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  • Entrevista | Beth Formaggini, diretora de Pastor Claudio

    Entrevista | Beth Formaggini, diretora de Pastor Claudio

    Filmes sobre a Ditadura rendem uma boa discussão, ainda mais nos últimos tempos, e Pastor Claudio é um documentário de Beth Formaggini que é cirurgico ao analisar uma figura controversa, Claudio Guerra, o Pastor Claudio,  que participou das sessões de tortura e para discutir o processo do filme conversamos com a diretora, com exclusividade;

    Vortex Cultura: Desde quando o projeto foi pensado e quando começou a ser produzido?

    Beth Formaggini: Quando saiu o livro Memórias de uma Guerra Suja, de autoria de Rogério Medeiros e Marcelo Netto, com depoimentos do ex-delegado do DOPS Cláudio Guerra em 2012, comecei a pensar em Ivanilda. Cláudio confessa no livro ter assassinado e ocultado corpos de militantes mortos na Operação Radar e no meu longa anterior Memória para Uso Diário Ivanilda Veloso procurava o marido desaparecido, Itair José Veloso, assassinado na Operação Radar. Então, pensei que ele talvez pudesse esclarecer o paradeiro de Itair e resolvi fazer o filme. Para mim Ivanilda encarna um dos “gritos” dentro do filme, ela pergunta para Cláudio, através de uma projeção, onde está seu marido, um dos poucos momentos que faz o pastor gaguejar. Fazer aparecer, dar visibilidade e “dizibilidade” aos agentes invisíveis e até hoje impunes que agiram nos porões da ditadura é gritar de outra maneira, porque é dar a ver e a ouvir essas ações por si mesmas gritantes e escondidas debaixo do tapete.

    VC: Em outras tantas entrevistas de Cláudio Guerra se mostra como um sujeito frio, calculista e repleto de detalhes são seus relatos, no entanto, em seu filme foi ao meu ver o melhor depoimento dele. Foi difícil pra você enquanto cineasta e para Eduardo Passos enquanto entrevistador conversar com ele? Em algum momento ele esboçou alguma reação diferente do que se vê dele em tela?

    BF: Cláudio foi um assassino responsável pela morte e incineração de pessoas desaparecidas que se opunham à ditadura brasileira apagando as marcas da violência do estado. Na volta à democracia, trabalhou na segurança pública replicando os métodos do passado e cometeu ainda outros assassinatos comuns. Suas motivações variam entre o orgulho em ser um cumpridor de ordens competente, um servo leal da luta contra o comunismo, o prazer de ser temido e o amor ao poder e ao dinheiro. Ora é um cristão arrependido, ora um assassino orgulhoso de seu trabalho.

    Neste filme me propus a enfrentar o que para mim era claramente o inimigo, criando um dispositivo que permitisse a ele se confrontar com sua própria história. Propus uma conversa entre Cláudio e Eduardo, um psicólogo clínico durante a qual se projetam imagens de seus parceiros e vítimas nos permitindo ver a vinculação de Cláudio com a violência do estado praticada naqueles anos, além de perceber a sua frieza aterradora. Tratar o tema da violência do Estado entrevistando um agente da repressão foi uma tarefa muito difícil. Quando chamei o psicólogo Eduardo Passos para conversar com Cláudio Guerra queria alguém que fosse capaz de escutar, mas também que fosse um militante dos direitos humanos. Queria que ele trouxesse o personagem para dentro do filme e o convidasse a construir conosco o seu retrato, mas que tivesse uma posição a favor dos direitos humanos. Também optamos por não colocar Guerra no paredão, mas em nenhum momento Guerra ou o público deixaria de saber o lugar de onde falávamos. Em sua entrevista ao Forumdoc, Jean-Louis Comolli, autor de Ver e Poder nos orientou: “É preciso odiar o inimigo, sem dúvida, e combatê-lo sem piedade, mas para isso é preciso compreendê-lo e poder contar a história que é dele e que ele não conta.” Que nenhum deles conta. E não foi nada fácil essa convivência.

    VC: Imagino que a época que foi exibido Pastor Cláudio nos festivais, não se tinha noção completa de como seria o rumo das eleições federais. Como você acha que seu filme conversa com o futuro e presente político e que tipos de repressões descritas por Claudio Guerra poderiam se repetir na atualidade tendo em vista que os anos 2010 são diferentes de 1960/70?

    A grosso modo a mesma elite brasileira que forjou o Golpe de 64 e o sustentou por mais de 20 anos está hoje no poder. É claro que o que vivemos hoje é muito mais complexo e que mais de 50 anos se passaram mas não caberia me estender aqui. Não é por acaso que o atual presidente homenageia Ustra, um dos maiores assassinos e mais cruel torturador do regime militar. Nosso filme deixa claro que o que ocorreu em 64 foi um golpe civil, empresarial e militar que contou com o apoio de ruralistas, banqueiros e empresários, mas também de grande parte da sociedade que fingia não ver os crimes que eram cometidos. Quando Cláudio fala no filme que estes grupos são os mesmos de ontem e que estão se articulando para voltar ao poder o filme ganha uma atualidade impressionante, ele prenuncia o que virá a ocorrer dois anos depois.

    VC:  Como foi a preparação de Passos para conversar com Cláudio? Ele fez algo diferente ou especial?

    BF: Jean Louis Comoli nos ensina que se você quiser filmar o inimigo deve trazê-lo para dentro do seu filme. Nós nos preparamos muito para enfrentá-lo. Assistimos e debatemos muitos filmes junto com Marcia Medeiros, a montadora que depois somou-se a Julia Bernstein na montagem com a consultoria de Marta Andreu. Assistimos a documentários como Teodorico, O Imperador do Sertão, de Eduardo Coutinho, onde ele “cede a palavra” para um “coronel” nordestino dono de terras, de gentes e da política local. Os filmes Duch, Le Maîtres Des Forges De L’enfer e S21, de Rithy Panh também foram muito importantes para a construção de um ethos da entrevista no filme. Neles o documentarista cambojano Rithy Panh dá passagem à narrativa dos violadores de direitos humanos no Camboja trazendo à tona uma visão aterrorizante da história. Eduardo destaca a importância de fazer aparecer estas violações enunciadas pelo próprio violador também como uma forma de resistência.

    Assistimos muitas entrevistas dos agentes da Ditadura no site da Comissão Nacional da Verdade, lemos Hannah Arendt e os estudos sobre a ditadura nos anos 70, discutimos muito as entrevistas anteriores de Cláudio e preparamos uma pauta muito precisa. Mas ao meu ver a prática da psicologia clínica de Eduardo teve um papel muito importante.

    VCDepois de ter trabalhado em um filme cujo foco narrativo é na fala de um homem que colaborou demais com o regime civil militar, e de ter tido contato pessoal com o mesmo, como você pessoalmente enxerga a digestão que ele fez do passado? Acredita que ele está realmente arrependido ou que é algo da boca para fora, movido por obrigações religiosas?

    A conversão de Cláudio e sua decisão de contar a sua versão dos fatos não foi assunto de nossas conversas. Nosso foco foi realmente a recuperação da memória sobre a repressão que se abateu sobre o Brasil naqueles anos e a sua repercussão nas práticas de desrespeito aos direitos humanos no período de exceção até os dias de hoje. O resultado do dispositivo criado pelo filme é nos colocar em presença não só de Cláudio mas de toda uma engrenagem que atuou na Ditadura Civil Militar e continua ativa até hoje, usando as milícias e esquadrões da morte como ferramenta, vide casos como a assassinato de Marielle e Anderson, ou o desaparecimento de Amarildo, além das inúmeras lideranças indígenas e camponesas assassinadas no país.

    Este jogo de cena que Cláudio concorda em jogar conosco nos permite não só reconstruir este período terrível da história do Brasil, mas também ver a vinculação de Cláudio com a violência de Estado praticada na ditadura militar. Também vemos a sua frieza aterradora. O filme nos faz sentir que este terror faz parte de nossa vida cotidiana dentro de uma total normalidade. O que ocorre em Pastor Cláudio é algo inesperado. O que me passou e que acho que poderá passar com o público é surpreendente. Nos damos conta que o monstro também é uma pessoa. Esperava ver um monstro com chifres e rabo e encontrei uma pessoa e este fato nos faz pensar na banalidade do mal como algo que vivemos cotidianamente. Assim, vemos diariamente notícias das mortes de jovens assassinados pela polícia e a sociedade não se rebela contra esse genocídio. Sabemos que presos são torturados e poucos se importam e se mobilizam. O mais grave é que estas poucas vozes estão cada vez mais em risco nos dias de hoje. A violência dos homens e do Estado continua a nos assombrar no Brasil e no mundo onde a vida humana já não vale mais nada. O filme nos faz viver esta experiência aterradora pois também nos põe um espelho diante dos olhos.

    VC: Qual é a sua visão particular sobre o personagem que é o Pastor Claudio? Você acha que há alguma criação consciente do personagem ou você acha que Claudio Guerra é realmente quem aparece no seu filme?

    Com este filme decidi enfrentar o que para mim era claramente o inimigo. Para isto encontrei um dispositivo forte que permitisse que Cláudio se encontrasse com sua própria história. Lhe propus uma conversa com um psicólogo durante a qual projetava imagens de arquivos da Comissão da Verdade, fotos de jornais, notícias e filmes relativos à sua trajetória.

    Quando um personagem depara-se com um dispositivo fílmico ele se transforma não só num ator mas também em um autor que cria o seu autorretrato para o filme desenvolvendo uma narrativa sobre si próprio, uma performance. Seria ingênuo acreditar em verdades neste caso, mas às vezes no discurso, nas palavras e nas suas frestas aparece alguma coisa próxima do real. Embora ele tenha criado este personagem frio e monocórdio, Cláudio reage com orgulho dos seus atos quando fala que tem mais credibilidade do que seu opositor que o contradiz porque o outro apenas ouviu falar dos crimes de ocultação de corpos, mas ele – Cláudio – foi o autor destes crimes. Chega a repetir três vezes: “Eu, eu, eu fiz!” Para nós o momento fílmico é o que importava, o “jogo de cena”, como diria Coutinho, que é jogado naquele momento. O filme capta esse “tempo presente” de interação entre Cláudio com o psicólogo e com as imagens projetadas.

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  • Entrevista | Álvaro Campos, diretor de Tá Rindo de Quê?

    Entrevista | Álvaro Campos, diretor de Tá Rindo de Quê?

    Na última quinta-feira (28/02), estreou nos cinemas o documentário Tá Rindo de Quê?, que se propõe a discutir o humor nos tempos da Ditadura. Para saber um pouco mais sobre o filme, conversamos com um dos diretores, Álvaro Campos. O documentário passou em alguns festivais, e agora correrá o circuito comercial. A conversa exclusiva você lê abaixo:

    Vortex Cultural: Desde quando surgiu a ideia do filme e como foi conduzir um longa-metragem a seis mãos (o documentário foi realizado em parceria por Campos, Claudio Manoel e Alê Braga)?

    Álvaro Campos: O filme surgiu de vontade de documentar a evolução do humor nacional na história. Há muito pouco produzido nesse sentido, e a reação excepcional do público jovem ao filme nos mostra que era um trabalho necessário. E sobre a condução, somos os três muito diferentes, em todos os sentidos. Negociar constantemente pra atender ao filme nos ajudou a contar e respeitar um registro plural da época, em que vozes dissonantes de personagens muito diferentes podiam co-existir, revelando de forma potente o espírito da época e suas múltiplas dimensões.

    Vortex Cultural: Duas falas me surpreenderam: Carlos Alberto de Nóbrega, no sentido de ter um asco enorme da repressão e tortura sobretudo pela época em que o documentário se debruça; e Roberto Guilherme (Sargento Pincel, do programa Os Trapalhões), que achava que na época da ditadura militar havia respeito. Curiosamente, esse último é um dos poucos que não condena o período. Foi difícil selecionar as falas dos entrevistados, deixar material de fora e encontrar o contraponto à visão negativa dos militares?

    Álvaro Campos: A gente partiu de uma lista de setenta entrevistados que pra gente formava o pilar da classe na época. E a partir das vozes deles – e não das nossas teses ou opiniões – o roteiro do filme nasceu. É lógico que imparcialidade absoluta não existe, afinal escolhemos as imagens, mas não cabia a nós buscar essa ou aquela opinião em busca do que nós pessoalmente consideraríamos contrapontos. Nos cabia criar um atmosfera em que as personagens falassem livremente e a partir de seus encontros e contrastes, revelar as sensações desses comediantes sobre esse tempo que, obviamente, não foram poucas. Nenhum de nós tinha a pretensão de esgotar o tema no filme gerando uma ideia de completude. E nem seria possível. São vinte anos de história. E cortar sempre é difícil, principalmente quando você tem a fala dos gênios do porte que tínhamos.

    Vortex Cultural: No final do filme existe um aperitivo sobre o novo documentário de vocês (Rindo à Toa). Existe alguma ligação entre os filmes? Qual a previsão de estreia para ele?

    Álvaro Campos: Sim, os filmes foram gravados juntos. O Rindo à Toa chega aos cinemas entre maio e junho. O objetivo é buscar uma trilogia que documente uma certa genealogia do humor brasileiro desde os anos 60. (Tá Rindo de Quê? vai de 60 a 80, Rindo à Toa vai de 80 a 2000). Assim mostraríamos que nenhuma voz daquelas é uma expressão independente, por maior que sejam seus nomes. Que todos aqueles mitos foram influenciados e influenciaram outros comediantes. E ao montar isso mapearíamos, mesmo que à grande distância, a evolução da classe e desse gênero artístico tão poderoso e popular. E que muitas vezes é muito menos creditado do que deveria em relação à contribuição que deu (e dá) à nossa cultura nacional.

    Vortex Cultural: Em atenção ao governo que subiu ao planalto, cujos principais nomes são bastante simpáticos ao período militar, e levando em conta que seu filme estuda as formas de humor brasileiro do passado, como você acreditaria que seria uma versão de Tá Rindo de Que? a respeito das comédias atuais?

    Álvaro Campos: Esse é um dos possíveis motes do que pode ser o terceiro filme da trilogia. Esperemos, até porque o objeto do filme está em plena atuação.

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  • Entrevista | Jean Santos, diretor de Superpina

    Entrevista | Jean Santos, diretor de Superpina

    A Semana de Cinema foi um festival interessante, e nele eu pude usufruir de filmografias completamente diferentes. Um dos longa-metragens mais surpreendentes foi Superpina: Gostoso é Quando A Gente Faz, do diretor Jean Santos. A breve conversa que eu tive com ele você confere logo abaixo.

    Vortex Cultural: Como surgiu a ideia de Superpina, de quando é a primeira versão e onde ele foi exibido primariamente? Sempre foi um desejo seu o filme ter esse caráter mutável? Uma das coisas que me impressionou demais, foi a música cantada pela Dandara no começo e final do filme, a  música é feita para o filme?

    Jean Santos: Surgiu de um conto que eu tinha escrito sobre dois rapazes e uma personagem que era funcionária do supermercado e nessa altura, a praia era mais cenário que o mercado, e aí isso foi transformado como roteiro de curta, eu tentei também como web-série, sempre tentando tirar do papel, e eu consegui ganhar um edital de curta e também de clipe que é inclusive sobre Paola, essa música que você citou, a música na verdade é de um músico paulista, Goemon, e eu conheci a música uma versão de Aninha Martins, e acho que vai ter uma trilha sonora que vão ser originais do filme, unidos a Paola é claro.

    Voltando ao filme, teve essa versão em curta em 2017, mas nós filmamos em 2016 por conta do edital que ganhamos dos videoclipes, montamos ele e passamos em Tiradentes, ganhamos o prêmio da crítica em Santa Maira da Feira, em Portugal, e o longa foi à terceira sessão (na 10 Semana), passou em Lisboa, no Festival Mix, na Mostra Panorama e na Competitiva da Semana.

    Vortex Cultural: O filme já tem previsão de estreia no circuito ou está em negociação para compra por alguma distribuidora?

    Jean Santos: Não tem previsão de estreia, estamos correndo os festivais e, é como tu falou e eu falei também, é mutável e desde sempre essa coisa de ver o filme em longa, curta, clipe, em embalagens diferentes, cada um escolhe como quer assistir, no celular ou no festival de cinema, na televisão, porque as vezes esses (tipos de) filmes ficam muito restritos a bolhas e como ele é transgressor, ao meu ver, e como traz um Nordeste diferente, traz diversas telas e eu acho importante que isso se propague. Os festivais são importantes e essa coisa (das pessoas saírem) é angustiante, pois dá uma mostra um pouco de como está nosso país e para sei lá onde estamos existindo, mas a gente resiste. Primeiro existe e depois resiste e essa foi a minha forma de existir com esse filme, assim um pouco louco, um quebra-cabeça montável.

    Vortex Cultural: Você já tem algum outro projeto de cinema em mente, se sim, pretende continuar a falar sobre libertação e liberação da libido?

    Jean Santos: Tenho mais dois ou três projetos em mente, em desenvolvimento talvez, um roteiro de longa que se chama Prainha da Pedra, que já tem os personagens e locações selecionados, mas ainda não tem dinheiro então vamos esperar. Tem outro que ainda não sei se é curta ou longa chamado Chalana Noturna. Por fim, tem outro roteiro que estou escrevendo para Dandara (de Morais) dirigir, e nele talvez eu seja ator (diz sorrindo).

    Vortex Cultural: Como você acha que as repetições de ciclos ajudam seu filme a ficar na mente do espectador? E em que ponto os slogans dos produtos no mercado (para mim uma das coisas mais legais do filme) ajudam a explicar o que é o Amor Primo tanto dito no filme?

    Jean Santos: Eu concordo que os slogans são ótimos, e elas explicam de certa forma o Amor Primo, mas o Amor Primo está sendo explicado aos poucos. As pessoas me falam que o Fofão é marcante, a voz do mercado, as músicas…

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  • Entrevista | Susanna Lira, diretora de Torre das Donzelas

    Entrevista | Susanna Lira, diretora de Torre das Donzelas

    Com exibição durante o Festival do Rio e a Mostra de São Paulo, Torre das Donzelas surpreende por sua delicadeza e atualidade, e para entender um pouco mais sobre o filme, entrevistamos Susanna Lira, diretora do documentário. Confira a entrevista completa abaixo.

    Vortex Cultural: De onde veio o desejo de filmar um projeto como A Torre das Donzelas e qual foi a dificuldade de tirar as declarações das mulheres entrevistadas?

    Susanna Lira: O desejo por trás de A Torre das Donzelas vem muito da questão de apresentar uma narrativa feminina na luta contra a ditadura, na luta pela democracia. Acho que vários filmes foram feitos sobre o assunto, e poucos sobre mulheres. Faço isso até para ser coerente com a minha obra.

    Foi muito difícil, durante sete anos tentamos convencer as mulheres, umas eram muito eloquentes, outras não, e a confiança com essas mulheres foi sendo conquistada através dos anos, e elas foram se abrindo aos poucos, a medida que confiavam mais em nós, visto que estávamos nos conhecendo.

    Vortex Cultural: Além de você, quantas pessoas trabalharam coletando os depoimentos ?

    Susanna Lira: As entrevistas foram feitas só por mim, e foram realizadas em várias etapas, sendo a primeira na casa de uma delas, em 2012 senão me engano, mas só aproveitei duas frases desse pedaço, a outra foi feita em 2016, e que já foi no fundo preto e outra etapa de entrevistas já dentro da torre, ou seja, o trabalho foi dividido em três etapas.

    Vortex Cultural: Uma das melhores coisas do filme é a franqueza com que as entrevistadas falam. Em muitos filmes sobre a Ditadura Militar se nota um certo pudor com as palavras mais chulas, no seu filme não, as mulheres falam abertamente da violência que sofreram, usam termos como “curra” e denunciam abertamente os estupros sofridos, qual o motivo primordial para elas terem se aberto de maneira tão verdadeira com você? Você acredita que é por conta da solidariedade comum as mulheres ou os pudores foram deixados de lado após todo o sofrimento da tortura?

    Susanna Lira: Sobre essa questão delas se abrirem pro filme e usarem um palavreado bastante natural, é fruto do período em que íamos ganhando confiança, e assim elas iam se soltando, além de fatores externos que também influenciaram. Na iminência de acontecer o impeachment da Dilma (Rousseff, que também é entrevistada no filme) elas se soltavam ainda mais, pois julgavam urgente falar sobre o assunto, por receio de sofrer outro golpe.

    Vortex Cultural: Apesar de muitas entrevistadas você claramente tem uma estrela em seu filme, que é a ex-presidenta Dilma Rousseff. Como foi a entrevista? Lembro que em outros momentos, como quando foi entrevistada realizada por Mariana Godoy, ela se saiu muito certeira e firme em suas respostas, mesmo diante de perguntas complicadas e do momento que vivia. Minha sensação é equivocada ou ela pessoalmente parece mesmo uma pessoa talhada para lidar com a adversidade?

    Susanna Lira: A entrevista  foi feita já pós impeachment, e ela já tinha ouvido sobre o projeto do Torre, e isso a encorajou a participar. O bruto tem mais ou menos duas horas e eu considero do ponto de vista de raciocínio o depoimento dela brilhante, ela faz uma síntese do que aconteceu ali dentro de uma maneira bem construída, e isso fica claro no filme. Ela fala muito bem. Eu tenho uma entrevista de duas horas que eu poderia publicar sem cortes, uma entrevista bastante rica e você nota a entrega dela. As próprias companheiras de cela falavam isso sobre ela, e dentro da torre ela era uma líder.

    Vortex Cultural: Você já tem alguma ideia sobre um novo filme? Pensa em fazer ficção, visto que há partes teatrais em seu documentário?

    Susanna Lira: Eu tenho vários projetos em andamento, um sobre o comentarista e ex-jogador Walter Casagrande, outro sobre luta de terras no Brasil, ambos documentais. Além disso, eu já dirigi uma série para o Universal Channel, em 10 episódios, chamada Rotas do Ódio, e mais dois projetos de ficção em mente que estou em busca de recursos. De modo que, não vou fazer uma migração, acho que sempre farei documentário, mas quero trabalhar com ficção sem abandonar o trabalho como documentarista.

    Vortex Cultural: Como você acha que seu documentário conversa com a atualidade política do Brasil, em especial o que vem se demonstrando nas trocas de poder em 2019?

    Susanna Lira: Esse filme a principio era sobre memória, um período bárbaro que nós jamais gostaríamos que fossem repetidos, e infelizmente quando passa a ser exibido e fica pronto, quase narra os próximos passos políticos no Brasil. Uma das personagens até salienta que é importante relacionar o que elas viveram com o que estamos vivendo agora. Então, infelizmente, eu espero que não seja da mesma forma, que tenhamos liberdade e espaço de crítica e oposição, democrática e pacífica, e que a gente não precise repetir nada do que aconteceu, mas confesso que fico preocupada com a atualidade do filme. Qualquer outra pessoa diria “que coisa oportuna”, eu preferia estar inoportuna agora e não ter essa atualidade tão grande. Eu vejo muita semelhança com a narrativa que elas me passaram com o que está acontecendo no Brasil. Infelizmente.

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  • Entrevista | Daniel Gonçalves, de Meu Nome é Daniel

    Entrevista | Daniel Gonçalves, de Meu Nome é Daniel

    Entrevistamos com exclusividade o diretor e roteirista Daniel Gonçalves, estrela e criador do longa Meu Nome é Daniel. Conversamos com ele e o resultado você logo abaixo.

    Vortex Cultural: Seu filme é bastante inspirador e pessoal. Há coisas ditas e mostradas nele que claramente só ocorrem tão bem e com caráter tão verdadeiro porque foi o próprio biografado que fez. Te pergunto desde quando há esse desejo em contar essa história?

    Daniel Gonçalves: A história começa com um curta, que eu fiz em 2014 chamado Como Seria, e nesse curta eu tento imaginar como seria a minha vida se eu não tivesse essa deficiência. A princípio eu fiz esse curta para um desses concursos de internet, mas acabou não indo para frente, e depois disso eu decidi lançar o filme no Facebook e no youtube, e o vídeo viralizou. Ao analisar toda a repercussão percebi que havia mais história para ser contada. Assim eu comecei a desenvolver o projeto do longa, que começou em 2015, com um campanha de financiamento coletivo, e através dessa campanha com a TV Zero, e o Roberto (Roberto Berlinier) quis entrar, depois disso ganhamos o primeiro edital, então a história começa de 2014 para cá.

    Vortex Cultural: Dada a qualidade do filme, espera-se que você continue fazendo filmes, há ideias de contar outras histórias ou sua ideia é dar continuidade a outros acontecidos autobiográficos?

    Daniel Gonçalves: Sim, eu desejo e quero continuar fazendo filmes, e no momento eu, a minha produtora e mais alguns amigos estamos desenvolvendo três projetos: um documentário sobre um artista brasileiro Flávio de Carvalho, um documentário sobre sexualidade e pessoas com deficiência e um documentário sobre educação inclusiva. Desses, o que está mais avançado Acessexibilidade, que fala de sexualidade e pessoas deficientes.

    Vortex Cultural: Ao final do filme há uma reflexão sobre as suas dificuldades e facilidades. Onde você acha que a sua história te ajudou a montar um filme tão belo e inspirador?

    Daniel Gonçalves: Tiveram algumas coisas que colaboraram para isso… a primeira é o fato dos meus pais terem me gravado tanto, sem esse material de arquivo, dificilmente o filme existiria da maneira como ele é. Depois, a própria maneira como eu hoje enxergo cinema, em especial documentário. Eu tendo a gostar muito de filmes mais pessoais, de filmes que só o diretor mesmo pode fazer e o Meu Nome é Daniel só existe porque eu mesmo estou contando essa história. Apesar de eu saber que ele inspira as pessoas, nós tentamos tirar dele tudo que poderia causar uma emoção automática e barata, quase não há música, a minha narração é mais descritiva do que emotiva e a gente evitou ao máximo o clichê do coitadinho ou do cara “super foda”, quase como um arauto da superação, um super-herói. É um filme bonito, mas a emoção dele não é barata, é uma emoção muito legítima.

    Vortex Cultural: Há alguma negociação para que o filme entre em circuito comercial, se sim, quais são suas expectativas quanto ao público geral conseguir vê-lo?

    Daniel Gonçalves: Nós temos um contrato de distribuição com a Olhar Distribuição, de Curitiba. O filme entrará em circuito, e provavelmente, será lançado ano que vem. Eu espero que a carreira dele nos festivais seja positiva, e se ele passar de 10 mil espectadores eu ficarei muito feliz, pois é um número muito bom para documentários.

    Vortex Cultural: Ao terminar de assistir Meu Nome é Daniel dá  uma vontade de pegar uma câmera e partir pra gravação de um filme. Digo isso mais pela ternura da história e o modo de contar do que pelas dificuldades comuns de fazer arte no Brasil. Você imaginava que poderia causar isso nas pessoas que veriam seu longa?

    Daniel Gonçalves: Eu confesso que é a primeira vez que ouço que meu filme inspirou pessoas a quererem fazer filmes. Em relação a isso não imaginava que isso poderia acontecer, mas eu fico feliz, porque eu acho que a grande potência do filme é mostrar a riqueza dessas coisas que aparentam ser banais (refere-se a gravações de coisas de família) mas que num contexto do filme, quando é montado de uma determinada maneira, essas imagens podem ganhar uma força muito grande. Acho que no fundo a gente faz cinema para isso, pra gerar vontade, pra gerar desejo, pra gerar reflexão nas pessoas.

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  • Entrevista com o diretor de Cinema Lucas Sá

    Entrevista com o diretor de Cinema Lucas Sá

    Com Nua Por Dentro do Couro, um dos curtas de terror e sedução que foi exibido na Mostra Competitiva do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, o diretor maranhense Lucas Sá apresenta um cinema plástico, pautado em curvas femininas e no erotismo exacerbado pelos belos corpanzis de suas atrizes, fazendo valer a típica brasilidade que há na latente sexualidade tupiniquim e, claro, sem pudores ou temor de parecer politicamente incorreto.

    Ao conversar conosco, Lucas fala do curta exibido, destaca um pouco das influências que o levaram a fazer cinema a executar o ofício ainda tão novo e imberbe. Com apenas 21 anos, demonstra uma intimidade com a câmera típica de quem a conhece comvivacidade proveniente de sua pouca idade.

    Você havia citado anteriormente a influência de Brian De Palma (Carrie- A Estranha) e Dario Argento  no seu cinema. Queria saber se além deles você vê um pouco de Wes Craven, Lúcio Fulci e Roger Corman no seu trabalho.

    Talvez eu tenha visto tantos filmes de discípulos do Corman que talvez eu nem perceba mas certamente influenciou. Do Lucio Fulci tem muita da maquiagem. Citaria também Cronenberg, pois o tentáculo do monstro que fizemos é muito influenciado pela A Mosca, a coisa melequenta feita de látex e clara de ovo. Mas acho que a grande influencia mesmo é Argento no sentido de transformar a cena violenta em algo grandioso. A beleza exibida antes da violência, antes do gore. Sinto falta de algo mais palpável no cinema brasileira, tirando Rodrigo Aragão. Eu tentava me convencer de que no Brasil dá pra fazer isso, mesmo que tenha humor inserido na tela.

    Sobre direção de atores…?

    Bom, ás vezes eu me deixo levar. A Gilda (Gilda Nomacce, atriz que interpreta a “noiva” do monstro) começou a improvisar, fazendo uma cena de orgasmo que não ia ser exibida naquele plano, mas ficou tão boa que deixei. Ali foi ela que me dirigiu. Se estava tão bom, não tinha porquê tirar. O improviso dela é ótimo, perder o controle não é uma perda, essa interação de diretor e ator funciona bem, eu acho. Já Miriã Possani é mais contida, mas não quadrada, o que combina mais com o personagem. A Gilda tende a ir para o lado cômico, eu gosto. Até fiquei surpreso pelo filme ter passado aqui, por ser muito trash. Fico pensando em que os críticos (mais antigos) achariam do meu jeito de dirigir, se achariam imaturo…

     Você consegue passar para a tela as belas curvas de suas atrizes, como foi fazer isso?

    Meu intuito era seduzir mesmo o público. A intenção é essa desde o começo. Os filmes do Dario Argento sempre tem mulheres muito lindas. A beleza feminina em tela tem muito poder de causar muito impacto. Tem algo ali que me atrai. A Gilda mesmo sem maquiagem e acabada consegue erotizar muito, especialmente na cena do orgasmo que transita entre vários tons de sensualidade. Aumentada com a câmera lenta que aliada  a umamúsica excitante faz chegar a uma sensação orgásmica. Tudo a ver com as cenas de cunho lésbicos do filme.

    Como vocês fizeram o monstro?

    O monstro foi feito pela Gabriela Lamas, nossa diretora de arte, ela estuda comigo. Ela é excelente. Fez até o pé que é retirado da vítima. A criatura era a catarse do filme e foi feita de modo tosco, mas que ainda assim atinge o objetivo de chocar. Foi ela que operava o monstro. A produção custou seis mil reais, por isso preferimos não mostra-lo. Eu não vi o aparato até a a hora da gravação e acho que Gabriela fez isso de propósito. [Ri]. Ele é bem bonitinho no começo mas depois vai ficando feio. Ainda não há um corpo inteiro. Ele foi moldado em látex líquido e a gosma foi feita com clara de ovo e corante de bolo.

     Você disse que Nua Embaixo do Couro seria parte de um longa-metragem…

    O curta faz parte do longa, encaro como parte, semelhante ao que aconteceu com Hoje Eu Quero Voltar Sozinho e Eu Não Quero Voltar Sozinho (longa e curta de Daniel Ribeiro), com um complementando o outro. A ideia me assombra há uns cinco anos, sempre falava dele para os meus amigos, até que a Gabriela me convenceu a fazer e também passou a querer muito realizá-lo. Não acho que isso tira a potência nem do longa nem do curta. As lacunas deixadas no filme foram propositais, tudo está em seu devido lugar. Sobre o longa,  Gabriela e eu dirigimos um TCC de Cinema, dele talvez saia um edital de curta. É diferente do que já fiz, um drama-romance com bastante suspense. Uma direção compartilhada comigo fazendo o que já sei. Depois disso quero fazer um longa chamado Convite Para um Enterro com clima um pouco macabro e engraçado. Depois farei o longa de Nua mas dois ou três anos depois. Tenho uns quarenta minutos de gravação, mas para ficar perfeito teria que fazer um roteiro e incrementar mais.