Havia uma grande expectativa em torno da estreia de Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa, por conta da possibilidade de apresentar finalmente uma versão do multiverso no cinema da Marvel e, claro, pela possibilidade da aparição de Tobey Maguire e Andrew Garfield. Esta terceira parte conduzida por Jon Watts começa no momento final de Homem-Aranha: Longe de Casa, onde o vilão Mysterio revela a identidade do herói.
O ponto de partida do filme é o caos total, causado pela revelação do vilão, e a opinião pública se divide em relação à culpa do Aranha nesse caso. Pela primeira vez o personagem do UCM parece ter dificuldades tangíveis. Em Homem-Aranha: De Volta ao Lar ele passa a maior parte da história sob a tutela de Tony Stark, como se fosse um trainee de herói, e não o mais popular personagem de histórias em quadrinhos da Marvel Comics.
Os roteiros dos filmes da Marvel normalmente não são primorosos, não é raro perceber uma reciclagem de conceitos, com um ou outro vilão clássico representado no cinema em uma aventura genérica e presa a fórmula, tendo como diferencial as cenas pós créditos, que por sua vez, geram a expectativa de que a próxima produção será épica. Sem Volta Para Casa acaba tropeçando em alguns desses problemas, mas se diferencia pelo modo emocional com que é levado. Dessa vez, há vilões realmente perigosos, assassinos sádicos, não versões “água-com-açúcar”.
O Peter de Tom Holland não tem um código moral bem estabelecido até essa historia, o caráter dele é posto à prova de maneira bem mais explícita, e sem a diluição de ter a responsabilidade dividida com outros heróis, como foi nos filmes anteriores e Guerra Infinita. Pela primeira vez nessa encarnação há peso em suas atitudes. Suas reflexões se dão sem interferência de personagens externos ao seu universo, ele sozinho se dá conta disso. Essas questões emancipatórias e de amadurecimento são bem observadas, mas não se descuida dos momentos de ação típicas de aventuras de super-heróis de quadrinhos.
A ação do filme é frenética, e Watts resgata boa parte dos melhores momentos do herói na grande tela, inclusive emulando cenas clássicas dos filmes de Marc Webb e Sam Raimi. As lutas são ótimas, sobretudo o embate contra o Dr. Octopus de Alfred Molina. Os efeitos em computação gráfica também tiveram um upgrade, tanto nas lutas quanto no rejuvenescimento do elenco veterano de vilões que, aliás, são tão presentes aqui que faz perguntar se a intenção não era a de referenciar o malfadado filme do Sexteto Sinistro que jamais saiu do papel.
A produção trabalhou bastante para guardar seus segredos, tanto que na exibição para imprensa havia um pedido do elenco para que não houvesse spoilers de modo algum. Ainda assim, mesmo sem falar dos rumos que o roteiro toma, é possível afirmar que a versão amaldiçoada do herói está bastante presente, assim como o fardo de carregar o mundo de responsabilidades em suas costas. Em vários pontos o desempenho dramático de Holland é exigido, e ele simplesmente não decepciona. Outras figuras como Zendaya e Marisa Tomei também tem grandes aparições e ajudam o protagonista a brilhar, certamente seu papel não seria tão elogiado se ambas não estivessem tão afiadas quanto ele.
Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa é de fato um filme que busca romper com o céu de brigadeiro que ocorria nas aventuras dessa versão do Aranha. Logicamente, ainda existem algumas conveniências e pieguices, algo bastante recorrente em suas histórias em quadrinhos. De qualquer modo, finalmente a essência de quem é Peter Parker é contemplada, e honra o ideal que Steve Ditko e Stan Lee pensaram para o seu personagem mais famoso.
Não é de hoje que vinha sendo dito que Vingadores: Ultimato marcaria o encerramento da Saga do Infinito, que começou lá em 2008 com Homem de Ferro e que se estendeu por 11 vitoriosos anos e 22 filmes, ao todo. As Joias do Infinito foram aos poucos sendo introduzidas e cada filme mostrava um pouco daquilo que estava por vir. Tudo muito bem programado e arquitetado pela Marvel, que se mostrou uma estrategista sem igual no que diz respeito ao planejamento. Obviamente, ao longo de 22 filmes, vimos uma montanha russa no quesito qualidade. Alguns filmes são realmente bons, como o ótimo Capitão América: O Soldado Invernal, ou como o primeiro Guardiões da Galáxia, sendo que outros são bem fraquinhos e que não vale a pena nem comentar. Aliado a isso, tivemos o início desse encerramento em Vingadores: Guerra Infinita, que foi um dos grandes momentos da história do cinema, reunindo num só filme os principais heróis dessas histórias contadas por mais de 10 anos. E é com Vingadores: Ultimato que esse ciclo se encerra.
Após reunir todas as Joias do Infinito, Thanos (Josh Brolin) dizimou metade da população de todo o universo e o filme se inicia bem nesse momento para, logo em seguida, situar seus principais personagens, como os Seis Originais, vividos por Capitão América (Chris Evans), Homem de Ferro (Robert Downey Jr.), Thor (Chris Hemsworth), Hulk (Mark Ruffalo), Viúva Negra (Scarlett Johansson) e Gavião Arqueiro (Jeremy Renner), juntamente com Máquina de Combate (Don Cheadle), Homem-Formiga (Paul Rudd) e os Guardiões da Galáxia, Rocket Racoon (voz de Bradley Cooper) e Nebulosa (Karen Gillan), sobreviventes no filme anterior. Se Guerra Infinita tinha uma pegada mais urgente e ainda assim sobrou tempo para trabalhar os personagens, em Ultimato, esse tempo não existe e se o espectador não for ligeiro, ficará sem entender nada em alguns momentos. Inclusive, vale destacar que algumas das teorias são verdadeiras e muitas coisas que fãs acreditavam que aconteceria, realmente acontecem! Só que ninguém falou que aconteceria logo na primeira meia hora de fita e o desenrolar, aos poucos, vai perdendo aquele tom de obviedade, tornando tudo uma grata surpresa.
Importante dizer que Ultimato é bem diferente de seu antecessor, Guerra Infinita, tanto no que diz respeito ao tom, quanto no que diz respeito ao rumo que cada personagem tomou após o drástico evento. Embora parte dos Vingadores estivesse operando em vários locais do mundo e tentando seguir a vida da maneira como podem, outros foram terrivelmente afetados pela aniquilação. Alguns foram para caminhos muito sombrios e outros foram para caminhos extremamente bizarros e desnecessários. Estes em específico causaram uma notória divisão dentro da sala do cinema. Parte ria, parte se revoltava, principalmente com os rumos tomados por Thor, que foi a maior surpresa de Guerra Infinita.
É interessante como os diretores Joe & Anthony Russo e os roteiristas Christopher Markus e Stephen McFeely se propuseram a criar uma história mais intrincada e épica que a anterior. Embora conte com um número mais reduzido de personagens, a missão dos Vingadores é maior e cheia de detalhes, sem contar que é a mais audaciosa de suas vidas. Audacioso também é o desafio proposto pela equipe criativa, porque paralelamente à história principal, após sua primeira hora, dá-se início a uma série de homenagens e surpresas que celebram os mais de 50 anos de histórias da Marvel Comics, além de celebrar os 11 anos do seu Universo Cinemático – UCM. São tantos detalhes, que talvez seja necessário um texto inteiro para apontar esses acontecimentos, que são desde cenas inteiras, passando por frases marcantes. E é aí que nas duas horas seguintes você para de analisar o filme com frieza e volta a ser criança, principalmente no último ato, quando a sala do cinema se entrega de vez à diversão, algo que acontece até o último segundo.
Se Guerra Infinita era um filme sobre Thanos, Ultimato é um filme sobre os Vingadores. E é impressionante como Gavião Arqueiro, Viúva Negra, Homem de Ferro e Capitão América se destacam no meio de tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo. Robert Downey Jr e Chris Evans tem uma atuação de gala e entregam neste filme suas melhores atuações no UCM. A carga emocional que os personagens enfrentam do primeiro ao último minuto de tela é transportado para os olhos do espectador com maestria pelos atores. Não é a toa que os (vários) melhores momentos do filme são protagonizados pelo Homem de Ferro e pelo Capitão América. E não é a toa que os momentos mais emotivos também são protagonizados pelos dois.
Emoção é um sentimento que define bem Vingadores: Ultimato. Um filme que não só fecha a Saga do Infinito, mas que também coloca ponto final nos arcos de vários personagens, fecha algumas portas, abre outras e principalmente encerra um ciclo de pouco mais de uma década que foram relevantes para a história do cinema. Inclusive, após o seu final, o título original em inglês, Endgame passa a fazer mais sentido do que nunca. A Marvel Studios sai de cabeça erguida e com a promessa de se manter no topo, mas com um novo e mais complicado desafio. Avante, Vingadores!
A clássica história do Dr. Seuss sobre como um ser desprezível tentou roubar o natal da Quemlândia ganhou em 2018 um remake dos estúdios da Ilumination – mesma empresa responsável por Meu Malvado Favorito e Minions: O filme. O conto de natal, que já havia sido adaptado para televisão em 1966 e para o cinema no ano 2000, é apresentado nessa nova versão de uma forma mais fofinha e colorida. O Grinch segue a linha de outros filmes animados do estúdio, com um roteiro pouco imaginativo e com mudanças cruciais nos personagens do livro.
Claro que certas mudanças e adições ao roteiro são necessárias, pois o livro original é bem curto – afinal, é feito para crianças – e o filme deixa muito espaço para se preencher em seus 90 minutos além da história básica. No entanto, muito do que foi acrescentado está lá apenas para fazer volume ao longa, como a rena Fred, que não faria falta alguma se fosse retirada do filme. O personagem título é bastante diferente de sua concepção original. No livro e nas duas outras adaptações, Grinch é um ser cruel e detestável, que odeia o natal com todas as suas forças. No novo filme, nem tanto. Grinch não parece odiar o feriado, mas sim guardar um ressentimento devido a um trauma de infância, o que faz com que desde o começo o público possa se identificar melhor com o personagem. Não odiamos o Grinch nesse filme, temos empatia por ele. Ele demonstra o tempo todo querer participar do natal, e isso se reflete em suas expressões faciais, seu olhar e seu esforço para odiar algo que claramente ele deseja. O Grinch do estúdio dos minions é menos rabugento e mais “recalcado”.
A história começa no dia 20 de novembro, quando toda a Quemlândia está animada se preparando para o natal, enfeitando as casas e ensaiando corais. O tempo de cinco dias para o natal acaba sendo desnecessariamente longo e faz com que tenhamos várias cenas de café da manhã, que servem basicamente para mostrar a subserviência do cãozinho Max – muito mais jovem e ativo do que suas outras versões. Nesse meio tempo, Grinch visita a vila dos Quem e, ao invés da aversão odiosa aos elementos natalinos, ele parece ter algum tipo de fobia, fugindo de um grupo de coristas. Suas “maldades” não passam de pequenas traquinagens pueris – talvez com uma dose bem pequena de sadismo – mas ainda assim insignificantes. Quando Grinch finalmente resolve “roubar o natal”, ainda temos um bom tempo de tela sendo preenchido com os planos e um arco sobre a rena Fred que, como já citado, não leva a nada.
Talvez o roubo do natal seja a parte mais interessante do filme, pois é seu momento mais criativo. O Grinch dessa película é uma espécie de “engenhoqueiro”, e utiliza todos os tipos possíveis de gadgets para realizar a façanha. Em paralelo, acompanhamos a história da família da pequena Cindy-Lou Quem e seu plano para prender o Papai Noel – a quem ela tem um pedido importante a fazer que acaba sendo o motivo da redenção final do personagem título.
O ritmo alucinante deixa pouco tempo para introspecção e dá a impressão de que a história não pareça tão esticada. A trilha sonora assinada por Danny Elfman acerta poucas vezes, na maioria ao emular as faixas apresentadas na versão de 1966 – embora a versão de You’re a mean one, Mr. Grinch, do rapperTyler, tenha ficado bastante dissonante com o restante. Quanto às vozes, nada que justificasse o alarde em torno de Benedict Cumberbatch ou do brasileiro Lázaro Ramos na versão dublada. Embora ambos tenham realizado um bom trabalho, essa versão não apresenta uma voz tão marcante e com tantos trejeitos quanto a do filme de 2000.
Claramente, a Illumination criou sua própria estética visual baseada nos livros do Dr. Seuss, mais alegre e fofinha. Nisso, o filme se aproxima muito de outras obras do estúdio baseadas no autor, como Horton e o Mundo dos Quem e O Lorax: Em Busca da Trúfula Perdida. Temos então uma versão fofinha, limpinha e sanitizada do personagem que deveria ser asqueroso e rabugento. O Grinch da Illumination é um cara legal que está um pouquinho confuso, demonstra afeto e carinho ao seu fiel companheiro Max e respeita uma rena caçada nas montanhas. Adultos devem facilmente se cansar do filme, mas para o público infantil, O Grinch pode se tornar um novo Meu Malvado Favorito.
Antes inclusive da produção de Mogli: O Menino Lobo, de John Favreau, a adaptação do Livro da Selva já estava em produção pelas mãos de um sujeito importante para o cinema mainstream recente. Andy Serkis tentava traduzir o material original de Rudyard Kipling que encantou gerações através não só da literatura mas também da animação clássica da Disney nos meados dos anos sessenta, e sua versão, Mogli: Entre Dois Mundos demorou a ser entregue e a ser finalizada, por motivos até hoje discutíveis, graças não só aos estúdios Disney, que tem em seu Mogli o alicerce para onda de live actions que fizeram sucesso e dão bilhões de dólares de arrecadação, como pela Warner, que claramente recuou e não permitiu ao realizador fazer o filme que queria, com o orçamento que precisava.
Ainda assim, e reduzido (de certa forma) a estrear para plataformas digitais via streaming pela Netflix, a versão que Serkis fez tem animais digitais com um visual estranho, quase mal acabados, e isso evidentemente denigre o produto final, mas não contamina a história. Na trama, o tigre Shere Khan ataca alguns homens e mulheres, e mata a mãe biológica do rapaz, que acaba sendo encontrado pela pantera Bagheera, e levado até sua alcateia, que fica responsável pelo bebê.
A história começa narrada pela serpente Kaa, dublada por Cate Blanchett, cujo visual talvez seja o mais estranho entre as criaturas animadas, mais até que os lobos de Akela (Peter Mullan) e companhia. Não demora até ocorrer uma deliberação entre os animais, incluindo aí o urso Baloo (Serkis), Baghera (Christian Bale), a loba Nisha (Naomi Harris) e até o vilanesco Shere Khan (Benedict Cumberbath). Esse elenco pomposo tem um embate face a face muito poderoso, mesmo que sejam suas contra-partes animalescas. Já nesse prólogo o filme se demonstra grandioso e ele segue assim mesmo nos momentos de despretensão.
Mogli cresce, e é vivido pelo jovem Rohan Chand, um intérprete de olhos muito expressivos, seja quando brinca com a pantera que o salvou ou mesmo em situações banais como comer uma fruta ou matar um inseto. Seja sozinho ou com seus mentores – na falta de um pai de sua espécie, ele tem um urso, uma pantera e muitos lobos – ele entende como funciona as leis da selva, sobre como caçar e quem caçar, mas também preserva a inocência típica de um filhote.
Toda a essência da vida de menino criado por lobos e sua experiência na selva que o cerca é muito bem enquadrada pela câmera de Serkis, e é realmente triste que um trabalho visual tão bem concedido como a construção das paisagens naturais esbarre nas figuras em efeitos especiais dos macacos, ou do lobo albino Bhoot, que mais parece um poodle mal tosado. É difícil levar o filme a sério, porque seus personagens digitais passam longe de serem críveis. Mesmo as movimentações deles são artificiais e a textura é terrível. Os que mais se aproximam de salvar disso são Shere Khan, Bagheera e alguns momentos Baloo.
Ao mesmo passo que no ambiente selvagem o jovem humano é amado pela maioria das criaturas, quando se encontra com o homem ele é tratado de maneira hostil, enjaulado após reagir com fogo contra os seus, e cutucado com pedaços de pau por outras crianças. Nesse início, ele é tratado como um animal, já que veio do habitat selvagem. A parte em que acontece o rapto do menino e a chegada a civilização perde um pouco do bom ritmo que antes predominava, mas não é de todo ruim e a área sentimental volta a predominar, mostrando que o medo do tigre devorar Mogli faz com que a pantera e o urso achem que é bom para ele voltar para a civilização. O que faz realmente pecar é a construção da rivalidade entre o felino e o homem, que não é é tão bem desenvolvida e é o erro mais crasso do roteiro que Callie Kloves apresenta.
Mogli consegue se adaptar ao mundo civilizado e lá descobre alguns horrores, os mesmos que fizeram com que ele fosse órfão e ajudaram Shere Khan a se tornar uma figura maligna. A gangorra emocional melhora bastante no final, e o desfecho trágico envolvendo caça e caçadores é simbólico e um bom rito de passagem para o personagem que dá nome ao longa, e capta perfeitamente como funciona esse limbo existencial que o menino sofre, mostrando que a busca de identidade dele é visceral, sem deixar de ser poética, algo que o filme de Favreau não traduz bem. Mesmo que visualmente os efeitos especiais não estejam a altura das emoções que Serkis passa, Mogli: Entre Dois Mundos é talvez a mais inventiva e bonita adaptação do clássico O Livro da Selva.
Bem-vindos a bordo. A pedido dos ouvintes, Flávio Vieira (@flaviopvieira), Filipe Pereira (@filipepereiral), David Matheus Nunes (@david_matheus) e Jackson Good (@jacksgood) se reúnem para comentar sobre o filme Vingadores: Guerra Infinita.
Duração: 103 min. Edição: Julio Assano Junior Trilha Sonora: Flávio Vieira
Arte do Banner: Bruno Gaspar
Como eu havia escrito no meu texto sobre as expectativas em torno de Vingadores: Guerra Infinita, a hora havia chegado. O filme que marca os 10 anos do conhecido Universo Cinematográfico Marvel – UCM chegou aos cinemas com muitas dúvidas, desde as mais óbvias no que diz respeito ao encaixe de dezenas de heróis e seus coadjuvantes em tela, passando pelas apostas sobre qual herói seria o candidato a morrer e a partir os corações dos fãs, até a pergunta mais óbvia e com extrema relevância para a trama: onde está a Joia da Alma?
Vingadores: Guerra Infinita entrega aos fãs e ao espectador aquilo que satisfaz desde os mais aficionados até aqueles que não estão tão familiarizados assim com o UCM e melhor, além de encher os olhos daquele que assiste, causando as mais diversas sensações, amarra todo o universo iniciado em 2008 com Homem de Ferro, tendo Pantera Negra como último “representante”, solucionando todas as dúvidas e amarrando todas as pontas soltas no decorrer do caminho, além de jogar no ar muitas outras perguntas que, talvez comecem a ser respondidas nas produções Homem-Formiga e a Vespa,Capitã Marvel e, obviamente, na quarta aventura da equipe que estreará somente em 2019, embora já esteja em estágio final de filmagem.
Tentando evitar spoilers ao máximo neste texto, Guerra Infinita, como todos já sabem, marca a busca do vilão Thanos (Josh Brolin) pelas Jóias do Infinito e tem como ponto de partida os minutos seguintes da cena pós-créditos de Thor: Ragnarok, quando a nave da nova Asgard é abordada por outra gigantesca nave. Logo em seus primeiros minutos o filme já mostra quem de fato é Thanos e ele é assustador. Assim, deu-se início ao maior filme da curta, porém, de sucesso história da Marvel.
Logo no início desse texto foi falado que um dos maiores desafios da produção seria encaixar tantos heróis, protagonistas e coadjuvantes em tela, e após o término do filme, tem-se se a sensação que cada um dos milhares de nomes que aparecem nos créditos finais, desde a direção de Joe e Anthony Russo, passando pela história escrita por Christopher Markus e Stephen McFeely, até prestadores de serviço como o “cozinheiro de Robert Downey Jr”, ou o “cabeleireiro de Don Cheadle”, merecem ser aplaudidos de pé. O cuidado com a história é tão minucioso que coisas “bobas”, mas que poderiam ter ficado de fora estão lá. Um pequeno exemplo disso é que devemos lembrar que Bruce Banner (Mark Ruffalo), por exemplo, abandonou o planeta ao final de Vingadores: Era de Ultron e ficou anos fora do ar, enquanto, na Terra, acontecia os eventos de Guerra Civil, Homem-Formiga, Doutor Estranho, Homem-Aranha: De Volta ao Lar e Pantera Negra. Banner acaba sendo atualizado de algumas coisas de uma maneira muito divertida.
Aliás, Banner, a julgar pelo que aconteceu nos últimos anos, está mais leve, sem aquela agonia constante que o personagem entregava nos demais filme e isso contribui para alguns momentos de humor serem protagonizados por Mark Ruffalo. Humor esse que está presente em todo o transcorrer da fita, cada um a sua maneira. As partes dos Guardiões da Galáxia são tão autênticas que parecem que foram escritas por James Gunn e isso foi bem acertado no filme, já que aqui, um não invade o território do outro no que diz respeito ao estilo de cada personagem e assim, meio que temos um núcleo de personagens habilidosos com o humor e outro núcleo bem mais sereno. Tudo isso aliado à diversas cenas de luta e ação desenfreada, todas muito bem feitas e bem resolvidas.
Em Guerra Infinita todo herói tem seu momento de protagonismo. O roteiro e a direção, de maneira habilidosa, cedem espaço para todos, sem exceção, algo que foi muito bem construído por Joss Whedon no primeiro filme, mas totalmente esquecido pelo diretor em Era de Ultron e pelos Irmãos Russo em Guerra Civil, quando há momentos em que Visão (Paul Bettany) e Feiticeira Escarlate (Elizabeth Olsen), dois dos mais poderosos no campo de batalha, simplesmente desaparecem, buscando de maneira preguiçosa, deixar a batalha mais equilibrada. Aqui, ninguém é esquecido e pra adicionar ainda mais um desafio para produção, ainda temos gratas surpresas, como o retorno de alguns bons personagens, além da inclusão de outros novos. Contudo, com relação ao seu herói preferido, fica o alerta de que você poderá ficar um pouco decepcionado se considerarmos o tamanho de sua expectativa. Guerra Infinita não tem tempo para desenvolver os personagens e as relações entre eles e os motivos são tanto relacionados ao desenvolvimento da produção, como ao desenvolvimento da história, porque Thanos, simplesmente, não deixa. E isso nos leva a dois destaques: o já mencionado titã louco e o deus do trovão, Thor (Chris Hemsworth).
O Thanos de Brolin é incrível. Ele não é um vilão clássico, megalomaníaco, que busca somente destruir tudo e todos em busca única e exclusiva de poder, desbancando Loki (Tom Hiddleston) do trono de melhor vilão do UCM. Thanos tem um propósito até justificável e percebe-se que ele sofre por carregar esse fardo, tanto que a cada conquista, em vez de comemoração, vemos certo desânimo em seu semblante e chega num determinado momento em que você fala consigo mesmo “vai, Thanos!” tamanha a serenidade do personagem. A clássica vilania fica por conta de seus filhos Fauce de Ébano (poderosíssimo), Proxima Meia-Noite, Corvus Glaive e o brutamontes Estrela Negra.
Já Thor sofreu mudanças significativas em Ragnarok e o personagem, dentro dos principais, foi o que mais evoluiu se levarmos em conta seus dois primeiros filmes que foram ruins e suas duas participações nos dois primeiros filmes dos Vingadores. E também, o contato junto dos Guardiões, fez com que o semideus se sentisse em casa, se encaixando na equipe como uma luva. Thor sempre foi um herói dotado de extrema arrogância e em Guerra Infinita podemos perceber que ele é um grande guerreiro.
Muito se especulou sobre a empreitada ser um enorme filme que foi dividido em duas partes, assim como as produções finais de Harry Potter, Crepúsculo e Jogos Vorazes e embora, ambas histórias tenham tido filmagens simultâneas, optou-se por ser duas produções distintas e com títulos próprios e o que se vê em Guerra Infinita é a síntese disso. Um filme próprio, com começo, meio e fim bem distribuídos. Além disso, ao término da produção, fica claro que o filme é sobre Thanos, algo que foi incrivelmente acertado, deixando a entender que o próximo será sobre a equipe.
O sentimento que Guerra Infinita deixa é de alegria e dever cumprido, o que aumenta ainda mais a expectativa para o próximo filme que chega aos cinemas daqui aproximadamente um ano. Enquanto isso, ficamos no aguardo da San Diego Comic Con em julho, que pode trazer as primeiras imagens e informações da misteriosa conclusão da história.
As primeiras imagens de Vingadores: Guerra Infinitaforam mostradas em julho durante o evento da Disney chamado D23 e causou furor entre os presentes. Os fãs que estavam lá tiveram o “privilégio” de ver que os Vingadores, Guardiões da Galáxia e demais heróis do chamado Marvel Cinematic Universe – MCU terão muito, mas muito trabalho para enfrentar Thanos e seus soldados da Ordem Negra.
Eis que a espera acabou e o resto do mundo pôde ver o que está por vir com a liberação do primeiro trailer oficial do filme. Informamos que a partir daqui, o texto poderá conter diversos spoilers, assim como teorias que poder ser verdades ou não.
Logo no início, Nick Fury, Tony Stark, Visão, Thor, Natasha Romanoff proferem aquilo que seria o embrião da Iniciativa Vingadores, iniciada há quase 10 anos com a cena pós créditos de Homem de Ferro, de que havia uma ideia de reunir pessoas incríveis para ver se eles poderiam ser algo mais e que, então, se as pessoas precisassem deles, eles poderiam lutar as batalhas que as pessoas jamais poderiam lutar. Nas imagens já vemos Tony Stark (Robert Downey Jr) completamente acabado em sofrimento, onde se acredita que ele está segurando a mão de alguém que veio a padecer. Vemos também Bruce Banner (Mark Ruffalo) caído e assustado dentro de um buraco, sendo observado pelo Dr. Estranho (Benedict Cumberbatch) e Wong (Benedict Wong), quando a imagem corta para o Visão (Paul Bettany), em sua forma humana, num momento de carinho com Wanda Maximoff (Elizabeth Olsen), ao mesmo tempo em que Thor (Chris Hemsworth) aparece a bordo da Millano.
As imagens a seguir já mostram Stark junto de Banner e Dr. Estranho dentro do Sanctum Sanctorum, enquanto Peter Parker (Tom Holland), dentro de um ônibus, tem seus pelos do braço completamente arrepiados para, logo após, observar uma enorme máquina circular pairando no céu de Nova Iorque. Embora as imagens sejam rápidas, é possível perceber que Stark tem um novo reator em seu peito e é muito provável que esse reator não seja somente um reator, mas também a fonte de onde sairá a sua armadura, o que remete, de certa forma, à armadura Extremis dos quadrinhos, muito embora, seu design seja bastante inspirado na Bleeding Edge, também dos quadrinhos.
Temos também imagens de Thanos (Josh Brolin) chegando provavelmente na Terra através de um portal, enquanto o Homem-Aranha, vestindo a sua armadura mais tecnológica apresentada ao final de De Volta ao Lar, procura um jeito de desativar a máquina circular, enquanto T’challa (Chadwick Boseman) ordena que a cidade seja evacuada, que todas as defesas sejam acionadas e que peguem um escudo para o homem que sai das sombras. O homem é nada mais nada menos que Steve Rogers (Chris Evans), que inclusive, aparece em cena segurando uma lança atirada pela vilã Próxima Meia Noite. Vale destacar que esse escudo do qual T’Challa menciona, não deverá ser o tradicional escudo do Capitão América, mas sim um escudo usado em Wakanda, onde o guerreiro possui duas placas retráteis de vibranium nos braços.
O trailer tem um caráter muito urgente e passa a impressão de que é mais tenso do que o primeiro trailer de Vingadores: Era de Ultron. Nas imagens, ainda podemos ver a Hulkbuster chegando em Wakanda, que inclusive receberá uma enorme batalha, onde Capitão América, Falcão (Anthony Mackie), Viúva Negra (Scarlett Johansson), Soldado Invernal (Sebastian Stan), junto do Pantera Negra, Máquina de Combate (Don Cheadle), Hulk e a líder das Dora Milaje, Okoye (Danai Gurira), liderarão o exército de Wakanda contra o exército do Titã Louco, formado pelos Batedores ou pelos Vrexllnexians que já apareceram na série Agents of S.H.I.E.L.D., o que, de certa forma, causa surpresa, uma vez que a decisão mais óbvia seria usar novamente o exército Chitauri do primeiro filme. O trailer termina com Thor perguntando quem são as pessoas para quem ele está olhando e a imagem aponta para os Guardiões da Galáxia, aqui formados por Senhor das Estrelas (Chris Pratt), ostentando um bigodão setentista, Groot (voz de Vin Diesel), em sua forma adolescente, Gamora (Zoe Saldana), Mantis (Pom Klementieff), Rocket Racoon (voz de Bradley Cooper) e Drax (Dave Bautista).
No que diz respeito ao enredo propriamente dito, é muito provável que o filme já comece com Thor sendo atropelado junto com outros destroços pelos Guardiões da Galáxia e que, ao ser resgatado pela equipe, começa a contar o que houve com ele, onde a nave contendo a Nova Asgard foi interceptada e destruída pela nave de Thanos. Existe a possibilidade dos Guardiões já estarem numa investigação com o intuito de saberem o que aconteceu com o Colecionador (Benicio Del Toro) e com a Tropa Nova, uma vez que nas imagens do trailer, o vilão possui duas Joias do Infinito e uma delas é justamente o Orbe, que estava sob a posse da tropa, sendo que a outra é o Tesseract, que deve ter sido entregue por Loki (Tom Hiddleston) durante o ataque à nave. E é durante esse ataque que existe a possibilidade de Heimdall (Idris Elba), sob às ordens do Deus do Trovão, enviar Bruce Banner para pedir socorro a Stephen Strange, o que justificaria sua queda exatamente dentro do Sanctum Sanctorum. Banner contacta Tony Stark e eles, provavelmente, serão os primeiros a receberem a investidas de Thanos e sua Ordem Negra. Uma imagem chocante é aquela em que vilão, após colocar a segunda joia em sua manopla, dá um duro golpe que nocauteia o Homem de Ferro de forma muito violenta.
Vale destacar que o filme deve possuir alguns núcleos separados e somente em certo momento que o Capitão América, Falcão e Viúva Negra irão para Wakanda requerer auxílio ao Pantera Negra e ao Soldado Invernal. Antes disso, o grupo deve estar junto de Visão e Feiticeira Escarlate que sofrem um ataque da Proxima Meia Noite e de Corvus Glaive e é nesse momento que deve acontecer a primeira baixa da equipe, quando o sintetizoide possivelmente terá a jóia que carrega em sua cabeça extraída por Glaive.
E deve ser Bruce Banner e o Coronel Rhodes que farão o elo de ligação entre os dois fronts de batalha, o de Nova Iorque com o de Wakanda. Por isso, acredita-se que é Banner quem pilota a Hulkbuster, que fará o transporte do cientista até o país africano. Curiosamente, a gigante armadura também aparece na batalha. Se for realmente Banner dentro dela, a teoria é que o herói esteja inseguro em se transformar em Hulk novamente, temendo que o Gigante Esmeralda tome por completo sua consciência, o que faz sentido, contudo, não vale de nada, uma vez que o monstro também aparece nas imagens.
Obviamente, tudo isso se trata de suposições, afinal, alguns personagens e heróis ainda não apareceram, como o Gavião Arqueiro (Jeremy Renner), Homem-Formiga (Paul Rudd) e a Nebulosa (Karen Gillan), além do fato dos trailers serem montados de maneira aleatória. De qualquer forma, as primeiras imagens de Vingadores: Guerra Infinita fizeram tanto sucesso que bateram recorde de visualizações em menos de 24 horas de seu lançamento.
A Disney é tão enorme que precisa de um evento nos mesmos moldes das Comic Cons para anunciar novidades e imagens exclusivas de seus mais aguardados projetos.
Felizmente, o terceiro filme dos Vingadores, intitulado de Guerra Infinita, promete ser o maior filme da história do cinema, não só pela quantidade absurda de heróis (todos aqueles que já apareceram até então), mas também por ser um ambicioso projeto trazido pela Marvel.
O painel do filme contou com o presidente Kevin Feige e o co-diretor, Joe Russo, que conseguiu reunir no palco ninguém mais, ninguém menos que os Vingadores, Robert Downey Jr., Chris Hemsworth, Mark Ruffalo, Paul Bettany, Elizabeth Olsen, Don Cheadle, Anthony Mackie, Tom Holland, Benedict Cumberbatch, Chadwick, Boseman, Sebastian Stan, os Guardiões da Galáxia, Karen Gillan, Dave Bautista, Pom Klementieff e o vilão, Josh Brolin.
O trailer foi exibido somente para o público presente no salão e foi fantástico. Confira a descrição.
De início, vemos um momento de tensão, onde os Guardiões da Galáxia, a bordo da Milano, esbarram no corpo inconsciente de Thor (com o uniforme de gladiador de Thor: Ragnarok). Ao ser trazido para dentro da nave, o asgardiano é acordado por Mantis. Assustado, Thor pergunta quem são aquelas pessoas.
As imagens passam a mostrar a Terra com vários trechos de devastação. Vemos um Loki nada amistoso em posse do Tesseract e Peter Parker, num ônibus, tendo os pelos do braço sendo arrepiados, o que, aparentemente, é o seu sentido de aranha.
Vemos Thanos pela primeira vez em um planeta alienígena usando a Manopla do Infinito e ele consegue soltar parte de uma lua provocando uma chuva de meteoros. Doutor Estranho, Guardiões da Galáxia e o Homem de Ferro estão na batalha.
Também vemos em outras imagens o Homem-Aranha vestindo um novo uniforme, o Pantera Negra em Wakanda, alguns Vingadores, juntos do Hulk, apanhando dos asseclas de Thanos e também um Capitão América barbudo e uma Viúva Negra loira.
Vale destacar que as filmagens do corte principal do filme se encerraram na última sexta-feira e a produção da continuação ainda sem título já teve início de imediato.
Vingadores: Guerra Infinita estreia em 4 de maio de 2018.
O início da season finale da quarta temporada de Sherlock se inicia de forma fantasiosa, como em um sonho de Mycroft Holmes (Mark Gatiss), sendo perseguido em sua própria casa, em um excelente despiste, que faria inveja até aos filmes de Alfred Hitchcock. A partir dali se desenrola a misteriosa trama a respeito de um terceiro Holmes, teoria normalmente levantada por especialistas nos estudos dos escritos de Arthur Conan Doyle.
A vilania, que antes era de James Moriarty (Andrew Scott), finalmente ganha um nome e uma definição mínima, e os métodos implacáveis deste antagonista são muito semelhantes aos do antigo, inclusive com um atentado contra os heróis que quase morrem na detonação de uma granada, em uma das piores cenas envolvendo efeitos em CGI da série. Este terceiro episódio funciona como uma amálgama dos dois outros, reunindo parte dos acertos de Lying Detective, em especial às partes mais herméticas, além de alguns defeitos de conceito de Six Thatchers, ao se valer demais as referências sentimentais dos personagens canônicos.
O roteiro de Gatiss e Steven Moffat serve como cópia do conto O Problema Final, o mesmo que introduzia Moriarty ao universo do Detetive. Além das cenas que inovavam o conteúdo literário – as herméticas, já distas – há também uma quantidade de eventos mais literais e verossímeis. No entanto, a ligação emocional estabelecida entre o Jim Moriarty e o novo/velho vilão soa bastante forçado. As ameaças e os métodos de dominação da personagem de Eurus (Sian Brooke) também destoam de outras personagens, principalmente se comparado ao apuro visto nas performances do próprio Scott e da Irene Adler de Lara Pulver em A Scandal in Belgravia. Sherlock finalmente se torna refém de seu próprio suspense.
O suspense do decorrer da trama principal se perde em muitos momentos, graças aos núcleos secundários. A direção de Benjamin Caron soa confusa em alguns momentos, não conseguindo harmonizar simples cenas de ação com flashbacks. Pior que esta confusão é a dificuldade que o roteiro tem em fazer sentido, fazendo questão de explicar e re-explicar à todo momento que Jim está realmente morto. Esse aspecto é tão irritante que a comparação com Interestelar, de Christopher Nolan, torna-se inevitável, ainda que obviamente não haja o apuro visual do cineasta britânico ou o mesmo nível de discussão filosófica dentro do capítulo citado, sendo esses pontos fortíssimos da trama do sci-fi. Impressiona como tudo o que era pontual e acertado soa frívolo e esdrúxulo nessa temporada que pode ter sido a última.
A muleta de Moriarty prossegue até o final do episodio e também do ano, evidentemente. O entrave entre irmãos mira a referência bíblica de Isaque e Jacó e acerta em uma exploração gratuita e infantil de uma rivalidade que claramente não estava nos planos originais dos showrunners. A maioria dos elogios a essa temporada moram na tentativa de demonstrar emoção por meio do sensacionalismo, e esses são completamente descabidos, uma vez que esse artifício quase nunca acerta nem no aspecto sentimental, tampouco no mais pragmático.
Outra característica terrível é a falta de nuances das novas personagens, em especial no background de Eurus, que é mostrada como uma mulher louca, de cabelo grande e desgrenhado, como uma versão da Samara, de O Chamado. Suas atitudes transbordam desequilíbrio e cafonice, apelando para um estereótipo de loucura mais condizente com as séries americanas, como Da Vinci Demons, não com um programa que sempre foi elogiado por sua sobriedade.
A ligação sentimental estabelecida entre o Sherlock (Benedict Cumberbatch), John (Martin Freeman) e a “nova” personagem até se aproxima de uma construção mais elaborada, mas é jogada por terra para dar vazão a mais um final errático e escapista, diferente de todos já vistos até aqui. Mais uma vez a base de comparação para a toada de Sherlock é uma obra de Nolan, com a mesma quebra de realismo vista entre O Cavaleiro das Trevas e O Cavaleiro das Trevas Ressurge, sendo que nessa, não há muita justificativa para a mudança brusca de tom, muito menos na cena final, onde os heróis correm contra o vento, como nos Batman de Joel Schumacher. Afora as referências aos textos originais, quase nada se destaca positivamente em The Final Problem, sendo esse um desfecho decepcionante e bastante melancólico para a dupla de Baker Street.
Como em Study in a Pink, John (Martin Freeman) também começa o capitulo em uma sessão de terapia, motivadas pelos traumas das ocorrências ao final de The Six Thatchers com a morte de Mary (Amanda Abbington). A dupla de heróis é afetada fortemente pela perda recente, com o doutor caindo em depressão e o detetive se culpando pela situação ocorrida, apesar de sua postura não ser a assumidamente de culpa ou responsabilidade pela morte que malfadou o grupo na abertura da temporada.
John tem conversas frequentes com um fantasma, fato que permite não só o retorno da atuação de Abbington, como o acréscimo da nova terapeuta, vivida por Sian Brooke, que seria mais um olhar feminino sobre a psique do recém viúvo. Esse talvez seja o único momento de incontestável boa construção de dramaturgia desse quarto ano, especialmente se comparado a conclusão final que recai sobre esta que pode ter sido a última temporada das aventuras do Detetive.
O acréscimo do personagem Culverton Smith (Toby Jones) começa de modo misterioso, com ele apresentando uma trama que mescla showbusiness com teoria da conspiração, em sequências de ação que fazem lembrar demais as distopias clássicas, em especial 1984 de George Orwell, com alguns elementos de produtos mais recentes, entre eles o quadrinho de Alan MooreV de Vingança e o filme Réquiem Para um Sonho, no sentido de brincar com os sentimentos dos personagens, no caso, Sherlock (Benedict Cumberbatch), que após tomar consciência de seu novo adversário, passa a agir como um sujeito ensandecido, com a mente em frangalhos, como visto no livro não canônico Solução a Sete Porcento, de Nicholas Meyer onde Holmes tem uma crise de abstinência de cocaína, e se consulta com Sigmund Freud. Os paralelos com o livro são registradas por meio de alegorias inteligentes e sagazes.
A sensação vista no primeiro episódio da temporada se repete aqui, já que ele em alguns momentos parece ser um preambulo para acontecimentos maiores no season finale. O paradigma de ser um objeto do meio denigre um pouco a qualidade do capítulo em si, mas não o joga na mesma vala de Six Thatchers, basicamente por todo o plot vilanesco soar natural e condizente com tudo o que foi visto anteriormente dentro do programa.
O diretor Nick Hurran consegue junto a Toby Jones contar uma historia sobre conspiração, paranoia e hipocrisia, através de um antagonista que tem carisma, além de uma capacidade de causar mal praticamente infinita. Os momentos delírio de Sherlock fazem relembrar o quão frágil é a saúde mental do herói, além de resgatar a interdependência entre Watson e Holmes, estabelecendo um novo começo para ambos, além de aludir a uma ilusão compartilhada dos dois, quando se trata do fantasma de Mary. Esse conserto faz pôr novamente nos trilhos a trama de Sherlock, mas ainda havia de se explorar mais um momento, em The Final Problem.
Muito tempo decorrido desde o ultimo episódio, His Last Vow– exibido em janeiro de 2014 – e após um especial que retornava as origens de Arthur Conan Doyle – A Noiva Abominável – finalmente o programa de Mark Gatiss e Steven Moffat é retomado, com o protagonista sofrendo um julgamento, a respeito dos crimes que ele teria testemunhado no último capitulo, ao lado claro de Mycroft (Gatiss), para enfim entender o perigo que ele sofreu, já que poderia ter sido ele a perecer e não seu opositor. A questão é que essa urgência é deixada de lado, para dar vazão a uma trama mais medíocre que o usual em se tratando de Sherlock.
Após algumas soluções fáceis, o personagem se concentra em tentar entender seu misterioso adversário já morto. Sherlock (Benedict Cumberbath) então se refugia junto a seu amigo John Watson (Martin Freeman) e sua esposa Marry (Amanda Abbington), ainda na Baker Street. O detetive aparece ligeiramente mudado, uma vez que não reclama sequer de acompanhar o casal rumo a maternidade, para ter o bebê de Watson, recebendo inclusive um convite diferente da expectativa em torno de si, tendo de aceitar o apadrinhamento do rebento por uma convenção social implícita.
A fotografia do episódio começa bastante escurecida, e vai mudando de tom com o passar do tempo, se tornando mais clara enquanto as investigações prosseguem. A mostra a Holmes de qual seria a ligação de Moriarty com o caso averiguado é feita de modo muito ligeiro e atrapalhado. Apesar disso há bons aspectos, como as referências a Margaret Thatcher, inclusive no nome do capitulo, fazem um belo diálogo com a Guerra Fria. Junto a esse momento, há outra boa referência, como a sequência de ação que faz o seriado se assemelhar e muit aos produtos recentes como A Identidade Bourne, Cassino Royale e o televisivo Nikita.
A essência de Sherlock está lá, com o herói seguindo como um estrategista formidável, que consegue estar à frente até de seus aliados. A ação nesse segmento também é mais enérgica, e os cenários variados dão um charme à mais para a história de perseguição. Os pontos altos moram nas referências ao cânone, como a ignorância de Sherlock em relação ao nome de Lestrade ou da identidade de Dama de Ferro (essa na verdade, uma piada) e claro, os mesmos elementos visuais que deram certo na primeira, segunda e terceira temporada. Ainda assim, falta ineditismo a trama e feitoria, uma vez que os acertos se resumem quase somente aos tentos corretos das outras três temporadas.
Até então os roteiros do programa não continham tantos defeitos capitais como há nesse. Talvez o hiato entre os anos tenha causado no espectador – em especial o mais crítico – uma expectativa alta em relação a qualidade dramatúrgica, agravada é claro pelo especial de natal que foi muito bem recebido. Há elementos diversos para enxergar preciosismo por parte do texto de Mark Gatiss, desde o flerte gratuito entre Watson e uma moça, até os momentos excessivamente melodramáticos. Um dos pontos centrais do roteiro é de qualidade bastante discutível, relativa ao destino de Mary. O desfecho do arco soa um bocado cafona e demasiado sentimental, em especial pelas músicas empregadas para causar uma comoção nada natural. Nesse interím, somente é positivo a base canônica, que reverencia Conan Doyle, mas a opção por tentar emular as tragédias shakesperianas é forçada, e irrita ainda mais por ser esta a base para o cliffhanger mais preguiçoso exibido no programa, ao menos até aqui.
Todo as manobras de roteiro são muito convenientes, desde o tiro ocorrido, até os momentos posteriores, onde os figurantes deixam o espaço vazio para que somente os personagens mais próximos do sujeito vitimado possam lamentar a perda ocorrida, em uma mostra de extrema rapidez desses citados, a fim de manter a privacidade de alguém que ainda poderia ser socorrido. Até a questão de se resolver o conflito em um aquário soa acintoso, uma vez que não havia motivo aparente para ser ali, além de gerar a possibilidade do público associar aquele cenário ao esconderijo do Doutor Evil, vilão de Austin Powers que também tinha obsessão por tubarões, assim como a antagonista desse segmento.
Os animais em CGI são pessimamente mal construídos, por pouco não soaria natural até a armamentação deles com raios lasers acima da cabeça. A escolha por esse efeito especial é tão errônea que serve de símbolo para quase todas as escolhas narrativas ruins, e fora a cisão da amizade de John e Sherlock, há pouco de maturidade na trama. Este início certamente foi o de qualidade mais discutível, e onde os defeitos mais saltaram aos olhos, driblando inclusive o paradigma de que o episódio dois das temporadas é o mais execrável, resultando em um capítulo de quase absoluta frustração e de expectativa aquém da qualidade do próprio seriado, que normalmente não se valia dos clichês da tv aberta.
A popularidade da Marvel nos cinemas é tanto que as abordagens dos heróis dentro do MCU não necessariamente passam pelos personagens mais populares. Ao mesmo tempo em que o Hulk parece não ter perspectivas de mais uma aventura solo, Guardiões das Galáxias foi um sucesso e terá uma continuação em breve. O Doutor Estranho que em breve estreará é um caso curioso, por morar em dois limbos, sendo o primeiro entre a grande importância que o personagem no background da editora ao passo que não é tão popular quanto Thor, Capitão América e companhia, e o segundo por estar este presente na face mágica dessa nova versão em audiovisual da Casa das Ideias.
O longa começa com um epílogo mostrando um pouco do novo cenário a ser explorado estabelecendo a rivalidade entre a figura a Anciã vivida por Tilda Swinton ( papel que originalmente era de um sujeito oriental envelhecido) e um mago das trevas Kaecillius (Mads Mikkelsen), que lidera por sua vez um grupo de magos transgressores. Logo as tramas se cruzam, com um Benedict Cumberbatch que vive um exímio neuro cirurgião, falastrão, egocêntrico, vaidoso e egoísta. Ciente dos seus dotes, o comportamento dele é por vezes é mais arrogante do que brilhante, fator que faz afastar seu par, a bela doutora Christine Palmer (Rachel McAdams), até que algo terrível acontece.
O acidente que faz o personagem perder seu ofício o obriga a tentar se reinventar e essa virada poderia ter tornado o filme em algo épico por completo, mas isso não chega a alcançar um êxito indiscutível. Stephen Strange passa por muitos problemas, perde sua fortuna, seu respeito próprio e passa a acreditar até em possibilidades não pragmáticas, mas essa jornada de redução de expectativas e reconstrução de caráter não faz dele o candidato ideal para uma missão tão grandiosa, ao menos não de maneira tão categórica como mostra o argumento.
Scott Derrickson pega emprestado alguns efeitos especiais de A Origem de Christopher Nolan, em especial no início e na demonstração de poder da Anciã. Isso deixa de ser um problema no decorrer do filme. Alguns visuais de personagens soam meio bobos, variando entre uma versão mais cara e melhor colocada de Mortal Kombat, além de tentar capturar também os aficionados por Assassins Creed, utilizando algumas vezes o figurino de capuzes e lutas rápidas, usando e abusando da técnica parkour.
A salvação do longa-metragem certamente é a presença de espírito de seu personagem principal. A personalidade de Strange nos quadrinhos se assemelha demais ao que Robert Downey Junior fez em Homem de Ferro, e Cumberbatch consegue equilibrar algumas dessas características canônicas com novas, tendo um senso de humor fino e direto. O deslumbre visual faz o filme crescer muito em conceito. Há muitos problemas de incongruência, desde elementos Deus Ex Machina até coincidências que poderiam facilmente ser podadas, mas nada que avilte tanto quanto havia ocorrido na filmografia recente de Derrickson. Doutor Estranho consegue usar muito da fórmula da Marvel Studios, sendo ainda um filme de origem competente, carismático e memorável ao ponto de fazer seu espectador achar divertido mas não indispensável.
O especial de 2015 do seriado Sherlock, de Mark Gattis e Steve Moffat começa rememorando uma prática comum tanto ao Holmes clássico de Arthur Conan Doyle quanto a versão da BBC One. Os eventos de His Last Vow impediriam, a princípio, uma aventura corriqueira e escapista nos mesmos cenários e moldes do seriado, o que em parte, ajudaria a “justificar” o retorno a Era Vitoriana para contar que essa história fugiria aparentemente do status quo do programa televisivo.
O clima de conto doyliano se fortifica quando o recém-aposentado médico do exército James Watson (Martin Freeman) encontra seu possível novo colega de quarto, Sherlock Holmes (Benedict Cumberbatch), nos trajes clássicos de uma época mais sombria e acinzentada, com tons variando entre bege e marrom, servindo de resumo a uma tendência de época. A quantidade de homenagens é imensa, começando pelo comércio da Strand Magazine, revista que publicava os contos, o que determina um salto temporal entre os eventos indicados em Estudo em Vermelho e a história apresentada pelo Inspetor Lestrade (Rupert Graves), já no hall do apartamento localizado no 221B da Baker Street.
O desenrolar da trama envolve ainda um sem número de referências que não são simplesmente gratuitas, como a personificação de Mycroft Holmes, executado por Gattis com uma maquiagem pesada, como figura glutona e obesa. Apesar de exagerada, esta versão serve para solidificar a rivalidade fraterna entre os personagens, além de pôr o primogênito em uma posição superior, esbanjadora, o completo inverso da vida discreta e pobre de Sherlock, que em alguns momentos, até recorria ao irmão para cumprir somas importantes do seu orçamento. É desta fonte que surgem pistas importantes, que dão rumo à investigação que o Detetive começou.
O desenrolar do roteiro demonstra alguns dos maiores dissabores do investigador, entre eles a descrença em figuras e seres sobrenaturais e a natural aversão à associação de fantasmas ao desfecho do caso. Outra fobia é aventada, como o uso contínuo de cocaína, aspecto dado como superado pelo personagem já em seu piloto Study in Pink. O episódio especial talvez seja o mais próximo do clássico de Nicholas MeyerSolução a Sete Por Cento em que Moffat e Gattis poderiam homenagear alguma obra de Holmes que não fosse parte do cânone.
Mesmo as viagens temporais são plenamente justificadas dentro do argumento, bem como as tramoias envolvendo supostos mortos andantes. A textura antiga faz assinalar ainda mais os claros poderes intuitivos. O foco maior é claramente nos fantasmas do passado de Holmes, que não consegue lidar com a perda de seu adversário maior, seu nêmese. Toda a lógica por trás dele passa pela troca de insultos e estratégias com o Moriarty de Andrew Scott. O capítulo também serve para ratificar a ideia de que o ator nasceu para executar esse papel, que é entregue com uma maestria impressionante e poucas vezes vistas em sua carreira.
O desfecho nas cataratas de Reichenbach é simbólico para o aficionado no personagem e serve de mergulho na alma do sujeito biografado, como um estudo da própria escrita de Watson/Doyle nas novelas, contos, romances e afins. As soluções encontradas para o saudosismo são plausíveis e não excluem qualquer retorno à atividade, já que A Noiva Abominável trata também disso, dos receios dos que deveriam estar encerrados. A cena final, misturando as linhas de tempo distintas, serve para edificar a obra de Doyle como algo universal e inspiradora de tantas releituras importantes, poucas tão reverenciais, fiéis e sensíveis quanto esta.
Morten Tyldum tenta fazer jus à biografia de um homem notável e peça fundamental para a computação, evolução tecnológica humana responsável pela quebra de paradigmas em vários campos. O Jogo da Imitação emula a invenção da máquina moderna, analisando delicadamente a trajetória do criptoanalista, matemático e pai da ciência computacional Alan Turing.
Num primeiro momento, mostra-se um memorando de 1951, com um Turing – vivido por seu debochado intérprete, Benedict Cumberbatch – já resignado. A esta altura, o cientista já havia ajudado muito o seu país, realizando préstimos durante o confronto aos nazistas. Logo, o roteiro leva o protagonista para o crivo dos mandatários do exército britânico, com dificuldades em destravar um código dos inimigos, tendo no obstáculo em decifrar o Enigma um enorme problema. A persona problemática de Turing faz dele uma pessoa supostamente pouco indicada para o ofício, mas a pressa de frear a quantidade exorbitante de baixas de guerra faz o cientista e seu superior Stewart Menzies (Mark Strong) se alinharem com o mesmo propósito.
Logo, a misantropia latente do pensador se manifesta, desagradando a cada um dos outros membros do laboratório para o qual trabalha. A equipe que estava em pé de igualdade com o cientista logo sofreu com um duplo infortúnio, sendo ambos incômodos, o cientista ao grupo e vice-versa. Alan vê na criação de sua máquina o único modo de lidar com as mensagens criptografadas, enquanto os outros tentam, em vão, distinguir o que é pronunciado em alemão. Após idas e vindas, os membros do grupo finalmente se unem em torno de um bem maior e da cooperação em completude, formando, então, a Equipe Ultra.
Apesar de haver um problema no ritmo do filme, que algumas vezes recorre a uma monotonia latente, são os diálogos o principal aspecto positivo do roteiro de Graham Moore. O retrato da genialidade do biografado é muito bem feito, em alguns momentos muito mais inspirado que seu primo estilístico, também concorrente à premiação da Academia, A Teoria de Tudo. O Jogo da Imitação também ganha melhores ares por não ser tão preocupado em apresentar uma história chapa branca, protegendo bem menos os personagens que orbitam o herói da jornada, certamente pela distância muito maior de tempo entre a história que Tyldum narra e a atualidade.
Mesmo contando com um elenco recheado de nomes conhecidos, nenhuma das atuações serve de comparação com a personalidade representada por Cumberbatch. Keira Knightley exibe uma performance apaixonada com sua Joan Clarke, mas nem de longe tão inspirada quanto no recente Mesmo Se Nada Der Certo. O mesmo pode ser dito de Mathew Goode, que faz o cientista Hugh Alexander, ainda que seja bastante plausível a sua face apagada, já que é uma bela escada para o trabalho do protagonista.
O maior inconveniente da fita são os resgates ao passado, com cenas da infância de Turing, tendo de conviver com a genialidade que batia à porta e a dificuldade que tinha de ter relações com outros garotos. Tais partes da obra pouco servem ao enredo, sobrecarregando-o na maioria das vezes, visto que toda a mensagem de ódio de si do personagem principal é revelada na sua fase adulta. O molde e o costume de contar todos os meandros da vida do protagonista biografado são uma muleta desnecessária para tão rica apresentação.
A corda bamba emocional a qual o herói se submete, convivendo com a sua cada vez mais indisfarçável condição sexual, atormenta-o por interferir diretamente em sua identidade pessoal, além de atrapalhar qualquer possibilidade de crescimento dentro dos desígnios militares. O flagrante da homoafetividade do protagonista não é feito de modo sensacionalista, pelo contrário, é usado como uma boa artimanha do roteiro para assinalar a paranoia que era parte da função dos matemáticos durante a Grande Guerra, e também o quanto sua personalidade é absolutamente solitária, fechada em si, não tanto por ódio ao outro, mas sim pela impossibilidade de se relacionar de modo minimamente saudável, dada a falta de sociabilidade tão entranhada em sua vida.
A proximidade do gênio da computação com Winston Churchill, ainda que não seja mostrada em tela, é utilizada como modo de discutir a necessidade da guerra, porém de um modo nada óbvio. Apesar de não tratar os agressores de Turing como objetos de vilania, OJogo da Imitação usa os aspectos da vida do matemático para ressaltar seus dotes científicos e a tristeza e miséria existencial, muito bem fundamentadas em Alan Turing: The Enigma, de Andrew Hodges. Apesar da grande quantidade de problemas na obra, o que fica na mente do público é a belíssima contribuição de Cumberbatch ao mito, assim como a generosa direção de Tyldum, que permite ao artista desenvolver seu papel sem limites, sobrepujando o formato do filme.
Em 2005, a Dreamworks Animation comemorava o lançamento de sua décima animação. Diferentemente do grande sucesso do estúdio, a franquia Shrek (até então com duas produções), o filme Madagascar dava prosseguimento ao apelo anunciado por O Espanta Tubarão como uma estreia em potencial voltada ao público infantil. Dez anos depois, em sua 30ª animação, o universo dessas personagens retorna, ampliando o sucesso de uma trilogia que arrecadou quase dois bilhões de bilheteria.
Inicialmente, o inédito Cada Um Na Sua Casa seria o lançamento do estúdio para o verão americano. Porém, devido à concorrência, escolheram um caminho seguro: Os Pinguins de Madagascar, um spin-off da trilogia dos fugitivos do zoológico. A composição do quarteto central, Capitão, Kolwaski, Rico e Recruta, segue à risca a linha de coadjuvantes que, devido a uma personalidade própria e um humor peculiar, destacam-se em animações Devido à ausência de um nome próprio para a equipe de pinguins, o título permanece ligado à franquia original. O grupo também é formado por estrelas de uma série animada da Nickelodeon, porém esse longa-metragem permanece fora da cronologia da série, situando em um momento após Madagascar 3: Os Procurados.
Os minutos iniciais da produção foram apresentados anteriormente ao público como um curta-metragem divulgado pela Fox em seu canal oficial, mostrado em eventos, como a Comic Con Experience, com direito a comentários de produção de Benedict Cumberbatch, um dos dubladores da versão americana. Em um breve período de tempo, conhecemos a origem da amizade do quarteto, e a trama retorna ao presente, apresentando um vilão polvo, a cara e a voz de John Malkovich, que deseja se vingar dos pinguins. Como apoio, entra em cena a equipe Vento do Norte, um grupo de elite que policia qualquer agressão contra animais indefesos.
O roteiro de Michael Colton, John Aboud e Brandon Sawyer segue a fórmula da animação tradicional voltada para a família, com o diferencial da Dreamworks não produzir histórias que concorram diretamente com a Disney, a qual sempre trabalha em filmes visando um amplo público, entre adultos e crianças. A trama é mais plana, uma simples história de aventura marcada por muitas cenas de aventura ou humor, escondendo a ausência de um enredo mais articulado. As gags são tantas que, vez ou outra, atingem o público mais adulto também, embora seja notável o quanto as crianças se identifiquem mais com o humor apresentado. Parte do sucesso estrondoso de Madagascar deve-se a seu público-alvo, ávido por consumir filmes do estilo sem um critério equilibrado em relação à qualidade das obras (para estabelecermos um parâmetro, Megamente e Como Treinar o Seu Dragão, duas grandes animações do estúdio, possuem em conjunto uma renda irrisória se comparadas à trilogia Madagascar).
Sendo assim, dentro da proposta do estúdio, de produzir obras que gerem lucro, suas produções continuam dando um bom retorno e produzindo sequências naturais, mesmo que a maioria dessas produções seja de pouca originalidade, reciclando com a mesma espinha dorsal histórias semelhantes que se destacam, no máximo, por algumas boas e carismáticas personagens. Infelizmente, não é suficiente para sustentar um bom filme.
O episódio derradeiro do terceiro ano, dirigido por Nick Hurran (do filme Coisas de Meninos e Meninas e de Doctor Who), faz referência óbvia ao conto denominado O Último Adeus de Sherlock Holmes, onde o Detetive contaria o seu último caso cronológico, ao menos até a data do lançamento. Como uma lente sem foco, o espécime começa mostrando um interrogado sem seus óculos, tal sujeito já havia aparecido em sua silhueta em momentos anteriores deste ano. Sua figura finalmente ganha contornos reais e ele faz uso de alta tecnologia para praticar seus “atos”.
Mister Charles Magnussen, interpretado pelo dinamarquês Lars Mikkelsen é um sujeito frio, calculista, e sedutor, a sua maneira, que tem poderes enormes no campo das chantagens, mantendo-se acima de qualquer trivialidade humana, em suspenso, como um inatingível vilão e que só poderia ser vencido por um adversário tão altivo quanto ele, que seria, claro, o detetive de Baker Street, que consegue não ser enquadrado até completar-se mais de dez minutos de sua série homônima.
Encontrado por Watson (Martin Freeman) em um ninho de drogados, Sherlock (Benedict Cumberbatch) dá um sentido gonzo às inserções em seus casos, se drogando e levando broncas dos membros do laboratório onde trabalhava, especialmente Molly (Louise Brealey). Curiosamente, após todo esse imbróglio ele é alocado para o caso insolúvel de Magnussen, passando por cima do membro mais importante da família e antigo nome pelo qual respondia o governo britânico, a inversão de papéis obviamente irrita Mycroft (Mark Gatiss), mas o que mais surpreende é a adição de Janine (Yasmine Akram) à rotina de Sherlock, como parceira sexual. A persona de Holmes ainda guarda muitos mistérios.
Assim como na história primária, a trama do guião envolve a segurança internacional e a grande possibilidade de uma guerra de proporções catastróficas. O elegante nêmese se mostra um rival muito próximo do que chegou a ser Jim Moriarty, mas sem o seu carisma, sem a personalidade magnética. Sua capacidade de dedução chega a superar a de Sherlock, ainda que ele lance mão de itens tenológicos que elevam as suas já grandes capacidades de detecção, simbolizadas pelos óculos, um objeto comum aos homens a séculos e utilizado por qualquer um que necessite corrigir uma falha orgânica referente a um sentido básico. O cuidado do roteiro com seus signos permanece afiadíssimo e se aprimora cada vez mais. No entanto, o maior paradigma da série prossegue, pois Holmes trabalha seus casos em cima da falha humana.
O cérebro do Detetive é tão absurdamente bem desenvolvido que ele é capaz de analisar tudo a sua volta de modo muito veloz, e até retardar o que seria um ferimento fatal, tudo para prosseguir desvendando o mistério deveras incomum que se apresenta a ele. A viagem do protagonista ao porão de sua alma, simbolizado por uma sala acolchoada onde habita o seu rival falecido é uma das melhores sacadas de roteiro do seriado. É a preocupação com seu velho amigo que o faz lutar para não morrer, que ocasiona seu retorno ao mundo dos vivos.
Para o leitor atento ao estudos do cânone de Conan Doyle deve lembrar da teoria de que John Watson teria tido uma segunda esposa, após Mary Morstan ter falecido – tal teoria é subvertida para algo maior, mais dramático e penoso, envolvendo a nova senhora Watson (Amanda Abbington) como parte integrante da misteriosa teia de crimes investigada pelo detetive consultor. Tudo fica mais pessoal, mais íntimo, até o ponto em que tudo que significa algo para a dupla torna-se frio e absolutamente calculado, o que era pessoal torna-se impessoal a partir daí.
O vilão volta com ainda mais força, demonstrando uma onipotência incômoda para alguém que ocupa o cargo de “quarto poder”. O conhecimento vasto de Magnussen se mostra intransponível, até para Sherlock, e diferente dos contos canônicos, dessa vez o protagonista não está acima da trama, mas sim inserido nela, ele não consegue mais desmontar o esquema como antes fazia, ele é falho, como todos os humanos que ele tanto renegou e para vencer teve de descer ao nível dos outros seres e cometer o ato mau mais mundano e comum ao homem – o assassinato. Na triste partida de Sherlock ao exílio, ele dá o seu adeus a Watson dizendo que o jogo nunca acaba, e o que muda são os jogadores, mas antes que ele pudesse finalmente se ausentar, há uma reaparição do maior dos ardis de Holmes, aumentando e muito as expectativas para a quarta temporada, que somente será exibida em 2016.
O prólogo do segundo episódio exibido em 2014 inicia-se com a companhia de Lestrade (Rupert Graves) tentando pegar uma quadrilha que costuma meter a mão em milhões de libras, até que o inspetor de polícia é interrompido pelo chamado de Sherlock (Benedict Cumberbatch), que o pede para ajudá-lo a contar uma piada a respeito de Watson (Martin Freeman), já que ele é o padrinho do médico em seu casamento – invenção interessante, uma vez que O Signo dos Quatro, é o romance em que John conhece Mary Morstan (Amanda Abbington), que viria a ser sua esposa, na versão moderna, o seu casamento encaixa muito bem na adequação das intenções do cortejante, sem falar que é uma oportunidade ímpar de brincar mais uma vez com a inadequação de Holmes diante de outros humanos.
O conflito mais interessante de Sherlock, até então é com o infante Archie, filho de uma das madrinhas, que o Detetive fez questão de investigar, visto que há nele uma curiosidade grande com relação ao background de seu parceiro. Incrível como alguém que parecia conhecer tão bem seja um completo mistério em nível pessoal. A mudança do número na alcunha do episódio representa bem o ápice do nervosismo de Sherlock, por ter de conviver com a situação de estar em uma relação a três.
Logo é mostrado que Sherlock tem dificuldades em realizar discursos, falar para um público grande e, claro, demonstrar sentimentos. Ao invés de fazer de uma vez a oração que preparou, ele faz um preâmbulo, descrevendo os momentos posteriores ao anúncio de que seria o “best-man”, e a sua maneira condescendente e cínica, ele se declara ao amigo, rasgando os elogios que seriam possíveis a uma alma tão perturbada quanto a sua. Ele chega a tirar lágrimas sinceras da plateia antes de começar a fazer os comentários engraçados, baseados claro em seus posts de blogs.
Toda a argumentação é eufemística, busca fingir que Sherlock não sente que a rotina piorará após o casamento entre Watson e Morstan, e a noiva, preocupada com bem-estar do consultor fala para seu futuro cônjuge achar logo um caso que ocupe a mente do preocupado solitário. Logo a dupla se vê no rastro do Major James Sholto (Alistair Petrie) antigo comandante de John no Afeganistão, que tem uma mancha no passado demasiado espinhosa. Ao se meter numa clandestina procura, metendo ele e seu amigo veterano de guerra em um estranho caso de agressão no interior de um prédio militar, que parecia um suicídio. A partir daí, ele conta a história do tal soldado, unicamente para mostrar o valor do homem que subia ao altar, e que salvou a vida do sujeito, mesmo que ele não poupe o público de detalhes mórbidos da história.
A fala de Sherlock é tão apreciada, que ele começa a contar outro caso, um em que ele e John se entorpecem de álcool e acabam entrando em uma investigação que envolve algo pseudo-espiritual, que se prova uma história de infidelidade, algo pouco aconselhável para se contar em meio a celebração de um sagrado matrimônio, mas que não é contado por mera coincidência. A direção de Colm McCarthy ajuda a grafar todo esse caos instaurado.
Como se espera, Sherlock acaba deixando de lado sua oração para resolver a questão que permaneceu em aberto todo esse tempo, não resolvendo o caso antes de se declarar novamente ao seu amigo, mostrando o quão válido é para ele ser um homem importante na vida do noivo, valorizando os amigos de Watson no passado. Após revelar o temível vilão, ele volta as suas atenções para o cerimonial, tocando uma de suas composições no violino, numa das poucas demonstrações de carinho e afeto que foi capaz de fazer em toda a extensão de sua vida. A mensagem final do episódio é de despedida dupla – na verdade tripla, já que este é o número preponderante do episódio, tal tônica corre todos os episódios da temporada, contrastando com a ideia de retorno do desaparecido.
Após o já previsto hiato de dois anos – quase o mesmo tempo do cânone – e após uma introdução pautada na comédia (Manny Happy Returns), onde seria o personagem de Jonathan Aris, Anderson, seria completamente remodelado, um sujeito crédulo, que procurava avidamente rastros de Sherlock pelo mundo – além disto, o prólogo contém uma mensagem em video-tape, contendo um desejo de feliz aniversário ao nobre médico, além de uma promessa de retorno. O início do episódio em si repete os aflitos minutos finais da segunda temporada, ainda que de modo diferenciado, com um forte teor de teoria da conspiração, de cumprimento inverossímil, mas deveras significativo e engraçado pelo deboche com que é feito.
O foco do programa é obviamente no retorno do Detetive (Benedict Cumberbatch), que permanece tendo a moralidade de suas “ações” discutida. A série de Steven Moffat retorna com direção de Jeremy Lovering. John Watson (Martin Freeman) parece abatido, deixou um bigode crescer, talvez para tentar se equiparar em velhice a sua contra-parte literária. Ele claramente sente muitíssima falta de seu parceiro, e esqueceu tudo e todos, inclusive sendo relapso com a governanta, senhora Hudson (Una Stubbs).
Sua primeira fala espirituosa é a declaração de sua heterossexualidade, ao afirmar que casará – é incrível como essa piada segue engraçadíssima. A edição segue frenética e video-clíptica, garantindo mais ótimos momentos de humor absoluto, como a cena em que Holmes finalmente encontra Watson, bem quando este pedirá a mão de sua noiva em casamento. O reencontro, quando acontece é súbito e emocionante, tão indelicado e sem tato quanto as investigações sherloquianas, mas o clima fúnebre é quebrado por mais uma série de tiradas cômicas. O tempo demasiado gasto nas explicações e teorias é tão extenso quanto no conto, A Casa Vazia, publicado na Strand Magazine em outubro de 1903.
Após uma trama não muito complicada, envolvendo o sequestro de seu amigo, Sherlock se lança desesperado ao encontro do perigo, para ver seu companheiro em segurança mais uma vez, trama esta que daria lugar a uma ainda maior. Antes dessa apresentação formal, há um breve momento de reencontro entre o investigador profissional e seus idosos pais, em mais um momentos cujo humor ácido (e até inconsequente) predomina.
O antagonista, Coronel Moran é substituído nesta versão por um Lord, um importante membro do parlamento, maximizando assim sua capacidade destrutiva, dando um significado ainda mais político aos seus atos e aumentando a importância de seus malfeitos, ainda que eles permaneçam tão destrutivos e explosivos quanto no original. A chegada da iminente morte, os dois parceiros se veem sem mais nada além da companhia um do outro, e a mágoa pelo abandono escorre pelas palavras do médico, para logo depois vir o perdão. Após o emocionante “epitáfio” o drama da morte é explicitado, mostrando uma teia de ações complicadas, que apesar de friamente arquitetada, contém muito simbolismo emocional, e claro uma teatralidade que faz toda a explicação mostrada por último ser discutível em relação a veracidade e conteúdo conspiratório.
As postagens de Watson continuam incomodando o sociopata funcional, tanto por seu caráter fantástico, quanto pelo ludismo excepcional, presente na distância entre os relatos romantizados e a realidade factual. O roteiro de Steven Moffat e Mark Gatiss consegue angariar todo o sentimento de alívio que o público sentiu ao ver seu herói retornar as páginas de seus contos, e a transferência desta expectativa para o episódio da TV é feito em grande estilo, superando as expectativas de todo o público que consome a programação da BBC One e elevando o nível das produções televisivas britânicas, fazendo desta algo que em nada deve aos sub-produtos da HBO.
Tracy Letts é um escritor pouco ortodoxo. Suas peças já renderam ótimos roteiros de filmes, como Possuídos eKiller Joe: Matador de Aluguel, ambos de William Friedkin. Em Álbum de Família, o autor parece querer grafar uma afeição em trocar farpas com a instituição família, pervertendo o tempo inteiro os seus conceitos e tradições só para demonstrar o quanto o circo é anacrônico e hipócrita em sua essência.
Cada um dos rebentos possui o seu próprio código ético e um conjunto de perversões com peculiares e curiosidades. Eles fazem questão de ser assim: seus pecados são a marca registrada de suas vidas, o que os diferencia do mundo e, claro, uns dos outros. A casa da matriarca Violet, interpretada por Meryl Streep,é sempre muito movimentada, e quando está cheia transpira incômodo e sufocamento, produzindo calor em quem a adentra (exceto aos os que lá vivem), além de parecer uma mansão de filme de terror. Violet é amarga, ácida, opressora com todos que a cercam e pouco preocupada com as pessoas na maior parte de tempo. Ainda assim, ela mostra-se interessada em cuidar dos seus, demonstrando a dicotomia que é ser mãe e sofrer do mal misantrópico.
O momento em que Barbara, a filha mais velha (interpretada pela veterana Julia Roberts), atravessa é muito semelhante ao da mãe. A estética das duas serve como avatar do estado depressivo que atravessam, simplificado pelos cabelos maltratados de ambas. Diante das tristezas que elas possuem, não há muita lógica em cuidar-se ou transpirar feminilidade. No lugar disso há o cansaço e o enfado em ter de prosseguir uma vida sem muitos objetivos. O único momento em que a primogênita escova os cabelos e demonstra amor próprio é quando está tomada pelo desespero, assim que descobre que pereceu — seu superego assumira e, no estado de emergência, ela age, baseando em seu instinto de preservar o melhor que consegue. As semelhanças entre as duas também se dão na personalidade passiva-agressiva e, obviamente, opressora com as figuras masculinas.
O trabalho com os personagens utiliza-se do uso de estereótipos cômicos, até mesmo para tornar a louca história mais universal possível, maximizando a sensação de sufocamento e claustrofobia, tanto dos caracteres quanto do espectador.
Demonstrações pequenas de ódio, como o desprezo pelos mais jovens, é um argumento também mostrado, mas a praxe durante as brigas é o amargor, que segundo Violet, tem a ver com a forma como a mulher envelhece, deixando a leveza e graça para se tornar algo feio, não só externa como internamente. A verdade torna-se uma arma branca que fere os familiares, explicitando de forma cruel como a decadência destrói a auto-estima. O canhão de ofensas de Violet consegue atingir a todos, e ela se usa dos segredos de toda a vida para humilhá-los, mesmo os que não disputam rivalidade com ela.
O roteiro de Letts é cruel e pródigo em causar terror, mostrando, nas relações familiares doentias, os sentimentos que variam entre o ódio completo e o cinismo exacerbado, contrastando com a solidariedade mútua. Todos os personagens são repletos de defeitos, não há por quem torcer, tampouco existe redenção moral; mesmo os que aparentam fragilidade e quietude, escondem uma carga de ofensas e um potencial destrutivo, condição esta que parece inerente ao clã. O que Barbara faz, em relação às mágoas impingidas sobre suas irmãs para supostamente protegê-la da verdade, a faz perceber que ela não está tão distante do lodo da geração anterior. O signo da peruca de Violet funciona como uma máscara no intuito de esconder a fragilidade da alma da mãe, que só é agressiva quando veste a cabeleira postiça; quando não a usa, se mostra vulnerável e semi-morta, como sua alma prossegue.
John Wells conduz o filme com a maestria de não atrapalhar as ótimas atuações de seu elenco e nem manchar o belo roteiro que tem em mãos.
A introdução que McQueen arquiteta é típica de sua filmografia, com nenhuma palavra por parte dos importantes personagens mas escancarando o conjunto de sensações que eles têm através das imagens. Solomon Northup (Chewtel Ejiofor) passa por formas diversas de escravidão, desde o simples plantio de cana até ganhar status e seguir o serviço de músico, como um negro livre das amarras que ainda prendiam seus irmãos. Solomon é obrigado a retornar ao estágio de cativo, perdendo o direito que conquistara para si legitimamente, e com isso, os conflitos que visavam o retorno a liberdade vieram, entre eles, a condescendência de alguns do escravizados. Um dos negros, Clemens, ao ser indagado sobre uma possível rebelião diz:
“Somos negros, nascidos e criados escravos. Os negros não têm estômago para lutar.”
A mercantilização das vidas é mostrada de forma emocional, com uma rasgante separação de uma mãe e suas duas crianças… Solomon toca seu violino na tentativa de desviar a atenção da separação, mais tarde recebe o nome de Platt, é comprado por Mister Ford (Benedict Cumberbatch) e volta gradativamente a resignar-se e aceitar o chicote. Ele próprio vê Platt como uma outra personalidade, a que aceita os maus tratos a fim de sobreviver mesmo sabendo o quanto isto é injusto.
McQueen flagra as consequências da rebeldia, mostrando o personagem preso com uma corda no pescoço por longos momentos, após uma discussão com um dos mestres brancos. Mesmo estando “certo” ele é mantido suspenso, sofrendo por seu ato de desobediência, para aqueles que exploravam seus préstimos, sua vida prosseguia sendo inferior, mesmo para aqueles que este considerava benevolentes.
Edwin Epps, o novo mestre de Platts é imprevisível, e atuação tresloucada de Michael Fassbender grifa ainda mais esse aspecto. A religiosidade, algumas vezes ligada a esperança de dias melhores, é muito presente na vida dos homens brancos, e os motiva de forma diferente, Ford prefere tratar a todos da forma mais suave possível enquanto a rigidez de Epps é dita como prevista nas páginas sagradas da Bíblia, o realizador utiliza a filosofia religiosa para demonstrar diferentes pontos de vista relativos ao convívio com o diferente.
Patts, uma das escravas “preferidas” de Epps interpretada por Lupita Nyong’o, é mostrada com as costas inflamadas e sangrando graças a uma sessão de chibatadas de seu mestre: esta parte constitui em si uma cena forte e bastante chocante, não só pelo grafismo do sofrimento, mas também pelas injustas razões do castigo. O espanto para o público infelizmente não é o mesmo para os personagens, acostumados a atos selvagens como aquele. O escravocrata faz questão de humilhá-la e tortura Solomon mentalmente, tentando coagi-lo, por perceber que ele tem um pouco mais de liberdade de pensamento que os outros negros servis.
Quando o golpe finalmente é resolvido, os cabelos de Solomon são grisalhos, suas feições mudaram, estão mais duras, ele está marcado como nunca, mas ao ver os seus novamente, sua reação é de desabar em lágrimas em frente àqueles que tanto buscava, e seus constantes pedidos de desculpas são prontamente recusados. Mais tarde, ele se tornaria um ativo crítico abolicionista, mesmo sem ter sucesso nos tribunais contra seus agressores. O roteiro adaptado de John Ridley é competente demais em mostrar os muitos momentos da trajetória de Northup, sem fazer concessões e sem saídas politicamente corretas, pois expõe uma realidade dura e cruel sem dar ao povo retratado um papel estereotipado de vítima. A direção de Steve McQueen é ainda mais madura do que a apresentada no ótimo Shame, o que demonstra uma ótima evolução por parte do diretor, especialmente em tocar em temas tão delicados quanto os abordados na sua ainda breve filmografia.