Tag: Nelson Xavier

  • Crítica | Comeback

    Crítica | Comeback

    comeback

    Primeiro longa de Érico Rassi, e uma das poucas surpresas positivas na seleção da Premiere Brasil do último Festival do Rio, Comeback é um bom exemplar de filme de gênero brasileiro, focando-se no sub gênero de assassino arrependido e retirado da profissão. Nelson Xavier está muito inspirado no papel de Amador, um ex-pistoleiro que apesar da alta idade segue arredio e inconformado com o os ostracismo que sofre.

    Em tempos de vacas magras, sobra a ele a exploração de máquinas de caça-niqueis e a submissão a um antigo aliado, que teve uma sorte melhor do que a sua na terceira idade. Nesse contexto, ele conhece o personagem de Marco Andrade , o neto de um antigo colega seu, que o ajuda a estabelecer contato com uma equipe de cinema, que produz um filme baseado em histórias de assassinos brasileiros obscuros.

    No discurso de Amador há um evocar de saudosismo, não só lembrando os seus áureos tempos, mas também reafirmando seu caráter de homem insubordinável e que é a todo momento indagado sobre seus feitos no passado, por não aparentar ser um sujeito agressivo ou homicida. As cenas de Rassi habitam bares pé sujo e possui uma trilha sonora típica de filmes latino americanos. Esse aspecto paupérrimo ajuda a construir o caráter verossímil do filme, pondo-o em uma perspectiva de importância enorme.

    A discussão da velhice e obsolescência programada foge de qualquer exploração tanto de clichês de coitadismo comuns a filmes focados em personagens já velhos. A sucessão de fatos faz lembrar os interessantes e viscerais contos de Rubem Fonseca, tomando emprestado desse a crueza tanto dos momentos violentos quanto no silencio sepulcral dos personagens. A diferença básica entre o argumento é os contos do escritor é a localização de cidade pequena ao invés dos centros urbanos vistos em A Grande Arte, Lúcia McCartney e afins.

    Amador é um homem de poucas palavras, neste ponto se assemelha aos muito heróis de western spaghetti. O fato dele falar quase nada ajuda a manter uma aura de mistério sobre a veracidade de seus feitos, assim como faz o trabalho de som da equipe de Rassi se tornar ainda mais gritante quanto a suas boas qualidades. O comeback previsto no título ocorre de maneira elegante e discreta, mas ainda assim sangrenta e explicita em suas consequências, findando o filme com uma fuga lenta e poeticamente filmada, estabelecendo assim um tom agridoce nos momentos de recém saída da aposentadoria do anti herói. O estampido das armas ensurdece o espectador e tira qualquer dúvida sobre o fato implacável do autor das chacinas anunciadas em Comeback.

  • Crítica | A Floresta Que Se Move

    Crítica | A Floresta Que Se Move

    A Floresta Que Se Move 1

    Adaptação bastante livre da obra shakesperiana MacBeth, o novo filme de Vinícius Coimbra realiza um roteiro que mistura poesia e uma esquematização bastante normativa, obviamente sem sucesso em apelar para ambos os aspectos. O texto tenta dar alguma sobriedade aos personagens, quase todos pessimamente executados, mesmo pelos atores mais gabaritados, a exemplo de Nelson Xavier e Angelo Antônio.

    A trama se passa nos anos atuais, na escalada pela presidência de um banco. Elias, vivido por Gabriel Braga Nunes, acaba de ser promovido a vice-presidência de seu ofício. Sua timidez e fraqueza de pensamento dão vazão a nefasta influência de sua esposa, Clara, com Ana Paula Arósio retornando após um longo período sem “exercer” sua imagem.

    A dramaturgia do filme é nula; as falas forçadas são semelhantes às piores telenovelas, com substância equivalente as microtramas do seriado Sandy e Júnior. A quantidade de absurdos mostrados no combalido texto é uma ótima alegoria aos problemas da feitoria do longa. A trama de assassinato, típica da peça teatral, é conduzida do modo mais atrapalhado e repleto de incongruências possíveis, factoide que se faz perguntar se o script sofreu qualquer tratamento antes de começar a ser rodado nas locações estrangeiras.

    Mesmo os momentos onde a luxúria e o sexo devem prevalecer, não há qualquer apelo à sensualidade, mesmo com as belas feições de Arósio e Braga Nunes. Nada em absoluto funciona, aproximando disso apenas os momentos de investigação policial, digno de nota por ser ruim, e não péssimo, como todos os outros momentos do filme.

    As motivações de Elias são completamente erradas, não pela ganância, mas sim pela automática mudança de postura em relação a cometer crimes. Não há a mínima construção desse declínio espiritual, moral e de caráter, ao contrário, tudo é conduzido do modo mais fraco e risível possível. As cenas de encontros de fantasmas são dignas de gargalhadas, além de reunir em si uma porção enorme de erros de continuidade e de concepção, inclusive em relação às causas da morte.

    A Floresta Que Se Move tenciona uma proposta de difícil execução, e que não consegue se valer sequer da experiência de seu diretor, que já havia realizado o interessante – e de proposta completamente diferenciada – A Hora e a Vez de Augusto Matraga, além de ter realizado episódios na mini-série JK, que nem em seus piores momentos (e não foram poucos, no seriado) conseguiam exprimir tanto vazio quanto nesta obra que se baseia em um texto tão laureado, exibindo uma origem para a loucura bastante porca e tratando seu público como seres imbecilizados.

  • Crítica | Sonhos Roubados

    Crítica | Sonhos Roubados

    sonhosroubados

    Já dizia o filósofo alemão do século XIX, Nietzsche: Nada lhe pertence mais que seus sonhos.

    Filosofias à parte, o simples bater das asas de um beija-flor, atravessa, de repente, a trajetória de qualquer um de nós, e parece arremessar, para longe, sonhos que começamos a esculpir, transformando-os em fragmentos de desilusões e desânimos.

    No entanto, apesar do que possa parecer através do título, Sonhos Roubados é um filme brasileiro que fala da capacidade em manter intactos nossos sonhos, por mais que a vida insista em querer desbotar suas cores. Eles se mostram presentes na sutileza de um shampoo roubado, do retoque do batom sob o reflexo de uma tampa, do desejo de um mp3, de um jeans provado na loja da periferia, ou no prazer do frenesi do baile funk e da serena brisa na areia da praia.

    A diretora, Sandra Werneck, insiste mais uma vez em explorar o avesso dos núcleos sociais, como fez com os seus documentários. Já premiada pelo filme Cazuza – O Tempo Não Para (2004), nacional e internacionalmente, e antes desse, com Amores Possíveis, de 2001, como Melhor Filme Latino-americano, no Sundance Film Festival, Werneck arrebata, com Sonhos Roubados, o prêmio do júri popular no Festival do Rio de 2009. Ainda por este filme, o trio que protagoniza a história, Nanda Costa (Jessica), Amanda Diniz (Daiane) e Kika Farias (Sabrina), divide o prêmio Biarritz de Melhor Atriz, em 2010.

    Nanda Costa está, mais do que impecável, vibrante, quando mergulha em todos as nuances de uma garota que encara a prostituição com absoluta naturalidade, já que esta atividade se mostra como a única forma de cuidar do seu avô e de sua filha. É assim que Jéssica acaba conhecendo o presidiário Ricardo, que marca a estreia, como ator, do rapper MV Bill.

    Também em torno de uma dinâmica que visa a realização de sonhos, sejam eles de sobrevivência ou de consumo (mas que fazem parte do universo das favelas e de tantas outras garotas no mundo todo), Diane e Sabrina se dispõem a ganhar alguns trocados como pagamento de “favores”.

    Baseado em um livro da jornalista Eliane Trindade, que conta a história de seis adolescentes, Sonhos Roubados não economiza na qualidade dos intérpretes, e nos presenteia com as ótimas atuações de Marieta Severo (que já havia trabalhado com Werneck, em Cazuza), Daniel Dantas, Nelson Xavier, Ângelo Antônio e mesmo do estreante Bill.

    Ainda que a realidade das comunidades carentes se apresente como tema que vem sendo abordado pelos cineastas brasileiros, essa obra nos traz a cadência, a vaidade, a garra e a fragilidade de um universo feminino, visto pelo mesmo olhar, com honesta humanidade. Sonhos Roubados veste-se de uma leveza que suspira o lado dramático da precocidade da vida das três meninas, sem permitir que a alegria de viver as pequenas (talvez imperceptíveis aos olhos dos outros) conquistas, e o direito de sonhar, lhes seja roubada.

    Devo confessar que notei uma certa negligência na elaboração dos diálogos. Mas então me pego pensando: e precisa? Afinal, não é assim mesmo (despreocupada, instável e intolerante a desperdícios) a linguagem de quem se debate entre a necessidade de amadurecer e a secreta vontade de conservar a meninice? Não podemos “ler” nos gestos, nas expressões e nos caminhos traçados, tudo aquilo que não é falado?

    Texto de autoria de Cristina Ribeiro.