Tag: Walter Carvalho

  • Crítica | Iran

    Crítica | Iran

    Filme ensaio de Walter Carvalho, Iran acompanha o método do ator Irandhir Santos em mergulhar em seu papel, no caso, mostrando sua preparação para o filme de Luiz Villamarim exibido ano passado, Redemoinho. O documentário de aproximadamente 70 minutos é composto de uma narrativa visual que se vale de uma verborragia corporal, praticamente sem nenhuma fala de seu personagem.

    Editado em preto e branco, o filme busca o naturalismo via balbucios. Os sons indistinguíveis de sentido pronunciados pelo ator revelam um método bastante peculiar, mas que certamente não justifica toda a repetição em volta deste ciclo. A sensação ao final da sessão é que há mais da metade da duração dedicada basicamente a revelar tais ruídos sem sequer mostrar a face do intérprete de Luzimar.

    Talvez o aspecto que mais diferencia estes de outros ensaios cinematográficos sejam as anotações que o artista fez nos papéis dos roteiros, repletos de desenhos e indicações de performance. Ainda assim, é pouco. Deve haver um significado atroz para quem já trabalhou com Irandhir, mas para o público geral, não tanto.

    Os sons das ondas batendo unido as cenas de aquecimento embalam o sono do espectador, que basicamente tem que tentar driblar a sensação de tédio. Em alguns momentos, parece que a intenção do documentarista é exatamente esse, o de ninar a platéia. As justificativas do diretor antes da sessão da Premiere Brasil mais pareciam um pedido de desculpas para o que o público assistiria adiante, fato absolutamente desnecessário, afinal a experiência ali poderia fazer sentido para alguns.

    Iran parece muito os filmes experimentais de Paula Gaitán, como o recente Sutis Interferências que ainda é mais palatável para o público geral que este analisado. Carvalho traz cenas belíssimas e uma ideia poética que certamente seria melhor exposta em uma sessão especial de exibição, pois necessita de uma apreciação tão experimental quanto a sua feitoria.

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  • Crítica | Redemoinho

    Crítica | Redemoinho

    redemoinho

    Filme de José Luiz Villamarim, Redemoinho mistura a tendência de cinema contemplativo muito famosa em meio a diretores de Recife e região, junto a uma estética mais normativa e global. Estreia em longas metragens do diretor, a história enfoca dois espectros, sendo o primeiro a intimidade da cidade do interior de Minas Gerais Cataguases, além da amizade antiga e há muito perdida de Luzimar (Irandhir Santos) e Gildo (Júlio Andrade), que se mudou para São Paulo anos antes do drama registrado.

    Os fatos ocorrem na véspera do Natal, onde as famílias se reúnem, servindo esse dia também para um confronto com o passado. Apesar de conter alguns momentos de comicidade, o roteiro se debruça sobre questões dramáticas, utilizando a contemplação já citada para mostrar que algo está muito errado, apesar das conversas descompromissadas dos dois amigos antigos. O problema é que essa exploração mostra que o argumento de George Moura é frágil e irregular, não conseguindo disfarçar essa falta de qualidade nem com os múltiplos diálogos e nem com o uso extensivo do som como elemento narrativo, quase sempre sufocando as palavras e sentimentos dos personagens.

    As performances que mais impressionam são das atrizes. Dira Paes, Cássia Kiss Magro e Cyria Coentro têm cada uma um tempo reduzido de tela, em especial Coentro, mas quando são exigidas, o trio apresenta um conjunto de nuances que é muito mais rico que todo o cansativo mistério explorado no plot principal. As mulheres sofrem pelos erros dos homens e certamente o filme teria mais sucesso em emocionar se enfocasse mais nelas.

    Redemoinho é uma tentativa de fugir do espectro televisivo, uma vez que Villamarim é bastante conhecido por seu trabalho em mini-séries como Justiça e Rebu. Sua linguagem é de cinema e a fotografia de Walter Carvalho é belíssima, mas até esse aspecto positivo ajuda a demonstrar que o filme é muita forma com um conteúdo deficitário em comparação com esta. A elucubração sobre emigração e sobre as maldições do lugar soam pueris na maior parte do tempo, resultando em um desperdício de potencial tremendo.

  • Crítica | Sonhos Roubados

    Crítica | Sonhos Roubados

    sonhosroubados

    Já dizia o filósofo alemão do século XIX, Nietzsche: Nada lhe pertence mais que seus sonhos.

    Filosofias à parte, o simples bater das asas de um beija-flor, atravessa, de repente, a trajetória de qualquer um de nós, e parece arremessar, para longe, sonhos que começamos a esculpir, transformando-os em fragmentos de desilusões e desânimos.

    No entanto, apesar do que possa parecer através do título, Sonhos Roubados é um filme brasileiro que fala da capacidade em manter intactos nossos sonhos, por mais que a vida insista em querer desbotar suas cores. Eles se mostram presentes na sutileza de um shampoo roubado, do retoque do batom sob o reflexo de uma tampa, do desejo de um mp3, de um jeans provado na loja da periferia, ou no prazer do frenesi do baile funk e da serena brisa na areia da praia.

    A diretora, Sandra Werneck, insiste mais uma vez em explorar o avesso dos núcleos sociais, como fez com os seus documentários. Já premiada pelo filme Cazuza – O Tempo Não Para (2004), nacional e internacionalmente, e antes desse, com Amores Possíveis, de 2001, como Melhor Filme Latino-americano, no Sundance Film Festival, Werneck arrebata, com Sonhos Roubados, o prêmio do júri popular no Festival do Rio de 2009. Ainda por este filme, o trio que protagoniza a história, Nanda Costa (Jessica), Amanda Diniz (Daiane) e Kika Farias (Sabrina), divide o prêmio Biarritz de Melhor Atriz, em 2010.

    Nanda Costa está, mais do que impecável, vibrante, quando mergulha em todos as nuances de uma garota que encara a prostituição com absoluta naturalidade, já que esta atividade se mostra como a única forma de cuidar do seu avô e de sua filha. É assim que Jéssica acaba conhecendo o presidiário Ricardo, que marca a estreia, como ator, do rapper MV Bill.

    Também em torno de uma dinâmica que visa a realização de sonhos, sejam eles de sobrevivência ou de consumo (mas que fazem parte do universo das favelas e de tantas outras garotas no mundo todo), Diane e Sabrina se dispõem a ganhar alguns trocados como pagamento de “favores”.

    Baseado em um livro da jornalista Eliane Trindade, que conta a história de seis adolescentes, Sonhos Roubados não economiza na qualidade dos intérpretes, e nos presenteia com as ótimas atuações de Marieta Severo (que já havia trabalhado com Werneck, em Cazuza), Daniel Dantas, Nelson Xavier, Ângelo Antônio e mesmo do estreante Bill.

    Ainda que a realidade das comunidades carentes se apresente como tema que vem sendo abordado pelos cineastas brasileiros, essa obra nos traz a cadência, a vaidade, a garra e a fragilidade de um universo feminino, visto pelo mesmo olhar, com honesta humanidade. Sonhos Roubados veste-se de uma leveza que suspira o lado dramático da precocidade da vida das três meninas, sem permitir que a alegria de viver as pequenas (talvez imperceptíveis aos olhos dos outros) conquistas, e o direito de sonhar, lhes seja roubada.

    Devo confessar que notei uma certa negligência na elaboração dos diálogos. Mas então me pego pensando: e precisa? Afinal, não é assim mesmo (despreocupada, instável e intolerante a desperdícios) a linguagem de quem se debate entre a necessidade de amadurecer e a secreta vontade de conservar a meninice? Não podemos “ler” nos gestos, nas expressões e nos caminhos traçados, tudo aquilo que não é falado?

    Texto de autoria de Cristina Ribeiro.

  • Crítica | Madame Satã

    Crítica | Madame Satã

    Madame Sata - Poster

    A introdução escolhida pelo cineasta Karim Aïnouz mostra o rosto de seu personagem biografado, em um close das feições enrubescidas, nos inchaços causados pelo impacto da pele alheia sobre o rosto, hematomas de brigas físicas que visavam cercear seu espírito livre. Acompanhada da forte imagem, há uma narração do relator do conto policial, que verborragicamente define todos os pecados de João Francisco dos Santos, o Madame Satã, assinalando especialmente o crime de andar com quem anda, de frequentar os lugares mais desqualificados do Rio de Janeiro acompanhado dos maiores e piores maltrapilhos cariocas, de categoria que alcançam níveis baixíssimos.

    Qualquer ato motivado pela crença na impunidade, ao ferir prostitutas, homossexuais e outros seres que habitavam o centro da Cidade Maravilhosa, é espantado pelos golpes capoeiristas do personagem. Lázaro Ramos dá vida à figura lendária dos anos 30, capturando, inclusive, nuances de comportamento contraditórios, como a de macho alfa, impositor, dono da força bruta, em paralelo à orientação homoafetiva, destruindo o estereótipo de fragilidade homofóbica, movido basicamente pela prática misógina do macho de julgar-se superior.

    O estado mental indócil do “leão de chácara” respinga em sua personalidade, revelando um homem temperamental, incapaz de conter-se ao presenciar desrespeito e desaforos proferidos a si ou aos que estão ao seu redor. A destemperança de sua alma se alastra pelas ruas do Rio, concluindo-se em confusões em bares, botecos e casas frequentadas pelos ricos. Ecos dos maus-tratos que sofreu durante a vida inteira, a rejeição causada por sua condição acumulada de pária, amalgamando o arquétipo do preto e do gay.

    Os tempos mostrados em Madame Satã eram mais simples, onde a punição ocorria somente com os secularmente excluídos. A polícia perseguia quem não tinha dinheiro, sem haver chance de defesa de quaisquer direitos se não fosse por parte dos ditos cidadãos de classe média, enquanto todo o restante era inimigo. O argumento de Karim Aïnouz e seu grupo de roteiristas é tristemente atual, retratando o quão punitiva pode ser a audácia do oprimido, com a diferença básica da figura que desacata a autoridade dos tratantes fascistas.

    A fotografia delicada de Walter Carvalho marca um mundo colorido que teima em ter gritantes colorações, apesar da névoa cinza que teima em pairar sobre as cabeças dos personagens, a alegria que predomina mesmo diante do preconceito que habita os corações e mentes dos conservadores. A direção tenaz de Aïnouz prossegue discutindo cada argumento fajuto do comum homem homofóbico, exibindo perseguições que vão além de qualquer exibição artística, mostrando que nem sempre o entretenimento é capaz de apagar a mancha que é o pensamento pequeno de quem se julga superior unicamente ao sentir atração por seres do sexo oposto.

    Os últimos momentos retratam toda a personalidade revanchista de João Francisco, fazendo o biografado retornar à cena inicial para cair na vala comum de outros assassinos, ladrões e bandidos, unicamente por dar vazão aos sentimentos reprimidos, jamais pedidos por ele, e interrompidos por agressores que tentavam em vão assassinar sua alma de artista e de homem livre.

    Ao exibir o incidente do biografado, mesmo com a pena que João sofreria, o papel do agressor é subalterno diante da boemia que predominava no ideário e rotina do personagem. No carnaval, após o cumprimento de sua sentença, o personagem ganharia de novo as ruas para enfim ter a glória brilhante que lhe era de direito, ao som de fanfarras e tamborins. Como a figura máxima do carnaval carioca, ela exibe-se já sem medo, evoluída, triunfante em gênero e sexo, como a princesa do asfalto que era. Ao contrário do que pressupõem a introdução e epílogo, não há valorização da lei ou do Estado comum sobre a identidade do homem, e sim uma ode à libertação e livre expressão da natureza sexual humana.

  • Crítica | Raul: O Início, o Fim e o Meio

    Crítica | Raul: O Início, o Fim e o Meio

    69 - Raul - O Início, o Fim e o Meio

    Provavelmente não existe um brasileiro que não saiba ao menos um trecho de uma música de Raul Seixas. Mesmo que ele esteja morto há mais de 20 anos e não seja fenômeno de mídia em tempos tão efêmeros, Raul ainda move multidões anônimas que sempre se manifestam em qualquer show com o irritante “Toca Raul”. Porém, há tempos que o cinema necessitava de contar a história por trás do mito, como foi chamado por várias figuras populares no Brasil, como Paulo Coelho e Caetano Veloso. E esse filme de Walter Carvalho faz jus ao personagem.

    Começando com uma estrutura reta de documentário, o filme se inicia contando a história do jovem Raul e seus amigos na Bahia, montando um fã-clube de Elvis Presley e aprendendo frases, trejeitos, penteados e roupas do Rei do Rock, mostrando um ótimo trabalho de levantamento da juventude de Seixas. O início romântico e conturbado da carreira se mescla a seu primeiro casamento com Edith, fato que se repetirá ainda diversas vezes na vida do cantor, que teve várias esposas e amantes. A cada novo sucesso, uma nova fase, com novo comportamento, nova mania e novo vício, o que mais pra frente se tornará motivo da decadência de Raul.

    Com entrevistas que vão desde suas ex-mulheres, filhas e amigos, o filme se foca mais na vida pessoal do cantor do que em sua carreira, ao mesmo tempo louvando a genialidade de Raul, mas ignorando aspectos práticos, como o processo criativo, as gravações, o nome dos discos, época do lançamento, e tudo o que poderia situar o espectador no entendimento das razões pelas quais Raul fazia tanto sucesso. Da mesma forma, o filme falha em explicar porque o ídolo, de uma hora para outra nos anos 80, passa a ser esquecido e não fazer mais sucesso como antes, necessitando da ajuda (ou aproveitamento, como é discutido) de Marcelo Nova para voltar aos palcos, mesmo que se arrastando, o que alguns dizem que prolongou a vida de Raul, outros, que a abreviou. O fato é que sua carreira foi tratada de forma menor em detrimento de sua vida pessoal, o que atrapalha um pouco o entendimento do tamanho de sua obra.

    Porém, o espaço enorme dado a Paulo Coelho e a tentativa intencionalmente falsa de deixar em segundo plano o enorme ego do escritor (que sempre tenta passar como humilde, mas não resiste em pateticamente se mostrar atirando flechas em sua casa na Suíça) mostra claramente como algumas feridas ainda estão longe de serem cicatrizadas, e talvez a batalha dos egos, mesmo com Raul morto, não tenha terminado. E nunca terminará.

    O fato é que Raul Seixas, como mito e como ser humano, é indecifrável, e por alguma razão, extremamente atraente a determinados tipos de pessoas, como os “malucos beleza” que todos conhecemos. Não à toa, todo ano em SP há uma reunião de fãs e sósias do cantor para se reunirem e saudarem o ídolo. Por mais que Raul não seja hoje o fenômeno da indústria cultural, basta ouvirmos um trecho de suas músicas para nos fazer ficar com ela na cabeça durante um bom tempo, pois esconde em melodias relativamente simples letras recheadas de simbolismo. Isso basta para definir um ícone. Ou como Paulo Coelho prefere, um mito.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.