmatar uma floresta. A comédia mostra os dinossauros como seres inteligentes antes dos humanos, e como os homens depredam tudo, inclusive levando a existência para algo que em breve deve se findar. A série contou com 43 episódios, e foi criada por Michael Jacobs e Bob Young, em parceria da Disney com a The Jim Henson Company. Seu fim é discutido até hoje, por conta do cunho ecológico e o denuncismo existente.

    Em 1993, tudo mudou com a chegada do clássico moderno de Steven Spielberg: Jurassic Park: O Parque dos Dinossauros. Nos primeiros minutos do filme é mostrado um dinossauro comendo um dos funcionários do parque, deixando claro que apesar de ser voltado para crianças, ainda existe elementos de terror no longa. Na adaptação, há um enfoque em Alan Grant (Sam Neil), e não em Ian Malcolm (Jeff Goldblum) como no livro de Michael Crichton. Ao tocar o tema musical de John Williams é impossível ficar indiferente, da mesma forma que ocorre com a primeira cena em que o brontossauro aparece.

    A continuação, também baseada em um livro de Michael CrichtonO Mundo Perdido: Jurassic Park começa na Ilha Sorna, chamado de Sítio B. Os dinossauros deveriam ter morrido, por conta da necessidade de lisina, a que foram acometidos quando criados, mas sobreviveram. Hammond (Richard Attenborough) convoca Malcolm, para liderar uma equipe que fotografará a ação dos dinossauros, provando que eles estão vivos, basicamente para pedir ajuda governamental na preservação do local, já que até a sua empresa, a Ingen, está prestes a ser retirada do seu poder. Malcolm se recusa, e acusa John de ter mudado de capitalista para ambientalista em 4 anos, no entanto, acaba mudando de ideia ao saber que sua namorada Sarah (Julianne Moore) está na Ilha.

    A primeira cena do filme mostra um incidente com uma garotinha, a filha de um magnata, e essa situação foi usada para tirar o velho Hammond do comando de sua empresa, os investidores mandaram um grupo de caça, e a partir daí o filme ganha uma licença poética para se tornar um épico de ação, com mais cenas de chuva (como o primeiro), ações com o filhote de tiranossauro e sequências maravilhosas. Por mais que o filme tenha deixado de ser fantasioso  para os núcleos familiares, esse é um roteiro que fala de clã e da necessidade de se sentir pertencente a um grupo.

    O Mundo Perdido: Jurassic Park, de 1997, dirigido por Steven Spielberg

    A robótica Stan Winston garantiu mais cenas com os T-Rex em detalhes grandiosos, e o final que emula o romance de Arthur Conan Doyle é sensacional. É lamentável a recepção ruim que boa parte do público teve com este filme, na verdade ele lembra bastante o exercício que James Cameron fez com duas continuações que comandou, Aliens e O Exterminador do Futuro 2, mudando de Terror para Ação em ambos. Aqui obviamente que se mudou de outros gêneros, de fantasia e aventura para uma ação mais frenética, e ainda contém momentos bastante épicos, diferente demais do que aconteceria em Jurassic Park 3, comandada por Joe Johnston, lançado em 2001.

    A história se passa na mesma Ilha Sorna, e Alan Grant (Sam Neil) volta, enganado por dois empresários. Talvez o maior problema seja a mudança do antagonismo principal, já que o Espinossauro apesar de ser maior e mais agressivo, claramente não tem o mesmo carisma do outro dinossauro, e esse “erro” foi de certa forma repetido em Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros, ainda que ali tenha sido melhor explorado. Ainda assim, o filme de Johnston tem seus momentos. A tensão é bem construída e fora as piadinhas com os personagens que contratam Grant, é divertido acompanhar o protagonista do primeiro filme novamente.

    Ainda em 1993, Steven Spielberg produziu um longa animado, através da Amblin Entertainment, Os Dinossauros Estão de Volta, uma animação divertida sobre quatro dinossauros que viajam pelo tempo e fazem amizade com duas crianças, que mais tarde, tentam ajuda-los eles a fugirem para o seu lugar de origem. A animação é comandada por Dick ZondagRalph ZondagPhil NibbelinkSimon Wells e cada um deles esteve envolvidos em obras seminais, desde Balto e Fievel, até o filme da Disney Dinossauro. O longa explora o lado lúdico dos Dinossauros, tornando as figuras de Jurassic Park algo mais próximo do universo infantil.

    O filme que tenta traduzir o jogo Super Mario Bros também tem dinossauros. A premissa inclusive trata disso, mostrando que o meteoro que teria matado os dinossauros, na verdade divide a realidade em duas, e Koopa (ou Bowser) vivido por Dennis Hooper tenta raptar a princesa de sua dimensão, Daisy (Samantha Mathis), que seria a chave para unir os dois mundos. Daisy é arqueóloga, o que a faz se aproximar da ideia dos dinossauros. Na realidade onde Koopa vive, os dinossauros evoluem para humanos, e o mundo é desolado, um deserto que só tem uma cidade grande, que é Koopa City, onde o vilão é o soberano. O boneco que faz o Yoshi é até bem feito, e foi executado antes de Jurassic Park, e ele até usa a língua, como nos jogos, mas a transformação do inimigo em T-Rex é risível, e claramente é uma vergonha para todo elenco ter participado desse filme, inclusive para Bob Hoskins e John Leguizamo, que fazem Mario e Luigi.

    Em 1993, Annabel Jankel e Rocky Morton dirigiram a terrível adaptação Super Mario Bros

    A partir de 1993, houve uma trilogia produzida por Roger Corman, chamada de Carnossauro, em que basicamente se mostrava uma figura reptliana que ao consumir carne ia crescendo com o tempo. Em 1995, Louis Morneau dirigiu a continuação, Carnossauro 2. Esta versão tem 82 minutos, e demora-se demais para finalmente aparecer o tal vilão, com mais de meia hora decorrido de filme, sendo esse uma figura parecida com um velociraptor terrivelmente mal feito. Esse segundo capítulo é monótono, com praticamente um cenário fechado que tenta reunir diversos clichês. Há um tiranossauro que aparece no final, basicamente para relembrar a proximidade dessa saga com Jurassic Park.

    Somente em Carnossauro 3, ou Criaturas do Terror como foi chamado no Brasil, existe uma explicação melhor de como funcionam os carnossauros, que emulam características de algumas espécies do animal. Esse terceiro longa é basicamente igual aos anteriores, só estava lá para tentar angariar pessoas que queriam mais aventuras como as de Spielberg. O curioso é a que a trilogia foi concluída em dezembro de 1996, antes mesmo do lançamento de O Mundo Perdido: Jurassic Park, em maio de 1997.

    Em 1994, levando em conta o sucesso não só de Jurassic Park mas também de Família Addams (1992), foi realizado Os Flintstones: O Filme, com um elenco repleto de astros e bons atores. A adaptação do desenho clássico de 1960 ocorreu em uma parceria entre a Amblin e a Hanna-Barbera e o escolhido para a tarefa de direção foi Brian Levant. A história começa com o plano maligno de um homem ganancioso, e logo depois mostra-se uma cena que faz lembrar a abertura clássica, com o apito da pedreira tocando e Fred (John Goodman) descendo e encontrando seu amigo Barney (Rick Moranis). A primeira cena do filme mostra um brontossauro trabalhando. Nesse momento é claramente um robô que faz a cena, mas quando se trata de mostrar o pet da família, Dino, sua realização é toda por  computação gráfica, e os efeitos são quase perfeitos, aliás toda a atmosfera que Levant traz é muito condizente com a do seriado animado, desde as gags visuais, até a amizade inabalável de Fred e Barney.

    O começo do filme, as caracterizações e sacadas são muito boas, mas a ideia central do roteiro e o final carecem de uma qualidade maior, semelhante ao resto, mas ainda assim é um filme bem digno, em especial se comparado a outras animações baseadas em desenhos, ainda que Dino merecesse um pouco mais de participação na trama, como era no desenho. Em 2000, lançaram Os Flintstones em Viva Rock Vegas, que é uma continuação/prequel também conduzida por Levant, e que não leva praticamente ninguém do elenco original, exceto um ou outro figurante, e apesar de tudo, não chega a ser um filme terrível, embora perverta boa parte dos bons conceitos do filme anterior, em especial no Barney de Stephen Baldwin, que é um imbecil.

    Cena de Os Flintstones: O Filme, de 1994, adaptação de Brian Levant do desenho animado da Hanna-Barbera

    Já em 1995, Jonathan Betuel dirigiu Meu Parceiro é um Dinossauro, e na trama mostra um futuro alternativo, onde dinossauros foram recriados por engenharia genética, e vivem com os humanos. A policial Katie Coltrane (Whoopi Goldberg) ganha um novo companheiro, chamado Theodore. O visual dos animais pré-históricos lembram muito o utilizado em Família Dinossauro, mas o filme em si tem quase nenhuma graça. Isso foi em 1995, em 1999 mais uma vez O Mundo Perdido foi adaptado, agora para a televisão. Durou três temporadas, tendo mais de sessenta episódios. Os efeitos evidentemente deixavam a desejar, mas era uma diversão juvenil descompromissada, em especial para as crianças brasileiras que assistiam na Record. Obviamente que tinha um certo apelo sexual, em especial com a personagem Veronica (Jennifer O’Dell), que parecia um Tarzan feminina, sempre de biquíni de tanga.

    1998 foi a vez do telefilme Gargantua, sobre uma ilha na Polinésia, onde ocorrem atividades sísmicas estranhas, incluindo diversos afogamentos, que alegam ser obra de uma espécie de anfíbio, aparentemente, de tamanho gigante. As criaturas se assemelham demais a dinossauros, mas são mostrados com efeitos visuais terríveis, e o filme não passa de uma Sessão da Tarde terrivelmente mal pensada.

    Em 2000, a Disney lançou Dinossauro, uma animação divertida e aventuresca, com um caráter muito parecido com o de Rei Leão. Lançado para TV, Dinotopia é uma minissérie conduzida por Michal Bramblia, o mesmo diretor de O Demolidor filme com Sly e Wesley Snipes. Na trama, conhecemos a história de dois irmãos que viajam com seu pai e acabam parando em um lugar estranho, onde homens e dinossauros vivem em harmonia e parceria. O especial tenta ser lúdico, mas tem uma história enfadonha e que causa bastante sono em quem a acompanhou, passava aqui no Brasil no SBT e contém um elenco cheio de rostos conhecidos, como David  Thewlis, Colin Salmon, Jim Carter, Wentworth Miller, Geraldine Chaplin e outros, mas tanto o elenco quanto os dinossauros são bem sub-aproveitados, já que não há quase conflito nenhum e o discurso excessivamente politicamente correto também faz todo o drama em volta da minissérie desimportante.

    Dinotopia, minissérie de 2002, que propunha uma sociedade onde humanos e dinossauros conviviam pacificamente

    Como parte dos filmes e séries mais recentes, pode-se destacar o terrível O Som do Trovão, um longa dirigido por Peter Hyams. A história é baseada levemente em um conto de Ray Bradbury, mas sua execução é ruim em um nível inaceitável. Uma empresa presta serviços de viagem no tempo a quem pode pagar muito, levando os endinheirados ao passado para matar um dinossauro que já morreria sem interferência dos mesmos, o problema é que essas viagens tem de ocorrer muito protocolarmente, sem alteração nenhuma, se não todo o futuro mudará.

    A ideia, apesar de um pouco absurda, não é de todo mal, mas a execução… a maior parte dos cenários parece ter sido retirada de um show de horrores, se assemelhando demais as fitas de ficção cientifica da Asylum ou do canal Syfy, e o filme de 2005 ainda possui um elenco recheado de atores que em breve estariam em alta ou que já estiveram, como Ben Kingsley, David Oyelowo, Catherine McCormack, Corey Johnson. Ainda assim, o maior enfoque parece mesmo o de fazer um dos efeitos de computação gráfica mais mal feitos da história recente do cinema. Sequer o dinossauro que aparece é risível e não causa espécie em quem está vendo, completamente esquecível.

    Em 2008, houve uma outra versão do livro de Jules Verne, Viagem ao Centro da Terra: O Filme é conduzido por Eric Brevig, mostrando o (na época) astro Brendan Fraser vivendo o cientista malfadado Trevor Anderson, tentando provar suas teorias. Já aparecem dinossauros no início do filme, em uma espécie de epilogo, antes mesmo da ação começar, mostrando o que aconteceu a Max (Jean Michel Paré), irmão do personagem principal, que desapareceu. A vida do sujeito é bagunçada e ele recebe a visita de seu sobrinho, Sean (Josh Hutcherson),e ele vem junto com uma caixa de pertences do pai de Sean.

    O livro de Verne existe no universo do filme, ou seja, serve de inspiração para os personagens, além de obviamente ser baseado no romance. As anotações em uma cópia barata do livro os levam a um novo paradeiro, decidindo viajar até os pontos do mundo onde a pesquisa dele levou. Há todo um grupo de fãs do escritor que acreditam que o que o autor falava era realidade. As cenas de computação gráfica usada nos dinossauros são fraquíssimas, em especial, envolvendo um T-Rex, o que é no mínimo lamentável. Em 2012 houve uma continuação, Viagem 2: A Ilha Misteriosa, em que se mudou o diretor e Fraser foi trocado The Rock, mas esse não possui dinossauros, e é baseado em outra obra de Verne.

    Em A Era do Gelo 3, ainda sob a tutela do diretor Carlos Saldanha, Sid, Diego e Manny se deparam com seres que aparentemente já estariam extintos. Lançado em 2009, o filme era ainda um exemplar decente da franquia, antes de se tornar totalmente desprezível. O longa mostra a preguiça encontrando três ovos, que se revelam ser de tiranossauro. O mamute inclusive cita que os T-Rex deveriam estar extintos, mas há um vale onde os dinossauros vivem em paz e isolados. O problema seria dali para frente, onde até a suspensão de descrença ultrapassaria seus limites.

    A Era do Gelo 3 (2009), de Carlos Saldanha, introduziu dinossauros na franquia

    Ainda em 2009, como parte da tentativa de fazer filmes remakes de séries famosas, Brad Silberling conduziu O Elo Perdido, tendo Will Ferrell no papel principal. O filme pega emprestado a mitologia do seriado para ser mais um show de Ferrell, e apesar de fazer muita piada com os clichês do programa, é extremamente reverencial, e repleto de piadas que desconstroem o conservadorismo típico das comédias típicas dos anos 1990/2000. Seu final é um pouco complicado, e o filme não deu o retorno esperado ao estúdio, mas é bem mais que um filme bobo. Bastante subestimado, na verdade.

    Caminhando com Dinossauros foi um filme em 3D de 2013, dirigido por Barry Cook e Neil Nightingale. Ele conta com uma introdução mostrando humanos chegando a um lugar esmo, para logo depois mostrar animais falantes, que recontam histórias com dinossauros do período cretáceo, que são obviamente dublados, contendo voz de famosos como Leguizamo e Justin Long. O filme é baseado num programa de TV que fez sucesso, e tem um tom lúdico, mas não fez muito sucesso além do público infantil. Visualmente o filme é interessante, mas a historia é boba e superficial, sem grandes atrativos para o público mais velho.

    Assim também é o filme da Pixar O Bom Dinossauro, de Peter Sohn. A história acompanha o frágil Arlo, um pequeno filhote de apatossauro que vive com a sua família, que por sua vez, cultiva uma fazenda de leguminosas. Nessa realidade, o asteróide que teria acertado a Terra desviou do planeta, dessa forma homens e dinossauros coexistiram. Apesar de lidar com sentimentos de perda e orfandade, em comparação com outros filmes da Pixar, o longa é fraco, rivalizando com Carros, suas sequências e Procurando Dory, como produto menos elogiável.

    Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros deu um novo fôlego para a franquia e para a exposição dos dinossauros no cinema, e apesar de não ter sido um primor de história, ajudou a tornar o assunto popular novamente. Nesse meio tempo, a Asylum e outras companhias semelhantes fizeram diversos filmes de baixo orçamento com dinos. Um pior que o outro. Depois de Jurassic World, de Colin Trevorrow, a continuação que J.A. Bayona trouxe, em Jurassic World: O Reino Ameaçado ajuda a resgatar um tipo de cinema como os das matinês, onde o espectador ia ávido por assistir filmes onde o escapismo imperava e os personagens eram afortunados unicamente por terem uma existência capaz lidar com acontecimentos grandiosos, que fogem do ordinário, e tudo por conta do encontro com criaturas de proporções dantescas, o mesmo fascínio que encantou Doyle, Burroughs, Crichton, O’Brien e Spielberg, além é claro do espectador, que certamente age como as crianças que encontraram o brontossauro na árvore, no clássico Jurassic Park, se encantando com as criaturas que já reinaram sobre a Terra.

    Leia: Parte 1 | Parte 2.

    Facebook – Página e Grupo | Twitter Instagram.

  • Os Dinossauros e o Cinema – Parte 2

    Os Dinossauros e o Cinema – Parte 2

    No início da década de sessenta, a Universal trouxe A Volta ao Mundo Pré-Histórico, baseado na ideia de Jack H. Harris, o filme mostra uma história de uma expedição marítima em que engenheiros encontram um Tiranossauro, um Brontossauro e um homem das cavernas congelados no fundo do mar. Os três são levados para a superfície e são descongelados com a ação do tempo. Um raio cai na praia e magicamente faz os três ressuscitarem, em uma época em que era muito comum raios despertarem vida – na verdade, até antes dos clássicos do Monstro de Frankenstein. O filme mostra uma união de forças entre os humanos habitantes da ilha, o brontossauro e o homem primitivo contra o tiranossauro, mas apesar da proposta ambiciosa, o filme pouco ousa, em especial no seu final, com todos os personagens gargalhando em frente a uma bela paisagem.

    Ainda em 1960, houve outra versão de O Mundo Perdido, dessa vez em cores, comandado por Irwin Allen, que também dirigiu O Milagre da Vida (Animal World), um documentário sobre o mundo na época dos dinossauros, além de ser o criador do clássico Perdidos no EspaçoTerra de Gigantes Viagem ao Fundo do Mar. Essa versão tem como foco a exploração no amor impossível do repórter Ed Malone, vivido por David Hedison. Allen era bastante acostumado a conduzir filmes onde o fantástico era a tônica. Aqui ele também faz uso das famigeradas iguanas como dinossauros, mas usa stop motion nas cenas em que não há close nas criaturas, o que soa claramente mais honesto. Há também criaturas insetoides gigantes, com efeitos em neon, em atenção as figuras que existem no livro de Arthur Conan Doyle. Infelizmente essa versão começa bem, mas termina de maneira genérica, com todos felizes em meio a um ambiente desolado, sem perspectivas de saída mas ainda assim, alegres por estarem juntos.

    Gorgo, de Eugéne Lourié é um filme de 1961, que se passa na costa da Irlanda, onde ocorreu uma erupção vulcânica, e propiciou a vinda de um réptil anfíbio de 20 metros de altura, que recebe o nome do filme. Lourié evolui o quadro que já tinha estabelecido em O Monstro do Mar, inclusive colocando cenas de ação em pleno oceano, muito bem produzidas, agravando o perigo ao trazer a criatura para o mundo civilizado, colocando-a como uma mera atração expositiva, deixando claro o quão mesquinha e monstruosa pode ser a atitude humana.

    Gorgo, de Eugène Lourié (1961)

    Reptilicus tem uma história curiosa por trás, pois foi filmado por dois diretores diferentes e lançado de forma semelhante em dois países. A versão da Dinamarca teve condução de Poul Bang, e chegou em fevereiro de 1961, já nos Estados Unidos foi feita por Sidney W. Pink, e praticamente o mesmo elenco estava em ambas as versões, foi lançada em 1962. A historia é bastante simples e consiste na descoberta de um pedaço de carne, por mineradores dinamarqueses,  e ao ser analisado por especialistas, descobre-se se tratar de uma cauda de um animal pré-histórico.

    Um descuido acontece na sala de refrigeração onde o rabo está e aos poucos a parte do corpo começa a se regenerar. A grande questão é que o retorno da criatura não possui qualquer maior atenção a esse aspecto do texto, Reptilicus simplesmente volta assim, sem mais nem menos. Os estragos feitos pelo monstro vão de fragatas a navios derrubados, mas que acabam não sendo mostrados, já que a câmera chega depois do acontecido. Quase nada funciona, nem as miniaturas, telas verdes – sofríveis ao extremo – ou os efeitos, como a gosma verde lançada pelo bicho.

    Filme britânico lançado em 1966, Mil Séculos Antes de Cristo é uma produção da Hammer Films, a mesma que fazia os filmes de horror do Drácula com Christopher Lee e Peter Cushing, por sua vez, o diretor Don Chaffrey refilma o já citado O Despertar do Mundo, dessa vez em cores, misturando cenas com animais fingindo serem dinossauros com os efeitos especiais de Ray Harryhausen. Há uma narração no início, mas o restante do filme é quase sem falas, já que os homens ainda não tem capacidade de comunicação oral neste momento.

    Mil Séculos Antes de Cristo, filme da Hammer dirigido por Don Chaffey (1966)

    Tal qual outros filmes da Hammer, esse também não faz cerimônia em exibir suas belas atrizes diante da câmera, chega a ser engraçado o quanto a câmera faz questão de explorar a beleza de Raquel Welch. No entanto, o clímax fica por conta da luta entre feras, com uma animação em stop motion fenomenal de Harryhausen.  Talvez o único senão seja o tamanho dos humanos em relação aos dinossauros, que parecem ser ligeiramente maiores que os homens, além do mesmo problema do original, em colocar ambas criaturas na mesma faixa temporal.

    Houve um produto de qualidade duvidosa e pano de fundo curioso ainda nos anos sessenta, chama-se Viagem ao Planeta das Mulheres Pré-Históricas, lançado em 1968, por Derek Thomas, que na verdade era Peter Bogdanovich com um pseudônimo. A história lembra muito um episódio de Star Trek ou Twilight Zone, mas com qualidade de roteiro quase zerada. A trama basicamente consiste em um grupo de astronautas que descem em Vênus e encontram um planeta ocupado por mulheres e por pterodátilos. Mamie Van Doren é o principal nome no elenco feminino, ela tem poderes psíquicos e tenta matar os invasores, que conseguem escapar. O filme foi produzido por Roger Corman, e tem um orçamento diminuto, péssimos efeitos especiais e muito momentos engraçados. Ele é livremente baseado em uma ficção cientifica soviética chamada Planeta Bur, de Pavel Klushantsev.

    O Vale Proibido (The Valley of Gwangi) foi um filme de Jim O’Connolly que reúne elementos de western, fantasia e ficção cientifica. A trama se passa na virada do século XIX para o XX, com um grupo de homens dos Estados Unidos encontrando um lugar próximo do México onde aparentemente vivem criaturas da pré-história. Gwangi (do título original) é uma palavra nativa americana que significa “lagarto”, e visa falar sobre obviamente as figuras pré-históricas. Mais uma vez o mote da exploração dos dinossauros é a ganância dos homens, que querem lucrar a absolutamente a qualquer custo, utilizando os animais para isso.

    Houve em 1970 um filme sobre um elo perdido, chamado Trog, o Monstro da Caverna, de Freddie Francis, e que contava com a participação de Joan Crawford no elenco. Tecnicamente não aparecem dinossauros em sua trama, somente em uma lembrança do personagem resgatado, que ao ter seus sonhos revisados pelos cientistas, vê dinossauros se movendo e lutando, como em um rememorar da história, e lá são usadas as figuras tradicionais de stop motion. No mesmo ano, foi lançado pela Warner em parceria com a Hammer Films, Quando os Dinossauros Dominavam a Terra (When Dinosaurs Ruled the Earth), mais uma obra da produtora que visava colocar mulheres como protagonistas sexuais da pré-historia, como já haviam sido em outros filmes seus. A trama mostra uma tribo de primitivos que sacrificam três mulheres loiras, com uma delas caindo de um penhasco na água, milagrosamente sobrevivendo e tendo a partir dali uma nova existência, bem diferente da que teria onde sempre viveu.

    Quando os Dinossauros Dominavam a Terra, outro filme produzido pela Hammer (1970)

    Nesta versão o maior dos méritos certamente vai para os efeitos visuais, tanto que o trabalho de  Jim Danforth e seus assistentes David W. Allen e Roger Dickens, premiados com uma indicação ao Oscar. A variedade de animais pré-históricos é bastante grande, sem falar que há uma cena em que uma das criaturas eclode do ovo de uma maneira tão bela que não surpreenderia ter saído daí a inspiração visual de Steven Spielberg quando nasce um raptor em Jurassic Park. É bem engraçado ver os selvagens correndo de seus inimigos, exibindo marcas de biquínis e sungas.

    Em 1974, não foi no cinema, mas sim na televisão que foi explorada uma das histórias mais populares sobre dinossauros que se tornou bem popular, trazida pelos irmãos Sid e Marty Krofft, exibida até 76 na TV NBC, O Elo Perdido teve 43 episódios em sua primeira versão. A história conta o dia-a-dia da família Marshall, formada  pelo pai Rick Marshall, e pelos irmãos Will e Holly. Durante uma exploração quando desciam o rio de barco foram apanhados por um terremoto e jogados num portal de tempo, parando em um mundo completamente diferente, numa terra estranha habitada por dinossauros, homens da caverna e criatura humanoides agressivas chamadas de Sleestak, com aparências de lagartos.

    No Brasil, foi exibida na Rede Globo entre 1975 e 1977 e no SBT na década de 1980 e início da década de 1990. A série tinha efeitos especiais muito pobres, com stop motion nos dinossauros, muito fundo falso (completamente desproporcional) e maquiagens artificiais, especialmente com o pequeno Cha-ka e com os Sleestak. O programa teria outros spinoffs, e uma versão para o cinema, no final dos anos 2000, com Will Ferrell.

    A Terra que o Tempo Esqueceu, de Kevin Connor (1974)

    A Terra Que o Tempo Esqueceu (The Land That Time Forgot), de Kevin Connor, de 1975, adaptava o romance de Edgar Rices Burroughs, criador de Tarzan e John Carter. Na trama, um submarino alemão afunda um navio inglês de suprimentos inglês, no meio da primeira guerra mundial, levando os sobreviventes do mesmo à bordo. A embarcação se perde e para em um uma ilha misteriosa, habitada por animais pré-históricos. Os dinossauros são feitos em stop motion, mas não tem tanto destaque dentro da trama.

    Baseado em outro romance de Burroughs, No Coração da Terra (At the Earth’s Core), também de Connor, foi lançado em 1976 e tem uma trama semelhante a de Viagem ao Centro da Terra, onde um grupo de ingleses usa uma máquina que perfura o subsolo, e encontram uma civilização da idade antiga. Connor traz um filme que é bem mais inspirado e divertido que a adaptação anterior. Muito colorido e trazendo Peter Cushing como protagonista, em uma versão muito canastrona do Dr. Abner Perry. Os dinossauros são feitos por atores usando roupas, parecida com aquelas utilizadas por monstros de seriados japoneses.

    Em Planeta dos Dinossauros, de James K. Shease vê uma ficção cientifica de baixíssimo investimento e visual retrô, onde um grupo de astronautas pousa em um planeta que se assemelha a Terra. A tripulação faz isso forçada, e logo percebem que o lugar é habitado por dinossauros e outros animais gigantes. Tanto os figurinos quanto os efeitos especiais envolvendo as criaturas são terríveis, mesmo se tratando de uma produção de 1977, e no final da contas ela causa uma impressão de graça em quem assiste, já que boa parte dos seus momentos é de pura comédia involuntária.

    Em O Último Dinossauro, também de 1977, dirigido por Alex Grasshoff e Tom Kotani, cientistas descobrem uma terra perdida dentro de uma caverna onde havia um vulcão adormecido sob uma calota de gelo polar (sim, é uma tremenda mistura de elementos). Um bilionário decide recrutar uma equipe para descobrir do que se trata esse novo mundo, que é habitado por dinossauros – em stop motion mal feito – e por humanos primitivos. A história é muito parecida com as imitações de O Mundo Perdido, e quase não acrescenta em nada ao que já foi visto nos filmes anteriores.

    O Último Dinossauro, de Alex Grasshoff e Tom Kotani (1977)

    Continuação do filme A Terra Que o Mundo Esqueceu, ainda adaptando uma história de Burroughs, que fala sobre uma ilha pré-histórica, Criaturas Que o Tempo Esqueceu é também conduzido por Kevin Connor, e foi lançado em 1977. O grande diferencial desse para o outro filme, é a personagem Ajor, vivida pela bela Dana Gillespie que está lá basicamente para ser um colírio para o público masculino. A história é boba, e de certa forma até zomba da literatura de Burroughs. Do ponto de vista estético pouco de positivo há que se acrescentar, pois nem as cenas em miniaturas condizem com o resto, quando aparecem inúmeras vezes diferenças de tonalidade e cor entre maquete e cenas em tamanho real, variando inclusive a cor de um helicóptero, em alguns pontos parecendo marrom e outros amarelo. Mistura mil elementos, como samurais, mulheres das cavernas que falam inglês, tribos indígenas e dinossauros em stop motion cujo efeitos são defasados em no mínimo 20 anos.

    O Homem das Cavernas, dirigido por Carl Gottleb , traz Ringo Starr e Dennis Quaid em divertida comédia, onde homens e mulheres primitivos tentam estabelecer comunicação, em uma trama engraçada que mistura efeitos de stop motion nos dinossauros e atores fantasiados. É um filme divertido, que não tem ambição de ser mais do que uma comédia boba com algumas boas sacadas.

    Em 1985, Bill Norton dirigiu Baby, o Segredo da Lenda Perdida (Baby, Secret of the Lost Legend), um filme infantil, cuja história se baseia em rumores de que criaturas parecidas com dinossauros viviam em algum lugar esmo no mundo. Os animais eram chamados de Mokele-mbembe e habitavam a África, e quando aparecem deixam a desejar. O filme possui uns animatrônicos que são mais convincentes quando parados, pois quando andam, parecem tratores disfarçados de dinossauros.

    Por fim, em 1988 começava uma saga em desenho animado que acabou se tornando uma franquia, Em Busca do Vale Encantado mostra um grupo de dinossauros herbívoros, que migravam para uma terra que tivesse boas condições de vida. Os animais só param para chocar os ovos que continham suas crias, então nasce Littlefoot, um “pescoçudo”, da raça brontossauro. Basicamente os filhotes das manadas se juntam para viver uma aventura que busca uma epicidade mas que não foge nada do usual, repetindo clichês dramáticos. A saga teve algumas continuações em vídeo, sendo essas ainda menos carismáticas que essa animação sentimentaloide.

    Leia: Parte 1 | Parte 3.

    Facebook – Página e Grupo | Twitter Instagram.

  • Os Dinossauros e o Cinema – Parte 1

    Os Dinossauros e o Cinema – Parte 1

    O passado sempre fascinou a raça humana, e boa parte da arte que o homem faz remete a esse tempo que jaz inalcançável, e parte dessa obsessão explica um dos temas mais comuns no cinema de aventura, ação, e até horror, que normalmente lota salas de cinema ao redor do mundo. Desde muito antes de Steven Spielberg trabalhar em Jurassic Park: O Parque dos Dinossauros e O Mundo Perdido: Jurassic Park, já haviam outras tantas obras que tratavam do tema, algumas com mais conhecimento, outras com menos.

    Obviamente, deixarei de lado a franquia japonesa Gojira/Godzilla, pois ela merece uma análise própria, e trata mais de atomic horror do que o fascínio pelas criaturas que um dia tomaram o topo da cadeia alimentar pelo planeta. O primeiro filme digno de nota é em preto e branco, mudo e de curta duração, em torno de 12 minutos, chamado Gertie: O DinossauroWinsor McCay dá luz a obra, misturando um estilo que já lhe era comum, que é a animação em cenas com atores reais, onde um grupo de homens discutem em um museu, e em determinado ponto, aparece a animação que mostra Gertie, uma animal que faz lembrar o dinossauro hoje conhecido como Brontossauro vivendo seus dias, com participações de outros seres de períodos mais antigos, ainda que não haja preocupação com pesquisa histórica, até porque este é um filme lúdico e escapista somente, uma comédia leve que visava mostrar a capacidade de McCay em animar.

    Gertie: O Dinossauro, de Winsor McCay (1914)

    Há outras obras da época do cinema mudo, em especial onde Willis H. O’Brien está envolvido como The Dinosaur and the Missing Link: A Prehistoric Tragedy que foi lançado pelos estúdio de Thomas Edison em 1917. Ele mostra um homem das cavernas tentando agradar uma fêmea, e no meio dessa tentativa, se depara com um dinossauro, que o atrapalha. É bem curto, tem um tom de comédia ainda mais acentuado que Gertie, mas a passagem pelo animal antigo é bem rápida. Ainda em 1917, Prehistoric Poultry brinca com as semelhanças entra galinhas e dinossauros, é bem curtinho e mostra uma figura muito semelhante à ave que serve de alimento ao homem agindo na época antiga, conceito esse reutilizado mais seriamente em filmes nos anos noventa. Nesse mesmo ano, também foi exibido R.F.D., 10000 B.C. mostrando um carteiro que lida com um dinossauro como meio de transporte. Em 1919 o mesmo diretor faria The Ghost of Slumber Mountain, mostra um sujeito que através de um conto descrito aos seus sobrinhos, se volta ao tempo dos dinossauros. Esse é mais extenso, ao menos a cópia disponível para visualização, mas ainda não tão primorosa. Houve um projeto chamado Creation, que seria lançado em 1931, mas foi cancelado, sobrando apenas esboços do que deveria ter sido o longa-metragem definitivo de O’Brien, mas que jamais viu a luz do dia.

    Em 1925 chegava aos cinemas um dos maiores filmes sobre o tema, O Mundo Perdido, baseado na obra de Arthur Conan Doyle, conhecido criador do detetive Sherlock Holmes. Esta obra deu origem a outras adaptações, até fora do cinema, e mais para frente nos debruçaremos sobre algumas delas. A obra original se perdeu com o tempo e depois de um intenso trabalho de resgate de oito gravações diferentes, se chegou a versão mais comumente encontrada no mercado, de 93 minutos. A visão que Doyle e o diretor Harry O. Hoyt tem da Amazônia é completamente estereotipada, e comum a sua época, visto que o mundo era um lugar pouco explorado e conhecido como se tornou nesse quase um século que separa a atualidade e o filme em questão. O livro foi lançado em 1912, e nessa versão o único lugar onde teriam essas criaturas fantásticas era um platô da bacia amazônica. Em meio ao desbravar da ilha, os pesquisadores vêem uma luta que seria (ou a menos tentaria, dadas as limitações da época) épica, entre dois animais pré históricos gigantes, sendo ao menos um deles um Alossauro, um dino que lembra bastante o Tiranossauro Rex, e que mata o seu adversário facilmente, quebrando seu pescoço e deixando ele caído, ou seja, sua predação é pura e simplesmente porque ele pode matar as outras criaturas, e não por fome. Logo depois ele ataca um triceratopes.

    O grupo que viaja para a Amazônia consegue retornar, e ainda leva um brontossauro para Londres, desfecho esse bem semelhante ao visto em King Kong, de 1933, inclusive com a fuga da criatura monstruosa, embora nesta versão não seja mostrado isso, e sim contado através de texto. No entanto, a demonstração do dinossauro nas ruas inglesas é feita de maneira expositiva, com a criatura andando pelas ruas e atacando as pessoas hostis. O modo como ela escapa é curioso, e seria catastrófico, uma vez que a ponte de Londres cai e ele é empurrado pela correnteza em uma direção desconhecida. O longa não dá um destino definido para a criatura, ao contrário, prefere se dedicar a mostrar o destino romântico dos personagens humanos, em detrimento de mostrar a recepção de Londres ao seu novo “habitante”.

    Além do já citado King KongFantasia, clássico de animação que mistura música orquestrada com curtas animados de Walt Disney também traz referências aos monstros pré-históricos, ainda em 1940. Seu segmento The Rite of Spring, baseado em uma composição de Igor Stravinsky, mostra o planeta em meio a uma galáxia imensa, tendo a formação de seus rochedos, oceanos e primeiras formas de vida, desde as microscópicas até as marinhas. As cores lembram aquarelas pintadas e esse sem dúvida é um dos momentos mais bonitos de todo o longa-metragem, inclusive quando são mostrados os dinossauros.

    Fantasia, cena do segmento “Rite of Spring”, de Bill Roberts e Paul Satterfield (1940)

    Ainda em 1940, O Despertar do Mundo era lançado, contando a história de um grupo de aventureiros entrando em uma caverna, onde um paleontólogo começa a contar uma história que supostamente aconteceu entre homens primitivos que disputavam territórios. O longa erroneamente coloca na mesma linha temporal o homem pré-histórico junto dos dinossauros. Essa versão de Hal RoachHal Roach Jr. seria revisitada anos depois, pela produtora inglesa Hammer.

    Demora a aparecer um dos répteis gigantes, e quando surge, é bastante anti-climático, já que ele se disfarça atrás de plantas que dificultam sua visualização. Mais à frente, usam-se animais para emular os bichos pré-históricos, com iguanas fazendo às vezes de animais carnívoros, bem como tatus com  chifres artificiais, fingindo ser triceratopes, e ainda, jacarés fantasiados.

    Em 1951, Sam Newfield conduziu o filme Continente Perdido, sobre um grupo de cientistas que realizam provas com foguetes na Nova Guiné, e um desses foguetes acabam sumindo durante um desses testes. Já que o item é caro, o governo envia um piloto experiente para liderar uma expedição em busca do veículo. O filme é em preto e branco e em determinado ponto passa a ter coloração verde. Os efeitos das feras antigas são feitos em stop motion e dentro de sua limitações, funcionam bem, mas ainda assim a participação dos dinossauros é pequena, se tornando meros coadjuvantes para as subtramas bobas dos humanos.

    Em 1953, baseado em um texto do escritor Ray Bradbury, The Fog Horn, foi lançado O Monstro do Mar (The Beast from 20,000 Fathoms) tem efeitos técnicos assinados por Ray Harryhausen e conta em seu elenco com Lee Van Cleef, que ficaria famosos anos depois por trabalhar em filmes como Por Uns Dólares a Mais, Três Homens em Conflito e O Homem que Matou o Facínora. O visual gélido do longa lembrar outro clássico, O Monstro do Ártico, que originou o remake de John Carpenter, O Enigma do Outro Mundo. A história mostra os clichês dos filmes de atomic horror, onde um dinossauro carnívoro gigante desperta no Ártico após testes nucleares. Percebe-se uma tendência para os filmes envolvendo os predadores antigos e gigantescos, já que novamente o destino da criatura é semelhante ao do brontossauro em O Mundo Perdido, de 1925, quanto o de King Kong, em 1933, uma vez que a criatura é levada para Manhattan para atender a demanda dos gananciosos que a encontraram, que mais se importam em ganhar dinheiro do que preservar o milagre que é um animal como esse estar vivo. Aliás, esse clichê também foi utilizado na parte dois da franquia de Spielberg, Mundo Perdido: Jurassic Park.

    O Monstro do Mar, de Eugène Lourié (1953)

    O modo encontrado para deter a fera é bastante criativo, e a cena em questão se dá em um parque de diversões, próximo de uma montanha russa, um cenário completamente inesperado para esse tipo de sequência. O final é melancólico para a criatura, e faz perguntar afinal quem seriam os verdadeiros monstros da história, e nesse ponto o filme de Eugène Lourié acerta em cheio, pois propõe discussões e questionamentos importantes. O diretor ainda voltaria ao tema com outros dois filmes: O Monstro Submarino e Gorgo.

    Pouco tempo depois, chegava as telas O Rei Dinossauro, um filme sobre exploração espacial, onde um grupo de aventureiros vão até o planeta Nova, um novo corpo celeste que chega na Via Láctea. Neste planeta, a vida é basicamente formada por animais gigantes como os dinossauros terrestres, além de algumas criaturas pré-históricas. O filme dirigido por Bert I. Gordon, que era especialista em produtos de atomic horror (A Maldição da Aranha, A Maldição do Monstro, O Incrível Homem Atômico), ainda há um suposto T-Rex que aparece, “interpretado” por uma iguana. Ainda assim, o tom é sério, mas a questão de não se definir se a iguana que está no filme é realmente uma iguana gigante ou é um T-Rex, torna tudo muito tosco, piorado quanto um monstro maior se aproxima – um crocodilo – em um embate mortal, mas que já se sabe qual será o destino ao final. O crocodilo e a iguana, quando se deparam tem o mesmo tamanho, e isso é demonstrado com dois bonecos se enrolando pelo chão arenoso, de uma maneira terrivelmente filmada.

    A Besta da Montanha é o primeiro filme em cores dessa lista, lançado em 1956, começa como um drama de faroeste, com vaqueiros americanos e mexicanos convivendo com os perigos naturais do solo do país latino. Filmado em cinemascope, o longa de Edward NassourIsmael Rodriguez tem lindas imagens e cores muito vivas. Contudo, o filme se vale demais de estereótipos, em especial quando se desenvolve os personagens mexicanos. O texto do filme é baseado na ideia de Willis H. O’Brien, especialista em efeitos especiais que havia trabalhado no primeiro O Mundo Perdido. O Alossauro que ataca o vale e come alguns dos animais é uma referência clara ao filme de O’Brien e ao romance de Doyle. O modo como ele aparece varia, no começo é mostrada uma fantasia, com os pés do monstro e depois surge em stop motions, em cores cinzas e detalhes que até então não se viam em criaturas assim. Uma pena que o roteiro não colabore com as ótimas ideias visuais do filme.

    Em No Mundo dos Monstros Pré-Históricos (Land Unknown) o diretor Virgil W. Vogel faz muito uso de gravuras e pinturas como cenário, fato que já não era regra nos idos de 1957. Suas cenas com fundo falso soam artificiais demais em comparação com produções da época. Há outro momento complicado, com um pterodáctilo voando – terrivelmente mal filmada – além de batalhas de iguanas, ainda que melhor desenvolvidas. O T-Rex aparece de repente, logo depois da batalha de lagartos e é uma pessoa em um roupa andando em meio a miniaturas, como nos tokusatsus e filmes de Godzilla. Chega a ser cômico o uso da hélice do helicóptero para afastar a criatura e se vê muitos problemas com perspectiva, com o T-Rex variando de tamanho de acordo com as cenas. O longa termina de modo emocionante, mostrando os humanos que estavam na terra isolada fugindo.

    Viagem à Pré-História (Cesta do Praveku), de 1955, traz crianças viajando a uma terra perdida. O longa de Karel Zeman tem um tom bastante lúdico, mostrando criaturas pré-históricas sem um compromisso com a realidade, mas ainda assim bem retratadas no aspecto técnico. Zeman é conhecido por ter feito belas animações, não à toa ficou conhecido como o Georges Méliès tcheco De fato, a melhor coisa do seu filme são os efeitos especiais, pois a trama em si deixa muito a desejar.

    Viagem à Pré-História, de Karel Zeman (1955)

    Dirigido  pela lenda do Cinema B, Roger Corman, Teenage Cave Man tenta resgatar elementos de O Despertar do Mundo, ainda que seja mais explícito em sua proposta. Os homens da tribo já tem uma linguagem sofisticada, a mistura de elementos que claramente não tem congruência histórica é exibido bastante cedo, com os dinossauros aparecendo com menos de cinco minutos de exibição, variando entre stop motion e animais reptilianos disfarçados. Para variar, essa é mais uma produção onde acontecem as famosas lutas entre crocodilos e iguanas rolando pela areia, que se tornou clássica e reaproveitada entre os filmes desse subgênero. De curioso, há o protagonismo de Robert Vaughn, astro de filmes trash, entre eles, O Despertar dos Mortos, do pai dos filmes de zumbi George A. Romero.

    Um dos romances mais famosos de ficção cientifica moderna, é Viagem ao Centro da Terra, não à toa tiveram dezenas de adaptações do livro de Jules Verne. A primeira dela é um curta antigo, de 1910, bastante difícil de achar por conta das raras cópias que existem dele. A mais notória adaptação aconteceu em 1959, uma produção grande, filmada em cinemascope e em cores, dirigida por Henry Levin. Os efeitos e cenários são um pouco caricatos se vistos hoje, mas cumpriam bem o papel de tentar alinhar a obra de Verne à época em que passavam, sem falar que os jogos de luzes do diretor de fotografia disfarçam as limitações técnicas da época em boa parte do filme. Já os dinossauros, em sua primeira aparição são lagartos disfarçados, com efeitos ligeiramente superiores ao das produções anteriores, mas claramente as figuras deles eram coadjuvantes diante da trama que tentava traduzir o livro de Verne para as telas.

    Em 1959, foi a vez também de exibir O Monstro Submarino, traz Behemoth, figura essa existente nos livros da Bíblia, mais especificamente em Jó. No livro, Behemoth é uma figura monstruosa, que para muitos estudiosos é mais aproximada de um bovino com três chifres, para outros um hipopótamo e há quem o compare com um dinossauro. No filme de Lourié, mais uma vez o antagonismo é por conta de uma criatura que sofreu interferência da ação humana, através da energia nuclear. Esse é o terceiro filme do diretor que traz “dinossauros”, e talvez seja o que temor apelo, ainda assim a forma como a criatura é desenvolvida é muito inventiva, apesar de não ser tão bem feita.

    Leia: Parte 2 | Parte 3.

    Facebook – Página e Grupo | Twitter Instagram.

  • Review | Sherlock S04 E03 – The Final Problem

    Review | Sherlock S04 E03 – The Final Problem

    O início da season finale da quarta temporada de Sherlock se inicia de forma fantasiosa, como em um sonho de Mycroft Holmes (Mark Gatiss), sendo perseguido em sua própria casa, em um excelente despiste, que faria inveja até aos filmes de Alfred Hitchcock. A partir dali se desenrola a misteriosa trama a respeito de um terceiro Holmes, teoria normalmente levantada por especialistas nos estudos dos escritos de Arthur Conan Doyle.

    A vilania, que antes era de James Moriarty (Andrew Scott), finalmente ganha um nome e uma definição mínima, e os métodos implacáveis deste antagonista são muito semelhantes aos do antigo, inclusive com um atentado contra os heróis que quase morrem na detonação de uma granada, em uma das piores cenas envolvendo efeitos em CGI da série. Este terceiro episódio funciona como uma amálgama dos dois outros, reunindo parte dos acertos de Lying Detective, em especial às partes mais herméticas, além de alguns defeitos de conceito de Six Thatchers, ao se valer demais as referências sentimentais dos personagens canônicos.

    O roteiro de Gatiss e Steven Moffat serve como cópia do conto O Problema Final, o mesmo que introduzia Moriarty ao universo do Detetive. Além das cenas que inovavam o conteúdo literário – as herméticas, já distas – há também uma quantidade de eventos mais literais e verossímeis. No entanto, a ligação emocional estabelecida entre o Jim Moriarty e o novo/velho vilão soa bastante forçado. As ameaças e os métodos de dominação da personagem de Eurus (Sian Brooke) também destoam de outras personagens, principalmente se comparado ao apuro visto nas performances do próprio Scott e da Irene Adler de Lara Pulver em A Scandal in Belgravia. Sherlock finalmente se torna refém de seu próprio suspense.

    O suspense do decorrer da trama principal se perde em muitos momentos, graças aos núcleos secundários. A direção de Benjamin Caron soa confusa em alguns momentos, não conseguindo harmonizar simples cenas de ação com flashbacks. Pior que esta confusão é a dificuldade que o roteiro tem em fazer sentido, fazendo questão de explicar e re-explicar à todo momento que Jim está realmente morto. Esse aspecto é tão irritante que a comparação com Interestelar, de Christopher Nolan, torna-se inevitável, ainda que obviamente não haja o apuro visual do cineasta britânico ou o mesmo nível de discussão filosófica dentro do capítulo citado, sendo esses pontos fortíssimos da trama do sci-fi. Impressiona como tudo o que era pontual e acertado soa frívolo e esdrúxulo nessa temporada que pode ter sido a última.

    A muleta de Moriarty prossegue até o final do episodio e também do ano, evidentemente. O entrave entre irmãos mira a referência bíblica de Isaque e Jacó e acerta em uma exploração gratuita e infantil de uma rivalidade que claramente não estava nos planos originais dos showrunners. A maioria dos elogios a essa temporada moram na tentativa de demonstrar emoção por meio do sensacionalismo, e esses são completamente descabidos, uma vez que esse artifício quase nunca acerta nem no aspecto sentimental, tampouco no mais pragmático.

    Outra característica terrível é a falta de nuances das novas personagens, em especial no background de Eurus, que é mostrada como uma mulher louca, de cabelo grande e desgrenhado, como uma versão da Samara, de O Chamado. Suas atitudes transbordam desequilíbrio e cafonice, apelando para um estereótipo de loucura mais condizente com as séries americanas, como Da Vinci Demons, não com um programa que sempre foi elogiado por sua sobriedade.

    A ligação sentimental estabelecida entre o Sherlock (Benedict Cumberbatch), John (Martin Freeman) e a “nova” personagem até se aproxima de uma construção mais elaborada, mas é jogada por terra para dar vazão a mais um final errático e escapista, diferente de todos já vistos até aqui. Mais uma vez a base de comparação para a toada de Sherlock é uma obra de Nolan, com a mesma quebra de realismo vista entre O Cavaleiro das Trevas e O Cavaleiro das Trevas Ressurge, sendo que nessa, não há muita justificativa para a mudança brusca de tom, muito menos na cena final, onde os heróis correm contra o vento, como nos Batman de Joel Schumacher. Afora as referências aos textos originais, quase nada se destaca positivamente em The Final Problem, sendo esse um desfecho decepcionante e bastante melancólico para a dupla de Baker Street.

  • Review | Sherlock S04 E01 – The Six Thatchers

    Review | Sherlock S04 E01 – The Six Thatchers

    Muito tempo decorrido desde o ultimo episódio, His Last Vow – exibido em janeiro de 2014 – e após um especial que retornava as origens de Arthur Conan DoyleA Noiva Abominável – finalmente o programa de Mark Gatiss e Steven Moffat é retomado, com o protagonista sofrendo um julgamento, a respeito dos crimes que ele teria testemunhado no último capitulo, ao lado claro de Mycroft (Gatiss), para enfim entender o perigo que ele sofreu, já que poderia ter sido ele a perecer e não seu opositor. A questão é que essa urgência é deixada de lado, para dar vazão a uma trama mais medíocre que o usual em se tratando de Sherlock.

    Após algumas soluções fáceis, o personagem se concentra em tentar entender seu misterioso adversário já morto. Sherlock (Benedict Cumberbath) então se refugia junto a seu amigo John Watson (Martin Freeman) e sua esposa Marry (Amanda Abbington), ainda na Baker Street. O detetive aparece ligeiramente mudado, uma vez que não reclama sequer de acompanhar o casal rumo a maternidade, para ter o bebê de Watson, recebendo inclusive um convite diferente da expectativa em torno de si, tendo de aceitar o apadrinhamento do rebento por uma convenção social implícita.

    A fotografia do episódio começa bastante escurecida, e vai mudando de tom com o passar do tempo, se tornando mais clara enquanto as investigações prosseguem. A mostra a Holmes de qual seria a ligação de Moriarty com o caso averiguado é feita de modo muito ligeiro e atrapalhado. Apesar disso há bons aspectos, como as referências a Margaret Thatcher, inclusive no nome do capitulo, fazem um belo diálogo com a Guerra Fria. Junto a esse momento, há outra boa referência, como a sequência de ação que faz o seriado se assemelhar e muit aos produtos recentes como A Identidade Bourne, Cassino Royale e  o televisivo Nikita.

    A essência de Sherlock está lá, com o herói seguindo como um estrategista formidável, que consegue estar à frente até de seus aliados. A ação nesse segmento também é mais enérgica, e os cenários variados dão um charme à mais para a história de perseguição. Os pontos altos moram nas referências ao cânone, como a ignorância de Sherlock em relação ao nome de Lestrade ou da identidade de Dama de Ferro (essa na verdade, uma piada) e claro, os mesmos elementos visuais que deram certo na primeira, segunda e terceira temporada. Ainda assim, falta ineditismo a trama e feitoria, uma vez que os acertos se resumem quase somente aos tentos corretos das outras três temporadas.

    Até então os roteiros do programa não continham tantos defeitos capitais como há nesse. Talvez o hiato entre os anos tenha causado no espectador – em especial o mais crítico – uma expectativa alta em relação a qualidade dramatúrgica, agravada é claro pelo especial de natal que foi muito bem recebido. Há elementos diversos para enxergar preciosismo por parte do texto de Mark Gatiss, desde o flerte gratuito entre Watson e uma moça, até os momentos excessivamente melodramáticos. Um dos pontos centrais do roteiro é de qualidade bastante discutível, relativa ao destino de Mary. O desfecho do arco soa um bocado cafona e demasiado sentimental, em especial pelas músicas empregadas para causar uma comoção nada natural. Nesse interím, somente é positivo a base canônica, que reverencia Conan Doyle, mas a opção por tentar emular as tragédias shakesperianas é forçada, e irrita ainda mais por ser esta a base para o cliffhanger mais preguiçoso exibido no programa, ao menos até aqui.

    Todo as manobras de roteiro são muito convenientes, desde o tiro ocorrido, até os momentos posteriores, onde os figurantes deixam o espaço vazio para que somente os personagens mais próximos do sujeito vitimado possam lamentar a perda ocorrida, em uma mostra de extrema rapidez desses citados, a fim de manter a privacidade de alguém que ainda poderia ser socorrido. Até a questão de se resolver o conflito em um aquário soa acintoso, uma vez que não havia motivo aparente para ser ali, além de gerar a possibilidade do público associar aquele cenário ao esconderijo do Doutor Evil, vilão de Austin Powers que também tinha obsessão por tubarões, assim como a antagonista desse segmento.

    Os animais em CGI são pessimamente mal construídos, por pouco não soaria natural até a armamentação deles com raios lasers acima da cabeça. A escolha por esse efeito especial é tão errônea que serve de símbolo para quase todas as escolhas narrativas ruins, e fora a cisão da amizade de John e Sherlock, há pouco de maturidade na trama. Este início certamente foi o de qualidade mais discutível, e onde os defeitos mais saltaram aos olhos, driblando inclusive o paradigma de que o episódio dois das temporadas é o mais execrável, resultando em um capítulo de quase absoluta frustração e de expectativa aquém da qualidade do próprio seriado, que normalmente não se valia dos clichês da tv aberta.

     

  • Review | Sherlock: A Noiva Abominável

    Review | Sherlock: A Noiva Abominável

    sherlock-the-abominable-bride_posterO especial de 2015 do seriado Sherlock, de Mark Gattis e Steve Moffat começa rememorando uma prática comum tanto ao Holmes clássico de Arthur Conan Doyle quanto a versão da BBC One. Os eventos de His Last Vow impediriam, a princípio, uma aventura corriqueira e escapista nos mesmos cenários e moldes do seriado, o que em parte, ajudaria a “justificar” o retorno a Era Vitoriana para contar que essa história fugiria aparentemente do status quo do programa televisivo.

    O clima de conto doyliano se fortifica quando o recém-aposentado médico do exército James Watson (Martin Freeman) encontra seu possível novo colega de quarto, Sherlock Holmes (Benedict Cumberbatch), nos trajes clássicos de uma época mais sombria e acinzentada, com tons variando entre bege e marrom, servindo de resumo a uma tendência de época. A quantidade de homenagens é imensa, começando pelo comércio da Strand Magazine, revista que publicava os contos, o que determina um salto temporal entre os eventos indicados em Estudo em Vermelho e a história apresentada pelo Inspetor Lestrade (Rupert Graves), já no hall do apartamento localizado no 221B da Baker Street.

    O desenrolar da trama envolve ainda um sem número de referências que não são simplesmente gratuitas, como a personificação de Mycroft Holmes, executado por Gattis com uma maquiagem pesada, como figura glutona e obesa. Apesar de exagerada, esta versão serve para solidificar a rivalidade fraterna entre os personagens, além de pôr o primogênito em uma posição superior, esbanjadora, o completo inverso da vida discreta e pobre de Sherlock, que em alguns momentos, até recorria ao irmão para cumprir somas importantes do seu orçamento. É desta fonte que surgem pistas importantes, que dão rumo à investigação que o Detetive começou.

    abominable-bride 3

    O desenrolar do roteiro demonstra alguns dos maiores dissabores do investigador, entre eles a descrença em figuras e seres sobrenaturais e a natural aversão à associação de fantasmas ao desfecho do caso. Outra fobia é aventada, como o uso contínuo de cocaína, aspecto dado como superado pelo personagem já em seu piloto Study in Pink. O episódio especial talvez seja o mais próximo do clássico de Nicholas Meyer Solução a Sete Por Cento em que Moffat e Gattis poderiam homenagear alguma obra de Holmes que não fosse parte do cânone.

    Mesmo as viagens temporais são plenamente justificadas dentro do argumento, bem como as tramoias envolvendo supostos mortos andantes. A textura antiga faz assinalar ainda mais os claros poderes intuitivos. O foco maior é claramente nos fantasmas do passado de Holmes, que não consegue lidar com a perda de seu adversário maior, seu nêmese. Toda  a lógica por trás dele passa pela troca de insultos e estratégias com o Moriarty de Andrew Scott. O capítulo também serve para ratificar a ideia de que o ator nasceu para executar esse papel, que é entregue com uma maestria impressionante e poucas vezes vistas em sua carreira.

    O desfecho nas cataratas de Reichenbach é simbólico para o aficionado no personagem e serve de mergulho na alma do sujeito biografado, como um estudo da própria escrita de Watson/Doyle nas novelas, contos, romances e afins. As soluções encontradas para o saudosismo são plausíveis e não excluem qualquer retorno à atividade, já que A Noiva Abominável trata também disso, dos receios dos que deveriam estar encerrados. A cena final, misturando as linhas de tempo distintas, serve para edificar a obra de Doyle como algo universal e inspiradora de tantas releituras importantes, poucas tão reverenciais, fiéis e sensíveis quanto esta.

    Compre: Sherlock – A Noiva Abominável

  • Crítica | Mr. Holmes

    Crítica | Mr. Holmes

    Sr. Holmes 1

    Baseado na velhice e extrema misantropia do personagem-título, Mr. Holmes é uma aventura capitaneada por Bill Condon, que usa o talento de Sir Ian McKellen para dar substância a um roteiro confuso, atrapalhado e bastante genérico. A história se situa 35 anos após a “real” aposentadoria do Detetive, excluindo, claro, as mortes que forjou, com um Holmes que do alto de seus 93 anos tenta reescrever o seu último caso.

    O agravo que o roteiro propõe é que Sherlock já não tem todas as qualidades necessárias para relembrar seus próprios atos, graças à senilidade que se aproxima e aplaca sua inteligência e memória conhecidamente irretocáveis. A problemática não está nisso, e sim no drama genérico, que se encaixaria com qualquer personagem, não somente com o investigador de Baker Street.

    As licenças poéticas são muitas e não chegam a comprometer a qualidade do filme, mesmo que soem incongruentes, como o fato de ignorar-se que ao menos um dos 56 contos canônicos ter sido “escrito” pelo próprio agente, a despeito do médico/escritor que o acompanhava. A atribuição de elementos básicos, como uso de boné e cachimbo à imaginação de Watson, varia dentro do texto fílmico entre uma charmosa negação do herói e exageros do escritor original, que fantasiava demasiadamente, fatos reclamados já nos primeiros contos depois de Um Estudo em Vermelho.

    O enfoque no enferrujamento do detetive poderia ser mais interessante, mas é diluído por todo o entorno familiar, o que torna o drama cafona, banalizando até seu exílio com a pasteurização conservadora de humanizar o personagem, aspecto aliás completamente desnecessário. A mensagem interessante fica por conta da solidão dele, que não tem mais seus amigos, parentes e antigos colegas policiais, uma vez que somente os mitos sobrevivem eternamente – inclusive sobre mal engendradas produções cinematográficas.

  • 10 Sequências de Best-Sellers

    10 Sequências de Best-Sellers

    É possível ressuscitar o detetive Hercule Poirot com toda a sua astúcia? O que dizer de reviver Drácula sem a pena sinistra de Bram Stoker? Criar um personagem de sucesso nos livros é um feito para poucos. Há alguns tão atraentes que nos sentimos miseráveis quando o último livro de uma série acaba, no caso de o autor original já não estar mais entre nós. Mas você sabia que há vários casos de livros famosos que ganharam sequências criadas por autores alternativos?

    Por mais estranho que pareça, a história está recheada de continuações para livros inesquecíveis, seja porque a obra caiu em domínio público ou os herdeiros dos direitos autorizaram uma retomada. Em alguns casos, as continuações são bem aceitas pela crítica e continuam a conquistar gerações de leitores. Em outros, são jogadas na sarjeta do esquecimento.

    A seguir, selecionamos 10 sequências que nasceram de um sucesso, mas escritas pelas mãos de segundos autores. Confira aí e diga qual você achou mais estranha.

    A Casa de seda - Anthony Horowitz

    1- A Casa de Seda – Anthony Horowitz

    O britânico Anthony Horowitz é um apaixonado confesso por Sherlock Holmes. Tem várias inserções na literatura policial e juvenil, além de onze episódios da série de TV Agatha Christie’s Poirot e também um romance para a franquia James Bond. Em A Casa da Seda (Zahar, 2012), Horowitz faz as vezes de Arthur Conan Doyle numa trama que se passa em Londres, em novembro de 1890. O livro foi o primeiro a ser oficialmente reconhecido pelo Conan Doyle Estate, que administra o legado do autor. Horowitz disse que levou longos três segundos para aceitar o convite da organização! Assim, “A casa da seda” foi lançado em homenagem aos 81 anos da morte de Conan Doyle.

    Morte em Pemberley - P. D. James

    2 – Morte em Pemberley – P. D. James

    Imagine uma das principais escritoras policiais sequenciando uma das maiores autoras clássicas inglesas. Pensou em P. D. James e Jane Austen? Acertou. A baronesa do crime retoma a atmosfera de Orgulho e Preconceito, avança um pouco no tempo, e nos oferece um enredo daqueles! Elizabeth Bennet e Fitzwilliam Darcy se casaram, tiveram dois filhos e têm tudo para viverem felizes para sempre em sua propriedade rural. Até que assassinam o cunhado de Elizabeth… Morte em Pemberley (Cia das Letras, 2013) traz a aristocracia, seu glamour e suas intrigas. Nossos amáveis personagens não estão apenas envolvidos em gravatas e echarpes, mas cobertos também por um manto de mistério.

    Scarlett - Alexandra Ripley

    3 – Scarlett – Rhett Butler

    “Francamente querida, eu não dou a mínima”. Será que Rhett Butler repetiria a clássica frase de E o Vento Levou… para Alexandra Ripley? Afinal, a romancista norte-americana escreveu a primeira sequência oficial do relato épico da Guerra de Secessão, originalmente criada em 1936 por Margaret Mitchell. O livro é a continuação da saga, mostrando como a vida seguiu para a temperamental Scarlett O’hara, Rhett Butler e Ashley Wilkes. Apesar de ter agradado o público – o livro vendeu 6 milhões de cópias -, a história foi rejeitada pela crítica. Scarlett saiu em 1991 pela Editora Record.

    images.livrariasaraiva.com.br

    4 – A Garota na Teia de Aranha – David Lagercrantz

    Fenômeno editorial da última década, a série Millennium vendeu cerca de 100 milhões de exemplares no mundo desde o primeiro volume, Os Homens que Não Amavam as Mulheres. O sueco Stieg Larsson, jornalista e ativista pelos direitos humanos, utilizava o tempo livre para criar as histórias com a alucinante Lisbeth Salander, expondo violências sofridas pelas mulheres e uma heroína disposta a lutar por elas. Larsson morreu antes da publicação do primeiro livro e sem imaginar o tamanho do sucesso que conquistaria. Em 2015, seus herdeiros autorizaram uma continuação para a até então trilogia, liberando o volume 4 com A Garota Na Teia de Aranha (Cia das Letras, 2015). A sequência foi escrita pelo também jornalista sueco David Lagercrantz, e causou polêmica principalmente por não ter tido o aval da viúva Eva Gabrielsson. Um dos lançamentos mais populares do ano – foram vendidos duzentos mil exemplares só na primeira semana nos Estados Unidos -, o livro deve ser adaptado para o cinema pela Sony Pictures.

    Dracula - Morto Vivo - Drace Stoker

    5 – Drácula – O morto-vivo – Drace Stoker e Ian Holt

    Veja o sobrenome! Sim, Dacre Stoker é sobrinho-bisneto de Bram Stoker, o irlandês que publicou Drácula em 1897. Para dar sequência ao clássico gótico, Dacre pesquisou documentos e anotações não aproveitadas pelo bisavó, encontradas no Museu Rosenbach (Filadélfia). Também usou o título que Bram originalmente pensou para o clássico. Ambientada em 1912, a trama tem até uma aparição do “pai” do vampiro. Publicado em 2010 pela Ediouro, o livro vem com ilustrações de Ian Holt.

    James Bond Books

    6 – James Bond, a série

    O espião James Bond é uma criação do escritor e jornalista britânico Ian Fleming. O agente secreto mais famoso do mundo ganhou vida em 1953, com Cassino Royale, e todo ano Fleming escrevia uma nova história do personagem. Foi assim até 1966, quando o autor morreu de ataque cardíaco. Desde então, vários autores escreveram sequências para a franquia, como Kingsley Amis, John Edmund Gardner, Raymond Benson, Sebastian Falks, Jeffery Deaver e William Boyd. O cinema foi o terreno onde Bond mais brilhou e, após todas as tramas originais serem adaptadas, a série passou a produzir filmes com roteiristas que procuraram manter o estilo de Fleming. Parece que deu certo.

    Os Crimes da Monogamia - Sophie Hannah

    7 – Os Crimes do Monograma – Sophie Hannah

    Recolocar o detetive Hercule Poirot em cena e agradar aos milhões de fãs de Agatha Christie são tarefas que deveriam compor os doze trabalhos de Hércules! A inglesa Sophie Hannah aceitou o desafio em Os Crimes do Monograma, lançado em 2014 pela Nova Fronteira. Ao contrário do que se possa imaginar, o detetive não reaparece em tempos modernos mas sim em 1929, investigando crimes misteriosos no coração de Londres. Ao seu lado está o policial Edward Catchpool, o equivalente ao Capitão Hastings, o parceiro original. A sequência foi autorizada pelos herdeiros de Agatha mas dividiu opiniões entre os fãs, que não viam uma nova história com o detetive desde a morte da escritora, em 1976.

    A Volta do Poderoso Chefão -  Mark Winegardner

    8 – A Volta do Poderoso Chefão –  Mark Winegardner

    Quem não conhece os Corleone, essa família simpática, repleta de gente que não aceita quando as coisas contrariam seus interesses? Mario Puzo fez história ao trazer à tona mafiosos que não apenas matam e se livram dos corpos de seus desafetos. Eles se casam, têm filhos, são religiosos! É difícil não se apaixonar por personagens tão sanguíneos e sanguinários, que nos foram apresentados  nos anos setenta e chegaram às telonas nas décadas seguintes. Muitos fãs esperavam que Puzo retomasse a história, mas ele não mostrou interesse. Antes de morrer em 1999, ele autorizou Mark Winegardner a fazer a sequência, que saiu em 2005 pela Editora Record.

    60 anos depois - do outro lado do campo de centeio - Fredrik Colting

    9 – 60 Anos Depois – Do Outro Lado do Campo de Centeio – Fredrik Colting

    Em qualquer lista de livros obrigatórios do século 20, encontraremos O Apanhador no Campo de Centeio, um clássico de J.D.Salinger que ajudou a inventar a adolescência norte-americana. Criou fama pelo protagonista, o personalíssimo Holden Caulfield, e por levar o escritor ao seu completo isolamento. Salinger virou um bicho do mato, e isso alimentou uma série de lendas em torno dele. O fato é que, nesta sequência, Fredrik Colting junta criador e criatura num mesmo enredo. Imagine o sempre jovial e rebelde Holden na pele de um velhinho que simplesmente deixa pra trás o lar de idosos e parte atrás de mais uma aventura.

    A Loura de Olhos Negros - Benjamim Black

    10 – A Loura de Olhos Negros – Benjamim Black 

    Quem gosta de romances policiais certamente conhece o detetive Philip Marlowe, o mais durão da literatura (mais que Dirty Harry!). Marlowe é uma criação de Raymond Chandler, e no cinema foi vivido por Humphrey Bogart. Fato é que Chandler morreu em 1959, mas seu detetive continua vivíssimo. Benjamin Black é o nome, ou melhor, o pseudônimo do responsável pela volta de Marlowe. Em A Loura dos Olhos Negros (Rocco, 2014), o escritor irlandês recria a Los Angeles dos anos 1950, narrando a investigação de um misterioso desaparecimento. Tem clima noir, hipocrisia e femme fatale, combinação ao estilo de Marlowe & Chandler. Em tempo: Benjamin Black é, na verdade, John Banville, vencedor do prêmio Príncipe das Astúrias em 2014. Tem gabarito ou não para fazer um revival de Marlowe?

    Chris Lauxx

     Texto de autoria de Chris Lauxx, pseudônimo dos jornalistas Rogério  Christofoletti e Ana Paula Laux, autores da enciclopédia Os Maiores Detetives do Mundo e editores do site literaturapolicial.com

  • Crítica | O Cão dos Baskervilles (1959)

    Crítica | O Cão dos Baskervilles (1959)

    Cão-dos-Baskervilles-O-1959 1

    Como nos filmes anteriores da Hammer, O Cão dos Baskerville copia as películas de monstros da Universal. Primeiro produto protagonizado pelo detetive de Baker Street no cinema em cores, a fita também referencia o visual da versão da Twenth Century Fox (O Cão dos Baskerville, de 1939),  exibida em 1939, ainda que com um tom muito mais puxado para o barroco. Quanto a história, começa menos chapa-branca e mais fiel ao romance original, com cenas de sequestro, insinuações de estupro e outros temas bastante espinhosos para os pudicos anos 1930 da primeira versão.

    As imagens são registradas com uma câmera na mão assim que a ação começa. Na primeira cena, onde Sherlock Holmes (um Peter Cushing muito à vontade) mostra os seus talentos dedutivos, o plano escolhido por Terence Fisher é panorâmico, englobando todo o ambiente da sala, como se o espectador fosse a plateia de um espetáculo de teatro diante de um artista sem igual.

    Há na produção um caráter de baixo orçamento típico da Hammer Films, mas que nesse episódio torna-se uma característica até charmosa. A arquitetura e figurinos barrocos contrastam com carruagens de cores gritantes e aspecto paupérrimo, evidenciando a pouca perícia do departamento de arte em deixar tais coisas tão escancaradas em um filme de cor. O breu da noite é largamente usado e facilita a ambientação de filme de horror necessária para o conto semi-sobrenatural, no entanto não há cenas de corpos dilacerados, gore excessivo ou momentos explicitamente escatológicos, o que jamais incomodaria um apreciador das histórias holmesianas, mas certamente incomodariam um espectador acostumado com os filmes da produtora inglesa.

    Peter Cushing claramente imita o modo de falar imortalizado por Basil Rathbone, mas de modo algum faz isso de forma depreciativa ou oportunista, pois Sherlock era prolixo e um pouco afetado nos escritos originais, assim como os dois atores faziam. A bela Marla Landi interpreta Cecile, uma Liz Taylor genérica que é reticente em tornar-se o amor proibido do herdeiro Henry Baskerville (Christopher Lee).

    A saída de roteiro para a descoberta do vilão se assemelha à versão dos anos 30, com um atributo físico um pouco mais peculiar, uma marca de nascença passada de forma hereditária. Mas o flagrante físico tão evidente não casa com o estilo sutil de escrito original: se a solução para o mistério fosse tão banal, o Sherlock de Doyle solucionaria o caso em um piscar de olhos.

    A obrigatoriedade de um romance belo e formidável, presente na maioria dos episódios anteriores a este, é pervertida. Celina tem muito mais de figura malfeitora do que o seu pai, Mister Stapleton, principalmente quando ela tenta recriar a cena do vil homicídio amputado por Hugo Baskerville, usando a sua própria história base da encenação de sua desforra por ter crescido em uma vida miserável mesmo com seu sangue azul “bastardo”. Cecile é como a herdeira da mulher assassinada, simbolizando o fruto direto do estupro, os laços sanguíneos da moça com os Baskerville são o que explica o fato do seu pai a querer longe da mansão e de seus residentes. O Cão era um animal normal, mas maquiado, enquanto a vilã, após ter o ardil descoberto, sucumbe ao pântano, encerrando ali a maldição do clã. O Cão dos Baskervilles traz todo o mistério presente na história de Conan Doyle de uma forma bastante competente, apesar das agruras reveladas. O papel que reprisaria na série Sherlock Holmes de 1964, em 132 episódios, foi executado com maestria por Peter Cushing, sendo até hoje um bom intérprete para o detetive britânico.

  • Crítica | Sherlock e Eu

    Crítica | Sherlock e Eu

    Sherlock e Eu 1

    Em dois minutos de tela já são apresentados John Clay – um dos maiores vilões do cânone, o 4° homem mais perigoso do mundo -, o oficial Lestrade (Jeffrey Jones), Sherlock (Michael Caine) e Watson (Ben Kingsley), numa cena bastante edificante e cheia de referências as aventuras clássicas. Mas isto não dura muito, pois no terceiro minuto de exibição tudo é desconstruído com uma enorme bronca vinda do médico, seguida de um pedido de desculpas do atrapalhado “investigador”. Without a Clue é uma comédia que apresenta Sherlock Holmes como uma farsa, um detetive perfeito criado por Watson para publicar suas próprias reminiscências provindas de suas deduções e investigações.

    O pastiche, realizado por Tom Eberhardt, mostra que Holmes não era mais que um papel interpretado pelo ator alcoólatra Reginald Kincaid, que fora encontrado na sarjeta pelo autor dos contos da Strand Magazine. Em poucos momentos, a dupla se separa após uma briga, e o doutor acha que pode seguir a frente das investigações sem o alterego famoso, o que se prova um engano dos mais terríveis e ardis, pois sua obra supera em muito o autor em popularidade e notoriedade de forma semelhante ao paralelo real entre Sherlock Holmes e Arthur Conan Doyle, e o argumento metalinguístico é muito bem executado.

    Logo Watson percebe que terá de lançar por terra seu orgulho e recorrer a Kincaid, que também não se mostra muito bem quando está só, visto que é absolutamente inábil em quase todos os seus afazeres e se mete em dívidas de jogo como ninguém, a ponto de não ter capital sequer para arcar com sua bebedeira.

    Quando Watson declara suas próprias deduções, ele é sumariamente ignorado, mas quando as mesmas palavras vêm dos lábios de Sherlock, todos acreditam, numa clara referência ao conceito de placebo. A comédia do roteiro é muito semelhante ao humor presente nas séries televisivas americanas, o que se deve ao background dos dois roteiristas, Gary Murphy e Larry Strawther. A ideia inicial era boa, mas fica presa somente à premissa, pois com o decorrer do tempo a comédia perde o fôlego e só se sustenta graças ao humor pastelão.

    Holmes treme diante da possibilidade de Moriarty (Paul Freeman) estar envolvido, este sim um vilão á altura do intelecto de John Watson. É curioso como neste Sherlock e Eu a figura de bufão e de bobo alegre é de Sherlock, ao contrário dos filmes dos anos 30/40, em que Nigel Bruce e seu médico eram o alívio cômico. O duelo final de esgrima garante a Kincaid um justo momento de honra diante do inimigo mortal, fazendo valer finalmente os louros que receberia. Sua nobreza aumentaria ao dar créditos ao real “resolvedor” de casos, superando assim sua antiga birra e assumindo sua amizade pelo médico. O anúncio de “Caso Encerrado”, revela que mais aventuras dali viriam, e apesar da mensagem final, politicamente correta, esta é uma película eficiente em misturar humor e o universo criado por Arthur Conan Doyle.

  • De que matéria são feitos os heróis?

    De que matéria são feitos os heróis?

    vortex_herois1Houve um tempo em que eles eram exemplos de virtude. Encarnavam os maiores valores, as melhores qualidades: coragem, bondade, honestidade, justiça. Eram fortes como Hércules, perspicazes como Teseu, astutos como Perseu. Mirávamos naqueles exemplos e seguíamos nossa jornada.

    Um pouco depois, não bastavam seus músculos e temperança. Foi preciso mais. E eles passaram a vestir trajes coloridos e a ostentar símbolos no peito. Era uma maneira de externalizar seus atributos, seus programas de ação. S não é apenas a inicial de seu nome, mas um sinal de esperança de onde ele veio, mundo tão distante e hoje só existente na memória. Um morcego serve para amedrontar os inimigos, mas colocado em pleno tórax, passa a ser também um alvo, moderno calcanhar de Aquiles. Homens e mulheres, eles ainda personificam a figura difusa do Bem, e sua presença na Terra (e no nosso imaginário) torna a vida mais segura. Aparentemente.

    Dias atrás, diante dos cartazes de cinema, nos perguntávamos por que tantos filmes com super-heróis. Respondemos antes mesmo de entrar na sala escura: o mundo anda tão sombrio que precisamos cada vez mais deles. Se antes nos contentávamos com o salvamento de Andrômeda, Ariadne e Lois Lane, passamos a esperar que protegessem Gotham, Nova York, o planeta, enfim. As ameaças vinham de alienígenas, cientistas malucos, conspiradores. Vinham também de mentes perturbadas, assassinos seriais e criminosos insuspeitos. Se o maior truque do demônio é fazer acreditar que ele não existe, o Mal também buscou formas de se travestir, seduzindo corações e mentes. O Bem também amoleceu seus contornos, e o caráter dos heróis ficou poroso, ambíguo e desconcertante.

    Mas o que faz alguém ser um herói hoje? O que ele veste? A função que ocupa na sociedade? O distintivo que exibe?

    Não dá pra negar. Nossos heróis estão a anos-luz dos modelos imaculados de conduta. Não carregam consigo apenas virtudes. Pelo contrário, são cheios de defeitos. Dexter mata sem remorso, Batman está transtornado, e Lisbeth Salander invade sistemas e busca vingança. Sherlock é um egocêntrico, Poirot, arrogante, e Montalbano é um boca-suja. Nero Wolfe é um glutão. O inspetor Clouseau, um atrapalhado, e Monk tem TOC. Ed Mort é um perdedor nato, Kay Scarpetta, esquisitona, e Pete Marino, um machista nojento. Mandrake é mulherengo, Wallander parece perdido e Mathew Scudder bebe demais. Como delegamos a eles a solução de nossas desesperanças?

    Parte desses nossos heróis trabalha na polícia e esta condição os posiciona do lado de cá do balcão: onde estão os que seguem a lei. Outra parte atua num sistema paralelo de justiça, como detetives particulares. Fardados ou não, ostentam as cores do que é certo e bom, e se distanciam da maldade condenável para a maioria de nós. Não nos esquecemos de seus desvios, manias e esquisitices. Eles borram suas figuras, como os santos com pés de barro, as estátuas trincadas…

    Exemplos mais atuais são os investigadores da série de TV True Detective. Na primeira temporada, tivemos o infiel Marty (vivido por Woody Harrelson) se debatendo com Rust, personagem de Matthew McConaughey, que – digamos – não batia bem da cabeça. Na segunda, Colin Farrell é o violento e instável Ray Velcoro, que contracena com a instável Ani Bezzerides (Rachel McAdams) e o desviante Paul Woodrugh (Taylor Kitsch). São apenas seus distintivos que os fazem nossos heróis? Claro que não. Eles são altamente problemáticos, abusam das drogas e da violência, e são desajustados sociais. Trazem em si ingredientes suficientes para colocá-los do lado de lá do balcão, onde ficam os algemados. Mas não! São nossos heróis! Negue se puder…

    Então, de que matéria são feitos nossos heróis de hoje? Personagens fronteiriços, são complexos e ambíguos como a realidade contraditória que vivemos. São fortes e destemidos, mas fraquejam diante das pequenas-grandes tragédias cotidianas. Sucumbem, perdem-se… Têm valores, mas às vezes, seu sentido particular de justiça colide frontalmente com o que acreditamos.

    True Detective é uma criação de Nic Pizzolatto, autor de Galveston, recém-lançado no Brasil. Livro de estreia, deu ao autor vários prêmios, entre os quais o Edgar Award, distinção para a literatura policial, de mistério e de crimes. Galveston não é um policial clássico, até porque é quase totalmente habitado por bandidos, capangas e escroques de em geral. Ali, todos já atravessaram os limites do razoável e da legalidade. Mesmo assim, acompanhamos Roy Cady em sua jornada, e torcemos por ele, apesar das barbaridades e dos erros que comete. Ele é nosso herói! Tem coragem de negar?

    Nas tramas clássicas de detetive, temos a predisposição de acreditar que a justiça será naturalmente feita: a história será explicada, o culpado, punido e a ordem, restabelecida. Personagens como Sherlock Holmes e Hercule Poirot são nossos guias nessa premissa, e por incrível que pareça, suas histórias continuam atraindo milhões de leitores no mundo. É incrível já que esses justiceiros pertencem a uma época que já se foi, teoricamente de valores diferentes dos nossos, de uma inocência até lúdica. No entanto, histórias como O Assassinato de Roger Ackroyd, de Agatha Christie, e O Cão dos Baskervilles, de Arthur Conan Doyle, continuam entre as favoritas dos fãs de um bom suspense. Justamente ao lado das tramas que embaçam as fronteiras morais do certo e errado, bom e mau. O que acontece? Será que ansiamos finais mais justos e felizes? Ou será que estamos nos acostumando a conviver com facínoras e infames tentando impor seu bizarro modelo de justiça? Para responder a isso, precisaríamos de visão de raio X, células cinzentas super desenvolvidas, sentidos aguçados e de uma obsessiva vontade de solucionar mistérios. Próprio de heróis.

    Chris Lauxx

    Texto de autoria de Chris Lauxx, pseudônimo dos jornalistas Rogério Christofoletti e Ana Paula Laux, autores da enciclopédia Os Maiores Detetives do Mundo e editores do site literaturapolicial.com

  • O Caso dos Mais Vendidos

    O Caso dos Mais Vendidos

    6137-000082

    Há um grande mistério na prateleira dos romances policiais, e não se trata de uma nova onda de crimes ou de mais um serial killer. A questão está mais ligada a títulos, autores e editoras do que propriamente aos atos ilegais e aos corpos espalhados pelo caminho. Se o leitor se dispuser a olhar as listas dos mais vendidos dos gêneros Crime-Suspense-Mistério, vai certamente notar que a esmagadora maioria vem de autores estrangeiros.

    Se espiarmos a lista na Amazon, encontraremos Agatha Christie, Ian Fleming, James Paterson, Stieg Larsson, Patricia Cornwell, Nora Roberts, Harlan Coben, George Simenon e Arthur Conan-Doyle entre os primeiros. Bem depois, esbarraremos em alguns conhecidos locais. Tal observação permitiria constatar que esse tipo de literatura só sobrevive à custa de escritores norte-americanos, ingleses, escandinavos, franceses… Mas rezam as cartilhas do romance policial que as primeiras pistas não são suficientes para solucionarmos o caso.

    Deixemos de lado a hipótese derrotista (“autor policial brasileiro não vende”) e arrisquemos uma pergunta em forma de paradoxo: os estrangeiros aparecem mais na lista porque vendem mais, ou vendem mais porque aparecem mais na lista?

    A pergunta se justifica por um dado. Dos quase 61 mil títulos lançados no país em 2014, apenas 9,7% foram traduções. Quer dizer: nove em cada dez livros no mercado são assinados por autores brasileiros. Os dados são de uma pesquisa da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), encomendada pela Câmara Brasileira do Livro e pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros. O estudo não detalha se essa proporção se mantém em Crime-Suspense-Mistério, e se isso acontecesse, aí sim, teríamos um resultado alarmante para os escritores nacionais: venderiam muito pouco se comparados aos colegas gringos.

    Mas não se pode afirmar isso por causa de outro fator: nos catálogos das editoras, raros são os autores nacionais nos gêneros em questão. Claro que essas informações não estão reunidas e sistematizadas, mas podem ser facilmente acessadas nos sites das editoras. Não são muitas as casas que se dedicam a esses livros (Record, Cia das Letras, L&PM, Benvirá, etc.), e elas têm historicamente priorizado a compra de direitos de tradução em vez de apostar em talentos locais. Na Suma de Letras, por exemplo, estão nomes como Michael Connelly e Stephen King (mesmo que este esteja mais para o terror que o policial). A Editora Record investe em Jo Nesbo, Andrea Camilleri e James Ellroy, e até mesmo reedita os suecos ancestrais Maj Sjöwall e Per Wahlöö. Para julho deste ano sai o novo livro de Marcos Peres, ganhador do Prêmio Sesc de Literatura e finalista do Jabuti e do Prêmio São Paulo de Literatura, o romance policial Que fim levou Juliana Klein?. Para além de Peres, André Amado e Al Gomes, quais são seus principais nomes nacionais no gênero?

    A Cia das Letras dedica fatia um pouco mais generosa às apostas brasileiras com Luiz Alfredo Garcia-Roza, Jô Soares, Raphael Montes, Tony Bellotto. A Intrínseca tem a série com o jovem Sherlock Holmes, e a Arqueiro prefere os best-sellers: é assim com os carros-chefe Dan Brown, James Patterson e Harlan Coben. Ano passado, a Arqueiro também organizou encontros de literatura policial pelas livrarias do país para promover as obras de seu catálogo.

    Outras editoras criam selos e coleções que só publicam autores não-brasileiros e ignoram a produção local do gênero. Nova Fronteira, Zahar, Globo Livros, Alfaguara e L&PM se concentram em títulos clássicos (com séries belíssimas de Agatha Christie, Raymond Chandler e Conan Doyle), e a Vestígio, do grupo Autêntica, investe em nomes mais contemporâneos. Na Rocco, há nomes estrangeiros e poucos nacionais no catálogo: de Benjamin Black, passando por Sophie Hannah, JK Rowling e Ruth Rendell a Patricia Melo, Luís Dill e Flávio Carneiro. A editora Planeta publicou o primeiro policial de Mario Prata (que escreveu mais um pela Leya) e um livro do paulista Roger Franchini. E pela Belas-Letras saiu, neste ano, Pólvora, do cantor Tico Santa-Cruz. Finalmente, na Editora Draco encontramos uma seleção de autores nacionais com romances e contos policiais comercializados, como Carlos Orsi e Cirilo L. Lemos. A maioria está disponível apenas em formato digital, e quem não tem um e-reader acaba não descobrindo o catálogo.

    As editoras brasileiras não abrem tanto espaço para autores nacionais por questões estéticas? Isto é: o gênero policial não funciona por aqui? As obras de Rubem Fonseca, Patrícia Mello, Marçal Aquino, entre outros, já mostraram a que vieram. Foram reconhecidas pela crítica e pelo público, e encontraram um lugar na literatura urbana contemporânea.

    As editoras brasileiras não publicam autores nacionais por razões mercadológicas? Quer dizer: o gênero não vende? Besteira. Leitores brasileiros continuam a consumir casos e mistérios, tanto em versões impressas quanto eletrônicas, apesar de estarem soterrados sob toneladas de filmes, seriados, programas de TV e outros produtos que nos impelem a descobrir os culpados dos crimes. Dias Perfeitos, de Raphael Montes, por exemplo, já foi editado em diversos países e, em breve, deve sair em Taiwan e Hong-Kong. O Matador e Elogio da Mentira, de Patricia Melo, já têm edições romenas!

    Raphael Montes

    Raphael Montes, autor de Suicídas e Dias Perfeitos

    Voltemos ao paradoxo, o mistério que nos trouxe até aqui: os estrangeiros aparecem mais na lista de best-sellers porque vendem mais, ou vendem mais porque aparecem mais na lista?

    Arriscamos dizer que as editoras brasileiras têm investido menos do que poderiam na safra de autores nacionais do gênero. As razões para isso estão mais nos temores financeiros que estéticos. Os motivos estão mais no conservadorismo e no oportunismo de mercado do que propriamente na qualidade dos originais recebidos. Afinal, para qualquer empresa, é menos arriscado vender um produto que fez sucesso lá fora ou foi agraciado com algum prêmio do que lançar um novo nome, oferecer um título inédito e original. É mais fácil pegar carona no sucesso internacional do que fomentar uma cena criativa local, que também pode ser bem lucrativa.

    Estamos tratando aqui de uma categoria específica de livros, os de Crime-Suspense-Mistério, que não é tão marginalizado quanto o Terror, por exemplo. Produções do cinema e da TV enxergam no gênero um terreno fértil de novos produtos e experiências. Não se trata de um fenômeno como o dos livros para colorir, um ponto fora da curva do mercado que já vendeu neste ano quase um milhão de exemplares, se contarmos apenas dois títulos, Jardim Secreto e Floresta Encantada, ambos de Johanna Basford, conforme dados da PublishNews. É uma raridade, um evento isolado. Estamos tratando de um gênero que existe e persiste há décadas, que está estabelecido, e que não demonstra cansaço ou perda de fôlego.

    Acreditamos que títulos de autores nacionais poderiam ter performances de vendas melhores se houvesse mais recepção de originais; se existissem mais lançamentos do gênero; se fossem investidas mais verbas de marketing e promoção; se fossem estimuladas produções derivadas das obras na TV e no cinema. Enfim, se os escritores locais tivessem mais espaço e visibilidade. Acreditamos que uma cena literária policial possa ser fomentada, já que existem muitos criadores do gênero no país. Prova maior está na quantidade de títulos lançados nos últimos anos na internet ou em formato impresso, sob o signo da autopublicação.

    Se a fresta estivesse menos estreita, poderíamos sonhar com embriões de uma geração criativa e produtiva no gênero policial. Clássicos e cânones como Agatha Christie e Simenon continuariam a frequentar as listas dos mais vendidos nas livrarias, mas poderiam ter vizinhos com o nosso sotaque e que narram crimes nas nossas paisagens.

    Texto de autoria de Chris Lauxx, pseudônimo dos jornalistas Rogério  Christofoletti e Ana Paula Laux, autores da enciclopédia Os Maiores  Detetives do Mundo e editores do site literaturapolicial.com

  • Crítica | O Mundo Perdido (1925)

    Crítica | O Mundo Perdido (1925)

    Mundo perdido 25 1

    Quase quinze anos antes dos filmes de Sherlock Holmes com Basil Rathbone, o autor Sir Arthur Conan Doyle já era adaptado para as grandes telas com um clássico do cinema mudo, em 1925. O Mundo Perdido conta a estranha história do desbravador Challenger (Wallace Beery), um professor que lidera uma expedição britânica até a “longínqua” América do Sul, atrás do lugar em que ele acreditava viver criaturas pré-históricas, em pleno mundo urbanizado.

    Os exploradores rumam em direção a um planalto amazônico, sem delongas, numa trama de arrogância e total desconhecimento por parte dos europeus poderosos que enxergam em tudo o que é “não branco” algo necessariamente primitivo. Mesmo deixando de lado a xenofobia que compunha o conhecimento popular da época, há pouco de pensamento substancial, mesmo em nome dos que se dizem defensores da ciência. Mesmo Challenger parece um devoto que não dedica a sua vida a crença religiosa, mas que faz de sua obsessão um artifício tão maniqueísta quanto.

    Um tempo demasiado é gasto na preparação da força-tarefa da viagem, estabelecendo-se que aquela era na verdade uma expedição de resgate, visto que já haviam incursionado àquelas terras distantes anteriormente. A formação dos bravos inclui caçadores, membros da imprensa e uma mulher apaixonada, conduzindo a equipe ao máximo de heterogeneidade possível, fator completamente irrelevante diante dos perigos que supostamente enfrentariam.

    A condução de Harry O. Hoyt é amadora se comparada às produções de hoje, mas consegue equilibrar de modo não assustador as cenas com atores reais e as criaturas digitais, inserindo pela primeira vez em larga escala a tecnologia de stop motion. A primeira criatura do filme é um pterodáctilo, dinossauro voador que se assemelha a uma ave e que alimenta seus filhotes em um ninho. Fora a aparição do animal, ainda surge um símio, cuja caracterização não passa de um homem fantasiado, o que se faz perguntar se ele corresponde a um macaco ou um elo perdido entre os seres pré-históricos e o homo sapiens.

    É curioso notar como a exploração da atmosfera da Terra mudou. Ao exibir uma luta, que deveria ser emocionante, entre um tiranossauro e um alossauro – ambos carnívoros gigantescos –, não há mudança na trilha sonora, que faz menção ao otimismo ao invés de focar os acordes na temível batalha a qual os pobres homens assistem. O conceito de usar a música como elemento narrativo de suspense ainda não era tão claro, apesar das óbvias exceções vistas no Nosferatu de F.W. Murnau e em seus pares do expressionismo alemão e do movimento Kammerspiel.

    Os erros e indiscrições provenientes da louca batalha pela cadeia alimentar são passíveis de perdão pela obra se passar em uma época que a paleontologia passava longe de ser uma ciência acessível – piorando e muito na época que Conan Doyle escreveu sua novela. O Mundo Perdido consegue, apesar de muitos pesares, manter um clima de escapismo ímpar, típico do cinema de sua época, sobrevivendo ao tempo, sendo apreciado por muitos e servindo de inspiração para obras posteriores, como os filmes de King Kong, suas continuações (e remakes), além de alimentar o imaginário de Steven Spielberg rumo ao clássico Jurassic Park – O Parque dos Dinossauros.

    As influências, tanto no filme de Merian Caldwell Cooper Ernest B. Schoedsack quanto no segundo volume de Jurassic Park, O Mundo Perdido: Jurassic Park, são vistas através da tentativa de trazer uma das criaturas monstruosas para o convívio urbano, transportando um braquiossauro (chamado de brontossauro, à época) para a capital inglesa, o que obviamente deu errado e fez causar um sem número de problemas à metrópole londrina. O alvoroço fez com que as pessoas corressem para os subterrâneos, agindo como manada e fazendo se perguntar qual dos seres possuía comportamento animalesco. Ao final, abate-se o animal irracional, deixando a questão de quem seria a fera ainda mais viva do que o óbvio diálogo ao final de King Kong de 1933. O argumento abre um precedente para uma discussão maior, fazendo de Mundo Perdido uma pérola não tão valorizada quanto deveria ser.

  • Crítica | O Irmão Mais Esperto de Sherlock Holmes

    Crítica | O Irmão Mais Esperto de Sherlock Holmes

    irmão mais esperto de Sherlock Holmes 1

    A comédia de Gene Wilder, escrita, dirigida e protagonizada pelo artista, começa numa atrapalhada cena do servil homem no Palácio de Buckingham, em 1891, ano em que o “detetive imortal” pereceu segundo o original O Problema Final. Como o detetive de Baker Street (Douglas Wilmer) – apresentado numa cena hilária, para logo após sair do filme travestido de mulher –, tem de se ausentar, encarrega seu irmão mais moço de resolver os casos mais urgentes. Sigerson Holmes sempre vivera à sombra do irmão mais famoso.

    O 1° longa dirigido por Wilder traz uma versão jocosa do mito Sherlock Holmes, com pastiches à maneira da sua comédia, tomando emprestado o humor típico de sua filmografia, especialmente nas parcerias com Mel Brooks. O teatro de absurdos presentes no filme é vasto: uma máquina de esgrima que é acionada com o pedalar da bicicleta; trechos inteiros cantados como em um musical; um padre eletrônico no covil do vilão movido a moedas; uma batalha acima de uma carruagem onde os agressores se municiam de luvas e sapatos gigantes etc. A forma do comicidade é notadamente a tentativa de um norte-americano emular o nonsense do humor inglês.

    Sigerson tem o seu próprio Watson, o Sg. Orville Stanley, maravilhosamente executado por Marty Feldman, e também possui uma Irene Adler às avessas, com Madeline Kahn fazendo sua Jenny Hill. As piadas do roteiro são pontuais e fazem muito sentido para quem conhece a história do detetive e a obra de A. Conan Doyle, inclusive no comportamento do protagonista, completamente desligado, só encontrando as pistas quando elas lhe caem no colo – o total avesso do investigador completo que é o Holmes clássico. Sigerson é um Sherlock cru, impulsivo e desatento ao extremo, ignora o óbvio de uma forma extremamente atrapalhada, quase sempre sendo superado por seu auxiliar Mr. Stanley. O humor físico de Gene Wilder cabe muito bem à trama e maximiza a inabilidade do caçula Holmes.

    A meia hora final perde um pouco do ritmo: as piadas se repetem muito e parecem estar na esteira das primeiras. O quadro melhora substancialmente com as reaparições de Madeline Kahn e seu belíssimo semblante, além, é claro, de sua portentosa voz. Os momentos de perseguição em meio à execução de uma ópera tem um tom de inacreditável e inescrutável absurdo, e mesmo com tudo isso o show não para.

    O quarto onde se armazenam os manequins, bonecos e apetrechos do teatro é por si só um lugar amedrontador, e o duelo de espadas entre Sigerson e Moriarty (Leo McKern) é bem filmada, emulando os duelos dos filmes de Errol Flynn de uma forma debochada. O irmão famoso estava o tempo todo à espreita, incógnito, auxiliando o protagonista, prestando a ele uma distração em seu momento de maior melancolia. Apesar da crueza na direção – a qual melhoraria com o passar dos anos –, Gene Wilder tem uma atuação bastante à vontade, sem amarra nenhuma. Seu talento humorístico funciona muito mais assim. A medida entre a liberdade artística e o respeito à obra original é perfeita, pois não há nenhum excesso na película absolutamente execrável, pelo contrário, esta obra só enriquece o mito de Doyle.

  • Crítica | Sherlock Holmes: A Voz do Terror

    Crítica | Sherlock Holmes: A Voz do Terror

    SH A Voz do Terror 1

    Primeiro dos doze filmes feitos pela Universal com Basil Rathbone e Nigel Bruce fazendo os canônicos personagens de Arthur Conan DoyleSherlock Holmes: A Voz do Terror é regido por John Rawlins (de As Mil e Uma Noites, Dick Tracy em Luta e Dick Tracy Contra o Monstro). A primeira história do detetive se passa em tempos atuais, no ano de 1942, e toca em um assunto relevante, a Segunda Guerra Mundial. Iniciando-se com uma transmissão de rádio de cunho sensacionalista, A Voz do Terror remete a Alemanha do III Reich na tentativa de apavorar o “bravo” povo inglês, anunciando um grande número de atos de guerra com o claro intuito de minar a autoestima dos estrategistas e do povo.

    Após uma reunião da inteligência nacional, a portas fechadas, uma parcela dos presente sugere a inclusão do detetive particular no encontro, ideia que seria prontamente rebatida pela ala mais temerosa. Rathbone encarna um Sherlock mais sério que nos filmes anteriores, menos piadista e mais autocentrado, um sujeito mais experiente, talhado pelo tempo. A escolha da iluminação do figurino junto a fotografia dão à obra uma atmosfera noir inexistente nos episódios da 20th Century Fox, o que faz do filme como um todo bastante pitoresco e competente.

    O trabalho de investigação de Holmes não funciona perfeitamente com o excesso de interferências e relatórios, o que deixa aqueles que eram contra a sua convocação em polvorosa. Sherlock é quase tão onisciente quanto o público, o que prova ainda mais o seu valor como investigador. Pouco depois de comprovar em tela quem teria entregue informações ao inimigo, Holmes chega à conclusão de que alguém trabalhara contra a causa.

    É complicado acreditar que o protótipo do MI6 aceitaria de forma tão condescendente as orientações de um profissional como Holmes, ainda mais após uma tratativa fracassada à primeira vista. Mesmo com toda a superioridade do protagonista em relação aos outros personagens, a explicação do herói mostra que o seu método de dedução não obteve o êxito esperado graças à ação e interferência de seus ditos superiores, tendo que terminar o seu raciocínio discursando aos presentes numa espécie de tribunal improvisado – que de forma profética antevia Nuremberg – desmascarando um agente infiltrado que agiu no alto escalão britânico por longos 24 anos.

    Apesar de inverossímil, e até infantil, a trama é intrigante. Como cinema-resposta aos filmes de propaganda partidária de Joseph Goebbels, na Germânia, a obra contempla uma mensagem positiva de “marcha em frente” contra o vil inimigo nazista, traduzindo-se em um discurso motivador para a Inglaterra e as forças do bem contra o Eixo.

  • Crítica | A Vida Íntima de Sherlock Holmes

    Crítica | A Vida Íntima de Sherlock Holmes

    a-vida-intima-de-sherlock-holmes-poster

    A valise aberta no cofre do banco, somente autorizada a ser aberta após passados 50 anos da morte do seu antigo dono, lembra, em importância, guardadas as devidas proporções, a Arca da Aliança, por conter em si materiais que se mostrariam sagrados para toda uma geração de fiéis. Em pouco mais de 3 minutos, Billy Wilder, um realizador polonês de nascimento – mas ainda assim ícone da narrativa clássica americana – consegue transmitir como ninguém todo o charme de um dos maiores personagens da literatura britânica.

    O afetadíssimo Sherlock de Robert Stephens – que usa uma sobrancelha postiça, garantindo a ele um ar aristocrático – começa o filme praticando algo que o detetive adorava fazer nos livros: desdenhar da escrita de Watson (Colin Bradley), acusando-o de aproximar a imagem de si da de um misógino, além de exagerar em seus dotes musicais. Mas o que realmente incomodava o protagonista eram as liberdades poéticas tomadas pelo médico, que faziam dele um personagem longe demais da realidade e mais próximo de um ideal heroico.

    O auge do sarcasmo acontece quando Holmes recusa um convite para “deitar-se” com uma renomada artista russa, alegando que, assim como Tchaikovsky, seu prato preferido não seria este – a homoafetividade antes insinuada é encarnada de forma jocosa, anedótica e pontual. O escândalo que a mulher rejeitada faz certamente é parecido com a reação que os fãs mais conservadores teriam ao ouvir uma revelação da homossexualidade factual do personagem; o grito de protesto pelo desperdício de tão viril figura – ao menos à primeira vista – seria uma resposta comum de parte dos leitores.

    É evidente que esta liberdade de roteiro era apenas anedótica, um artifício do detetive para rejeitar a mulher sem maiores problemas. Mas a indagação de Watson a respeito de seu currículo com o “beau sexe” (“belo sexo”, em tradução literal) incomoda o frágil detetive. A própria orientação sexual constituía para Holmes um mistério mais difícil de desatar do que os vários nós das vidas alheias – provando, aqui, mais uma grande característica do Detetive no cânone, o interesse diminuto em realizar autoanálise.

    O humor negro é muito presente sob uma máscara cínica e em abordagem ácida dos fatos absolutamente pouco usuais que aconteceram sob o teto de 221b de Baker Street. O registro visual lembra muito Topázio e Marnie – Confissões de uma Ladra, enquanto as viradas de roteiro remetem a Festim Diabólico e Disque M para Matar – Wilder era apenas sete anos mais jovem que Hitchcock, e, nesta película, optou por reverenciá-lo citando partes de sua filmografia, mesmo quando a crítica considerava o realizador em declínio, e Alfred estava às portas da aposentadoria.

    A fonte da desconfiança de Holmes com as mulheres seria sua noiva, que morrera de gripe pouco antes do casamento, mostrando que por trás do suposto comportamento misógino havia um coração ferido por uma perda irreparável, e até inesquecível, dada uma fala do detetive no filme:

    Alguns de nós vivem atormentados com uma memória de elefante, com uma quantidade tremenda de dados variados lá cravados, mas na maioria inúteis”  – esta citação entra em contradição com uma afirmação de Holmes em Um Estudo em Vermelho, na qual ele compara o cérebro a um sótão, onde é interessante guardar somente o necessário. Talvez a argumentação de Wilder fosse a de mostrar que Holmes era incapaz de atingir este ponto ideal, assim não poderia esquecer-se de nada, desde que não seja algo inconveniente.

    Para Holmes, perceber que foi enganado e tratado como joguete pela única mulher por quem conseguira se afeiçoar – numa clara repaginação de Irene Adler – derrubou significativamente sua autoestima e a possibilidade de um romance com a única mulher que Sherlock seria capaz de amar. Mas, ainda assim, a reação do detetive fora benevolente, sugerindo ao seu irmão, Mycroft, que Gabrielle (Geneviève Page) tivesse amenizada sua pena por espionagem. A notícia que recebera por carta no final sepulta de vez qualquer possibilidade de haver um romance imaginado em sua mente, encerrando em seu triste coração partido a inexorável solidão, que deveria estar presente até o fim dos seus dias, provavelmente vivendo estes de modo melancólico.

  • Crítica | As Névoas do Terror

    Crítica | As Névoas do Terror

    Study In Terror - Poster

    A produção de 1965, dirigida por James Hill, começa em tom folhetinesco, com o assassinato de uma messalina, utilizando um enfoque bastante sensacionalista, unindo dois dos maiores ícones britânicos em um só universo ambiente. A vida burlesca da grande metrópole é mostrada como em um grande pastiche, em uma visão debochada da faceta marginal em plena Era Vitoriana.

    A cena do segundo assassinato varia em dois ângulos – a moça é jogada em uma bacia cheia de água, e de cima o estripador toscamente esfaqueia a vítima, num plano muito mal enquadrado; mas de outro ângulo, vê-se nos olhos da martirizada mulher a arma branca invadindo a água, e, para o seu terror, o sangue subindo, numa belíssima tentativa de imergir o público, pondo-o no lugar de sofrimento da assassinada.

    John Neville faz um Sherlock esguio, como nos desenhos de Sidney Paget, exceto pelo penteado sem entradas de calvície. Vivaz, ativo, praticamente irreconhecível quando disfarçado, diferente de sua contraparte nas películas do final dos anos 30, se diferenciando de Basil Rathbone em qualidade, claro, livre das amarras temporais do intérprete anterior.

    A caça aos libertinos passa a ser prioridade para alguns da comunidade, ao contrário da captura do vil assassino – a crítica à hipocrisia desta sociedade não é velada, ao contrário da larga utilização dos serviços das mulheres pouco respeitáveis por parte de senhores da alta classe.

    A câmera usada como os olhos do monstro/assassino, 10 anos antes de Tubarão de Steven Spileberg, registra o modus operandi de uma das profissionais do sexo, além de mostrar o fim inevitável que sua vida de pecados lhe causou. Os zoom outs que contemplam a arma do crime e a trilha sonora histriônica causam no espectador um misto de temor e impaciência em descobrir quem está por trás dos temíveis e atrozes crimes de Jack, O Estripador.

    O desfecho é mais do que satisfatório, misterioso até o fim. A hipótese da película de James Hill é a de que, se Sherlock habitasse o mesmo mundo de Jack Estripador, sua identidade não seria incógnita por tanto tempo. O espectador não é subestimado, e o roteiro de Derick Ford é muitíssimo bem construído, fazendo do paupérrimo orçamento algo irrelevante diante dessa história tão bem urdida.

  • Crítica | Sherlock Holmes e a Arma Secreta

    Crítica | Sherlock Holmes e a Arma Secreta

    A cine-série protagonizada por Basil Rathbone apresenta a temática da Guerra contra o nazifascismo e pretensa soberania alemã, numa “adaptação” do conto de Arthur Conan Doyle, The Dancing Men. Dessa vez a obra é regida por Roy William Neill, que prosseguiria na franquia por mais 11 filmes. Logo de cara nota-se que os disfarces de Holmes estão melhor construídos do que a versão de 1939 para As Aventuras de Sherlock Holmes.

    Sherlock, em frente a um espelho, se desvencilha da máscara que usava como maquiagem, mostrando ao público sua real face e compartilhando com ele um pouco do seu processo de trabalho, numa frase bastante emblemática que lembra muito o detetive dos contos doylianos: “Eu nunca suponho, Watson”.

    Graças a um atentado, e com receio disso respingar em sua amada, Doutor Franz Tobel (William Post Jr.) aliado de Holmes, exige que seus experimentos não tenham interferência ou supervisão inglesa, fato interessante por si só por demonstrar de forma clara o paralelo com a costumeira neutralidade da Suíça, país de origem do espião infiltrado, e que só se permite entrar no esforço de guerra contra o Führer em seus próprios termos. A elevação de Tobel evidencia um defeito que cada vez mais se agrava: a lastimável transformação de Watson em um alívio cômico; o médico mal entra nas investigações.

    A única semelhança factual entre o roteiro final e o conto original é o código usado para esconder o segredo do agente infiltrado, que serve mais como easter egg do que como fonte de inspiração. A versatilidade de Rathbone constitui um dos pontos mais altos do filme, principalmente pela quantidade de disfarces que Sherlock lança mão. As cenas de tortura também são muito bem executadas.

    O Professor Moriarity – grafado errado na ficha técnica – é completamente diferente do retratado por George Zucco em Aventuras de Sherlock Holmes. Lionel Atwill, que já havia feito o Doutor Mortimer em O Cão dos Baskerville de 1939, metamorfoseia-se em um vilão comum, apenas preocupado com o lucro, em nada lembrando o Napoleão do Crime, inferior, e muito, ao seu antecessor no papel. O problema é tão gritante que ganha ares de ato falho, em uma fala de Sherlock/Basil emblemática: “Ora essa, esse não é o professor Moriarty, mestre dos crimes, que eu conheço”.

    A tentativa de deter Sherlock é muito facilmente desbaratada, e caracteriza este plano como algo muito mal construído, aliado à armadilha que o Detetive arquiteta para o seu rival, que o reduz a um simples bandido ordinário e sem criatividade própria, o que leva a crer até mesmo na possibilidade deste ser um impostor. Sua morte é ainda mais indigna que a versão do pastiche presente no filme.

  • Resenha | O Chamado do Cuco – Robert Galbraith

    Resenha | O Chamado do Cuco – Robert Galbraith

    O-Chamado-do-Cuco-Robert-Galbraith

    Quando uma modelo problemática cai para a morte de uma varanda coberta de neve, presume-se que ela tenha cometido suicídio. No entanto, seu irmão tem suas dúvidas e decide chamar o detetive particular Cormoran Strike para investigar o caso.

    Desnecessário comentar sobre o burburinho causado pelo “vazamento” da notícia de que a autora de Harry Potter escrevera este livro sob o pseudônimo de Robert Galbraith. Talvez eu até chegasse a ler se esse detalhe não tivesse sido divulgado. Mas certamente que, ao saber disso, minha curiosidade a respeito aumentou exponencialmente. E, com ela, a expectativa, lógico, apesar de eu me esforçar bastante para deixá-la de lado.

    Curto demais livros de detetive, e Agatha Christie e Conan Doyle estão entre meus autores prediletos, não apenas nesse gênero, mas na literatura em geral. E um dos motivos que me faz preferir os livros desses autores é a figura do detetive. Sherlock Holmes e Hercule Poirot são figuras que prendem a atenção do leitor tanto por sua excentricidade quanto por sua inteligência. E J.K. Rowling conseguiu conceber um detetive, Cormoran Strike, cujas características levam o leitor a querer acompanhá-lo literalmente a qualquer lugar, seja nas investigações, seja em suas crises pessoais.

    Os defeitos do protagonista são mais decisivos e atraentes que suas qualidades, sendo os elementos que o tornam um personagem interessante. No caso de Strike, a perna amputada – seus problemas com ela e a relutância em comentar a respeito -, seu casamento em crise, sua ascendência, suas dívidas, entre tantos outros problemas, agravam seu mau humor, seu pendor para o álcool e pelos exageros alimentícios, sua arrogância e seu desapego – que beira o desprezo – por um convívio social saudável. Diferente de Poirot e Holmes, Strike não é extravagante nem possui QI muito acima da média, mas consegue ser interessante o bastante para angariar a simpatia do leitor. E acompanhar a história significa não só se aproximar da descoberta do mistério, mas também conhecer mais do protagonista e de suas motivações.

    Todo herói que se preze tem um sidekick à altura e Strike tem o seu, ou melhor, a sua. E assim como o detetive é um herói relutante, Robin Ellacott, a secretária temporária, torna-se a ajudante quase por acaso, o que determina uma alquimia entre os personagens que funciona muito bem. Guardando-se as devidas proporções – lógico, não se pode perder de vista que é uma narrativa ficcional – os personagens, não apenas Cormoran e Robin, são bastante verossímeis e convincentes.

    A narrativa flui bem, apesar de algumas “barrigas”, trechos que poderiam ser suprimidos sem prejuízo à trama. E a pergunta que todos que me viram lendo o livro fizeram: “Parece Harry Potter?”. Não, não parece. Há, sim, o mesmo cuidado com o texto e com os personagens, mas apenas isso. Certamente, deve haver alguns detalhes estilísticos sutis que identifiquem a autora. Mas, principalmente no texto traduzido, não há nada perceptível, a não ser alguns easter-eggs – que eu nem sei se foram intencionais ou apenas “intrusões” do tradutor.

    Narrado em terceira pessoa, obviamente acompanha na maior parte do tempo os passos de Strike e, eventualmente, os de Robin. Rowling se preocupou em deixar o leitor ter acesso às mesmas informações que o detetive, contudo as conclusões de Strike pertencem apenas a ele. Mas mesmo assim, quando o mistério é revelado, não é um deus ex machina, em que algum elemento nunca antes visto na trama torna-se a chave da solução. Há algumas explicações um pouco “forçadas”, mas nada que faça o leitor duvidar demais do que está lendo. Uma das motivações do vilão não convenceu; havia outras possibilidades menos simplistas.

    Enfim, é uma trama bem estruturada, sem fios soltos. Não é excepcional, mas cumpre bem a função de entreter. E deixa o leitor com vontade de acompanhar outros “causos” da dupla Strike & Ellacott.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.