Tag: Dilma Rousseff

  • Crítica | Alvorada

    Crítica | Alvorada

    Em 2016, época do impeachment de Dilma Rousseff, parte da classe artística ligada ao cinema sentiu forte o Golpe. Cineastas como Petra Costa, Anna Muylaert, Douglas Duarte e tantos outros prometeram dedicar seus esforços a contar essa história. Eis que, Alvorada finalmente chega ao público, somente em 2021 na mostra do É Tudo Verdade 2021, se juntando a Democracia em Vertigem, Excelentíssimos, O Processo, Já Vimos Esse Filme e até Não Vai Ter Golpe, filme do MBL contando a narrativa dos opositores do PT. Muylaert retorna para o cinema documentário a fim de revelar mais uma vez a podridão dos bastidores do poder em Brasília, junto a codiretora Lô Politi, a mesma que conduziu o ficcional (e curioso) Jonas.

    As diretoras tentam  abordar o filme de  forma semelhante a que Eduardo Coutinho fez em Peões, mostrando os bastidores de baixo, os funcionários não endinheirados, assalariados baixos, que nem sequer estão com microfones. Até personagens celebres, como o ex-ministro José Eduardo Cardozo são mostrados muito de perto, chegando ao cúmulo dele ser mostrado com roupa de ciclista, já que ele pedalava até o planalto enquanto trabalhava em Brasília.

    O filme soa datado, o impeachment ocorreu em 2016. ainda há uma “desculpa” por parte de Muylaert de que o seu roteiro era profético e precisava dos fatos para se comprovar assim. Fato é que muita coisa aconteceu de 2016 até atualidade, ainda mais em tempos pandêmicos. A promessa de filme experiencial resulta em algo anacrônico.  Muylatert já foi mais inspirada, mesmo em suas  obras ficcionais ela conseguiu tocar em assuntos mais sensíveis, em Mãe Só Há Uma e Que Horas Ela Volta? se falou no papel da maternidade, também foram abordadas questões de identidade de gênero, abandono parental e ascensão da Classe C, temas caros a qualquer pensamento progressista, aqui, o que se assiste é apenas repetição. Alvorada até tenta tratar de alguns desses assuntos, e é muito bem vindo que sua câmera acompanhe os trabalhadores braçais e o proletariado, mas o intuito de entender o que o Brasil se tornou e como o povo foi iludido ao ponto de aderir a um discurso fascista não é sequer arranhado.

    Possivelmente se o filme tivesse sido lançado antes, como era previsto, teria outra digestão, mas se torna quase uma piada em 2021 verificar isso, uma vez que ele é preso num pedaço do tempo completamente diferente de seu lançamento, e não faz questão nenhuma de aplacar essa sensação, ao contrário, soa pretensioso ao extremo.

  • Resenha | De Que Lado Você Está? – Guilherme Boulos

    Resenha | De Que Lado Você Está? – Guilherme Boulos

    A extrema direita comanda o Brasil em 2020 e assim o isola, nas trevas da ignorância e da radicalização sobre tudo e todos. E a esquerda, com isso? Mais perdida e bombardeada que cego em tiroteio, segue colhendo os cacos da demonização atribuída a ela – não apenas por seus erros do tempo do PT, mas para manter no poder vigente o fascismo que assolou o ex-país colorido e amoroso do Carnaval. De certa forma, De Que Lado Você Está? expõe e analisa a conjuntura política, econômica e social de 2014 pra cá, ostentando uma ingenuidade com gosto de esperança quanto a uma mudança sociopolítica, reconhecendo porém que o Brasil possui problemas estruturais e crônicos que só boas intenções jamais irão resolver. Mas Guilherme Boulos é um humanista, e ler suas palavras e reflexões urbanas sobre São Paulo e o Brasil pode ser um bálsamo para tempos de negação do Governo Federal até mesmo acerca de uma pandemia global no século XXI.

    Longe de portar um elitismo em suas análises, o realismo de Boulos serve para transmitir soluções e críticas aos erros e vícios da nossa mídia, da nossa política e nossos valores nacionais. Não é novidade para ninguém que a corrupção é sobrenome do Brasil, e que desde o “impeachment” de Dilma Rousseff, racistas e homofóbicos e neonazistas saíram do armário empoderados por um discurso de ódio e confronto. Em menos de 5 anos, a política do “todo mundo ganha” de Lula morreu, empurrada pelas crises econômicas externas e a lógica do “tem que matar uns 30 mil pra dar jeito nesse Brasil, tá okay?!?!”. Boulos investiga a engrenagem e a mentalidade destas eras políticas, e nos leva a refletir, por um viés solidário, os seus apelos temporários e as suas consequências a médio e longo prazo para com o cidadão e sua vida em comunidade. O Brasil nunca deixou de ser uma continental Casa Grande, cuja “elite”, ao ver o filho negro da empregada fazendo pós-doutorado na USP, resolveu parar com essa palhaçada.

    Custasse o que for. Em poucas páginas, Boulos esclarece a estratégia e a tática da esquerda brasileira, para garantir o bem estar das classes médias e baixas, e o fim da radicalização partidária para enfrentarmos, juntos, os poderosos e seus serviçais no Governo, e na mídia, por trás deste projeto de desmonte e emburrecimento do Brasil. Com foco prioritário em São Paulo em seus 42 artigos publicados de 2014, a 2015, já prevendo o fenômeno “mitológico” de Jair Bolsonaro, João Dória, Ricardo Salles e outras gárgulas do submundo, Boulos revira desde o lado obscuro do transporte público paulistano (a cartelização e os negócios ilícitos por trás das concessões de milhares de ônibus e micro-ônibus, em São Paulo), até o pensamento coxinha do sul e sudeste, e o custo do neoliberalismo no (inexistente) progresso da nação. De Que Lado Você Está? destrincha as feridas abertas do país, e sobretudo simboliza a esperança de uma figura política de esquerda para com um futuro menos contraditório, e mais humanitário, nesta década de 2020 a frente.

  • Crítica | Excelentíssimos

    Crítica | Excelentíssimos

    Narrado pelo próprio diretor Douglas Duarte, Excelentíssimos é mais um dos filmes que tenta documentar o processo de golpe/impeachment de Dilma Rousseff. Apesar de esse ser um assunto de interesse nacional é também um projeto muito pessoal do cineasta. Para traçar seu panorama, ele busca voltar a 2014, eleição que fez Dilma se reeleger pelo Partido dos Trabalhadores, no quarto mandato do partido e esse resgata se dá por conta do cineasta achar que ter autorização para filmar o congresso em 2016 é pouco para ter uma visão realmente crítica sobre todo o processo.

    Depois dos preâmbulos, o filme foca nos olhos de Dilma, Aecio Neves e até de Michel Temer, em material de campanha, quando o quadro ainda não parecia tão calamitoso. Aecio cumpriria todo o script de bom perdedor, embora tenha mudado de ideia muito rapidamente, abrindo mão dessa postura de aceitar a derrota ou só despistando para sua real intenção de tomar o poder, mesmo que a força. Duarte gasta um tempo mostrando um congresso do PSDB, encabeçado por Fernando Henrique Cardoso, que deliberadamente dá voz ao senador de São Paulo Aloysio Nunes, afirmando que o que ele falar, virará manchete de jornais e revistas (e ele está certo). Nunes, que foi candidato a vice em 2014 afirma duas coisas importantes, que não há como governar sem o PMDB (atual MDB) e que o impeachment é como uma bomba atômica, é feita para dissuadir, e não para ser jogada, e eles (FHC e cia) jogaram assim mesmo.

    O registro de Excelentíssimos é bem inteligente, e compreende uma investigação minuciosa da oposição, fato totalmente necessário para entender o quadro político pintado ali. Aécio declarava em “campanha” em 2015 – apelidada por muitos de terceiro turno – que o PSDB era o futuro. Isso, em 2018  após o fracasso tucano no legislativo e executivo soa engraçado, e nas frases do ex-senador há o termo “lambança” ao se referir ao PT, que curiosamente casa, no filme e no noticiário político, com a verba de 45 mil reais pagos a Janaína Paschoal, a mesma que abriu o processo de impeachment e que foi eleita a deputada estadual mais votada da historia.

    O filme é dividido em capítulos, e o segundo é chamado de Aliança Desfeita, se refere ao rompimento de PT e PMDB e é aqui que é mostrada a aliança improvável de forças como Eduardo Cunha, Movimento Brasil Livre o MBL, os tucanos e a Fiesp. Também se explicita um caráter rachado no PMDB, com Cunha aparentemente de um lado (embora isso seja muito discutível) e Temer e PSDB de outro. A exposição do comercial do PMDB, de aproximadamente 10 minutos e conduzido por Fernanda Hamalek deflagra o desejo deles de assumir o comando do país a qualquer custo. Não era período de eleições, no entanto Cunha, Renan Calheiros, Helder Barbalho, Romero Jucá protagonizavam a peça como se fossem celebridades. A escolha da montagem por colocar Paulo Skaf, da Fiesp logo após esses momento não é à toa, uma vez que ele foi candidato do MDB ao governo de São Paulo e por pouco não foi ao segundo turno.

    Na parte 3, fala-se bastante do impedimento de Luiz Inácio Lula da Silva de subir ao posto de  ministro da Casa Civil. Apesar do documentário ter um volume de informações considerável, a maior parte desses dados são mostrados de uma forma correta, a mostra do planejamento do PT em trazer Lula para tentar negociar a permanência de Dilma no poder é feita em contraponto ao esforço midiático do juiz Sergio Moro em desmoralizar a figura do politico também agindo como um político. É bastante detalhada a operação feita pelos mandatários da Lava Jato, a descrição da Medida Coercitiva e o espetáculo pirotécnico envolvido.. Mas o filme não é complacente com o Partido dos Trabalhadores, e põe a interrogação do porque o partido ainda acredita em ações jurídicas e porque ainda insiste em usar essa estratégia, mesmo sabendo que o jogo é viciado.

    Excelentíssimos julga o próximo ministro da Justiça Moro, mostrando que ele tinha uma pressa política e que os grande meios da imprensa o ajudaram nisso, tentando transformar a subida ao ministério como uma movimentação de fuga da alçada da Lava Jato, e a maioria dos argumentos desses opositores se baseavam em áudios vazados ilegalmente, com pedidos de esfihas, piadas em graça, falas com amigos, e que para esses, vale até que possíveis provas cabais.

    Há um personagem deplorável que Duarte acompanha, , o deputado Julio Lopes do PP do Rio de Janeiro, que  fala barbaridades e destila preconceito, mas em uma coisa Lopes está correto, o PT só queria atrasar o processo de decisão ou não pela saída de Dilma, mas isso não ocorria pela inércia do partido e sim pelo jogo de cartas marcadas, como já foi muito bem discutido em O Processo.

    A voz que o cineasta dá a oposição e não só ao PT e aliados é um diferencial que faz desse documentário um bom retrato do que foi toda a movimentação política. Do lado petista, o deputado Silvio Costa se destaca como articulador governista, incrédulo de que aquilo prosperará, denunciando que aquele movimento cheirava a elite paulistana ingrata e dizia que a  guerra de verdade era no plenário. Apesar dos seus prospectos estarem errados, seu julgamento foi correto. Enquanto isso, quando Miguel Reale e Janaina prestam depoimentos, falam brevemente sobre as pedaladas e muito sobre corrupção, crimes dos quais Dilma não participou e sim os que capitaneiam a comissão de investigação. Para o leitor menos atento pode parecer que o filme é tendencioso, mas essa parte em especifico não é, realmente os juristas falaram muito mais de corrupção do que o motivos das pedaladas mesmo.

    Lembro que ao assistir Eduardo Cunha falando na câmara, havia um cinismo absurdo, típico de quem jamais temeu qualquer ação da justiça e Douglas Duarte também traz esse aspecto ao centro das discussões.  Mesmo achincalhado no plenário, o até então presidente da câmara permanece frio diante das falas e insultos contra si,  na maior parte desses momentos critico e criticado estão no mesmo enquadramento. Ri e conversa como se não houvesse nada ali. Ao mesmo tempo o filme destaca a tentativa de reaproximação de Dilma dos movimentos populares, ainda que tardiamente, e também a julga, mostrando que demorou-se muito para o PT retomar as bases, erro esse que também se mostrou existente nas eleições de 2018.

    Na escolha por julgar alguns personagens, o longa beatifica a figura de José Eduardo Cardozo, em uma tomada de uma nitidez absurda,  com um close que quase invade a alma do advogado de defesa, assim como trata o deputado Carlos Naum como um mentiroso debochado com o povo, uma vez que quando ele se refere a Cunha ele alega que não é responsabilidade da câmara julga-lo já que o povo pode fazer isso, e com Dilma a mesma regra não vale.

    Ainda há espaço para analisar Jair Bolsonaro que se declarava pré candidato em 2016. A câmera foca um bom tempo na estranha figura quando ele  ainda era do PSC (o futuro presidente ainda trocaria de partido duas vezes antes do pleito) e o que se vê é um discurso demagógico, bufão, debochado, raso e sectário, prega uma união onde uns são mais iguais que os outros, apelando para chavões como ser contra o coitadismo. Aqui já havia o slogan Brasil Acima de Tudo, Deus Acima de Todos. Também é mostrado Onyx Lorenzoni, em uma reunião do PSDB e o registro dos bastidores mostra o baixo clero agindo, normalmente evocando mentiras, como um suposto projeto de lei que permite operação de troca de sexo para crianças.

    No final de Excelentissimos, Duarte narra os rumos de cada um dos envolvidos no impeachment, destaca falas de Dilma, de que a democracia será sempre o lado certo da historia, alem da de Temer, que repete irritantemente a frase que o marcou como presidente, não fale em crise, trabalhe. A governabilidade do PT tão criticada pela oposição é também usada por Michel e o documentário flagra o silêncio ensurdecedor de todos, inclusive relacionando o caso de Geddel Vieira (onde foram encontrado mais de 50 milhões em casa) e a falta de protestos relacionados a isso é impressionante, mas Duarte não é ingênuo, denuncia também os erros estratégicos do partido que governou o país nos últimos anos, mesmo que ponha em contraponto as injustiças cometidas contra o governo do partido, e é nesse ponto que seu filme se torna ainda mais poderoso, por não julgar que há inocentes puros e simples em todo esse processo.

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  • Crítica | Torre das Donzelas

    Crítica | Torre das Donzelas

    Documentário de Susanna Lira (Intolerancia.doc) a respeito do duro período da Ditadura Militar iniciado nos anos sessenta, Torre das Donzelas tenta resgatar e remontar as memórias de um grupo de mulheres que habitaram um presídio que tinha a mesma alcunha do filme, com a fala dessas pessoas quarenta anos depois delas terem sofrido tanto.

    A reconstrução do “quarto” onde as antigas prisioneiras se instalavam e o reencontro das moças – agora já mulheres – com essas memórias varia entre a pura emoção de algumas e a sobriedade de outras. Notar o quanto a tortura e o agouro dos autoritários agiu na mente e na lembrança de cada uma das suas vítimas é pesado, mas ao mesmo tempo é reconfortante ao se perceber o transbordar de braveza e coragem que essas senhoras transpiram.

    Há uma forte sensação claustrofóbica ao se apreciar o filme. Se a intenção da diretora era estabelecer o incômodo que as mulheres tiveram na época que estavam sofrendo com as “caixas de maldade”, o documentário acerta em cheio. Nas entrevistas e nos olhares das depoentes se nota o quão humilhante e desgraçados eram os métodos dos torturadores, que tratavam elas como objetos ou como humanos inferiores, vítimas de estupro – descritos com uma veracidade tremenda -, além de falar abertamente sobre os métodos medievais a que eram submetidas de uma maneira muito visceral e franca, sem qualquer receio ou vontade de não chocar o espectador. Elas falam em “curras”, e no desejo dos torturadores em provocar gozo nelas enquanto as mesmas sofrem (ou sofreram, já que o tempo dos discursos é no pretérito). Se não havia pudor dos que infligiam mal, não seria nas vítimas que isso ocorreria, e nesse ponto o registro em vídeo beira a perfeição.

    A empatia com as mulheres que aparecem em tela é estabelecida já no início, é preciso ser extremamente insensível para não se afeiçoar ou não se compadecer da situação que elas sofreram. Apesar de haver falas de famosas, a exemplo da ex-presidenta Dilma Rousseff, o que mais toca são as anônimas, pessoas honradas que tiveram suas peles, corações e mentes feridas.

    Os cenários onde acontecem as falas variam entre fundos pretos e reconstituições da tal torre, e em especial esse segundo faz criar uma atmosfera diferenciada, que remonta a memória das mulheres e que incrivelmente não as fez paralisar de medo, nem recriar o pânico que já as tomou ao longo da repressão, e o antídoto para isso certamente é a fibra dessas pessoas. A resistência ocorre apesar da fragilidade das mulheres que foram prisioneiras, basicamente porque os grilhões que as atavam eram físicos, a parte emocional delas obviamente foi tocada, mas não o suficiente para deixa-las inertes aos bons sentimentos, da camaradagem, tampouco foram desumanizadas. Todas elas são plenamente capazes de amar, de seguir a vida e ainda manter uma luta política com suas ideologias.

    Há algumas gorduras no  documentário, mas seu começo é tão certeiro e faz o público mergulhar tão profundamente no drama e na dor dessas pessoas que é impossível não ser levado pela emoção e compaixão geral. Os 97 minutos parecem mais longos do que realmente são, não por gerar enfado, mas sim pelo nível de intimidade que cada uma das mulheres dedica as falas, é como se quem assistisse conhecesse cada um daqueles testemunhos, e conhecesse também quem os declara. O cinema da diretora soa bastante maduro, em especial por saber equilibrar bem não só os momentos mais emocionantes de seu roteiro, mas também por harmonizar os sorrisos, confissões e claro intervenções suas como diretora, com uma sensibilidade ímpar, conseguindo equalizar a parte sentimental com a informativa muito bem.

    Torre das Donzelas soa como acalanto à alma, e serve de inspiração e esperança em um período tão caótico e cheio de incertezas quanto o quadro político pós-eleições.

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  • Crítica | Já Vimos Esse Filme

    Crítica | Já Vimos Esse Filme

    Já Vimos Esse Filme é a versão de Boca Migotto para o golpe parlamentar aplicado contra oo mandato da Presidenta da República Dilma Rousseff. Diferente de O Processo, de Maria Augusta Ramos, esse é um documentário mais formulaico e começa com depoimentos, desde gente mais simples como o pregador que abre o longa, além de falas de acadêmicos como Francisco Marshall, Bernardo Lucero, entre outros.

    O lado do filme é facilmente visto. Na boca dos que falam a respeito do quarto governo presidencial com o Partido dos Trabalhadores no poder, há tanto o assumir da negligência quanto ao combate a corrupção que ocorre em Brasilia, e também dentro do próprio partido. Mesmo as pessoas comuns e mais simples que são enquadrados pela câmera tem um olhar crítico sobre o modo de governar petista, em especial aqueles que acham que os dividendos vindo da exploração do petróleo e do pré-sal devem ser divididos com o restante do povo e não loteado para empresas estrangeiras, até os que engrossam o discurso direitista da saída de Rousseff, que vociferam que as pedaladas fiscais justificam o impedimento do exercer da candidatura, assim como flagra boa parte da paranoia desses mesmos manifestantes, que acreditam piamente que a luta de classes que ocorre no Brasil é culpa de um partido, e não da desbalanceada diferença de renda entre os poucos ricos e os muito pobres e consequente dificuldade de conquista de direitos para esses últimos.

    O desenho politico histórico dos golpes que foram dados (ou tentados) no Brasil são muito bem explicitados, explicados de maneira didática, em especial por Lucero, que explica como a morte de Getúlio Vargas desacelerou a tentativa dos militares de tomar o poder e como ocorreu com Jango, afilhado politico de Vargas no anos sessenta.

    No entanto, a vazão ao discurso de que as manifestações de 2013 tiveram como legado apenas os movimentos contra o PT, pró-golpe, semelhantes a Marcha da Família Com Deus Pela Liberdade que ocorreu pré-intervenção de 1964 é extremamente equivocada, mesmo porque foi nessa época que surgiram coletivos como a Mídia Ninja e tantos outros, não somente os grupos como o MBL. Ainda assim, o fato de se dar voz a discursos diferentes mostra um caráter bastante universal, mesmo que claramente pese mais para o lado que acusa o processo todo como um golpe e não como um impeachment legítimo.

    O documentário se dedica a grifar o ciclo repetitivo, e mostrar o quão frágil é a democracia brasileira, argumentando bem sobre os pequenos ciclos em que o Estado Democrático de Direito segue intacto. Apesar de apelar para algumas obviedades, Migotto acerta demais ao ir na contramão do que a imprensa grande faz, dando muito mais voz aos opositores do governo que estavam no poder à época do que normalmente os granes jornais e redes de televisão davam aos que consideravam injusto e arbitrário todo o processo politico que culminou na subida de Michel Temer ao posto de presidente do Brasil.

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  • Crítica | Operações de Garantia da Lei e da Ordem

    Crítica | Operações de Garantia da Lei e da Ordem

    O novo filme de Julia Murat, com codireção de Miguel Antunes Ramos é um arremedo de reportagens, coberturas jornalísticas e flagrantes virtuais que tomam por base as manifestações de cunho progressista que ocorreram recentemente, em especial as que tomaram o Junho de 2013, os protestos que rodearam a Copa de 2014 e mais recentemente, os eventos no entorno do Impeachment de Dilma Rousseff. Operações de Garantia da Lei e da Ordem é dividido em atos, ou melhor em passos que visam mostrar o quão hipócrita e mesquinha é a busca pela manutenção do status quo, independente de quem está no poder.

    As primeiras cenas são da presidenta Dilma, que à época, usava seu espaço enquanto comandante em chefe eleita para falar de alguns dos atos mais agressivos dos manifestantes que tomavam as grandes cidades brasileiras. De certa forma, esse foi o modo do documentário denunciar a culpa do Partido dos Trabalhadores e seus representantes em torno da promulgação da Lei Antiterrorismo que possibilita a qualificar manifestantes como terroristas. No entanto, o filme prossegue criticando a mídia manipuladora, em especial a Rede Globo de Televisão e seus demais canais de comunicação.

    Há um debruçar aprofundado sobre as coberturas da mídia independente como Mídia Ninja, Coletivo Mariachi e até ao (hoje sumido) Rafucko, mostrando uma época em que praticamente todos esses canais estavam em uma fase embrionária e falando no mesmo tom e língua. A investigação dos cineastas inclui a culpabilização de Bruno Ferreira Teles, um rapaz que ficou famoso por ter sido acusado pela Polícia Militar do Rio de ter arremessado um coquetel molotov nos agentes da lei, sendo tudo isso desmentido graças as muitas câmeras que habitavam essas concentrações. Tal caso também foi bastante investigado em Encriptado (Black Code), de Nick de Pencier, que esteve presente no Festival do Rio, com a diferença que Pencier teve acesso a Bruno diretamente.

    Fora o azedume com o modo como a Globo conduz sua Central de Jornalismo, há pouca contestação factual, nem mesmo nos momentos em que se discute as acusações a Marcelo Freixo de ter ligação com os Black Blocks. A sensação ao final é de assistir a um medley dos melhores momentos a respeito de tudo o que aconteceu politicamente nas ruas a partir de junho de 2013, com uma ironia fina e discreta que na maioria dos casos, mostrou pouco ou nada do motivo que a fez vir e o trabalho de Murat e Ramos é mais de curadoria e estudo do que de viés criativo. Não há nada de pejorativo nisso, aliás bons filmes recentes se utilizam de imagens alheias. Doméstica, Pacific, Carnívora são apenas alguns exemplos recentes brasileiros, mas em Operações de Garantia da Lei e da Ordem era esperado um pouco mais de senso crítico, ou um viés de discussão minimamente desenvolvido.

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  • Crítica | Junho: O Mês que Abalou o Brasil

    Crítica | Junho: O Mês que Abalou o Brasil

    Há muito não se via um registro de cunho esquerdista explícito no Brasil. Há muito. A maioria utiliza-se de metáforas e manobras de marketing pra tapar o sol com a peneira. A famosa produtora O2 Filmes e o jornal Folha de São Paulo de posse de tais circunstâncias uniram fatos e relatos ao útil e agradável, dando voz ao povo, falando em tom publicitário e jornalístico o que o povo quer e fez ouvir, captando o devido caráter subversivo (para um tabloide que apoiou a ditadura e parece se redimir a quem não esquece disso). O efeito multidão, o resgate da repreensão policial (encontrada todos os dias nas periferias), a cobertura sacrificante dos tipos de imprensa dentro da unidade informativa: tudo em Junho representa, da forma mais clara e direta possível, o sentimento e a comoção pela representatividade almejada entre os semestres de 2013. Os responsáveis e as razões são levados tão a sério quanto a credibilidade que a maior produtora e o segundo maior jornal do país conseguem assegurar e manter durante a narrativa com fôlego de cobertura ao vivo.

    Em ordem cronológica, Junho se mantém, se expande e aumenta a carga de denúncia e reconstituição na proporção que as manifestações tomaram: um rastro de pólvora, indo muito além dos grandes centros, incluindo dentro do congresso de Niemeyer; a reputação do hino nacional e a reverberação acadêmica que não resistiram ao levante; a ira que profetizou Bob Dylan e fez roubar o destaque da dita “Copa de Todo Mundo” – sério? – e atrair a atenção do mais alto nível do judiciário brasileiro; do quarto poder celebrado nesta expressão em 1955,  usada pela primeira vez pelo teórico de comunicação norte-americano James Carey. Utilizando a avaliação de vários outros mediadores da opinião pública e do senso comum geral, percebe-se que:

    1. O documentário é um programa político de um canal de televisão disposto a atrair o cidadão que clama por mudanças civis;

    2. A investigação das motivações sociais e dos parlamentares, talvez anárquicas em ambos os casos, e próximas em suas afetações complementares, depende única e exclusivamente do espírito crítico de quem assiste e sente esta produção, só assim respondendo suas perguntas, tecendo o mérito da obra;

    3. É interessante, porém incompleto, o modo com que causa e efeito são redigidas, constatadas ao longo do material, do eco dos gritos, da contradição de um torneio mundial de futebol ser realizado num país exausto pela falsa confraternização esportiva, como se o paralelo das agruras entre a festa nos estádios vitoriosos e uma saúde/educação/segurança/previdência/população carcerária fracassadas ganhassem síntese pela panorâmica de um drone sobrevoando os protestos e movimentos. Senão pela ideia a partir do poder da imagem, o espectador é mais uma vez submetido à qualidade das informações que recebeu e recebe;

    4. Esse viés democrático também se contradiz por não dedicar um minuto à versão da Polícia Militar, por pior ou melhor que esta seja.

    Tamanha a certeira injustiça com os méritos das imprensas locais, o documentário e a Folha acertam por não irem além do foco ocorrido em São Paulo. Mas sugerem que em diversos estados e municípios brasileiros, com sensibilidade e prudência exaltadas, revelaram a mesma alma revolucionária que em 2014 não morreu, sobrevivendo por todo o território ainda marcado nas entrelinhas pela ditadura de anteontem. E o que começa como peça publicitária se revela, entre testemunhos e a relevância social de cada um deles, uma aquisição incansável e honesta até o último minuto, mas com forte gosto de vinagre à quem acha que tá tudo bem. Tá tudo tranquilo.

    Atualizado: Esta crítica foi escrita um dia antes das eleições de 2014, quando o Brasil ainda acreditava em mudanças estruturais no sistema civil que parece representar, sim, a maior parte do povo. Hoje, 06 de outubro, um dia após o resultado eleitoral, tudo continua igual, e Junho se torna, a partir de então, o manifesto de uma revolução que nunca aconteceu.

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