Tag: Susanna Lira

  • Review | Por Um Respiro

    Review | Por Um Respiro

    Por Um Respiro é uma série de documentários da Globoplay, dirigida por Susanna Lira que mostra o dia-a-dia de funcionários da saúde que lidam com a pandemia do Novo Coronavírus. Sua história se passa no Hospital Pedro Ernesto, referência em tratamento de Covid-19 no Rio de Janeiro.

    O seriado mostra em detalhes algumas das falas comuns do povo, como o uso ou não de celulares pelos pacientes. As enfermeiras em alguns momentos levam os telefones para que os internados possam ter algum contato com seus parentes. Ele também acompanha a evolução do quadro dos pacientes, mostrando os estágios de recuperação, não só físicos, mas também emocionais.

    A filmografia de Lira não é perfeita, mas ao menos no que toca questões emocionais o trabalho dela como realizadora é irrepreensível, e em se tratando de um documentário, é preciso ter esse apelo ao passional ainda mais numa questão como a proliferação de uma doença tão cruel e desacreditada pela população em geral, afinal se tratam de vidas, pessoas fragilizadas e que são naturalmente excluídas, visto a forma como o governo federal lida com a questão da pandemia e a ignorância em relação a vacina.

    Esteticamente a série é bem simples, e até esse aspecto ajuda a fomentar a urgência do discurso que é proposto, não há desvios narrativos, o foco é na esperança das pessoas em poder sair dessa situação, e no esforço dos profissionais em lutar para que as pessoas possam ficar bem ou ao menos se sentirem com algum conforto.

    A série tem seis capítulos, e o último se chama O Fim Não Está Próximo, e seu tom é quase profético, pois além de contradizer a fala de autoridades, também fortalece o cuidado que é preciso, com pacientes adoentados e com quem não leva a sério das medidas de proteção e de distanciamento. Para além das questões emocionais, Por Um Respiro é uma boa versão dos fatos colhidos a partir de quem viveu e vive um drama de guerra, de quem está na linha de frente e é tão desvalorizado por tanta gente.

  • Entrevista | Susanna Lira, diretora de Mussum

    Entrevista | Susanna Lira, diretora de Mussum

    Mussum foi uma figura de extremo carisma, seja no humor, quando foi um dos membros do quarteto de ouro dos Trapalhões, ou como musicista do grupo Originais do Samba, e é sobre essa figura que Mussum: Um Filme do Cacildis fala, direção de Susanna Lira, que já havia feito Torre das Donzelas, Intolerância.DOC entre outras obras. Confira aí a nossa conversa com a realizadora.

    Vortex Cultural: De onde surgiu a ideia de Mussum, Um Filme do Cacildis?

    Susanna Lira: A ideia de fazer o filme veio de uma provocação de uma amiga minha, a Thais Gloria,meu primeiro filme foi sobre o Zé Bonitinho, e depois eu passei muito tempo fazendo filmes sobre mulheres, e ela perguntou se eu não queria fazer um filme sobre o Mussum, pois ela conhecia pessoas da família dele, e foi assim que foi feito. Eu lembrei da minha infância e das minhas influencias, e a primeira lembrança que eu tenho de cinema foi dos Trapalhões e assim, apesar de ter 25 anos da morte dele, a figura do Mussum ainda é muito presente, o filme surge da curiosidade de entender essa eternidade dele.

    Vortex Cultural: Como houve a ideia de fazer o filme ser contado através de entrevistas antigas de Antonio Carlos? Quais são elas, foi difícil fazer a curadoria dessas?

    Susanna Lira: Foi muito desafiador, porque o filme é uma biografia de alguém que já não está mais vivo, e ainda bem que a gente tinha parceria com a Globo Filmes, que tinha muitas entrevistas, e ficamos durante um bom tempo estudando essas entrevistas e isso foi fundamental, porque ele próprio falando sobre a sua história traz um dinamismo fundamental para a edição.

    Vortex Cultural: Quanto tempo demorou para o filme ficar pronto e como foi o processo de pesquisa e edição?

    Susanna Lira: O filme demorou quatro anos para ficar pronto e o trabalho mais duro foi a pesquisa, fomos atrás até de coisas de fora, da Alemanha, do Mexico, e convidei o Vinicius Nascimento que é um editor com quem eu gosto de trabalhar e gosta muito de trabalhar com material de arquivo, acho que você tem que ter talento para equilibrar essas imagens, além de um trabalho primoroso dos roteiristas e pesquisadores Michel Carvalho e Bruno Passeri.

    Vortex Cultural: Apesar de ser bem informativo, seu filme é carregado de emoção, como você vê esse equilíbrio entre sentimento e informação no seu filme e como você acha que isso conversa com a personalidade de Antonio Carlos?

    Susanna Lira: A saga do Antonio Carlos Bernardes é uma historia que nos emociona, ele cresceu num internato, sem a figura do pai, ele teve uma jornada muito complexa e dura, mas conseguiu vencer com a força da sua criatividade e do seu talento, e o filme é uma forma de agradecer a ele, pelo que ele fez pela minha infância e pro cinema, é um filme carregado de afeto, mesmo nos temas mais duros, nós decidimos falar com mais emoção porque eu acho que o personagem precisava disso.

    Vortex Cultural: Qual você acha que é a função social do seu filme, não só no sentido de resgatar a memoria de Mussum mas também como filme que fala a respeito do preconceito institucional do Brasil ?

    Susanna Lira: Não sei se o filme tem uma função social, mas para o personagem eu acho que é tentar fazer justiça a uma imagem muito estigmatizada…as pessoas parecem confundir muito a pessoa do Antonio Carlos com o personagem Mussum e o Joelzito Araújo faz uma reflexão sobre isso no filme. É bom que se separe as figuras, do Antonio Carlos trabalhador e do Mussum beberrão, porque o segundo só funcionou e se eternizou graças ao intenso trabalho do primeiro, por conta dessa personalidade disciplinada, rigorosa e trabalhadora, por trás de todo riso e malandragem só ocorre por conta de um árduo esforço do artista.

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  • Crítica | Mussum: Um Filme do Cacildis

    Crítica | Mussum: Um Filme do Cacildis

    Figura mítica do humor brasileiro, Antonio Carlos Bernardes Gomes, ou Carlinhos,  é a figura principal do novo filme de Susanna Lira, Mussum – Um Filme do Cacildis, que por sua vez, começa através da música, do samba que ele praticava com sua antiga banda, Os Originais do Samba. A maioria dos primeiros entrevistados dizia que ele era um passista fabuloso e parecia talhado para o samba, e de fato, ele era, o que não o impediu de mostrar outras facetas de sua persona artística.

    Mussum era humorista, aparentemente ele parecia ter nascido para fazer os outros rirem, e um dos maiores acertos que o filme poderia “cometer” é o deixar ele mesmo explicar quem ele era, mostrando sua trajetória por entrevistas  suas, que servem como narração em off ou não de parte de seu passado. Alguns amigos do seu passado dão depoimento também, normalmente aparecendo com uma animação de tv antiga, um artificio meio bobo, mas que não chega a atrapalhar a compreensão da mensagem que  o documentário quer passar.

    Carlinhos tinha receio de entrar no morro, mas depois que foi pela primeira vez, virou sensação. Ele sempre destacou que sua criação o colocou no rum do sucesso, mesmo que a probabilidade de dar errado era enorme, mas ele passou por cima disso sem pensar. Boa parte das passagens da vida do biografado são animadas de modo divertido, com fotos antigas com uma animação bem primária, acompanhadas das palavras de Lázaro Ramos, e é nesse ínterim que se conta o aborrecimento ao ser chamado de Mussum pela primeira vez por Grande Otelo quando faziam um programa de televisão, e de Chico Anysio afirmando que ele deveria ir devagar com o dialeto que o sujeito inventou.

    Também é curioso notar os elogios de gente gabaritada a respeito  dos Originais do Samba, entre elas, Elis Regina, provando que não era essa “apenas” a banda do trapalhão. O filme trata com humor a árvore genealógica de Mussum, com o cúmulo de ter dois Antonio Carlos Junior, batizados assim por conta dele ter esquecido, mas os filhos jamais reclamaram de falta de amor e cuidado do pai. É uma pena que as entrevistas ocorram com o filtro animado já citado, pois em momentos onde a emoção prevalece, como a vez que um dos filhos de Mussum embarga a voz ao cantar uma música de seu pai chama mais atenção pela forma do que pela reação e conteúdo do mesmo. Ainda assim, sobra emoção do documento histórico que Lira conduz.

    O filme também discorre sobre a questão racial e sobre as acusações de Os Trapalhões ser um programa racista, ao mesmo tempo em que ele era um dos poucos negros no horário nobre, um dos primeiros a fazer sucesso na televisão e a se tornar ícone. Em paralelo a isso, os filhos diziam que seu pai os ordenava a não levar desaforo para casa, além de ele também reagir na rua quando xingavam ele ou seus herdeiros por palavras racistas. Curiosamente nesse ponto há boas falas de Joel Zito Araújo, além de uma cena do filme Os Trapalhões no Auto da Compadecida, onde ele fazia Jesus e batia de frente com os preconceitos do povo. A escolha dessas falas dá um bom panorama sobre a postura do mesmo a respeito do preconceito racial. Mussum – Um Filme do Cacildis consegue atingir mais acertos que erros, e  discorre de maneira bem singela e franca sobre a historia de seu biografado e melhor, sem soar enfadonho ou repetitivo, além de acrescentar bons momentos novos a biografia de Mussum como músico, humorista e como o ser humano admirável e  digno de saudades que ele era.

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  • Entrevista | Susanna Lira, diretora de Torre das Donzelas

    Entrevista | Susanna Lira, diretora de Torre das Donzelas

    Com exibição durante o Festival do Rio e a Mostra de São Paulo, Torre das Donzelas surpreende por sua delicadeza e atualidade, e para entender um pouco mais sobre o filme, entrevistamos Susanna Lira, diretora do documentário. Confira a entrevista completa abaixo.

    Vortex Cultural: De onde veio o desejo de filmar um projeto como A Torre das Donzelas e qual foi a dificuldade de tirar as declarações das mulheres entrevistadas?

    Susanna Lira: O desejo por trás de A Torre das Donzelas vem muito da questão de apresentar uma narrativa feminina na luta contra a ditadura, na luta pela democracia. Acho que vários filmes foram feitos sobre o assunto, e poucos sobre mulheres. Faço isso até para ser coerente com a minha obra.

    Foi muito difícil, durante sete anos tentamos convencer as mulheres, umas eram muito eloquentes, outras não, e a confiança com essas mulheres foi sendo conquistada através dos anos, e elas foram se abrindo aos poucos, a medida que confiavam mais em nós, visto que estávamos nos conhecendo.

    Vortex Cultural: Além de você, quantas pessoas trabalharam coletando os depoimentos ?

    Susanna Lira: As entrevistas foram feitas só por mim, e foram realizadas em várias etapas, sendo a primeira na casa de uma delas, em 2012 senão me engano, mas só aproveitei duas frases desse pedaço, a outra foi feita em 2016, e que já foi no fundo preto e outra etapa de entrevistas já dentro da torre, ou seja, o trabalho foi dividido em três etapas.

    Vortex Cultural: Uma das melhores coisas do filme é a franqueza com que as entrevistadas falam. Em muitos filmes sobre a Ditadura Militar se nota um certo pudor com as palavras mais chulas, no seu filme não, as mulheres falam abertamente da violência que sofreram, usam termos como “curra” e denunciam abertamente os estupros sofridos, qual o motivo primordial para elas terem se aberto de maneira tão verdadeira com você? Você acredita que é por conta da solidariedade comum as mulheres ou os pudores foram deixados de lado após todo o sofrimento da tortura?

    Susanna Lira: Sobre essa questão delas se abrirem pro filme e usarem um palavreado bastante natural, é fruto do período em que íamos ganhando confiança, e assim elas iam se soltando, além de fatores externos que também influenciaram. Na iminência de acontecer o impeachment da Dilma (Rousseff, que também é entrevistada no filme) elas se soltavam ainda mais, pois julgavam urgente falar sobre o assunto, por receio de sofrer outro golpe.

    Vortex Cultural: Apesar de muitas entrevistadas você claramente tem uma estrela em seu filme, que é a ex-presidenta Dilma Rousseff. Como foi a entrevista? Lembro que em outros momentos, como quando foi entrevistada realizada por Mariana Godoy, ela se saiu muito certeira e firme em suas respostas, mesmo diante de perguntas complicadas e do momento que vivia. Minha sensação é equivocada ou ela pessoalmente parece mesmo uma pessoa talhada para lidar com a adversidade?

    Susanna Lira: A entrevista  foi feita já pós impeachment, e ela já tinha ouvido sobre o projeto do Torre, e isso a encorajou a participar. O bruto tem mais ou menos duas horas e eu considero do ponto de vista de raciocínio o depoimento dela brilhante, ela faz uma síntese do que aconteceu ali dentro de uma maneira bem construída, e isso fica claro no filme. Ela fala muito bem. Eu tenho uma entrevista de duas horas que eu poderia publicar sem cortes, uma entrevista bastante rica e você nota a entrega dela. As próprias companheiras de cela falavam isso sobre ela, e dentro da torre ela era uma líder.

    Vortex Cultural: Você já tem alguma ideia sobre um novo filme? Pensa em fazer ficção, visto que há partes teatrais em seu documentário?

    Susanna Lira: Eu tenho vários projetos em andamento, um sobre o comentarista e ex-jogador Walter Casagrande, outro sobre luta de terras no Brasil, ambos documentais. Além disso, eu já dirigi uma série para o Universal Channel, em 10 episódios, chamada Rotas do Ódio, e mais dois projetos de ficção em mente que estou em busca de recursos. De modo que, não vou fazer uma migração, acho que sempre farei documentário, mas quero trabalhar com ficção sem abandonar o trabalho como documentarista.

    Vortex Cultural: Como você acha que seu documentário conversa com a atualidade política do Brasil, em especial o que vem se demonstrando nas trocas de poder em 2019?

    Susanna Lira: Esse filme a principio era sobre memória, um período bárbaro que nós jamais gostaríamos que fossem repetidos, e infelizmente quando passa a ser exibido e fica pronto, quase narra os próximos passos políticos no Brasil. Uma das personagens até salienta que é importante relacionar o que elas viveram com o que estamos vivendo agora. Então, infelizmente, eu espero que não seja da mesma forma, que tenhamos liberdade e espaço de crítica e oposição, democrática e pacífica, e que a gente não precise repetir nada do que aconteceu, mas confesso que fico preocupada com a atualidade do filme. Qualquer outra pessoa diria “que coisa oportuna”, eu preferia estar inoportuna agora e não ter essa atualidade tão grande. Eu vejo muita semelhança com a narrativa que elas me passaram com o que está acontecendo no Brasil. Infelizmente.

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  • Crítica | Torre das Donzelas

    Crítica | Torre das Donzelas

    Documentário de Susanna Lira (Intolerancia.doc) a respeito do duro período da Ditadura Militar iniciado nos anos sessenta, Torre das Donzelas tenta resgatar e remontar as memórias de um grupo de mulheres que habitaram um presídio que tinha a mesma alcunha do filme, com a fala dessas pessoas quarenta anos depois delas terem sofrido tanto.

    A reconstrução do “quarto” onde as antigas prisioneiras se instalavam e o reencontro das moças – agora já mulheres – com essas memórias varia entre a pura emoção de algumas e a sobriedade de outras. Notar o quanto a tortura e o agouro dos autoritários agiu na mente e na lembrança de cada uma das suas vítimas é pesado, mas ao mesmo tempo é reconfortante ao se perceber o transbordar de braveza e coragem que essas senhoras transpiram.

    Há uma forte sensação claustrofóbica ao se apreciar o filme. Se a intenção da diretora era estabelecer o incômodo que as mulheres tiveram na época que estavam sofrendo com as “caixas de maldade”, o documentário acerta em cheio. Nas entrevistas e nos olhares das depoentes se nota o quão humilhante e desgraçados eram os métodos dos torturadores, que tratavam elas como objetos ou como humanos inferiores, vítimas de estupro – descritos com uma veracidade tremenda -, além de falar abertamente sobre os métodos medievais a que eram submetidas de uma maneira muito visceral e franca, sem qualquer receio ou vontade de não chocar o espectador. Elas falam em “curras”, e no desejo dos torturadores em provocar gozo nelas enquanto as mesmas sofrem (ou sofreram, já que o tempo dos discursos é no pretérito). Se não havia pudor dos que infligiam mal, não seria nas vítimas que isso ocorreria, e nesse ponto o registro em vídeo beira a perfeição.

    A empatia com as mulheres que aparecem em tela é estabelecida já no início, é preciso ser extremamente insensível para não se afeiçoar ou não se compadecer da situação que elas sofreram. Apesar de haver falas de famosas, a exemplo da ex-presidenta Dilma Rousseff, o que mais toca são as anônimas, pessoas honradas que tiveram suas peles, corações e mentes feridas.

    Os cenários onde acontecem as falas variam entre fundos pretos e reconstituições da tal torre, e em especial esse segundo faz criar uma atmosfera diferenciada, que remonta a memória das mulheres e que incrivelmente não as fez paralisar de medo, nem recriar o pânico que já as tomou ao longo da repressão, e o antídoto para isso certamente é a fibra dessas pessoas. A resistência ocorre apesar da fragilidade das mulheres que foram prisioneiras, basicamente porque os grilhões que as atavam eram físicos, a parte emocional delas obviamente foi tocada, mas não o suficiente para deixa-las inertes aos bons sentimentos, da camaradagem, tampouco foram desumanizadas. Todas elas são plenamente capazes de amar, de seguir a vida e ainda manter uma luta política com suas ideologias.

    Há algumas gorduras no  documentário, mas seu começo é tão certeiro e faz o público mergulhar tão profundamente no drama e na dor dessas pessoas que é impossível não ser levado pela emoção e compaixão geral. Os 97 minutos parecem mais longos do que realmente são, não por gerar enfado, mas sim pelo nível de intimidade que cada uma das mulheres dedica as falas, é como se quem assistisse conhecesse cada um daqueles testemunhos, e conhecesse também quem os declara. O cinema da diretora soa bastante maduro, em especial por saber equilibrar bem não só os momentos mais emocionantes de seu roteiro, mas também por harmonizar os sorrisos, confissões e claro intervenções suas como diretora, com uma sensibilidade ímpar, conseguindo equalizar a parte sentimental com a informativa muito bem.

    Torre das Donzelas soa como acalanto à alma, e serve de inspiração e esperança em um período tão caótico e cheio de incertezas quanto o quadro político pós-eleições.

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  • Crítica | Intolerância.DOC

    Crítica | Intolerância.DOC

    intolerancia

    Intolerância.DOC é um filme denúncia, registrado pela diretora Susanna Lira (de Levante e Damas do Samba), que investiga os crimes de intolerância geral, com o auxílio da DECRADI (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância), que é o regimento único no Brasil especializado neste assunto. Os pouco mais de oitenta filmes se dedicam a tentar fazer o público entender como o ódio acumulado pelo diferente pode resultar em crimes e práticas hediondas.

    O primeiro secto estudado é o ambiente das torcidas organizadas, em especial as paulistas Mancha Verde e Gaviões da Fiel. Os torcedores palmeirenses e corintianos tem por tradição a rivalidade e também o confrontamento físico entre as partes. Nesse pedaço, a documentarista entrevista figuras de ambas torcidas e se debruça sobre dois casos famosos de torcedores mortos, primeiro um do Palmeiras e outro do time alvi-negro.

    Toda a brutalidade desses confrontos é muito lamentada, tanto pela produção quanto pelos entrevistados, mas é curioso ver o mesmo Jânio Carvalho que era presidente da Mancha lamentar a violência extrema, uma vez que no produto internacional e também documental Real Football Factories o seu discurso era inverso, de confrontamento mesmo. Apesar de o longa querer validar alguns pontos de inclusão tanto do esporte quanto da torcida, é absurda a diferença de discurso entre este produto e o exibido no documentário via ESPN.

    Os causos e denúncias melhoram um pouco ao destacar crimes de homo e transfobia, normalmente entrevistando pessoas de São Paulo, mostrando a metrópole não só como o lar de diversas tribos, mas também como um ponto de encontro para diversas ideologias extremas e fundamentalistas. A resistência e a entrega dos nomes dos culpados à polícia serve não só como tentativa de reparação, mas também como um grito libertário de quem apanha e sofre unicamente por ter uma orientação sexual diferente da maioria vigente. Essa barbárie é muito bem registrada pelas lentes de Lira.

    De todos os nichos investigados, o mais curioso é o presente no ambiente dos punks, mostrando os carecas do ABC, os grupos nazi-fascistas e claro os anarquistas e marxistas que habitam a cena e o movimento. Há entrevistados dos dois lados, tendo até a inclusão de bandas como Os Inocentes e Cólera entre imagens de arquivo e depoimentos diretos. Para quem não está acostumado ao movimento do punk rock, talvez soe estranho que as mesmas músicas inspirem tanto um discurso progressista quanto um reacionário, mas ambas segmentações de fato existem e são muito mais comuns do que se imagina. O que é realmente contraditório é o fato de um sujeito ouvir as letras que destroem o sistema e ainda assim associar todo esse cenário ao discurso de um militar autoritário como é o caso de Jair Bolsonaro, que durante o filme, é alçado ao papel de figura de governo adorável, por parte de um dos ex-skin heads que cometia crimes raciais e homofóbicos.

    A coragem dos cinegrafistas é sui generis, principalmente quando se inserem nos conflitos. A estratégia de embaçar as lentes ao mostrar os entraves é inteligente, pois deixa tudo turvo para que o espectador tire suas próprias conclusões entre um discurso e outro, pendendo é claro para o deboche e desconstrução de tudo que é ligado a extrema direita. Ainda assim, o ritmo de Intolerância.DOC cai vertiginosamente, ao ponto de parecerem dois filmes colados um no outro, além do que o repertório de sua diretora faz com que a expectativa em relação a detalhamento de informação seja menor, e mais econômica. A escolha estética não é necessariamente ruim e o filme está longe de ter uma temática boba, evidentemente, até por servir de voz a muitos excluídos, mas seu potencial de grandiosidade tinha tudo para levá-lo ainda mais longe.