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  • Crítica | Mussum: Um Filme do Cacildis

    Crítica | Mussum: Um Filme do Cacildis

    Figura mítica do humor brasileiro, Antonio Carlos Bernardes Gomes, ou Carlinhos,  é a figura principal do novo filme de Susanna Lira, Mussum – Um Filme do Cacildis, que por sua vez, começa através da música, do samba que ele praticava com sua antiga banda, Os Originais do Samba. A maioria dos primeiros entrevistados dizia que ele era um passista fabuloso e parecia talhado para o samba, e de fato, ele era, o que não o impediu de mostrar outras facetas de sua persona artística.

    Mussum era humorista, aparentemente ele parecia ter nascido para fazer os outros rirem, e um dos maiores acertos que o filme poderia “cometer” é o deixar ele mesmo explicar quem ele era, mostrando sua trajetória por entrevistas  suas, que servem como narração em off ou não de parte de seu passado. Alguns amigos do seu passado dão depoimento também, normalmente aparecendo com uma animação de tv antiga, um artificio meio bobo, mas que não chega a atrapalhar a compreensão da mensagem que  o documentário quer passar.

    Carlinhos tinha receio de entrar no morro, mas depois que foi pela primeira vez, virou sensação. Ele sempre destacou que sua criação o colocou no rum do sucesso, mesmo que a probabilidade de dar errado era enorme, mas ele passou por cima disso sem pensar. Boa parte das passagens da vida do biografado são animadas de modo divertido, com fotos antigas com uma animação bem primária, acompanhadas das palavras de Lázaro Ramos, e é nesse ínterim que se conta o aborrecimento ao ser chamado de Mussum pela primeira vez por Grande Otelo quando faziam um programa de televisão, e de Chico Anysio afirmando que ele deveria ir devagar com o dialeto que o sujeito inventou.

    Também é curioso notar os elogios de gente gabaritada a respeito  dos Originais do Samba, entre elas, Elis Regina, provando que não era essa “apenas” a banda do trapalhão. O filme trata com humor a árvore genealógica de Mussum, com o cúmulo de ter dois Antonio Carlos Junior, batizados assim por conta dele ter esquecido, mas os filhos jamais reclamaram de falta de amor e cuidado do pai. É uma pena que as entrevistas ocorram com o filtro animado já citado, pois em momentos onde a emoção prevalece, como a vez que um dos filhos de Mussum embarga a voz ao cantar uma música de seu pai chama mais atenção pela forma do que pela reação e conteúdo do mesmo. Ainda assim, sobra emoção do documento histórico que Lira conduz.

    O filme também discorre sobre a questão racial e sobre as acusações de Os Trapalhões ser um programa racista, ao mesmo tempo em que ele era um dos poucos negros no horário nobre, um dos primeiros a fazer sucesso na televisão e a se tornar ícone. Em paralelo a isso, os filhos diziam que seu pai os ordenava a não levar desaforo para casa, além de ele também reagir na rua quando xingavam ele ou seus herdeiros por palavras racistas. Curiosamente nesse ponto há boas falas de Joel Zito Araújo, além de uma cena do filme Os Trapalhões no Auto da Compadecida, onde ele fazia Jesus e batia de frente com os preconceitos do povo. A escolha dessas falas dá um bom panorama sobre a postura do mesmo a respeito do preconceito racial. Mussum – Um Filme do Cacildis consegue atingir mais acertos que erros, e  discorre de maneira bem singela e franca sobre a historia de seu biografado e melhor, sem soar enfadonho ou repetitivo, além de acrescentar bons momentos novos a biografia de Mussum como músico, humorista e como o ser humano admirável e  digno de saudades que ele era.

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  • Crítica | O Grinch (2018)

    Crítica | O Grinch (2018)

    A clássica história do Dr. Seuss sobre como um ser desprezível tentou roubar o natal da Quemlândia ganhou em 2018 um remake dos estúdios da Ilumination – mesma empresa responsável por Meu Malvado Favorito e Minions: O filme. O conto de natal, que já havia sido adaptado para televisão em 1966 e para o cinema no ano 2000, é apresentado nessa nova versão de uma forma mais fofinha e colorida. O Grinch segue a linha de outros filmes animados do estúdio, com um roteiro pouco imaginativo e com mudanças cruciais nos personagens do livro.

    Claro que certas mudanças e adições ao roteiro são necessárias, pois o livro original é bem curto – afinal, é feito para crianças – e o filme deixa muito espaço para se preencher em seus 90 minutos além da história básica. No entanto, muito do que foi acrescentado está lá apenas para fazer volume ao longa, como a rena Fred, que não faria falta alguma se fosse retirada do filme. O personagem título é bastante diferente de sua concepção original. No livro e nas duas outras adaptações, Grinch é um ser cruel e detestável, que odeia o natal com todas as suas forças. No novo filme, nem tanto. Grinch não parece odiar o feriado, mas sim guardar um ressentimento devido a um trauma de infância, o que faz com que desde o começo o público possa se identificar melhor com o personagem. Não odiamos o Grinch nesse filme, temos empatia por ele. Ele demonstra o tempo todo querer participar do natal, e isso se reflete em suas expressões faciais, seu olhar e seu esforço para odiar algo que claramente ele deseja. O Grinch do estúdio dos minions é menos rabugento e mais “recalcado”.

    A história começa no dia 20 de novembro, quando toda a Quemlândia está animada se preparando para o natal, enfeitando as casas e ensaiando corais. O tempo de cinco dias para o natal acaba sendo desnecessariamente longo e faz com que tenhamos várias cenas de café da manhã, que servem basicamente para mostrar a subserviência do cãozinho Max – muito mais jovem e ativo do que suas outras versões. Nesse meio tempo, Grinch visita a vila dos Quem e, ao invés da aversão odiosa aos elementos natalinos, ele parece ter algum tipo de fobia, fugindo de um grupo de coristas. Suas “maldades” não passam de pequenas traquinagens pueris – talvez com uma dose bem pequena de sadismo – mas ainda assim insignificantes. Quando Grinch finalmente resolve “roubar o natal”, ainda temos um bom tempo de tela sendo preenchido com os planos e um arco sobre a rena Fred que, como já citado, não leva a nada.

    Talvez o roubo do natal seja a parte mais interessante do filme, pois é seu momento mais criativo. O Grinch dessa película é uma espécie de “engenhoqueiro”, e utiliza todos os tipos possíveis de gadgets para realizar a façanha. Em paralelo, acompanhamos a história da família da pequena Cindy-Lou Quem e seu plano para prender o Papai Noel – a quem ela tem um pedido importante a fazer que acaba sendo o motivo da redenção final do personagem título.

    O ritmo alucinante deixa pouco tempo para introspecção e dá a impressão de que a história não pareça tão esticada. A trilha sonora assinada por Danny Elfman acerta poucas vezes, na maioria ao emular as faixas apresentadas na versão de 1966 – embora a versão de You’re a mean one, Mr. Grinch, do rapper Tyler, tenha ficado bastante dissonante com o restante. Quanto às vozes, nada que justificasse o alarde em torno de Benedict Cumberbatch ou do brasileiro Lázaro Ramos na versão dublada. Embora ambos tenham realizado um bom trabalho, essa versão não apresenta uma voz tão marcante e com tantos trejeitos quanto a do filme de 2000.

    Claramente, a Illumination criou sua própria estética visual baseada nos livros do Dr. Seuss, mais alegre e fofinha. Nisso, o filme se aproxima muito de outras obras do estúdio baseadas no autor, como Horton e o Mundo dos Quem e O Lorax: Em Busca da Trúfula Perdida. Temos então uma versão fofinha, limpinha e sanitizada do personagem que deveria ser asqueroso e rabugento. O Grinch da Illumination é um cara legal que está um pouquinho confuso, demonstra afeto e carinho ao seu fiel companheiro Max e respeita uma rena caçada nas montanhas. Adultos devem facilmente se cansar do filme, mas para o público infantil, O Grinch pode se tornar um novo Meu Malvado Favorito.

  • Crítica | Tudo O Que Aprendemos Juntos

    Crítica | Tudo O Que Aprendemos Juntos

    Tudo O Que Aprendemos Juntos

    Novo filme do diretor do competente Sergio Machado – o mesmo que conduziu o surpreendente Cidade Baixa – o drama edificante envolvendo jovens em comunidades carentes Tudo O que Aprendemos Juntos é mais um exemplar esquemático do cinema brasileiro mainstream, que se vale da força de seu astro Lázaro Ramos para angariar simpatia do público.

    A trama não apresenta nenhuma novidade, mostrando desde o começo um esforçado violonista, chamado Laerte (Ramos), que desde pequeno, é tratado como uma grande promessa para a função de musicista.  O nervosismo do homem o faz tremer diante das audições que presta, mas seu talento prossegue se alastrando, inclusive por seu gênio difícil, que o faz ter graves problemas de relações com seus colegas, bem como o torna um ser nada humilde, dificultando sua transição para a função de docente de uma comunidade carente paulistana.

    A personagem que Lázaro expressa neste é bem diferente da vista no recente Mundo Cão, até porque neste, ele está do “outro lado” da pistola, sendo ameaçado algumas vezes pelos traficantes locais. Apesar de conter planos bem elaborados e uma fotografia interessante, o filme não se destaca demais em qualidade, graças ao seu roteiro, não salvo pela absurda quantidade de clichês nele contido, reunindo uma gama de estereótipos exacerbada demais.

    Único ponto realmente digno de nota positiva dentro do texto, é a repetição de trajetória de Samuel (Kaique de Jesus), que também é um prodigioso músico, que sofre problemas em casa, ainda que a razão para os seus reclames seja contraditória, se a verdade for confrontada diretamente. Mesmo com os pesares, a trajetória que envolve edificação, tragédia, arrependimento e retorno passa a ser tolerável graças a essa boa interação de atores.

    A ideia de fazer uma nova geração de semelhantes a Laerte é evidentemente repetitiva, em matéria de filmes onde o mentor é o destaque, mas em Tudo O Que Aprendemos Juntos há um pouco mais visualmente, contando com ótimos momentos nas cenas de violência, perseguição e carregando em emoção nos closes focados em Lázaro Ramos, que consegue dominar a tela mesmo com a câmera estática. Todo o arcabouço é montado unicamente para seu astro brilhar intensamente, o que ocorre, mesmo com um argumento que beira a pieguice.

  • Crítica | Mundo Cão

    Crítica | Mundo Cão

    Mundo Cão 1

    Iniciado a partir de uma estética blockbuster, com ideias interessantes que até começam bem pelo carisma inicial das primeiras aparições de Paulinho Serra (em uma caricatura sensacional de muitos membros da patuléia), Babu Santana e Lázaro Ramos. Já no preâmbulo, nota-se que a violência seria a tônica do longa-metragem, mas o espectador é levado a um engano, visto que a aura é muito mais da comédia do que de ação.

    Marcos Jorge teve ótimos momentos em sua carreira de realizador, especialmente em Estômago, sua obra mais lembrada e merecidamente elogiada. O roteiro começa demonstrando uma violência gráfica que cada vez mais toma de assalto o cenário de filmes de ação brasileiros, com uma agressividade puramente gráfica, pop até o extremo. O recheio do texto envolve gírias, palavrões, maloqueiragem e paixão por cães e futebol, ingredientes suficientes para adocicar o paladar do público, ainda que todo o espectro seja um despiste.

    O potencial para ser um filme redondo existia, pois o texto começa interessante, determinando dois universos distintos, um capitaneado pelo bandido Nenê (Lázaro Ramos), que usa seus amados cães para executar seus serviços de extorsão, e o funcionário da carrocinha (e pai da família) Antônio Santana (Babu Santana), que vive humildemente em seus domínios do gueto, frequentando uma igreja evangélica junto a todos os membros de seu clã. O embate entre ambos acontece após o sacrifício do cachorro Nero, um rottweiler encontrado em uma escola, e que encontra óbito após a demora de seu dono em buscá-lo.

    A perseguição ocorrida após estes eventos é crível, especialmente por envolver uma briga de egos desnecessária e carregada de testosterona e infantilidade, da parte dos dois homens. Os problemas começam pouco antes da metade do filme, quando a briga se alastra e envolve as crianças, que em princípio, não comprometem a trama, alvo que evidentemente muda. A personagem de Thainá Duarte fundamentalmente reúne de forma resumida todos os problemas da produção, com cenas não críveis, incoerências dramatúrgicas e incongruências que acachapam qualquer possibilidade de acreditar nos ares de comédia para onde o filme foi levado.

    Todos os arquétipos que poderiam ser graves, profundos e complicados são diluídos pelas péssimas coincidências do texto, que prima pelo óbvio. Apesar de uma boa dedicação de Adriana Esteves ao papel que executa, fato raro aliás dentro do filme, é uma lástima por si só, já que havia potencial tanto pelo talento de Ramos, Serra, Santana e companhia, bem como pelas ideias do argumento. A inversão de banditismo e a denúncia ao descaso das autoridades se perdem, fazendo perder força até as reviravoltas frequentes do filme.

    Mundo Cão talvez agrade ao grande público, especialmente o espectador mais desatento, mas resultar uma cena de um estádio de futebol com meia dúzia de pessoas reais, preenchendo a lotação com bonecos digitais, é demasiado agressivo para qualquer aficionado por futebol, mesmo para os que sabem a diferença entre um bom produto e um que se vale de gráficos dos piores jogos de videogame de 32 bits.

  • Crítica | O Grande Kilapy

    Crítica | O Grande Kilapy

    O Grande Kilapy 1

    Com um início narrado como um conto de um senhor lusitano de meia-idade, O Grande Kilapy necessita de legendas para ser completamente contemplado e entendido. Curiosamente, é com este mesmo espírito que se faz necessário analisar a trajetória do personagem de Lázaro Ramos. Kilapy é sinônimo de trapaça, golpe, e João Fraga é um autêntico malandro que, em um ambiente que deveria ser para ele o da exploração de mais valia, acaba sendo um picadeiro para suas peripécias.

    A atmosfera política do filme compreende o período de ditadura de Salazar, e expõe sem pudor o modus operandi dos repressores aos possíveis comunistas, ainda que aborde tal questão com uma espírito cômico. A Angola, prestes a se livrar do julgo português, serve como símbolo da ainda muito presente escravização dos colonizados, e João servia como uma resposta sexualizada àquela opressão que sofria todo o país, barbarizando as moças de alta classe, como um Don Juan que ainda assim teimava em não se envolver com política.

    A direção do angolano Zezé Gamboa é pontual para revelar os meandros do cenário político de seu país. As cenas em plano americano são bem urdidas, pressionando o filme a uma profundidade que não se compreende no roteiro de Luís Alvarães e Luis Carlos Patraquim. O elenco feminino é muito bem amarrado, munido de belas moças que fazem jus à fama de galanteador do personagem-título.

    Apesar de estar bastante à vontade no papel, Lázaro Ramos não consegue fazer abrilhantar o filme, sem sequer superar os agravos da produção ser orçamentada por baixo. O conteúdo sequer chega a beirar o ativismo político, mas se preocupa em fazer graça com o tratamento que o exército tem com o cidadão que nada faz. João é vítima da típica e irônica paranoia dos mandatários do regime ditatorial, mas não há uma preocupação demasiada em traçar perfil nenhum de política e nação no argumento original.

    Apesar de o final sinalizar uma maior maturidade na discussão, O Grande Kilapy carece de uma abordagem mais assertiva, uma vez que tem buracos imensos no roteiro e uma clara dificuldade em contar uma história que tenta se equilibrar entre uma comédia e um filme de mote político, não acertando nem no humor, visto que faz pouco rir, e nem no espectro social, já que arranha a superfície do que foi o panorama da ditadura angolana. Gamboa até mostra uma boa predileção em suas cenas filmadas, mas nada que salve o filme da mediocridade do circuito.

  • Crítica | Madame Satã

    Crítica | Madame Satã

    Madame Sata - Poster

    A introdução escolhida pelo cineasta Karim Aïnouz mostra o rosto de seu personagem biografado, em um close das feições enrubescidas, nos inchaços causados pelo impacto da pele alheia sobre o rosto, hematomas de brigas físicas que visavam cercear seu espírito livre. Acompanhada da forte imagem, há uma narração do relator do conto policial, que verborragicamente define todos os pecados de João Francisco dos Santos, o Madame Satã, assinalando especialmente o crime de andar com quem anda, de frequentar os lugares mais desqualificados do Rio de Janeiro acompanhado dos maiores e piores maltrapilhos cariocas, de categoria que alcançam níveis baixíssimos.

    Qualquer ato motivado pela crença na impunidade, ao ferir prostitutas, homossexuais e outros seres que habitavam o centro da Cidade Maravilhosa, é espantado pelos golpes capoeiristas do personagem. Lázaro Ramos dá vida à figura lendária dos anos 30, capturando, inclusive, nuances de comportamento contraditórios, como a de macho alfa, impositor, dono da força bruta, em paralelo à orientação homoafetiva, destruindo o estereótipo de fragilidade homofóbica, movido basicamente pela prática misógina do macho de julgar-se superior.

    O estado mental indócil do “leão de chácara” respinga em sua personalidade, revelando um homem temperamental, incapaz de conter-se ao presenciar desrespeito e desaforos proferidos a si ou aos que estão ao seu redor. A destemperança de sua alma se alastra pelas ruas do Rio, concluindo-se em confusões em bares, botecos e casas frequentadas pelos ricos. Ecos dos maus-tratos que sofreu durante a vida inteira, a rejeição causada por sua condição acumulada de pária, amalgamando o arquétipo do preto e do gay.

    Os tempos mostrados em Madame Satã eram mais simples, onde a punição ocorria somente com os secularmente excluídos. A polícia perseguia quem não tinha dinheiro, sem haver chance de defesa de quaisquer direitos se não fosse por parte dos ditos cidadãos de classe média, enquanto todo o restante era inimigo. O argumento de Karim Aïnouz e seu grupo de roteiristas é tristemente atual, retratando o quão punitiva pode ser a audácia do oprimido, com a diferença básica da figura que desacata a autoridade dos tratantes fascistas.

    A fotografia delicada de Walter Carvalho marca um mundo colorido que teima em ter gritantes colorações, apesar da névoa cinza que teima em pairar sobre as cabeças dos personagens, a alegria que predomina mesmo diante do preconceito que habita os corações e mentes dos conservadores. A direção tenaz de Aïnouz prossegue discutindo cada argumento fajuto do comum homem homofóbico, exibindo perseguições que vão além de qualquer exibição artística, mostrando que nem sempre o entretenimento é capaz de apagar a mancha que é o pensamento pequeno de quem se julga superior unicamente ao sentir atração por seres do sexo oposto.

    Os últimos momentos retratam toda a personalidade revanchista de João Francisco, fazendo o biografado retornar à cena inicial para cair na vala comum de outros assassinos, ladrões e bandidos, unicamente por dar vazão aos sentimentos reprimidos, jamais pedidos por ele, e interrompidos por agressores que tentavam em vão assassinar sua alma de artista e de homem livre.

    Ao exibir o incidente do biografado, mesmo com a pena que João sofreria, o papel do agressor é subalterno diante da boemia que predominava no ideário e rotina do personagem. No carnaval, após o cumprimento de sua sentença, o personagem ganharia de novo as ruas para enfim ter a glória brilhante que lhe era de direito, ao som de fanfarras e tamborins. Como a figura máxima do carnaval carioca, ela exibe-se já sem medo, evoluída, triunfante em gênero e sexo, como a princesa do asfalto que era. Ao contrário do que pressupõem a introdução e epílogo, não há valorização da lei ou do Estado comum sobre a identidade do homem, e sim uma ode à libertação e livre expressão da natureza sexual humana.